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vol.30 número62EDUCAÇÃO E LITERATURA: D’ÁFRICAS E SUAS DIÁSPORASEL PROTAG ONISMO DE LOS LÍDERES NEGROS EN LOS LIBROS INFANTILES TRAS LA APLICACIÓN DE LA LEY 10.639 / 03: ¿RESIGNIFICANDO VISIONES SIMPLISTAS ? índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.62 Salvador abr./june 2021  Epub 16-Dic-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n62.p16-29 

DOSSIÊ TEMÁTICO

DAS “MINA” ÀS MENINAS NA LINJU: TECENDO ANSEIOS, TRILHAS E (CONTRA)PONTOS

FROM THE "MINES" TO THE GIRLS IN THE LINJU: WEAVING LONGINGS, TRAILS AND (COUNTER)POINTS

DE “MINA” A NIÑAS EN LINJU: TEJIENDO ANHELOS, SENDEROS Y (CONTRA)PUNTOS

Maria Anória de Jesus Oliveira*  (UNEB/Pós-Crítica)
http://orcid.org/0000-0002-5982-8932

Márcia Tavares Silva**  (UFCG/PGGLE)
http://orcid.org/0000-0003-3359-7766

*Doutora em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), docente do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural (Pós-Crítica). Universidade do Estado da Bahia. Alagoinhas, Bahia, Brasil. Líder do grupo de pesquisa: Letramentos, Identidades e Formação de Professores (as) - Iraci Gama. E-mail: anoriaoliveira@uneb.br

**Doutora em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora Adjunto III da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Faz parte do quadro permanente do Programa de Pós graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande-PB, Brasil. E-mail: tavares.ufcg@gmail.com


RESUMO

Este texto resulta da atuação das autoras no campo das literaturas afro-brasileiras e africanas destinadas às crianças e aos jovens. Trata-se, no caso, de uma das linguagens das margens ainda preterida nas instituições acadêmicas enquanto campo de pesquisa (OLIVEIRA, 2010). O objetivo é, portanto, destacar alguns aspectos inovadores nas seguintes narrativas: A cor da ternura, de Geni Guimarães (1998); Entremeio sem babado, de Patrícia Santana (2007) e As tranças de Bintou, de Sylviane A. Diouf (2004). Com esse propósito, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, problematizando o racismo no Brasil e ressaltando a importancia da referida literatura na conjuntura brasileira. O texto foi (re)estruturado em um momento tenso, de Covid e de recrudescimento da necropolítica (MBEMBE, 2018). Não se poderia, desse modo, ignorar o cenário no qual emerge, levando a situá-lo inicialmente e, também, trazer à cena outros pontos para o presente encontro. É o que compõe as duas primeiras seções, e, nas seguintes, como contraponto, percorre-se o universo das citadas literaturas e de estudos na área. Enfim, para além do desalento e da Covid-19, concluímos que as linguagens das margens aqui entrelaçdas são mais que um convite à leitura e podem contribuir para nutrir a subjetividade, a sensibilidade e a nossa criatividade, na arte de tecer o caminhar.

Palavras chave: Literatura para crianças e jovens; linguagens das margens; protagonismo negro; Lei 10.639/03

ABSTRACT

This text results from the work of the authors in the field of Afro-Brazilian and African literatures for children and young people. It is, in this case, one of the languages of the margins still neglected in academic institutions as a research field (OLIVEIRA, 2010). The aim is, therefore, to highlight some innovative aspects in the following narratives: A cor da ternura, by Geni Guimarães (1998); Entremeio sem babado, by Patrícias Santana (2007); and As tranças de Bintou, by Sylviane A. Diouf (2004). For this purpose, a bibliographical research was carried out, problematizing racism in Brazil and highlighting the importance of the referred literature in the Brazilian conjuncture. The text was (re)structured in a tense moment, of Covid and the upsurge of necropolitics (MBEMBE, 2018). One could not, in this way, ignore the scenario in which it emerges, leading to situate it initially and, also, bring to the scene other points for the present encounter. This is what makes up the first two sections, and, in the following sections, as a counterpoint, we go through the universe of the mentioned literature and studies in the area. Finally, beyond the discouragement and Covid-19, we conclude that the languages of the margins interwoven here are more than an invitation to read and can contribute to nurture subjectivity, sensitivity, and our creativity in the art of weaving the journey.

