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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.61 Salvador ene./mar 2021  Epub 18-Oct-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v30.n61.p316-328 

ESTUDOS

A EDUCAÇÃO COMO “ÁGUA PARALÍTICA”: “NOVOS” RUMOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO

EDUCATION AS “PARALYTIC WATER”: “NEW” DIRECTIONS OF PUBLIC POLICY IN EDUCATION

LA EDUCACIÓN COMO “AGUA PARALÍTICA”: “NUEVAS” DIRECCIONES PARA LAS POLÍTICAS PÚBLICAS EN EDUCACIÓN

Caio Corrêa Derossi*  (UFV)
http://orcid.org/0000-0001-9762-7392

Joana D’Arc Germano Hollerbach**  (UFV)
http://orcid.org/0000-0002-3931-7836

Cecília Carmanini de Mello***  (UFV)
http://orcid.org/0000-0001-9082-2603

*Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Viçosa, Minas Gerais, Brasil.E-mail: derossi.caio@gmail.com.

**Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora Adjunto IV da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Viçosa, Minas Gerais, Brasil. E-mail: joana.germano@ufv.br.

***Mestre em Educação pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Professora de História do Colégio Supremo, Visconde do Rio Branco, Minas Gerais. E-mail: ceciliacarmanini@gmail.com.


RESUMO

Este artigo analisa a Lei nº 13.415/2017 e suas relações com as políticas públicas sugeridas pelo BID. Foi utilizado como método a pesquisa documental e como fonte a Lei da Reforma do Ensino Médio e o documento do BID Análisis del apoyo del BID a la Educación Secundaria. Conclui-se que há crescente implementação de ações de cunho neoliberal, impactando a educação, com o entendimento de um ensino formativo para o trabalho precário. As considerações finais apontam também para a gravidade da prática de tais políticas para a formação dos futuros docentes e dos estudantes filhos das classes trabalhadoras.

Palavras-chave: Educação; Políticas públicas; Ensino médio; Lei nº 13.415/2017

ABSTRACT

This article analyzes Law 13.415/2017, and its relations with the public policies suggested by the IDB. Documentary research was used as a method and the High School Reform Act and the IDB document Análisis del apoyo del BID a la Educación Secundaria was used as the source. We conclude that it is the increasing implementation of neoliberal actions, impacting education, with the understanding of a formative teaching for precarious work. Final considerations also point to the seriousness of the practice of such policies for the training of future teachers and students who are children of the working classes.

Keywords: Education; Public policy; High school; Law 13.415/2017

RESUMEN

Este artículo analiza la Ley 13.415 / 2017 y sus relaciones con las políticas públicas sugeridas por el BID. La investigación documental se utilizó como método y la Ley de reforma de la escuela secundaria y el documento del BID Análisis del apoyo del BID a la Educación Secundaria se utilizaron como fuente. Se concluye que existe una creciente implementación de acciones neoliberales, impactando la educación, con la comprensión de una enseñanza formativa para el trabajo precario. Las consideraciones finales también señalan la seriedad de la práctica de dichas políticas para la formación de futuros maestros y estudiantes que son hijos de las clases trabajadoras.

Palabras clave: Educación; Políticas públicas; Escuela secundaria; Ley 13.415/2017

Considerações Iniciais1

O título inspirado na poesia “Rios sem discurso”, de João Cabral de Melo Neto, publicada originalmente em 1966, no livro A educação pela pedra (MELO NETO, 1966), nos leva a refletir sobre as políticas públicas para a Educação Básica a partir da provocação da literatura, que consideramos como expressão artística e cultural de um povo e de uma época. A partir da poesia, nos deixamos afetar com os reflexos e com os fragmentos dos contextos macro e microssociais que participamos e vivemos. Em tempos de perseguição às artes, à cultura e à educação, a ousadia da literatura nos faz fortes frente aos ataques sofridos diariamente e, principalmente, em tempos de pandemia, como a que vivemos nesse ano de 2020.

Não bastassem os males e as dores da pandemia, a educação, bem como estudantes, trabalhadores técnicos e trabalhadores docentes acumulam os problemas da ausência de aulas presenciais e do consequente, contraditório e conflituoso trabalho remoto. Soluções apressadas, sobrecarga de trabalho, tarefas mal explicadas e mal compreendidas, e reconfiguração dos relacionamentos entre colegas e entre professor e aluno e do próprio cotidiano têm desorientado e desgastado os envolvidos, sem colaborar efetivamente para que o direito à educação seja garantido para todos.

Nesse contexto, a opção pelo uso da internet como canal de comunicação entre estudantes e professores para as atividades acadêmicas, e entre docentes e técnicos para o trabalho, tem escancarado a desigualdade na qual se funda a sociedade brasileira e, consequentemente, a educação e suas políticas neste país.

