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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.62 Salvador abr./june 2021  Epub 16-Dic-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n61.p103-117 

DOSSIÊ TEMÁTICO

PERRO VIEJO, DE TERESA CÁRDENAS, E A PERSPECTIVA ÉTNICO-RACIAL NA AULA DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA (ELE)

PERRO VIEJO BY TERESA CÁRDENAS AND THE PERSPECTIVE ETHNIC-RACIAL IN SPANISH CLASS

PERRO VIEJO, DE TERESA CÁRDENAS, Y LA PERSPECTIVA ÉTNICO-RACIAL EN CLASE DE ESPAÑOL COMO LENGUA EXTRANJERA (ELE)

Josenildes Freitas*  (UFBA)
http://orcid.org/0000-0003-1194-9310

*Doutoranda em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestra em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana pela Universidade de São Paulo (USP). Integrante do projeto de pesquisa EtniCidades: Escritoras/es afro-latinas/os 2, do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (ILUFBA/UFBA), Salvador, Bahia, Brasil. Professora Assistente no Setor de Espanhol do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail: jdcfreitas@ufba.br


RESUMO

Neste texto pretendo discutir sobre a importância de se promover um ensino de espanhol como língua estrangeira (ELE) inclusivo sobre temas como representação, diáspora, acesso da população negra à educação, e ensino-aprendizagem em perspectiva étnico-racial, e que proponho aqui a partir de um trabalho pedagógico com o romance infanto-juvenil Perro Viejo (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005), da escritora afro-cubana Teresa Cárdenas Ángulo, a ser realizado com estudantes do Ensino Médio, considerando as possibilidades que a obra oferece para o exercício de uma prática docente sensível às identidades que compõem a sala de aula e pautada no resgate da memória da diáspora negra na América Latina. Para justificar a pertinência desse trabalho, retomo o debate promovido por intelectuais negros, como Nazaré Lima, Florentina Souza, Petronilha Silva, Ione Jovino, Sueli Carneiro, Nilma Lino, Luis Alberto Gonçalves, Stuart Hall e Achile Mbembe sobre temas como representação, diáspora e acesso da população negra à educação, ao ensino e à aprendizagem em perspectiva étnico-racial.

Palavras-chave: Ensino de espanhol; Identidade étnico-racial; Diáspora; Perro Viejo

ABSTRACT

In this text I intend to discuss the importance of promoting a foreign language Spanish teaching inclusive of sobre temas como representação, diáspora, acesso da população negra à educação, e ensino-aprendizagem em perspectiva étnico-racial, and which I propose here from a pedagogical work with the children and youth’s novel Perro Viejo (CÁRDENAS ÁNGULO , 2005), by Afro-Cuban writer Teresa Cárdenas Ángulo, to be carried out with high school students, considering the possibilities that the work offers for the exercise of a teaching practice sensitive to the identities that make up the classroom and guided by the rescue of the memory of the black diaspora in Latin America. To justify the relevance of this work, I return to the debate promoted by black intellectuals, such as Nazaré Lima, Florentina Souza, Petronilha Silva, Ione Jovino, Sueli Carneiro, Nilma Lino, Luis Alberto Gonçalves, Stuart Hall and Achile Mbembe on topics such as representation, diaspora, and access of the black population to education, teaching and learning in an ethnic-racial perspective.

Keywords: Spanish teaching; Ethnic-racial identity; Diaspora; Perro Viejo

RESUMEN

En este texto me interesa discutir sobre la importancia de promoverse una enseñanza de español lengua extranjera (ELE) inclusiva, sobre temas como representação, diáspora, acesso da população negra à educação, e ensino-aprendizagem em perspectiva étnico-racial, la que propongo en un trabajo pedagógico con la novela infanto-juvenil Perro Viejo (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005), de la escritora afro-cubana Teresa Cárdenas Ángulo, a realizarse con estudiantes de la Enseñanza Media, teniendo en cuenta las posibilidades que la obra ofrece para el ejercicio de una práctica docente sensible a las identidades que componen el aula y basada en el rescate de la memoria de la diáspora negra en Latinoamérica. Para justificar la relevancia de ese estudio, retomo el debate de intelectuales negros, como Nazaré Lima, Florentina Souza, Petronilha Silva, Ione Jovino, Sueli Carneiro, Nilma Lino, Luis Alberto Gonçalves, Stuart Hall y Achile Mbembe sobre temas como representación, diáspora, y acceso de la población negra a la educación, enseñanza y aprendizaje en perspectiva étnico-racial.

Palabras clave: Enseñanza de español; Identidad étnico-racial; Diáspora; Perro Viejo

INTRODUÇÃO1

O crescente debate em torno do racismo, aliado aos esforços pelo resgate e/ou revisão da memória da diáspora negra, os quais ganharam fôlego com a onda de protestos em todo o mundo, desencadeados com episódios como a morte trágica e violenta de George Floyd nos Estados Unidos2 em 2020, têm reiterado a necessidade de encararmos as tensões raciais como um problema de todos e, portanto, de um maior envolvimento de todas as esferas da sociedade brasileira na discussão da pauta racial, que precisa ser assumida no contexto educacional, na atividade de ensino, devido ao papel essencial que esta desempenha na formação cidadã do indivíduo. Daí que, pensando no contexto de ensino de espanhol como língua estrangeira (doravante designada ELE) no Brasil, acredito que o trabalho pedagógico com o romance Perro Viejo (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005), da escritora afro-cubana Teresa Cárdenas Ángulo, em turmas do segundo grau favoreceria o surgimento de ambientes produtivos para tal discussão em sala de aula e para a reflexão crítica sobre as relações étnico-raciais em nossa sociedade.