Key words: Literature for children and youth; languages from the margins; black protagonism; Law 10.639/03 (Brazil)

RESUMEN

Este texto es el resultado de la actuación de las autoras en el campo de la literatura afrobrasileña y africana dirigida a niños y jóvenes. Es, en este caso, uno de los lenguajes de los márgenes que aún se pasan desatendidos en las instituciones académicas como campo de investigación (OLIVEIRA, 2010). El objetivo es, por tanto, destacar algunos aspectos innovadores en las siguientes narrativas: El color de la ternura, de Geni Guimarães (1998); Entremeio sin florituras, de Patrícia Santana (2007); y Las trenzas de Bintou, de Sylviane A. Diouf (2004). Con este propósito, se realizó una investigación bibliográfica, problematizando el racismo en Brasil y enfatizando la importancia de la literatura referida en la coyuntura brasileña. El texto fue (re)estructurado en un momento tenso, desde Covid y el resurgimiento de la necropolítica (MBEMBE, 2018). De esta forma, no se podía ignorar el escenario en el que emerge, lo que lleva a situarlo inicialmente y, además, a traer a escena otros puntos para el presente encuentro. Esto es lo que conforma los dos primeros apartados, y en el siguiente, como contrapunto, exploramos el universo de la literatura y los estudios en el área antes mencionados. De todos modos, además del desánimo y Covid-19, concluimos que los lenguajes de los márgenes entrelazados aquí son más que una invitación a la lectura y pueden contribuir a nutrir la subjetividad, la sensibilidad y nuestra creatividad, en el arte de tejer caminando.

Palabras clave: Literatura infantil y juvenil; lenguajes de los márgenes; protagonismo negro; Ley 10.639/03 (Brasil)

Anseios iniciais1

As construções mais fascinantes da subjetividade negra (e de pensamento crítico a seu respeito) frequentemente surgem entre escritores, críticos culturais e artistas que se encontram à margem de diversas práticas. Eu me identifico com esse grupo [...].

(bell hooks, 2019, p. 62).

Se existe uma ânsia por consumir a natureza, existe também uma ânsia por consumir subjetividades - as nossas subjetividades.

(Ailton Krenak, 2019, p. 32).

As epígrafes deste artigo mesmo sem focalizar a produção literária voltada para as crianças e os jovens, campo aqui delimitado, dialogam com as ideias que se seguem. Afinal, ao abordarmos a literatura infanto-juvenil, levamos em conta o seu impacto em nossa subjetividade e, por conseguinte, em nosso imaginário. É o que salienta o escritor Cuti (2010, p. 12), ao se referir aos Cadernos Negros e à produção de autores e autoras que antecedem tais produções.

bell hooks (2019, p. 36), por sua vez, do contexto social norte-americano, discorre sobre o silenciamento imposto às mulheres negras nas sociedades patriarcais de hegemonia branca, nas ambiências familiares e nas comunidades negras. Da opressão sofrida, a ativista ressalta a importância das vozes das margens nas lutas antirracistas em seu país de origem.

Do lado de cá, no Brasil, onde vivemos sob a égide de uma vertente brancocêntrica, ir de encontro às correntes antigas e racistas é, também, uma das frentes de lutas que demanda coragem por parte dos grupos subjugados. Mais ainda em tempos de retrocesso, de desgaste e de acirramento de disputa no cenário político e nas demais instâncias do poder institucional.

Para nutrir nosso imaginário com outras frentes e fontes, delimitamos três narrativas editadas no Brasil que trazem à cena protagonistas negras. São elas: A cor da ternura, de Geni Guimarães (1998) e ilustração de Saritah Barbosa; Entremeio sem babado, de Patrícia Santana (2007) e ilustração de Marcial Ávila, e As tranças de Bintou, de Sylviane A. Diouf (2004) e ilustração de Shane W. Evans. Trata-se de obras constitutivas das nossas pesquisas e partimos da premissa de que ainda carecem de mais visibilidade no país, como evidenciaremos mais adiante. Para tanto, recorremos à pesquisa bibliográfica e nos fundamentamos em estudiosos(as) do campo da literatura e áreas afins.

Em termos de roteiro, de início, tecemos reflexões acerca do objeto livro a partir de uma cena inusitada, vivenciada em um espaço de leitura em pleno carnaval em Salvador, Bahia, no ano de 2019, quando vimos o convite para ler “as mina”. Dentre estas, destacamos a(s) linguagem(ns) das margens, ponto central daquele encontro e, depois, reencontro, até a aquisição do livro de hooks (2019). Na sequência, refletimos sobre as teias racistas e as vias da necropolítica (MBEMBE, 2018) para, assim, abordarmos as narrativas literárias destinadas às crianças e aos jovens. Avançamos, na sequência, em relação às três obras delimitadas, por entendermos, em diálogo com a escritora Chimamanda Adichie (2019), a importância das histórias que nos atravessam e afetam. O intuito é, também, salientar a relevância social das vozes das margens impressas no objeto livro.

Linguagens das Margens: um ponto desse encontro

Como a leitura possibilita a imersão em diversas dimensões sociais e existenciais, situaremos uma cena que antecede a esse cenário de adoecimento social, para salientar o impacto do objeto livro e de certos anseios em pleno carnaval, quando a vida vibrava e nos fazia extasiar de alegria, a despeito das tensões que são comuns a todos nós.

Ao utilizarmos o termo Anseios, estamos em diálogo com o título do livro de bell hooks (2019), quando ela se refere a “raça, gênero e políticas culturais”, a saber, o subtítulo da obra. Na realidade, foi o citado livro que nos fez parar em pleno carnaval, em Salvador, Bahia, em 2019, após nos depararmos com uma ambiência instalada para leitura no Pelourinho.