Percebe-se, neste momento dramático de pandemia, que as políticas não compõem um todo que se fortalece e se converte em rio caudaloso. Como “água paralítica”, muitas poças se fazem ao longo do curso do rio e, assim como a “palavra dicionária” de João Cabral de Melo Neto, é preciso pensarmos que políticas estanques não se comunicam; se tornam mudas, sem eco, sem voz (MELO NETO, 1966).

A proposta deste artigo é, portanto, discutir a Lei nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017), derivada da Medida Provisória nº 746/2016 (BRASIL, 2016a), e compará-la ao que propõe o Banco Interamericano de Desenvolvimento (DID) para as políticas educacionais do Brasil. Para tanto, a partir de uma noção de longa duração, para o melhor entendimento das questões postas, propomos refletir sobre as políticas educacionais, elencadas aqui como precursoras no Brasil de um paradigma técnico de ensino, bem como de uma visão não universalista da educação. Para tanto, são ressaltadas as categorias flexibilização do currículo e precarização do trabalho docente. Essas categorias aparecem na Lei e no documento do BID, de onde podemos concluir, de antemão e sem surpresa, a proximidade entre as recomendações dos bancos internacionais e as políticas públicas para a educação brasileira.

Para a análise aqui proposta, dialogamos com as pesquisas de Leher (2014), Evangelista e Leher (2012), Duarte (2010) e Kruppa (2016). Identificamos, como os autores, a permanência de práticas excludentes e historicamente duais, que mantêm a educação pública como um direito ainda por alcançar.

Percebe-se, ao fim e ao cabo, que tais políticas, que são filhas de um passado historicamente excludente e recentemente alicerçadas nos princípios neoliberais assumidos nos anos 1990, de forma mais contundente no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), aprofundam a desigualdade e consolidam a exclusão.

As políticas públicas para o ensino secundário como um manto de Penélope: diálogos fortuitos entre passado e presente

Sob o penhasco que anoitece,

o som das ondas vai rolando.

Penélope tece e destece.

O mar é onde, o tempo é quando.

(JUNQUEIRA, 2005, p. 168).

As políticas para a Educação Básica no Brasil, e dentre elas aquelas que são voltadas para o Ensino Médio, sofrem historicamente de descontinuidades, tal como o manto ou mortalha tecido por Penélope de dia e desfeito à noite. Assim, semelhante ao trabalho da esposa do viajante perdido Ulisses, personagens da obra de Homero (1978) intitulada Odisseia, as políticas públicas educacionais brasileiras padecem de uma histórica incompletude.

Desde o período republicano, as leis orgânicas, mas de modo totalmente fragmentário, buscavam dar conta das demandas da nova sociedade e da economia que se seguia ao novo regime político e administrativo do país. Longe de atender às necessidades de formação dos jovens na república nascente, aprofundaram o fosso entre quem tinha acesso e quem não tinha, que foi herdado da organização colonial e imperial. A despeito da novidade republicana, o descaso com a educação persistia como herança maldita. Tal descaso se estendeu por todo o século XX.

O período conhecido como o de redemocratização do país, que sucedeu o regime imposto pelos militares após o golpe de 1964, trouxe alterações no cenário educacional brasileiro. As novas perspectivas alçadas permitiram criarmos expectativas de ampliação do acesso e permanência de crianças e jovens historicamente excluídos na escola e, mais do que isso, permitiu-nos a esperança de consolidação de uma educação emancipadora, que significasse para a classe trabalhadora a diminuição da distância entre os que pensam e os que executam. Florestan Fernandes (1991), já na década de 1990, anunciava a expectativa de rompermos com os “privilégios intangíveis” e construirmos uma educação que trouxesse à classe trabalhadora a possibilidade de participar de forma ativa e consciente da sociedade. Todavia, é importante destacarmos que a legislação educacional brasileira foi dispersa e naturalmente fragmentada até a segunda metade do século XX. Ora propunha a organização do ensino secundário, ora revia as normas do ensino primário, e dispunha sobre o ensino técnico aqui ou sobre o currículo acolá, não guardando relação com o todo nacional e, ainda, deixando a cargo dos estados a normatização e definição de padrões que comporiam a colcha de retalhos mal costurada que cobria a educação nacional.

Em 1961, depois de treze longos anos de debates, foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei nº 4.024 (BRASIL, 1961), que marcou a sistematização da educação nacional e que buscava dar unidade às políticas educacionais. Entretanto, a iniciativa foi interrompida pela Lei nº 5.692/1971 (BRASIL, 1971), imposta pelo governo militar, que trouxe as primeiras alterações à LDB de 1961, impedindo que o projeto se implementasse por completo.