Teresa Cárdenas Ángulo nasceu na cidade de Matanzas, em Cuba. É narradora, poeta, atriz, bailarina, contadora de contos e ativista social. É integrante da Unión de Escritores y Artistas de Cuba e costuma ser apontada como uma das vozes mais relevantes da literatura para crianças e jovens na ilha. Possui várias obras reconhecidas na América Latina, entre as quais se destacam: Cartas al Cielo (CÁRDENAS ÁNGULO, 1997),3Cuentos de Macucupé (CÁRDENAS ÁNGULO, 2001), Perro Viejo (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005),4Tatanene Cimarrón (CÁRDENAS ÁNGULO, 2007) e Cuentos de Olofi (CÁRDENAS ÁNGULO, 2007).5

A afro-cubana é uma das poucas escritoras da literatura de autoria afro-hispano-americana conhecidas no Brasil e já esteve presente em vários eventos nacionais, como a terceira edição da Bienal Brasil do Livro e da Leitura, realizada em Brasília, DF, em 2016; a FlinkSampa - Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra -, organizada pela Universidade Zumbi dos Palmares e Sociedade Brasileira de Desenvolvimento Sociocultural (Afrobras), em São Paulo, no mesmo ano; o X Congresso de Hispanistas, realizado em 2018 na Universidade Federal de Sergipe (UFS) pela Associação Brasileira de Hispanistas (ABH), além de ministrar minicursos e palestras sobre temas como diáspora, cultura, literatura negra e racismo em várias universidades por onde passou em sua visita mais recente ao Brasil.6

A obra Perro Viejo ganhou o Premio Casa de las Américas de 2005, ano de sua publicação. A narrativa remonta a escravidão no território cubano e tem como protagonista da trama o personagem Perro Viejo, um velho escravizado, guardião de engenho. Permite o resgate de experiências afro-diaspóricas comuns a países como Brasil e Cuba, como insurgências negras apagadas ou minimizadas nos relatos oficiais do continente latino-americano; o que contribui positivamente para a (re)definição de imagens identitárias das comunidades afrodescendentes brasileiras, de onde procede a maioria do corpo discente das escolas públicas baianas.

A diáspora negra foi uma experiência comum nas Américas e marcou profundamente as relações inter-raciais na América Latina. Configurou o cenário político, econômico e cultural de nações hispanofalantes, assim como do Brasil, único país de língua portuguesa do continente. Definiu, nesses países, grupos marginalizados ou subalternizados, desencadeou enfrentamentos, resistências negras e afrodescendentes na área que compõe a “Améfrica”,7 espaço onde Lélia Gonzalez (1988, p. 77) identifica uma “experiência histórica comum que exige ser devidamente conhecida e cuidadosamente pesquisada” de modo a contribuir no combate ao racismo, presente nas diferentes sociedades latino-americanas às quais pertencemos.

Nesse sentido, entendo que o conhecimento dessa experiência histórica pode ser oportunizado aos estudantes do Ensino Médio brasileiro, ou potencializado, numa proposta de ensino de língua espanhola realizada dentro de uma “perspectiva de abordagem multicultural levando principalmente em consideração as contribuições das culturas africanas para os países hispanofalantes” (JOVINO, 2012, p. 24) e para o Brasil.

Consciente das limitações e dificuldades que acometem as aulas de língua estrangeira8 na esfera privada e, principalmente, na esfera pública, como carga horária reduzida (duas horas/aulas de 50min por semana), precariedade de recursos e infraestrutura, turmas com elevado número de alunos etc., vejo na adoção do referido romance a possibilidade de se exercer na aula de ELE uma prática docente mais interventora na sociedade desde quando disposta a investir em atividades didáticas reflexivas e de combate ao racismo, uma realidade que incide nas relações sociais brasileiras e, portanto, não afeta apenas o corpo discente, mas todos os sujeitos que compõem a comunidade escolar, sejam porteiros, professores, auxiliares de limpeza, diretores, merendeiras, coordenadores pedagógicos etc.

Para justificar minha escolha pela inserção do romance Perro Viejo numa prática educativa orientada para a abordagem da temática étnico-racial, pautada no resgate da experiência afro-diaspórica, da memória da escravidão negra, considero essencial retomar discussões de Stuart Hall. Em sua obra Cultura e Representação (HALL, 2016), esse autor, ao falar sobre a imagem do negro, chama a atenção para “práticas representacionais” utilizadas para definir o Outro, “a diferença” (HALL, 2016, p. 39). Estas remetem a processos de significação baseados na categoria racial e são reforçadas no período da escravidão:

As representações populares da ‘diferença’ racial durante a escravidão tendiam a aglomerar-se em torno de dois temas principais. O primeiro era o ‘status’ subordinado e a ‘preguiça inata’ dos negros - ‘naturalmente’ nascidos e aptos para a servidão, mas, ao mesmo tempo, indispostos a trabalhar da forma apropriada à sua natureza e rentável para seus senhores. O segundo tema era o inato ‘primitivismo’, a simplicidade e a falta de cultura que os tornava geneticamente incapazes de ‘refinamentos civilizados’. (HALL, 2016, p. 169-170, grifo do autor).