O Pelourinho, vale lembrar, no período escravagista, era um dos locais de açoite de nossos antepassados, e que foi, posteriormente, revitalizado, embora implicando a expulsão da maioria da população que ali habitava, para se tornar uma das principais regiões turísticas de Salvador.

A população negra, na ocasião do carnaval, se fazia presente não só nas ruas, segurando as cordas dos blocos ou dentro deles, na condição de associados, ou catando latinhas, entre as demais funções para angariar o sustento da sua gente, como também se encontrava representada nas capas de diversos livros no recinto descrito.

Naquele local, a “A Casa Respeita as Mina2”, na entrada, em letras destacadas, havia a seguinte frase: “Leia as Mina” (Figura 1). Do convite impositivo à leitura, o carnaval ficou para segundo plano, pois no recinto interno da casa avistamos diversos e novos livros expostos nas prateleiras. Livros que podíamos manusear, ler, sentir, mas não estavam à venda. Logo, se tratava de um encontro sem compromisso prévio, um encontro amoroso e de prazer inapagável.

A ambiência, no citado espaço social de poucos movimentos, era de silêncio acolhedor. Nele, à disposição dos leitores, se encontravam as “mina” (no sentido de tesouros), rasurando a norma gramatical (minas, no plural). Da cena rememorada, prevalecia o contraste entre o carnaval de rua e o espaço das “mina”. Quais eram elas? Por que nos impactaram tanto? Vejamos.

Fonte: Foto de Adilton Venegeroles (MARINHO, 2020)

Figura 1 Exposição na Casa Respeita as Mina (Salvador, 2019) 

Enquanto o carnaval impulsionava à celebração, à congratulação e ao agito do corpo, as “mina” convidavam à imersão nas páginas dos seus livros. Elas, no sentido figurado, óbvio. Estamos nos referindo aos livros de algumas das ativistas negras expostos nas prateleiras, na ocasião. Ademais, ao mirar as prateleiras, não sabíamos a qual “mina” dedicar atenção. Afinal, avistávamos as obras de autoras desconhecidas, conhecidas e algumas famosas, tanto do Brasil como do exterior.

Em cada capa exposta, nossos olhos identificavam lindas mulheres negras que estilhaçavam as máscaras brancas3 do mercado livresco. Rasuravam, ainda, as visões preconceituosas contra as quais lutamos dentro e fora dos muros das instituições acadêmicas, as universidades nas quais atuamos.

Com algumas obras nas mãos, nos dirigimos a uma das redes do ambiente. Antes, libertamos os pés das meias e dos tênis (Figura 2). Com essa atitude, veio a sensação de liberdade e de lazer-prazer. Assim, perdemos a noção das horas e esquecemos a efervescência externa.

A cada página folheada, novos aprendizados. Um exemplo: “Anseios é a palavra que melhor descreve o estado psicológico compartilhado por muitos de nós, superando barreiras de raça, classe, gênero e práticas sexuais” (hooks, 2019, p. 78). Complementa, ainda, hooks (2019, p. 78): “o anseio que flui no coração e na mente das pessoas que foram silenciadas é o desejo de uma voz crítica”. A estudiosa, no caso, se refere ao pensamento pós-moderno, por ela rediscutido, problematizado, com vistas às perspectivas antirracistas.

Foto: Luiz Carlos de S. Santos

Figura 2 Uma das autoras na cena descrita: Casa Respeita as Mina (Salvador, 2019) 

Do carnaval de rua às palavras de hooks, antigos tambores ressoaram e nos despertaram. Da sinergia espacial, além de bell hooks, os livros de outras “mina” nos envolveram. Algumas delas: Sueli Carneiro, Angela Davis, Toni Morrison e demais produções de intelectuais e ativistas negras constavam da exposição, mas aqui só pautamos uma delas a título de exemplificação.

Embora já tenhamos boa parte das obras das citadas “mina”, as que estavam disponibilizadas nas prateleiras não faziam parte do nosso acervo privado, excetuando-se as edições em Pdf, talvez daí a imensa alegria diante do contato com os livros impressos, os quais foram anotados para aquisição a posteriori. Com esse intento, fotografamos as capas dos livros, trechos, fichas catalográficas, informações das editoras, contatos, etc.

Do olhar atento, emanaram os gestos de afeto e as palavras agora impressas que inspiram os anseios descritos. Das obras folheadas e das páginas lidas, uma delas nos instigou desde a capa: Anseios: raça, gênero e práticas culturais, de bell hooks (2019), recentemente traduzida no Brasil. Da capa (Figura 3), surgiram algumas indagações: seriam as letras vermelhas associadas às veias do nosso coração e, assim, à vida? E o coração à parte, destacado, como se sangrando, o que teria a ver com a vida que vibra no objeto livro? Dessas questões que podem não fazer sentido, o que pretendemos é destacar o impacto do objeto livro a partir de um ponto: a sua capa. Desta, não por acaso, as ilustrações ensejam reflexões que não se exaurem no mundo adulto e, sabemos, menos ainda no universo das crianças e dos jovens.