As mudanças trazidas pela Lei nº 5.692/1971 (BRASIL, 1971), quais sejam, a unificação do ginásio e do primário, dando origem ao primeiro grau e a alteração da nomenclatura do colegial para segundo grau, buscavam dar uma cara nova a esse segmento da Educação Básica. Em termos de equivalência com a atualidade, são o que conhecemos como o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, respectivamente.

Todavia, dentre as críticas à reforma do Ensino Médio da ditadura (como ficou conhecida a Lei nº 5.692/1971), a imposição da profissionalização no segundo grau foi provavelmente a mais contundente. Naquele ínterim, estava determinado pelo texto legal que o segundo grau deveria promover a habilitação profissional, mediante definições curriculares do Conselho Federal de Educação (CFE) (BRASIL, 1971). O texto legal trazia em seu artigo 4o, o parágrafo terceiro, que previa: “Para o ensino de 2º grau, o Conselho Federal de Educação fixará, além do núcleo comum, o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional ou conjunto de habilitações afins” (BRASIL, 1971). No parágrafo 4o do mesmo artigo, era prevista uma ressalva que possibilitava a ampliação da oferta a outras habilitações, conforme demanda dos estabelecimentos e após aprovação do CFE (BRASIL, 1971).

A crítica se dava ao fato de que o mote principal da imposição da profissionalização era estratégia para afastar os jovens que já vinham demandando o acesso ao Ensino Superior. Frustrados pela falta de vagas, esses jovens buscavam na organização do movimento estudantil o fortalecimento da luta por mais vagas no Ensino Superior. A imposição de uma formação técnica trazia a ameaça de perpetuação das desigualdades sociais, que neste país sempre foi deliberada. Por isso, para acalmar os ânimos de jovens e movimentos sociais que pediam por mais vagas nas instituições de Ensino Superior, o aceno com a profissionalização e uma suposta entrada qualificada no mercado de trabalho configurou-se uma estratégia de contenção da demanda. De acordo com o professor José Marcelino de Resende Pinto (2002, p. 55):

Tudo indica que o objetivo por trás deste novo desenho do ensino médio, dando-lhe um caráter de terminalidade dos estudos, foi o de reduzir a demanda para o ensino superior e tentar aplacar o ímpeto das manifestações estudantis que exigiam mais vagas nas universidades públicas.

Essa disposição quanto ao Ensino Técnico muito se reverbera nos presentes dias, principalmente quando entendimentos pragmáticos, finalísticos e desiguais da educação se levantam com muita força na atualidade. Embora não possamos negar os avanços e as mudanças na Educação Básica, advindas principalmente da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996 (BRASIL, 1996), muito ainda há para se pensar no sentido da efetivação dos escritos legais, bem como em mudanças que sejam capazes de um diálogo mais efetivo com a realidade.

A Lei nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017) trata da reestruturação da última etapa da Educação Básica e prevê a organização do currículo em itinerários formativos, a partir dos quais acontecerá a formação do estudante no Ensino Médio e no Ensino Superior, nos cursos de licenciatura, que terão por base as orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Diz a Lei:

Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional:

I - linguagens;

II - matemática;

III - ciências da natureza;

IV - ciências humanas; e

V - formação técnica e profissional. (BRASIL, 2017, p. 2).

Cabe ressaltar que os itinerários serão ofertados conforme definição dos sistemas de ensino em função da disponibilidade orçamentária. Inclusive, não há obrigatoriedade de que todos sejam ofertados por todas as redes, muito menos por todas as escolas. Assim, essa “flexibilidade”, longe de significar ampla possibilidade de escolha, se traduz, na prática, na restrição da oferta aos itinerários menos onerosos, especialmente nas redes em que o financiamento é reduzido.

Entre outras alterações, houve a ampliação da carga horária das 800 horas vigentes atualmente para 1.400 horas, pretensamente como forma de estímulo à educação integral, e a inserção da possibilidade de profissionalização precoce do jovem, ainda no Ensino Médio (BRASIL, 2017). Tal situação agrava a condição de exclusão do Ensino Superior na qual se encontram os jovens mais pobres. A pretensa escolha de itinerários se converte em imposição de profissionalização nas redes que se consorciam com a iniciativa privada. Desse consórcio, previsto na Reforma, oferece-se a mão de obra barata dos jovens em troca da formação em serviço.

Portanto, a reforma se mostra problemática em inúmeros pontos, como, por exemplo, a desconsideração dos estudantes que cursam o Ensino Médio em período noturno e a falta de apoio à formação inicial e continuada dos docentes. No caso dos estudantes do turno da noite, não há indicação de como essa ampliação será equacionada, visto que esses sujeitos não têm um contraturno que possibilite a extensão da jornada.