O servilismo, a incivilidade e/ou falta de cultura foram características associadas a africanos e afrodescendentes para justificar a escravidão. Tais atributos foram utilizados pelo discurso da colonialidade para defini-los a partir de “representações racializadas” que compõem um “regime dominante de representação” (HALL, 2016, p. 223) e perduram na tradição cultural popular ocidental, são veiculadas pela mídia de massa, pela linguagem escrita, pela fotografia ou pela imagem (HALL, 2016) e legitimam estereótipos.

Assim, como salienta Achile Mbembe (2014, p. 40), o negro foi “produzido” como “símbolo do homem que enfrenta o chicote e sofrimento”. Para tanto, o discurso da colonialidade investiu em um “trabalho quotidiano que consistiu em inventar, contar, repetir e pôr em circulação fórmulas, textos, rituais” de modo a representá-lo “enquanto sujeito de raça e exterioridade selvagem, passível, a tal respeito, de desqualificação moral e de instrumentalização prática” (MBEMBE, 2014, p. 40). Para contestar esse discurso, esse escritor entende como necessária a construção de outras opções discursivas nas quais o negro possa falar de si mesmo e se propor como agente da própria história.

Prosseguindo nessa linha de raciocínio, identifico na obra Perro Viejo uma opção discursiva, ou melhor, um contradiscurso de autoria negro-feminina que disputa pelo direito de relatar a memória da diáspora, de representar as comunidades afro-diaspóricas, e a própria escravidão. Diferentemente do que costumamos encontrar na literatura institucionalizada, no romance a experiência da escravidão negra é narrada pela voz de sujeitos tradicionalmente subalternizados africanos e afrodescendentes da América Hispânica e contrapõe representações legitimadas sobre estes, sobre nós, negras(os/es).

Perro Viejo e memórias da diáspora

Em Perro Viejo (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005), o discurso narrativo atribui às personagens negras, assim como à África, significados que permitem subverter representações depreciativas sobre o negro, recorrentes no discurso oficial das nações latino-americanas, onde a experiência da escravidão foi um denominador comum. A representação dessas personagens e do continente africano é investida de valores como força, sabedoria, vigilância e insubordinação; é o que se observa em suas imagens ou perfis, na própria escolha dos nomes ou codinomes que lhe são designados.

O romance revitaliza elementos do acervo memorial da diáspora distorcidos, silenciados ou soterrados pela memória oficial latino-americana, os quais nos permitem, enquanto professores cientes de nossa responsabilidade social ante o racismo, vislumbrar, dentro e fora do contexto educativo, interpretações mais honestas da experiência afro-diaspórica insistentemente reivindicadas pelos estudos de negritude desenvolvidos no território, como ressalta a pesquisadora Florentina Souza (2005, p. 129), isto é: “possibilidades de serem impostas mudanças práticas que, mesmo aparentemente diminutas, interferirão de modo significativo nos moldes representacionais e comportamentais e, ainda, na ordem social, na efetividade das relações sociais”.

Vejo como bastante produtivos a leitura e o estudo dessa narrativa no contexto de ensino-aprendizagem de ELE, no sentido de promover oportunidades de reflexão sobre questões e/ou conflitos étnico-raciais e, ao mesmo tempo, ressignificar a história da população negra e afrodescendente na América Latina de maneira articulada com a Lei Federal nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003) no que diz respeito ao resgate das contribuições do povo africano desde a formação da sociedade brasileira.

A obra reconstrói a memória do sequestro e saqueamento do contingente africano provocados pelo tráfico negreiro iniciado com a colonização e de sua dispersão nas Américas. Evoca a violenta e abrupta ruptura que o transplante forçado provocou nas identidades africanas e afrodescendentes dispersadas, em seu modo de vida. Entretanto, a mesma narrativa põe em evidência símbolos, imagens, falares, situações e eventos da diáspora nos quais podemos sublinhar memórias compartilhadas pelas comunidades negras latino-americanas, como a afro-cubana e a afro-brasileira, além de insurgências, resistências e lutas por reivindicações comuns a estas e que datam do período da escravidão.

Ao retratar o modo de vida dos escravizados nos engenhos, o texto evoca um conjunto de saberes ancestrais africanos compartilhados por nossos antepassados, como o profundo conhecimento das plantas medicinais, acionado como estratégia de resistência frente às brutalidades praticadas contra estes pelo regime escravocrata:

Los esclavos utilizaban las yerbas con frecuencia. Para remedio del cuerpo y del alma. Con la artemisa calmaban sus dolores y fiebres. El zumo del apasote servía para ahuyentar las lombrices del vientre de los niños. Con la resina del copey cicatrizaban las llagas que producían los latigazos. El cocimiento de güira y el de bejuco guaco hacía abortar a las mujeres sus criaturas […]. Con palo Rompehueso, yerbas bibona, caumao y manajú, mata de la víbora, raspalengua, pinipiniche y pimienta china, los hombres del barracón preparaban embrujos contra el alma del señor, contra su cuerpo y su mente. Contra el mayoral y su látigo. Contra los perros y sus colmillos. Contra la vida de trabajos e infelicidad que llevaban en el ingenio. (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005, p. 42).

No fragmento anterior, assim como ao longo do romance, podemos sublinhar no uso das ervas por parte dos escravizados, estratégias de sobrevivência e resistência à violência física, psicológica e moral que sofriam, aos tratos desumanos aos quais eram submetidos. Nele também podemos enfatizar estratégias insurgentes como o envenenamento de senhores, senhoras e capatazes do engenho, assim como o conhecimento e consumo de abortivos por muitas escravizadas frequentemente estupradas por aqueles homens, as quais se recusavam a contribuir para a perpetuação daquele sistema como reprodutoras de mão de obra.