Após a imersão nas páginas do livro de bell hooks (2019), o carnaval ficou para segundo plano. Instigadas pelo que foi possível ler e anotar, guardamos os registros feitos acerca das autoras e editoras para as desejadas aquisições futuras. Como se tratava de uma exposição aberta ao público, devolvemos o livro à prateleira de onde o tiramos, deixando-o na companhia de outras “mina” e seguimos o roteiro alterado. Aliás, não só o roteiro como, também, nossas ideias não ficaram incólumes às obras manuseadas.

Fonte: Foto da autora (2021).

Figura 3 Livro de bell hooks (Capa) 

Ao rememorar o momento de um carnaval marcado por livros importantes, focalizamos as linguagens das margens que remetem às “mina”. Estas, em analogia às ativistas negras, ganharam um espaço especial em nossas produções acadêmicas. Com o decorrer dos dias, alguns dos livros expostos nas prateleiras se tornaram preciosas companhias dos tempos de pandemia. Tempos sem aglomeração festiva e sem o rufar dos tambores vitais.

Em uma dimensão espiritual/ancestral que não se restringe ao viés eurocêntrico, portanto, endossamos o coro das vozes das margens através de duas pérolas negras baianas, a saber: Jorge Portugal e Lazzo Matumbi, compositores da música A alegria da cidade. Dessa verve poética, reiteramos: “[...] apesar de tanto não/Tanta dor que nos invade, somos nós a alegria da cidade [...]”.

Das “mina” e da alegria de outrora, nos defrontamos com um vírus que revira as páginas do livro chamado vida. Sendo ela, a vida, associada às páginas dos livros, em fração de segundos, como aconteceu - e, infelizmente, como ocorre - a muita gente que tem na tez a cor da noite4, o que seria vital pode se tornar fatal. Nesse descompasso, a situação de vulnerabilidade na qual nos encontramos, se levarmos em conta as mais de trezentas mil5,6 vidas ceifadas por uma pandemia que, a cada dia, instaura o caos social no país.

Apesar do cenário de desalento e tristeza, da Covid-19 que se amplia e nos entristece, das correntes neofascistas da extrema-direita oportunista e seus pares hipócritas, propomos um convite. Um convite à leitura, à imaginação fértil e aos tambores ancestrais, pois ansiamos pelo “respiro” e não aceitamos o abismo imposto. Sobre o “respiro”, no inspiramos em Carolina de Jesus e a sua insaciável fome de livros e da arte de escrever. Escrever e ler como um gesto de reexistência (SILVA, 2011), em uma fase indigesta e de adoecimento social, este é um dos desafios nos dias atuais e um “ato de coragem” (hooks, 2019, p. 36).

Mas, vale lembrar, das memórias passadas ao presente, o que frisamos aqui não tem a ver com a função social da “Casa Respeita as Mina”, o que demandaria reflexões que fogem aos limites deste texto. Do livro manuseado, acolhido, vislumbramos outras dimensões e o consideramos um abrigo. Afinal, da cena descrita ao pesadelo em curso, o cenário da Covid-19, muitas histórias importam, diríamos, ao complementar as ideias da escritora nigeriana Chimamanda Adichie (2019).

Das teias racistas às lentes da Necrpolítica: Sankofa

Enquanto lutamos para viver, bebemos em fontes que fazem ressoar as vozes das margens, entre estas, as produções destinadas às crianças e aos jovens. Mais ainda, em tempos de lutos e lutas contínuas, recorremos à direção propositiva da pesquisadora Ana Célia da Silva (1995, 2001).

No âmbito das lutas antirracistas, nos detivemos nas produções de conhecimentos que visibilizam as linguagens das margens. No que tange ao recorte de gênero no contexto norte-americano, bell hooks (2019) destaca a importância das vozes das margens produzidas por mulheres negras em seu país de origem. Antes dessa estudiosa, Frantz Fanon (2008), décadas atrás, a partir da Martinica, problematiza o racismo e seu impacto social para a população negra em específico, mas sem preterir a neurose que afetava quem discriminava, no caso, a população branca, o que o impulsionou à luta por um novo humanismo. Humanismo este, em retrocesso nos últimos tempos, como atesta Achille Mbembe (2018), em seu pequeno e denso livro intitulado Necropolítica.

Dos estudos arrolados incialmente, o que interessa salientar é o que os aproxima, ou seja: a persistência e não só as consequências nocivas do racismo, visto que não se trata de mera casualidade e, sim, de constructos ideológicos e históricos (MOORE, 2007) que garantem privilégios a uma pequena parcela da sociedade que se beneficia economicamente com a exclusão dos grupos sociais subjugados e, portanto, desumanizados. Logo, salienta Carlos Moore (2007, p. 289): “Longe de recuar diante da educação e da ciência, e em vez de ser contido pelo acúmulo crescente de conhecimentos, o racismo adentra-se na ciência e converte-se em modo de educação”, além de ressurgir ainda mais refinado com o passar dos anos, acrescentamos.