Sobre a formação inicial e continuada dos docentes, algo sui generis é incorporado ao texto da Reforma de 2017. Para atender ao itinerário Formação Técnica e Profissional, abre-se, no artigo 61, inciso IV da LDB, a possibilidade da contratação de profissionais com reconhecido e notório saber para atuarem como docentes em áreas com as quais tenham alguma experiência, não precisando, portanto, da formação pedagógica nem de uma formação acadêmica específica (BRASIL, 2017). Tal precedente é porta larga para a precarização do trabalho docente, para a relativização da necessidade de formação específica e, em consequência, para uma educação empobrecida e desigual. Também nessa toada, a língua inglesa passaria a ser obrigatória, mas não necessariamente em todos os anos, e outras línguas estrangeiras passariam a ser optativas, como o caso da língua espanhola, sempre “de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017, p. 2).

Em suma, ocorreu uma redução da carga horária das disciplinas antes obrigatórias para todos os anos do segmento. Se anteriormente elas estavam presentes nos três anos do Ensino Médio, hoje elas estarão distribuídas em uma carga horária de 1800 horas, o que significa menos da metade do tempo em que eram trabalhadas. Tal redução se faz necessária para contemplar os conteúdos específicos dos itinerários a serem ofertados, de acordo com a disponibilidade de oferecimento da escola e/ou da rede.

O texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o responsável por definir o que será estudado em cada série, além de, depois de aprovado, direcionar os cursos de formação de professores. Assim, mesmo com a reforma promovida a passos largos, os itinerários formativos ainda não podem ser definidos em razão do não estabelecimento da BNCC. Estipular um itinerário, sem a aprovação da Base, é incorrer no risco de novas mudanças e indefinições.

Assim, no que diz respeito à escolha de áreas específicas de conhecimento, não será ofertado ao aluno, plenamente, todos os itinerários possíveis para que ele faça a melhor opção pela área desejada. As disciplinas Língua Portuguesa e Matemática serão obrigatórias nos três anos do Ensino Médio, mas as demais disciplinas serão eletivas, em função da disponibilidade financeira e de pessoal das redes de ensino, que são desiguais historicamente. As questões que se colocam nesse momento de profundas mudanças são: como expandir o acesso e garantir a permanência diante do corte iminente de recursos? Como proporcionar uma educação emancipatória com um currículo reducionista e limitado?

Visto o percurso histórico de descontinuidades das políticas para a Educação Básica, em especial para o Ensino Médio, preditas na legislação que o regem, encontramos Penélope a ludibriar seus pretendentes com um manto interminável: tece durante o dia, desmancha durante a noite. Ao estabelecer a reforma de 2017, o governo federal nos impõe um retrocesso que nos leva aos anos 1970: à profissionalização compulsória (travestida de possibilidade) e à exclusão dos jovens mais pobres, induzidos à profissionalização precoce.

As políticas para a Educação Básica e suas relações com o BID: nuances de uma água paralítica

Mas a relação pedagógica não pode ser limitada às relações especificamente ‘escolásticas’, através das quais as novas gerações entram em contato com as antigas e absorvem as suas experiências e seus valores historicamente necessários ‘amadurecendo’ e desenvolvendo uma personalidade própria, histórica e culturalmente superior. Esta relação existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo indivíduo em relação aos outros indivíduos, bem como entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguarda e corpos de exército. Toda relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica, que se verifica não somente no interior de uma nação, entre as diversas forças compõem, mas em todo campo nacional e internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais. (GRAMSCI, 1987, p. 37).

A metáfora da água paralítica talvez seja forte demais para a educação no Brasil nos anos que seguiram ao fim do regime militar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), promulgada em 1996, trouxe a obrigatoriedade do Ensino Fundamental, ampliada pela Emenda Constitucional nº 59/2009 (BRASIL, 2009), para toda a Educação Básica, aliada a outras ações que resultaram num cenário nunca antes observado: um maior número de crianças e jovens na Educação Básica, maior número de vagas no Ensino Superior, piso salarial estabelecido em lei, garantia de formação específica para os professores nas diferentes áreas do conhecimento, garantia de acesso e permanência estendida a estudantes com necessidades especiais e tantas outras ações que sinalizaram um futuro mais promissor para crianças e jovens no que diz respeito à educação.

Entretanto, a letra fria da lei não criou raiz nem resultou em ganho substantivo para crianças e jovens em idade escolar. A ampliação do acesso não alterou as condições de aprendizagem e, consequentemente, não garantiu que o conhecimento social e historicamente produzido fosse apropriado por todos, indistintamente. Os dados oficiais disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) indicam a condição de defasagem entre as escolas, entre as redes, e entre os estados (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2017). A desigualdade do desempenho faz notar um centro de excelência no Centro-Sul do país, rodeado de indicadores medíocres no Norte e Nordeste, com exceções de ambos os lados.