Na recordação da personagem protagonista, Perro Viejo, a experiência da escravidão negra, que pesa como um estigma sobre os povos da diáspora africana e seus descendentes, assume sentidos distintos daqueles recorrentes nos discursos oficiais, que associam de modo terminante à história desses povos uma ideia de servidão e de obediência. Tal aspecto pode ser constatado em fragmentos como o seguinte:

Siempre les habían temido a los esclavos. Mientras más los maltrataban, más les temían. En una ocasión, Perro viejo sonreía de gusto al recordarlo, le había dado un buen susto al señor. Fue cinco años atrás, cuando la sublevación del ingenio La Paz. Era de noche y las campanas no paraban de repicar advirtiendo a los demás señores sobre la revuelta […] Se decía que los sublevados habían matado a su amo y a la señora, al mayoral y a dos de los cinco contramayorales. También se rumoreaba que los cimarrones habían bajado del monte para ayudar a los esclavos a matar blancos […] Aterrado, el señor mandó a que encerraran a todos, incluso a los que siempre trabajaron en la casona, y a que pusieran doble cerrojo en las puertas de los barracones. Pero había olvidado al viejo guardiero y, cuando éste se le apareció en el pórtico con una antorcha en la mano, faltó poco para que se orinara allí mismo. Perro viejo volvió a sonreír cinco años después. Se había sentido poderoso. Él solo hubiera podido arrasar con los ingenios y todos los señores de la zona en aquel entonces. (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005, p. 64).

Como também verificamos no segundo fragmento exposto, o discurso narrativo termina por ressaltar não apenas a insubordinação dos escravizados ao sistema escravagista, mas, principalmente, o temor que infligiam aos senhores de engenho. A tragédia da escravidão, que se insere na experiência afro-diaspórica e é utilizada como argumento para explicar a execração da coletividade negra e afrodescendente, adquire outros sentidos, que remetem à bravura, luta e resistência negra, atributos evocados na imagem dos cimarrones e dos montes, lugar onde se situavam os palenques,9 refúgio dos sublevados.

Os modos de vida, episódios e situações evocados nos fragmentos apresentados e em toda a obra contradizem a ideia de passividade e inércia atribuídas a africanos e afrodescendentes, as quais visavam justificar a escravidão. Remetem a resistências negras de maior ou menor impacto que, de forma visível ou camuflada, inclusive em “relações de compadrio e até de excessiva subserviência” (SOUZA, 2005, p. 60), insurgiam-se contra aquele sistema. Estas, assim como as negociações “pacíficas ou não” entre negros e brancos nas Américas, favoreceram “a restruturação das relações” na região (SOUZA, 2005, p. 60).

Ao longo do romance, aos atributos anteriormente mencionados somam-se outros como a sabedoria e a experiência, que se condensam na construção de personagens como Perro Viejo, o vigia ou guardiero do engenho, e Aroni, apresentada como “vieja cuentera” (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005, p. 22), “guardiana de todas las historias” (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005, p. 45) e parteira. Em ambos a voz narrativa resgata valores muito caros à tradição cultural africana, como o respeito aos mais velhos, além da própria imagem dos griots, guardiões da memória ancestral dessa tradição, conforme recorda Hampaté-Bâ (2010).

Na representação de personagens negro-femininas, como Aroni e Beira, ainda sobressaem valores como a solidariedade, o cuidado, a coragem, a proteção, o equilíbrio e a proatividade da mulher negra. Na relação dessa mulher com sua comunidade vejo a “dinâmica negro-africana” que contribuiu para a sobrevivência e continuidade das comunidades negras neste continente e se reforça “em práticas cotidianas do trançar dos cabelos”, “nas receitas das ervas curandeiras passadas da avó para a filha e para a neta”, assim como nos cuidados e responsabilidades assumidas pelas Iyalorixás com as comunidades negras (NJERI et al., 2020, p. 303).

Portanto, se a própria literatura, tanto na ficção como na poética, contribuiu para fixar representações depreciativas sobre o negro e, junto a diferentes mídias, como o cinema, a publicidade, a novela etc., retroalimentou no imaginário social ideias, expressões e piadas racistas que também encontram acolhida no espaço escolar, em Perro Viejo o discurso literário se reafirma como uma possibilidade de operar significados de maneira a permitir que o aprendiz afrodescendente construa “um desenho identitário positivo para si e para o seu grupo” (SOUZA, 2005, p. 62).

Ao propor uma prática pedagógica a partir da leitura e do estudo desse romance, também argumento em favor de um maior investimento no gênero textual literário no ensino-aprendizagem de ELE. Além de reconhecer a grande contribuição do gênero para a compreensão e (auto)representação da cultura de um povo, para estimular o interesse leitor, para a formação de leitores críticos e de indivíduos pensantes, assim como Compagnon (2009, p. 47), entendo que a literatura

[...] deve, portanto, ser lida e estudada porque oferece um meio - alguns dirão até mesmo o único - de preservar e transmitir a experiência dos outros, aqueles que estão distantes de nós no espaço e no tempo, ou que diferem de nós por suas condições de vida. Ela nos torna sensíveis ao fato de que os outros são muito diversos e que seus valores se distanciam dos nossos.