Ou seja, o que está em foco nesta parte das reflexões é uma espécie de vírus antigo, o racismo “estrutural” e “institucional”, que atravessa as instâncias do poder, segundo Silvio Almeida (2019), e, inclusive, reverbera na produção do conhecimento, um dos pontos centrais da pesquisa de Sueli Carneiro (2005): o racismo epistêmico. Este, nas palavras de Maria Paula Meneses e Boaventura de Sousa Santos (2010, p. 19), corresponde ao “epistemícídio” e implica a “dominação epistemológica” através do “saber-poder”.

Nos livros didáticos e nas obras literárias, o racismo, quer dizer, a pretensa ideia de que somos subdivididos entre grupos sociais superiores e inferiores, impactou o nosso imaginário, como asseveram Frantz Fanon (2008) e Neusa Santos Souza (1983) no campo da psicanálise. Na psicologia social, destacamos a relevância das pesquisas de Iray Carone e Maria Aparecida Bento (2002), entre outras participantes do livro por elas organizado. Tais estudos norteiam nossos pontos de vistas.

Mediante as articulações dos Movimentos Negros (SILVA, 1995; GOMES, 2017; PEREIRA, 2018) e o impacto das pesquisas que rediscutem o racismo (MUNANGA, 1999) e apresentam novas perspectivas sobre o tema (MOORE, 2007), galgamos, tempos atrás, certas conquistas em termos das ações afirmativas, a exemplo da Lei Federal 10.639/03 e demais marcos legais, alterando-se a LDBEN 9.394/96 (OLIVEIRA, 2010). Mas, diante do cenário de retrocessos, os ministérios e as secretarias atinentes a tais causas foram desativados e substituídos por vieses que vão de encontro àqueles anseios políticos. No campo das políticas públicas, por exemplo, como evidenciam Daniela G. Nascimento (2019) e Carla Bispo (2020), houve um arrefecimento em termos de aquisição e investimento em obras literárias que apresentam personagens/protagonistas negros.

Em outras palavras, a despeito do delicado contexto em que vivemos, compreendemos que podemos, sim, fazer emergir redes e rotas de reexistências (LIMA; SOUZA, 2018). Caberia, nesse viés, pensar o que propõe o adinkra africano Sankofa em sua simbologia que remete à arte de voltar e apanhar o que é nosso, como explica Eliza Larkin Nascimento (2008). Para realizar e refazer o caminhar, pleiteamos o direito às literaturas que, enquanto arte, segundo Nelly Novaes Coelho (1993, p.8), “representam o Homem, o Mundo, a Vida através das palavras”. Das palavras enredadas na trama e nas ilustrações, o próximo ponto desse encontro são “as mina” protagonistas que rasuram as teias racistas e inovam o cenário literário.

AS “MINA”: NEGRAS PROTAGONISTAS NA “LINJU” BRASILEIRA

Na trajetória da literatura brasileira voltada para crianças, jovens e adultos, estudos anteriores já contestaram e explicitaram a tendência de reforçar racismos e outras estereotipias através da linguagem verbal e das ilustrações. Tais linguagens, se entendidas sob o prisma da Linguística Aplicada, nas palavras de Maria Nazaré Mota de Lima e Ana Lúcia Silva Souza (2018, p. 28), correspondem ao que se entende por “letramentos” no sentido amplo, e, nessa perspectiva, em diálogo com o pensamento de Paulo Freire. Logo, explicam: “Letramento [...] enquanto práticas socioculturais mediadas pelas linguagens verbais (escritas e oralidades) e extraverbais (sons, cores, imagens visuais, performances, cenas, etc.)”.

Da acepção trazida pelas citadas estudiosas que, na realidade, não se referem às literaturas em questão7, consideramos pertinente a associação a essa área, por entender que esse campo abrange diversas dimensões do texto: a ilustração, o código linguístico, a oralidade, enfim, as diversas modalidades do objeto livro: físico, virtual, etc. Entretanto, aqui, não se levam em conta a atuação docente, as questões mercadológicas, as políticas de fomento à leitura, entre outros aspectos. O campo no qual nos situamos, ao contrário do que se pode imaginar, é complexo, conforme evidenciado anteriormente. Trata-se de uma seara que envolve leitores específicos e contextos adversos e, a depender do foco, o mercado editorial, fatores econômicos, além do impacto do racismo epistémico que atravessa desde a produção à veiculação do objeto livro.

No que se refere aos conceitos, aos contextos históricos e outros aspectos estéticos das respectivas fundamentações, o que nos interessa pautar é a relação entre a literatura e a pedagogia no mundo ocidental, as mudanças de perspectivas, haja vista o impacto das pesquisas na área de Letras e a constituição de uma crítica literária crescente, nos últimos anos, embora ainda aquém das produções voltadas para os adultos. Dessa assimetria, Mônica de Menezes Santos (2012), em sua tese de doutorado, situa “o lugar da literatura infantil/juvenil nos estudos literários” no Brasil8 e evidencia a carência de pesquisas na área.