Para ilustrar tal situação, uma pesquisa da Federação Nacional das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), datada de 2013 e divulgada pelo grupo O Estado de São Paulo, mostra que, em uma avaliação que considerou componentes sociais, educacionais e de saúde pública, quase 70% dos municípios das regiões Norte e Nordeste tinham desenvolvimento regular ou baixo, frente a quase 100% dos municípios concentrados nas regiões Sul e Sudeste, com desenvolvimento alto ou moderado (FEDERAÇÃO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS DO RIO DE JANEIRO, 2013).

É importante ressaltar que, em meio a generalizações, sentido característico de um trabalho científico, existem exceções a tais contextos. O estado do Ceará é um exemplo. A partir dos dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), divulgados pela Secretaria da Educação do Estado do Ceará (SEDUC-CE), o estado concentra mais de 70% das 100 melhores escolas avaliadas, de Ensino Médio, no ano de 2020 (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ, 2020). Por mais que seja necessário notar os locais e as intenções de produção de determinadas pesquisas, elas não deixam de nos conferir um sintoma, ou indício, de uma determinada realidade.

As análises das políticas educacionais a partir dos anos 1990 nos levam a crer que a educação deu certo para os objetivos aos quais se propôs: inserir trabalhadores no mercado de trabalho adequados à nova lógica de acumulação flexível do sistema capitalista, garantindo a acumulação crescente, sem contrapartida para os que ofertam a mão de obra.

As reformas educacionais pós anos 1990 foram orientadas pelo ideário neoliberal. A imposição da reforma do Estado, demonizado como incompetente e paquidérmico, alcançou as políticas educacionais de forma perversa e avassaladora. Na mesma onda, os professores das instituições federais de Ensino Superior foram considerados pelo ex-Ministro da Educação do Governo Bolsonaro, Abraham Weintraub, como “zebras gordas” (ALFANO; VENTURA, 2019).

Compondo o cenário desastroso, registra-se um dos últimos ataques à educação, o silêncio sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), que preocupa pesquisadores, administradores de estados e municípios, diretores de escolas e todos aqueles que minimamente compreendem o financiamento da educação brasileira. Com o financiamento comprometido, dificilmente a reforma do Ensino Médio será efetivada a contento.

Por isso é importante compreendermos a lógica das reformas implementadas a partir dos anos 1990. As pesquisas de Adriana Duarte (2005, 2010), Adriana Duarte e Maria Helena Augusto (2008) e Rosa Maria Torres (1998,) tratam das reformas neoliberais na educação nos últimos anos do século XX. A primeira pesquisadora traça um amplo panorama de tais reformas no Brasil e na América Latina, dentro de uma perspectiva de três fases de reformas, identificando características que aproximam e distanciam os países latino-americanos no momento da expansão neoliberal ocorrida nos anos 1990 (DUARTE, 2010). A professora conclui, em aspectos análogos ao de Leher (2014) e Torres (1998), que ficam explícitas as influências do sistema capitalista e suas alterações constantes no modelo de organização e gestão da educação pública, o que não corrobora uma educação plural, nem uma formação cidadã, mas restringe-se ao atendimento da formação de uma classe de trabalhadores que apenas executa, direcionada a um mercado específico, atualmente flexibilizado e precarizado (ANTUNES, 2014).

O texto de Torres (1998) vem explicitar a ação estrangeira na educação dos países ditos em desenvolvimento, como o Brasil. É importante observarmos que a influência do Banco Mundial e de órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU) na educação brasileira é implantada para o atendimento das demandas do sistema capitalista, e não para o real desenvolvimento da educação do país, nas distintas escalas. Também em Kruppa (2016) e Evangelista e Leher (2012) encontramos essa afirmação.

A influência de organizações internacionais no Brasil se dá pelas instituições já citadas e também pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que, criado à imagem e semelhança do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), do Grupo Banco Mundial (BM), tem servido à manutenção dos desígnios do capital sobre a Educação Básica brasileira. Tomaremos aqui como referência dessa interferência o documento Análisis del apoyo del BID a la Educación Secundaria: mejora del acceso, la calidad y las instituciones (1995-2012), publicado pelo BID em 2013 (BANCO INTERAMERICANO DE DESARROLLO, 2013).

Nesse estudo de 2013 sobre o apoio prestado à Educação Secundária2 entre 1995 e 2012, o Banco aponta: “As soluções para melhorar a qualidade da educação secundária têm se centrado principalmente na formação de docentes no emprego, na disponibilidade de recursos didáticos, na reforma dos currículos e na ampliação da jornada escolar” (BANCO INTERAMERICANO DE DESAROLLO, 2013, p. x, tradução nossa).3 Observamos que os apontamentos do BID são alguns dos problemas que a recente Reforma do Ensino Médio busca resolver via flexibilização do currículo, que é o centro da Reforma e a ampliação da jornada escolar que encontra respaldo no Art. 13 da Lei nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017), que institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.