Desse modo, a leitura e estudo do romance Perro Viejo se insere em uma proposta educativa orientada no sentido de contribuir para que, através de um constante exercício de reflexão, docentes e discentes nos tornemos mais sensíveis às diferentes identidades étnico-raciais que configuram a nação, constituem a comunidade intra e extraescolar. O trabalho com essa narrativa, em cujo repertório de símbolos e imagens sobressaem práticas, costumes, saberes e valores da diáspora e de uma tradição ancestral africana, viabiliza um ensino/aprendizagem de ELE inclusivo de “nossas referências étnico-raciais” (LIMA, 2015, p. 25) e permite ao estudante construir definições mais autônomas de si, de sua coletividade, assim como do Outro.

A obra evoca uma experiência similar de colonização nesses países que, com suas devidas especificidades sociopolíticas, econômicas e histórico-culturais, estruturou hierarquias, assimetrias, desigualdades raciais que permanecem em suas atuais sociedades e nos afetam enquanto afrodescendentes. Revigora elementos distantes no espaço geográfico e temporal que nos fornecem pistas sobre as relações étnico-raciais em sociedades multirraciais como Cuba e Brasil, e favorece a criação de ambientes e/ou oportunidades de abordar tais relações em sala de aula; o que concorre para que o ensino/aprendizagem de ELE faça sentido na vida dos estudantes.

Perro Viejo: por uma educação inclusiva da população negra no ensino de ELE

A leitura e estudo do romance Perro Viejo (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005) me leva a acreditar que, apesar da difícil tarefa de se “desmontar ou subverter um regime racializado de representação” (HALL, 2016, p. 223), pois, como diz Hall (2016, p. 223), “não existem garantias absolutas”, o trabalho de (re)construção de representações sobre o africano e o afrodescendente no imaginário social é extremamente necessário e válido, e demanda a participação de todos, inclusive dos professores de língua estrangeira.

Creio importante atentarmos para o fato de que o sistema de ensino por si é um âmbito legitimador de poder, onde se processa “uma ritualização da palavra”, “uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam”, como afirma Foucault (1999, p. 44). Esse autor ainda acrescenta as seguintes palavras: “Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes ou os poderes que eles trazem consigo” (FOUCAULT, 1999, p. 44).

O espaço educativo, portanto, pode contribuir para perpetuar no imaginário coletivo representações racializadas por meio de ações, mecanismos e condutas, inclusive instituídas, que concorrem para a inferiorização e apagamento da identidade étnico-racial afrodescendente e indígena. Como salienta a pesquisadora Nazaré Lima (2015), tal apagamento se processa na dinâmica da instituição escolar, “principal agência responsável pela produção, disseminação e inovação dos conhecimentos legitimados” (LIMA, 2015, p. 26). Nesse lugar, “textos, relações interpessoais, estética, ritos, imagens, processos pedagógicos, práticas diversas” (LIMA, 2015, p. 24) concorrem para a assimilação ou introjeção de “padrões hegemônicos”, ao mesmo tempo que desvalorizam o legado dos grupos culturais não brancos.

Para Nazaré Lima (2015), a exclusão das populações negras e afrodescendentes se efetiva na política educacional ofertada pelo Estado brasileiro. O apagamento da identidade étnico-racial desses segmentos tem o professor como um dos seus agentes e remete ao projeto de aniquilação de indígenas e negros que integrava o empreendimento colonialista proposto no trabalho pedagógico iniciado com os jesuítas, “nossos primeiros professores” (LIMA, 2015, p. 18).

Tanto Nazaré Lima (2015) como Sueli Carneiro (2005) remontam o ambiente hierarquizante e opressor em que nosso sistema educacional foi planejado. Ambas as intelectuais recordam a dificuldade de acesso de africanos e afrodescendentes à educação formal, mesmo com seus esforços individuais e coletivos, e o contínuo controle desse acesso, assim como do êxito e da permanência daqueles segmentos nesse sistema.

Segundo Sueli Carneiro (2005, p. 111), tal controle foi exercido mediante a criação de medidas pautadas no “dispositivo racialidade/epistemicídio” destinadas a extirpar da sociedade brasileira grupos que não correspondiam às expectativas criadas em torno de um “projeto de nação cuja aspiração fundamental era desenvolver o melhor de nossa ascendência europeia”. Assim, representações baseadas em “variáveis de cor, raça e etnia” visavam assegurar a “subalternidade social dos negros” ao garantir privilégios da elite branca no acesso às oportunidades educacionais (CARNEIRO, 2005, p. 114).

Daí que, para essa filósofa, as desigualdades raciais no Brasil se reproduzem historicamente através da educação, que reitera continuamente o discurso da superioridade europeia sobre os segmentos negros e viabiliza a exclusão racial por meio do dispositivo do epistemicídio, o qual se efetiva mediante a operacionalização articulada de medidas ou ações que destituem o negro de racionalidade, de capacidade cognitiva:

O epistemicídio é, para além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados, um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso à educação, sobretudo de qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência material e/ou pelo comprometimento da autoestima pelos processos de discriminação correntes no processo educativo. (CARNEIRO, 2005, p. 97).

A fala dessa autora nos permite dizer que o epistemicídio, ou seja, a inferiorização ou deslegitimação dos segmentos africanos e afrodescendentes como sujeitos cognoscentes é naturalizado na prática docente, é endossado por condutas e escolhas metodológicas e discursivas indiferentes às pautas raciais, pelo persistente silêncio do professorado em relação ao racismo, em suas esquivas ou omissão diante do debate desse tema tão urgente na sociedade brasileira, majoritariamente constituída por um contingente negro e mestiço10 no qual se inclui grande parte (ou a maior parte, como se observa no estado da Bahia) dos aprendizes que compõem especialmente a sala de aula da rede pública.