O funil se estreita se levarmos em conta o campo das relações étnico-raciais na área. Contudo, nos últimos anos, uma geração de pesquisadores vem focalizando tais relações, ou seja, abordagens que problematizam o racismo e que apresentam rupturas. No rol dessas demandas, nos situamos, em uma trajetória que se iniciou já nos idos dos anos noventa, como explicitado em pesquisas precedentes (OLIVEIRA, 2003). Mesmo assim, consideramos uma área desafiadora e que nos leva a sempre rever as rotas, a despeito do valioso legado constituído até a atualidade.

Para apenas situar alguns estudos acerca da literatura destinada às crianças e aos jovens no Brasil, destacamos a pioneira pesquisa de Fulvia Rosemberg (1985), com recorte para o campo das relações étnico-raciais e de gênero, além de Heloísa Pires Lima (2000). Edith Piza (1998) e Andreia Lisboa Sousa (2001) delimitam questões de gênero. Fulvia Rosemberg e Paulo Vinícius Silva (2008), por sua vez, atualizam ampla pesquisa bibliográfica e outros produtos culturais. Das produções literárias editadas no Brasil, em Moçambique e, mais recentemente, em Angola, Maria Anória J. Oliveira (2003; 2010; 2014; 2016) e Eliane Debus (2018, 2019) contam com expressiva publicação acerca de tais literaturas.

Débora Araujo (2017), por outras vias, nos leva à dimensão escolar, às percepções das crianças em face das obras literárias, e descortina o adultocentrismo em relação ao ponto de vista dos destinatários, as crianças, no caso. Nesse prisma, Sara da Silva Pereira (2019) e Carla Fernanda Brito Bispo (2020) se aproximam dos estudos de Araujo. No que tange ao mercado editorial, às editoras “étnicas”, às vozes das escritoras entrevistadas e às obras analisadas, Daniela G. Nascimento (2019), em sua tese de doutorado também nos deixa valioso legado para nossas reflexões na área em tela.

Do cenário social à sua recriação nas páginas dos livros editados no Brasil, nas obras literárias editadas na era Lobato, o negro correspondia ao papel secundário do cenário descrito no Sitio do Pica Pau Amarelo (OLIVEIRA, 2003). Essas obras exprimiram pontos de vistas dos grupos dominantes e racistas do país, portanto.

Nas danças das cores, da mistura entre negros e brancos, a dita harmonia racial, enquanto as crianças, na ambiência escolar, se tornavam - e ainda se tornam - alvo de racismo, ou seja, são associadas à inferiorização, rotuladas por ter a cor da tez negra, agredidas por portar cabelos crespos (SILVA, 1995; ARAUJO, 2017). Ou seja, das páginas dos livros às relações sociais, educadoras(es) que não tiveram formação para lidar com conflitos dessa ordem, mesmo inconscientemente, acabam reforçando o racismo.

Nos anos 80, conforme evidenciamos antes, protagonistas negros emergem das páginas de diversos livros. Contudo, “são eles as vítimas de um ‘Mundo’ perverso, racista” (OLIVEIRA, 2003, p. 174). Rumos outros os aproximam das perspectivas da mestiçagem, sob o viés preconceituoso de Gilberto Freire, para camuflar o que, nas palavras de Edward Telles (2003), equivaleria ao racismo à brasileira. Daquela seara, no entanto, há uma exceção, conforme identificamos em estudos precedentes (Figura 4).

A exceção diz respeito ao modo como a narrativa apresenta as personagens. Diz respeito também à arte de se tecer os enlaces afetivos de uma família negra, os dilemas e desejos da protagonista, entre outros aspectos da obra (OLIVEIRA, 2003).

Fonte: Foto da autora (2021).

Figura 4 Livro de Geni Guinarães (Capa) 

A cor da ternura, de autoria da escritora paulista Geni Guimarães (1998), conforme constatamos em estudos precedentes,

dá um salto grande ao exprimir, através do universo imerso em fantasia e ludicidade da protagonista Geni, um “Mundo” constituído de dúvidas, medos, ciúmes, esperteza, delicadeza e amor, em face dos impasses da “Vida” de uma criança que olha e sente o mundo com os “olhos de dentro”. (OLIVEIRA, 2003, p. 175).

Corroborando essa visão, entendemos que referida obra se destaca não só no cenário social no qual foi publicado como segue atual. Tanto é que dificilmente não citamos esse livro. Da rasura ao racismo, assomam a humanização das personagens, as relações de afeto, a ascensão da protagonista Geni, em seu delicado modo de viver e sentir a vida com os “olhos de dentro”, como expressa a personagem ainda na tenra idade.

PÓS-LEI 10.639/03: NOVOS LIVROS, OUTRAS PÁGINAS?