A Reforma, feita às pressas e de forma autoritária, sem levar em conta os principais afetados, professores e alunos, empobrece a formação dos estudantes e encontra legitimidade nas recomendações do BID acerca do ensino secundário, dentre elas a defesa da formação técnica, que na Reforma é atendida pelo itinerário Formação Técnica e Profissional. No estudo de 2013, encontramos que:

Em resumo, embora tenham sido feitos avanços significativos na matrícula total e na terminação do ciclo básico do secundário, ainda persistem os seguintes desafios na educação secundária: (i) a baixa qualidade da educação primária, que não prepara suficientemente os alunos para avançar ao nível secundário e supera-lo com êxito; (ii) a marcada desigualdade de acesso a uma educação secundária de boa qualidade, especialmente, no ciclo superior; (iii) um ensino de baixa qualidade e uma instrução ineficaz; (iv) profundas ineficiências no sistema (altas taxas de repetição e abandono) que absorvem recursos escassos; (v) os programas de educação secundária que não transmitem adequadamente aos jovens os conhecimentos, habilidades e competências que precisam para ingressar no mercado de trabalho ou na educação superior, e (vi) restrições políticas que tornam as reformas no financiamento, nas instituições e na qualidade particularmente problemáticas e, em alguns casos, inviáveis (BANCO INTERAMERICANO DE DESAROLLO, 2013, p. 15, grifo nosso, tradução nossa).4

O excerto acima detalha o que o BID vê como problemas na educação secundária latino-americana, e, nesse sentido, chamamos a atenção para o quinto item pela similaridade com o que foi apontado pelo Ministro da Educação à época da Reforma, Mendonça Filho, na Exposição de motivos da MP nº 746/2016 (BRASIL, 2016b):

Atualmente o ensino médio possui um currículo extenso, superficial e fragmentado, que não dialoga com a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as demandas do século XXI. Uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - Cebrap, com o apoio da Fundação Victor Civita - FVC, evidenciou que os jovens de baixa renda não veem sentido no que a escola ensina.

Compreendemos a necessidade de escutar os estudantes, mas a Reforma tampouco fez isso. Além de dar ao ensino um caráter utilitarista, a formação não tem como objetivo uma educação que possibilite a autonomia e a consciência crítica, mas direciona, limitadamente, apenas à finalidade de conseguir um emprego. Nesse sentido, cumpre esclarecermos que não negligenciamos a necessidade do trabalho, mas entendemos, até pelo que já dissemos anteriormente, que a maioria dos estudantes engrossarão as fileiras dos explorados pelo capital em trabalhos precários, quando o anunciado é que irão se inserir com qualificação. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Contínua (Pnad - Contínua) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o desemprego entre os jovens vem crescendo em todas as regiões do Brasil: a média geral de desemprego no país no primeiro trimestre foi 12,2%, para os jovens entre 18 e 24 anos a média foi de 27,1%, alcançando 34,1% no Nordeste. Esses dados analisados com recorte de gênero e raça são ainda mais alarmantes, pois o índice de mulheres desempregadas é de 14,5%, enquanto o de homens é de 10,4%. O desemprego entre brancos é de 9,8 %; entre pessoas pardas e pretas é de 14% e 15,2%, respectivamente (NERY, 2020).

Freitas (2018) argumenta que, a partir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, as reformas que vinham sendo empreendidas desde a década anterior perderam força, mas que, a partir de 2016, com o golpe que retirou Dilma Rousseff da presidência, houve uma retomada do neoliberalismo.

Com isso, membros da equipe do PSDB que haviam iniciado o debate sobre as referências nacionais curriculares, dando origem aos Parâmetros Curriculares Nacionais ao final dos anos 1990, retornaram a postos-chave do Ministério da Educação, agora tendo como ministro José Mendonça Filho, filiado ao DEM, restabelecendo, na esfera deste ministério, a coalizão de centro-direita PSDB/DEM dos anos 1990. (FREITAS, 2018, p. 11).

Nesse ínterim, é preciso entender que a descentralização econômica, propiciando um menor investimento e desobrigação do Estado com os serviços públicos, favorece a relação promíscua entre o público e o privado. Nesta mesma perspectiva, a ênfase nos cursos profissionalizantes, objeto de interesse e de legitimação das disposições legais citadas no texto, e anteriormente já retratada por Manfredo de Oliveira (1989), revela uma noção de destinação de tipos diferenciados de ensino voltados a diferentes parcelas da população, gerando a competitividade instaurada entre as escolas, análogos ao que funcionam nas empresas particulares.