Ciente de que o racismo é um problema que afeta “a população negra no mundo e no Brasil” ainda nos dias atuais, como afirma Kabengele Munanga (SANTOS, 2005, p. 11), e escancaram os episódios recentes de violência racial ocorridos em escala global, entendo como necessário e urgente concebermos o ensino de língua estrangeira como um ato político em prol de uma sociedade mais igualitária. Portanto, esta proposta insere-se em um projeto maior que se orienta para uma abordagem linguística conectada com “questões significativas atuais” (PENNYCOOK, 2006, p. 68), de maneira a proporcionar uma maior aproximação ou entrosamento entre a produção de conhecimento e demandas ou pautas da comunidade/sociedade. A prática pedagógica, como afirma Pennycook (2006, p. 69), não pode ignorar aqueles “que falam de posições marginalizadas” pelo racismo, pela pobreza, pelo sexismo, pela homofobia e outros tipos de discriminação “cruciais em suas vidas”, inclusive como aprendizes de línguas.

O ambiente educacional configura-se como um dos espaços onde se (re)constitui a identidade social do indivíduo de acordo com as relações que este estabelece com as informações ou conhecimentos que acessa, compartilha ou adquire dentro e fora desse espaço, e da interação com seus integrantes. Daí que, como ressaltam as pesquisadoras Susana Ferreira e Aparecida Ferreira (2011, p. 117), “a escola tem papel primordial na construção e na manutenção das identidades sociais de seus alunos e professores”. Desse modo, é essencial atentar ainda para o fato de que “a construção de identidade social de raça/etnia na escola perpassa pelos materiais de ensino utilizados em sala de aula” (FERREIRA; FERREIRA, 2011, p. 117).

Assim, a adoção do romance Perro Viejo como material didático no ensino-aprendizagem de ELE contribui para acionar um repertório de costumes, práticas, falares, saberes, ideias, performances etc., presentes nas culturas que dialogam com o universo do corpo discente. Tal ensino-aprendizagem se mostra mais efetivo quando conectado às realidades do aprendiz, aos seus aportes culturais, os quais são frequentemente invisibilizados por abordagens pautadas em referências identitárias etnocêntricas, em situações alheias ou desconectadas de seu contexto sociocultural, de vida, as quais são comumente evocadas ou priorizadas em aulas de língua estrangeira, em detrimento das culturas dos estudantes; o que pode terminar por incidir em seu desempenho escolar.

Ao tratar de temas como população negra, educação no Brasil e desempenho escolar, Nazaré Lima (2015, p. 30) associa o “problema de retenção de segmentos negros na pirâmide educacional” a práticas excludentes, racistas, no espaço escolar que prejudicam os estudantes “afetiva e intelectualmente”. Considerando estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa escritora recorda que a maior incidência das desigualdades raciais recai sobre a juventude negra situada na faixa etária de 15 a 17 anos, “público de referência do nível médio de ensino” (LIMA, 2015, p. 31), e de modo particular na cidade de Salvador.

Portanto, assim como essa escritora, defendo a inclusão da diversidade étnico-racial em sala de aula e, a partir disso, penso que o ensino-aprendizagem de ELE pode contribuir para que a educação se efetive de maneira menos desigual, de forma que seu aproveitamento seja significativo para todas(os/es) os/as/es aprendizes.

Perro Viejo e aula de ELE: algumas proposições metodológicas

O trabalho pedagógico proposto nessa discussão dialoga com uma perspectiva pautada no conceito de “africanidades” que a pesquisadora Ione Jovino,11 em seu artigo “Aprendizagem e ensino de africanidades: ensino de espanhol numa perspectiva multicultural” (JOVINO, 2012), retoma da pesquisadora Petronilha Gonçalves Silva (2005). Segundo esta última, as “africanidades brasileiras” se referem às “raízes da cultura brasileira que têm origem africana”, “aos modos de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprios dos negros brasileiros”, assim como as marcas da cultura africana “presentes em seu cotidiano” (SILVA, 2005, p. 155).

Jovino (2012, p. 30) utiliza o conceito de “africanidades” para se referir a um contingente maior, neste caso, “os negros latino-americanos”, e o aplica ao ensino de ELE para tratar de povos hispanofalantes, considerando raízes africanas presentes em suas culturas no intuito de resgatar modos de vida, insurgências e resistências que podem de alguma maneira dialogar com as culturas de origem africana e afro-brasileiras.

Tal conceito se coaduna com a proposta de trabalho pedagógico que, nessa abordagem, venho defendendo para o ensino de ELE em turmas do Ensino Médio a partir da leitura e estudo do romance Perro Viejo (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005). Esse trabalho, a meu ver, deverá ser orientado a fim de possibilitar ao estudante reconhecer a experiência da diáspora, assim como uma tradição cultural ancestral africana, em modos de vida, hábitos, performances, situações e eventos de forma a contribuir para situá-lo em um contexto sociopolítico e histórico-cultural mais amplo, afetado pelo processo colonizatório e que remete à formação da América Latina, configurou suas bases estruturais.

Considerando esses aspectos, esse trabalho tem como uma de suas principais premissas estimular a reflexão sobre o impacto desse processo nas relações étnico-raciais que caracterizam as sociedades latino-americanas hispanofalantes, como a cubana, e a de língua lusobrasileira. Portanto, as práticas e condutas docentes que se requerem para o bom andamento dessa proposta devem atentar para “o papel educativo que pode ou deve ter o ensino de línguas, em especial do Espanhol, na formação do estudante, naquilo que esse lhe proporciona em termos de inclusão social e étnica, na constituição de sua cidadania, local e global”, conforme propõem as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) (BRASIL, 2006, p. 129) no referente ao ensino do idioma.