Ao (re)ler e encontrar protagonistas negras nas páginas de alguns livros classificados como infantis e infantojuvenis, sem os restringir aos espelhos narcísicos brancocêntricos (OLIVEIRA, 2016), tanto a menina quanto a jovem que um dia fomos, encontrando-se adormecidas, soterradas na poeira do tempo, poderão ressurgir. Foi o que ocorreu com os “olhos de dentro” da pequena Geni, anteriormente enfocada. É o que salta às nossas vistas quando nos deparamos com Entremeio sem babado, de Patrícia Santana (2007) e ilustração de Marcial Ávila (Figura 5), e em As Tranças de Bintou, de Sylviane A. Diouf (2004), o que nos mobilizou a priorizá-las, muito embora contemos com outras obras que seguem essa mesma persspectiva de inovação literária.

Fonte: Foto da autora (2021).

Figura 5 Livro de Patrícia Santana (Capa) 

Em Entremeio sem babado, o narrador, na terceira pessoa, conta a história de uma menina muito “perguntadeira” e estudiosa, Kizzi, que reside com a família e vive a fazer perguntas a todos, a se intrometer nas conversas alheias e, um dia, aprende com a avó que, por esse seu jeito, ela é um Entremeio sem babado. Através do diálogo com a matriarca, Kizzi descobre a origem do seu nome e de seus ancestrais, o que a leva a olhar admirada o mapa da África (p. 28 e 29):

Quanto aos penteados, a inovação é significativa por romper com a ideia tão propagada em nossa sociedade de “cabelo ruim” ou “feio”. Kizzy não manifesta problemas dessa ordem; é vaidosa, curte os penteados assim como as roupas diferentes. Sua questão crucial não é o medo, a discriminação etnico-racial, mas a incompreensão dentro do próprio seio familiar. Daí sua reação e alteração do status quo, ao final. (OLIVEIRA, 2010, p. 154).

É importante ressaltar que, na narrativa, o ato de remeter-se à origem africana pode ter uma conotação de renascimento e fortalecimento interior, pois Kizzy vai mais longe ainda ao comandar as ações locais e sugere uma brincadeira. Com isso, viabiliza uma espécie de autopercepção dos demais seres ficcionais.

Fonte: Foto da autora (2021).

Figura 6 Livro de Sylviane A. Diouf (Capa) 

As Tranças de Bintou, de Sylviane A. Diouf (2004) e ilustração de Shane W. Evans, é um livro traduzido no Brasil (Figura 6) e muito diz das crianças que um dia fomos quando rejeitávamos os “beirotes” e nos identificávamos com os adultos e seus cabelos alisados9. No caso dessa personagem, ela se identificava com as mulheres da sua comunidade. É uma narrativa que traz à cena a (re)constituição identitária da personagem que, se associada à perspectiva dos Estudos Culturais, na linha reflexiva de Stuart Hall (2005), não tem uma identidade fixa, posto que muda sua autopercepção, semelhante ao que ocorre com Kizzy, ao final:

As tranças de Bintou exprimem a ressignificação e valorização dos fenótipos negros, através da percepção da protagonista. Diante dessa asserção, podemos estabelecer um elo com outra constatação de [Florentina) Souza [...] que, ao analisar uma poesia da escritora Celinha, nos Cadernos Negros, salienta que as tranças, por ela poetizada e “cantadas em outros textos, sugerem aos poetas caminhos de beleza, poesia e sedução”. (OLIVEIRA, 2010, p. 122).

Bintou, situada em uma ambiência familiar afetiva nas tradições africanas, silencia seus anseios, mas confidencia à matriarca o desejo de ter tranças, como as mulheres daquela região. Contudo, esse desejo lhe é negado por ser ainda uma menina. Essa narrativa, entre outros aspectos, abre reflexões acerca da relação entre a criança, a jovem e o mundo adulto, além de associar a protagonista a uma heroína que, ao final, é aclamada na comunidade pela ação de salvar dois jovens.

CONSIDERAÇÕES (IN)CONCLUSIVAS

Como (re)ler é (re)viver, nos reportamos a uma ambiência do carnaval baiano e, a partir daquele contexto de alegria e vitalidade, destacamos a relevância social do objeto livro e fizemos menção às citadas “mina”. Uma delas, bell hook (2019) e um dos seus livros que muito nos impactou: Anseios: raça, gênero e políticas culturais.

Dos anseios de bell hooks aos nossos, pautamos a luta por uma sociedade mais justa e menos racista. Nessa direção, delineamos as primeiras páginas do presente texto e as entrelaçamos as ideias subsequentes.

Ao problematizar as lentes racistas e as lutas que se acirram no Brasil, Ailton Krenak (2019, p. 33) se refere às diferentes “perspectivas de existências” humanas que, segundo ele, redimensionam a arte de viver neste mundo. De tais perspectivas, as histórias e valiosos legados dos povos originárias e demais populações subjugadas ao longo do tempo.

O citado autor chama a nossa atenção para a importância das vivências das comunidades tradicionais e da sua capacidade de, através da arte em diversas modalidades, “suspender o céu”. Krenak (2019, p.32), assim, instiga a enriquecermos “as nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo que nós vivemos quer consumir”.