Somado a isso, estabelece-se uma ilusória sensação de participação da comunidade no espaço escolar e de autonomia dos estudantes, que oculta a diminuição do cumprimento das obrigações básicas do governo e simula a participação da comunidade. Essa falsa participação da comunidade é percebida quando os conselhos escolares não envolvem de fato os representantes da comunidade escolar. Conforme afirma Duarte (2010, p. 178):

As pesquisas têm registrado que os resultados do teor das participações dos pais e de representantes da comunidade nas escolas têm sido pouco relevantes ou meramente formais. Os motivos mais comuns apresentados pelos pesquisadores que explicam esses fatos são a centralização de decisões das políticas educacionais nos órgãos centrais, a falta de identidade da escola pública com os problemas de suas comunidades, as dificuldades diversas dos pais e da comunidade para participar dos assuntos coletivos das escolas, a dominação da direção e da categoria dos docentes nos órgãos colegiados, as práticas populistas e clientelistas no que se refere à eleição de dirigentes, quando ocorrem, a heterogeneidade das condições institucionais e sociais do conjunto das escolas dos sistemas.

No que diz respeito à reforma do Ensino Médio, é ilusória a autonomia dos estudantes que se apresenta no texto da lei. Tal ilusão se apresenta ao indicar como possibilidade a escolha entre os itinerários formativos previstos, quando de fato o que se concretiza é a impossibilidade dessa oferta por parte da maior parte das escolas das redes públicas, inclusive aquelas vinculadas à rede federal.

A ilusão se completa ao abrir espaço para a iniciativa privada, fazendo da educação uma mercadoria e não um direito. Roberto Leher (2014), em termos de conjuntura nacional, analisa as inflexões de determinados setores privados e de indivíduos representantes do grande capital na educação, que, muitas das vezes, imiscuídos nos setores públicos, refletem o avanço das políticas neoliberais e a colocação de interesses escusos e particulares frente à coletividade. Assim, o que se observa como impactos de tais políticas são a proliferação e a manutenção de problemas sociais graves, como a desigualdade social e a exclusão escolar.

À guisa de considerações finais: balanço entre as rupturas e as continuidades nas políticas públicas educacionais

Destarte, o que podemos observar é um crescente movimento de avanço de programas neoliberais, análogo aos anos 80 e 90 do século passado, que, a partir de políticas públicas alinhadas às recomendações dos organismos internacionais, eximem a responsabilidade legal do Estado no oferecimento de direitos básicos ao contingente populacional, como a Educação.

Para além do recorte dado ao presente texto, os impactos são muito mais agressivos e abrangentes. A formação de professores e as condições do trabalho docente são atingidas frontalmente com proposições que não atendem a uma formação ampla, muitos menos à dignidade e à seguridade profissional.

Não se pode esperar do docente uma atuação a partir de um paradigma prático-reflexivo, um professor pesquisador, se não considerarmos, de forma crítica, as realidades estruturais e conjunturais nas quais ele está inserido (CONTRERAS, 2002; SACRISTÁN, 2005).

No que tange aos estudantes, esperamos a mesma perspectiva de formação ampla, capaz de assegurar uma capacidade reflexiva, a aquisição de capital cultural e que consiga garantir uma acertada decisão em relação à escolha profissional e não um encaminhamento direto ao mercado de trabalho, com baixa qualificação e remuneração. É dever do Estado oferecer uma educação ampla, de qualidade socialmente referenciada para todos, em busca de um princípio formativo em vez de um princípio assistencialista (NOSELLA, 2011).

O direito a uma formação que privilegie uma integração de conhecimentos e de áreas, com a oportunidade da melhor escolha pelo estudante, e de modo significativo e não abstrato, não se dará com políticas que entendam que o paradigma técnico-instrumental deva ser seguido. A educação não deve ser apenas uma finalidade para o ingresso no Ensino Superior, o que acontece para poucos e não corrobora a melhoria social.

A educação é um direito e, como tal, deve ser disponibilizada a todos, sem distinção de classe social, idade ou qualquer outro parâmetro. Deve conter, em seus princípios, a qualidade referenciada no social; deve ser unitária e gratuita, sem profissionalização precoce, sem limitação do acesso do conhecimento historicamente produzido pela humanidade (NOSELLA, 2011). Deve contribuir, enfim, para a construção de outra sociedade, na qual, repetindo Eduardo Galeano (2010), o outro seja para nós uma promessa, e não uma ameaça.

Portanto, as questões colocadas não se referem exclusivamente à escola enquanto instituição, mas à sociedade, que representa um conjunto de cadeias de relações muito mais amplas e complexas, nas quais a escola se configura como um importante personagem. Nesse sentido, com um espectro das interações humanas mais diversas, bem como suas motivações, algumas questões nos perseguem: o que faz sentido, em relação ao que se ensina na escola, durante o Ensino Médio? Ele atrai? A quem? Por quê? A quem ele interessa?