O ensino-aprendizagem de ELE que defendo aqui se inscreve no âmbito multiculturalista, “um terreno de luta em torno da reformulação da memória histórica, da identidade nacional, da representação individual e social e da política da diferença” (SILVÉRIO, 1999, p. 46) que se afina com as orientações estabelecidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, do parecer CNE/CP nº 003/2004 (BRASIL, 2004).

Ao invés de simplesmente reconhecer as diferenças entre grupos humanos e abordá-las a partir de temas transversais em sala de aula - o que, para Luis Alberto Gonçalves e Petronilha Silva (2003), contribui para diluir ou generalizar o sofrimento, tangenciar temas cruciais como o racismo, um problema grave que incide com maior força em determinados segmentos, a exemplo das comunidades negras -, essa proposta de ensino-aprendizagem adquire sentido desde quando favorece o questionamento de imagens e representações racistas internalizadas no imaginário coletivo e veiculadas em práticas discursivas instituídas e naturalizadas nas relações sociais.

Trata-se de um ensino-aprendizagem que incentiva o público discente a detectar pontos de vista, identificar intencionalidades, questionar valores, ideias e imaginários. Estimula o aprendiz a inferir sobre práticas discursivas em diferentes textos, assim como interpretar contextos históricos e socioculturais que marcam a existência dos sujeitos, sua identidade, as próprias relações inter-raciais no território latino-americano, e a produzir sentidos sobre realidades atuais que o afetam, assim como afetam seu entorno.

Nesse intuito, a leitura e estudo do romance Perro Viejo, mediados por professores de ELE, pode contribuir para fomentar e atualizar debates sobre temas como raça, etnia, diáspora, escravidão, racismo, gênero, classe, tradição ancestral africana, estética negra etc., que atravessam os vinte e três episódios curtos da obra. Estes podem ser lidos separadamente e sem prejudicar a compreensão leitora, de modo a favorecer discussões que podem ser suplementadas ou enriquecidas com materiais disponíveis em diferentes suportes, nas diversas mídias, as quais se inserem nessa proposta como fortes aliadas na tentativa de se promover reflexões sobre a memória da diáspora, preconceitos e desigualdades raciais.

Corroborando com a proposta, podemos contar com uma série de produções audiovisuais afro-latino-americanas (filmes, documentários, curtas-metragens, videoclipes etc.) nas quais constatamos, desde as últimas décadas do século XX, um crescente e articulado debate sobre esses temas e as relações étnico-raciais. Esse debate encontra ressonância nas produções musicais, de modo particular na música rap, a qual tem grande impacto no público jovem; é o que constatamos em letras e videoclipes de músicas afro-cubanas como Mi belleza, da banda Krudas Cubensi, Los pelos, de Obsesión, e Mi raza, de El indivíduo.

Desse modo, esse trabalho se mostra como um esforço para atender a principal finalidade que Petronilha Silva (2005, p. 157) atribui aos “estudos das africanidades”: “o direito dos descendentes de africanos, assim como de todos os cidadãos brasileiros, à valorização de sua identidade étnico-histórico-cultural, de sua identidade de classe, de gênero, de faixa etária, de escolha sexual.”

Dentro dessa perspectiva, a partir da articulação de aspectos socioculturais, históricos e político-econômicos da experiência da diáspora em Cuba e no Brasil, a discussão da temática étnico-racial na prática docente em ELE proporia e exploraria reflexões que gravitam em torno de temas como (auto)representação do negro e do afrodescendente na sociedade, estereótipos, preconceitos, desigualdades e violências raciais, intolerância religiosa, homofobia etc.

Quanto aos conteúdos ou conhecimentos linguísticos a serem acionados na aula, uma preocupação que aflige professores no trabalho com propostas semelhantes, sua seleção e sequenciação deve ser organizada de maneira a contribuir para o desenvolvimento de habilidades leitoras, de escrita e, inclusive, orais. Entretanto, considero importante ressaltar que nessa proposta a aprendizagem de componentes gramaticais e lexicais prioriza a compreensão da língua em dimensões mais abrangentes, de maneira a otimizar a percepção crítica de contextos linguísticos de ELE apresentados em linguagens múltiplas, inclusive ofertadas pelas diferentes mídias, e permitir ao aprendiz apropriar-se da língua estrangeira para conectar-se com o mundo e, consequentemente, melhor intervir nele, pois, como adverte a pesquisadora Nilma Lino (2009, p. 430), “[as] palavras e os conceitos não estão separados da vida, do mundo, da realidade, das contradições, do sofrimento humano, das esperanças e desesperanças”.

Para sua melhor efetividade, esse trabalho demanda um esforço conjunto da comunidade escolar, para o qual o ensino-aprendizagem de ELE pode contribuir significativamente se desenvolvido de forma integrada com várias áreas do saber. É o que também ressaltam as OCEMs:

[...] o ensino da língua estrangeira, reiteramos, não pode nem ser nem ter um fim em si mesmo, mas precisa interagir com outras disciplinas, encontrar interdependências, convergências, de modo a que se restabeleçam as ligações de nossa realidade complexa que os olhares simplificadores tentaram desfazer. (BRASIL, 2006, p. 131).