Nesses últimos anos, apesar de pequena parcela do povo ter saído dos porões racistas e imposto suas correntes neofascistas e neonazistas no Brasil - em pleno século XXI (pouco antes de celebrarmos as duas décadas de promulgação da Lei Federal 10.639/03) - e de a citada lei ainda estar mais adstrita ao papel, não podemos negar que se trata de uma conquista histórica. Enquanto tal, já ajudou a mudar certas rotas impostas no mercado livresco (NASCIMENTO, 2019), por exemplo. Com essa visão crítica, entendemos que aqui foram destacadas algumas das obras que potencializam as vozes das reexistências (SOUZA, 2014) recriadas na negra diáspora.

A literatura destinada às crianças e aos jovens requer, de nossa parte, um olhar crítico no que se refere às obras que preferimos e às que preterimos (OLIVEIRA, 2014). Exige, além disso, contínuos estudos e atualizações na área, um desafio antigo. Assim, teremos mais condições de evitar reforçar, através do objeto livro, o que muitas vezes almejamos desconstruir: o racismo e suas sequelas nocivas.

As citadas obras atendem a tais anseios por vários motivos. Destacamos, entre eles, o fato de enredarem cenas que levam ao universo de três protagonistas negras ilustradas sem estereotipias e, por conseguinte, destituídas de traços excessivos ou caricatuirados. Além disso, elas não estão situadas em ambiências de vulnerabilidade, restritas à pobreza ou ao mito da democracia racial (OLIVEIRA, 2003; 2010). Por fim, vivenciam relações de afetos e enlaces familiares, sem deixar de expressar seus conflitos e desejos.

Em suma, as três narrativas aqui enfocadas - A cor da ternura, entremeio sem babado e As Tranças de Bintou - instigam-nos à releitura e precisam chegar ao chão das escolas e aos nossos lares. Afinal, desvelam personagens criativas, dotadas da capacidsade de enfrentar dilemas internos e externos e superá-los. São, assim, protagonistas - as “mina”, portanto. Identitariamente, expressam um “eu” que é negro, seja através da relação com seus fenótipos, seja por meio da linguagem/letramentos, além de corresponderem às obras de “autoria negra” (NASCIMENTO, 2019).

Duas das personagens são situadas em espaços sociais diaspóricos: Geni, na zona rural, e Kizzy, cuja ambiência não é explicitada, é apresentada, em uma das últimas cenas, brincando com a avó, como se a estivesse empurrando. A matriarca é ilustrada com uma vestimenta que se aproxima daquelas utilizadas em espaços sagrados que remetem às matrizes africanas, a saber, os terreiros (OLIVEIRA, 2010).

Enfim, se Antonio Candido (1989) defendia o direito à literatura, nessa direção, reivindicamos o direito às literaturas antirracistas, às literaturas que possibilitam outras viagens aos espaços sociais africanos e à negra diáspora em diversas obras, para que as “Áfricas” de lá se reencontrem com as Áfricas de cá, expressas, impressas e redimensionadas no objeto livro. Estes são os nossos principais anseios, para além do incerto cenário no qual nos situamos.

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1Salientamos que “LINJU”, utilizado no título, é a abreviatura do termo Literatura infanto-juvenil.

2Sobre ‘Respeite as Mina’, ali se explica que: “A Casa Respeita as Mina é uma iniciativa da Maré Produções, em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM)”. Patrocínio: “da Bahiatursa, do Goethe-Institute e da UNIDAS - Rede de Mulheres entre a América Latina, o Caribe e a Alemanha”. A imagem aludida foi extraída de uma reportagem publicada em A Tarde. (MARINHO, 2020).

3Termos inspirados no livro de Frantz Fanon (2008).

4Termo extraído do livro da pesquisadora Vanda Machado (2013).

5Grifo nosso para destacar o quantitativo que se elevou assustadoramente.

6Esse quantitativo, infelizmente, aumentou muito e, desde o esboço da primeira versão do presente texto aos ajustes de praxe, já são quase quinhentas mil vidas ceifadas no Brasil, em uma das maiores tragédias da humanidade. E, o pior: vidas que poderiam ser preservadas. Ademais, nenhum de nós está a salvo, e não sabemos quem será a próxima vítima, ou quando o pesadelo terá fim.

7Referem-se à relevância das pesquisas voltadas para as linguagens das margens em dois programas de pós-graduação da Bahia. Trata-se, no caso, de programas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA).

8As pesquisas abrangem seis programas de pós-graduação brasileiros das seguintes instituições: a PUC-RS, a USP, a UNICAMP, a PUC-RJ, a UFMG e a UFRJ.

9Dentro dessa reflexão, mas abrangendo a literatura destinada ao adulto, levemos em consideração o que se discute em: Cadernos Negros e Americanah: cabelos crespos, afirmação identitária e outros anseios (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2020).

Recebido: 26 de Abril de 2021; Aceito: 19 de Junho de 2021

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