Segundo Vasconcelos (2016, p. 127), os dados oficiais do Censo de 2010 sobre o ensino superior indicam que “somente 19,0% (14,5% em curso e 4,2% concluído) dos jovens entre 18 e 24 anos haviam alcançado esse nível de ensino”, em esmagadora maioria nas instituições privadas, observando-se o fenômeno de inversão da pirâmide, que desnuda um cenário preocupante.

Assim, esse cenário de lógica autoritária de implementação do ordenamento legal sem discussão, recheado de orientações adjacentes, contribui com o gerencialismo unido às práticas das avaliações externas e padronizadas, na tentativa de figurar um discurso de flexibilização com foco na profissionalização. Tal concepção de educação serve a interesses específicos e limita as formas possíveis de como fazer o que está proposto na lei, auxiliando a pretensa desprofissionalização docente e, portanto, uma suposta incapacidade do professor e na mácula irremediável de uma formação ruim, subsidiando, assim, contra uma política de diversidade na escola, seja ela linguística, étnica, seja de gênero e sexualidade. Além disso, reitera a dualidade estrutural da educação brasileira. Permanecem, nesse quadro, as escolas para ricos e as escolas para pobres: a escola particular continuará preparando para a universidade e a escola pública continuará preparando para o mercado de trabalho precarizado.

A complexificação do trabalho do professor aumenta em razão dos deslocamentos, dos quantitativos de aulas e do número de alunos, visto o contexto de inúmeras escolas de Ensino Médio que são fechadas diariamente (CARLA, 2020). As localidades, muitas das vezes, são pequenas, o que, juntamente com o respaldo legal, levaria à redução do oferecimento dos itinerários. E, nessa cadência, a educação vai perdendo, ainda mais, seu potencial transformador da realidade.

Em suma, na reforma imposta pela Lei nº 13.415/17 (BRASIL, 2017) ficam explícitas as ações para a formação de uma massa trabalhadora desprestigiada de um direito básico, qual seja, a educação. A partir do entendimento de educação como privilégio e como produto específico para determinadas classes, a formação omnilateral fica reservada, mais uma vez, a uma pequena parcela da população. Destarte, embora tenham sido alcançados alguns avanços nos direitos sociais e educacionais, fruto da mobilização dos trabalhadores e da sociedade civil, o desafio em prol de políticas públicas para a educação que não seja “água paralítica” ou “palavra em estado dicionário” é permanente frente ao quadro de desmonte e de não investimento em uma formação integral dos sujeitos.

Reafirmando o compromisso com a transformação da sociedade em prol de uma educação pública, laica, gratuita e socialmente referenciada, buscamos tecer, construir e lutar por novas realidades.

REFERÊNCIAS

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1Este artigo é a versão ampliada do trabalho publicado nos Anais do V Encontro Internacional Trabalho e Perspectiva de Formação dos Trabalhadores, realizado pelo Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação Profissional (LABOR), em parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e com o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza (CE), em 2017 (DEROSSI; HOLLERBACH, 2017).

2 A nomenclatura dada pelo Banco aos ciclos da Educação difere da nomenclatura brasileira, portanto cabe aqui esclarecer que, para o BID, o Ensino Secundário é dividido em ciclo básico e ciclo superior, que são, respectivamente no Brasil, os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio.

3 Las soluciones para mejorar la calidad de la educación secundaria se han centrado principalmente en la formación de docentes en el empleo, la disponibilidad de recursos didácticos, la reforma de los planes de estudios y la ampliación de la jornada escolar.” (BANCO INTERAMERICANO DE DESAROLLO, 2013, p. x).

4 En resumen, aunque se han hecho avances significativos en la matrícula total y la terminación del ciclo básico de secundaria, aún persisten los siguientes desafios en la educación secundaria: (i) la baja calidad de la educación primaria, que no prepara suficientemente a los alumnos para avanzar al nivel secundario y superarlo con éxito; (ii) la marcada desigualdad de acceso a una educación secundaria de buena calidad, especialmente en el ciclo superior; (iii) una enseñanza de baja calidad y una instrucción ineficaz; (iv) profundas ineficiencias en el sistema (altas tasas de repetición y abandono) que absorben recursos de por sí escasos; (v) los programas de educación secundaria que no transmiten adecuadamente a los jóvenes los conocimientos, habilidades y competencias que precisan para acceder al mercado laboral o la educación superior, y (vi) restricciones políticas que hacen que las reformas en el financiamiento, las instituciones y la calidad sean particularmente problemáticas y, en algunos casos, inviables .” (BANCO INTERAMERICANO DE DESAROLLO, 2013, p. 15, grifo nosso).

Recebido: 15 de Maio de 2020; Aceito: 16 de Fevereiro de 2021

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