Assim, conteúdos de diferentes disciplinas poderão ser articulados de maneira a otimizar a leitura e abordagem do romance escolhido, a permitir uma percepção mais integrada da experiência da diáspora na América Latina e das relações étnico-raciais no continente, bem como potencializar o pensamento crítico. Essa leitura visa mobilizar conhecimentos que não se restringem ou interessam apenas a um grupo étnico-racial específico, antes favorecem a criação de um ambiente educativo que “problematiza e traz novas questões para diferentes áreas do conhecimento, culturas e sujeitos sociais” (LINO, 2009, p. 430).

Para tanto, esse trabalho requer um maior entrosamento entre professores de ELE e de História, Geografia, Sociologia, Biologia, Literatura, Artes, Música etc., a fim de que, juntos, possam identificar possibilidades de intersecção entre seus programas. Pautando-se em critérios definidos, professores dessas disciplinas poderão colaborar com atividades didáticas precedentes à leitura e estudo do romance Perro Viejo na aula de ELE, além de desenvolver outras em momento concomitante e/ou posterior à leitura e discussão da obra, de maneira a fomentar o interesse dos aprendizes em relação à sua temática e permitir uma melhor conexão entre os conhecimentos acessados em sala de aula.

A partir disso, sinalizo algumas sugestões temáticas que podem favorecer a articulação entre o trabalho a ser realizado na aula de ELE e aquele a ser desenvolvido por diferentes disciplinas. As aulas de Geografia contribuiriam para situar o aprendiz na América Latina, considerando a diversidade de grupos humanos e sociais que a constituem, assim como seus hábitos, aspectos políticos, econômicos etc. Com o auxílio de História e Sociologia seria possível discutir temas como a colonização no território, a diáspora negra, o sistema escravagista em países como Brasil e Cuba, resgatar insurgências e resistências negras nesses países ou no continente12 e ainda tratar do impacto desses fatores, eventos e/ou acontecimentos nas relações étnico-raciais, nas condições de vida das populações africanas e afrodescendentes de suas sociedades.

Atrelando-se a essas discussões, as aulas de Biologia poderiam promover reflexões em torno do discurso do cientificismo biológico dos séculos XVIII e XIX, apontar como este foi utilizado em detrimento dessas populações, endossando estereótipos que justificavam uma suposta subserviência, predisposição ao trabalho árduo e inaptidão do negro a atividades intelectuais. Tal abordagem também poderia ser ampliada nas aulas de Literatura, com a leitura e discussão de textos literários diversos (narrativas, contos, poemas etc.), de autoria de escritores afrodescendentes e não afrodescendentes, que permitiriam ao aprendiz repensar sobre as representações de africanos, de afrodescendentes, da experiência da diáspora e das tradições culturais africanas na literatura nacional.

Por sua vez, as aulas de Arte e Música oportunizariam aos estudantes o conhecimento de uma série de expressões artísticas da tradição cultural ancestral africana que compõem o acervo cultural afro-latino-americano. Ambas as disciplinas poderiam recordar a necessidade de adaptação de africanos à vida no continente devido à migração forçada que os obrigou a reelaborar suas artes, saberes, ritos, sua própria identidade. Poderiam ainda sublinhar sua criatividade ao confeccionar instrumentos musicais a partir de recursos rudimentares como pedras, paus, cipó, areia, conchas e tantos materiais que deram origem ao tambor, ao maraca, ao chequeré (shekeré ou agwe), à marimba, ao guasá e uma série de outros muito conhecidos na cultura musical de territórios de grande concentração negra como o cubano e o brasileiro.

Contribuições de outras disciplinas não mencionadas aqui seriam bem vindas para promover a interconexão com a prática pedagógica a ser desenvolvido na aula de ELE e favorecer um ambiente de trocas e/ou compartilhamentos entre os professores envolvidos, assim como o bom andamento do trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao investir na leitura e estudo do romance Perro Viejo (CÁRDENAS ÁNGULO, 2005), o ensino de ELE contribui para oportunizar a reflexão sobre a questão racial em países latino-americanos multirraciais como Brasil e Cuba, para desenvolver um pensamento crítico sobre as relações raciais em dimensão nacional e transnacional e na construção de (auto)definições étnico-identitárias mais conscientes e autônomas.

Como bem sabemos, numa sociedade como a nossa, majoritariamente monolíngue, o acesso a uma língua estrangeira tem contribuído para aprofundar desigualdades raciais, pois sempre esteve restrito a um público privilegiado. A expectativa de que o conhecimento dessa língua trará pouco impacto em suas vidas pode motivar em muitos estudantes oriundos de camadas populares, negras(os/es) em sua maioria, certo desinteresse, apatia ou resistência a esta. Portanto, penso que a relevância do ensino de ELE se reafirma à medida que se conecta com realidades atuais vivenciadas pelo corpo discente, como o racismo, e favorece em seu entorno o surgimento de atitudes, condutas e/ou práticas discursivas mais efetivas em seu combate, capazes de reverberar na sociedade.

O romance oportuniza em sala de aula momentos de reflexão sobre condições e/ou eventos histórico-culturais e sociopolíticos que legitimaram exclusões e injustiças vivenciadas pelas comunidades negras em seu cotidiano e impactaram na percepção sobre negras(os/es) na contemporaneidade. Além disso, contribui para uma percepção mais integrada e consciente da memória coletiva baiana, na qual incidiu a vinda de grandes contingentes de africanos escravizados para nosso estado, fator que repercute no conjunto expressivo de manifestações culturais de origem africana no território.

Através da leitura e do estudo de Perro Viejo vislumbro uma aprendizagem de língua estrangeira mais conectada com os saberes, aspirações, realidades e inquietações do aprendiz afrodescendente, de sua comunidade de origem, de modo que este possa reconhecer nela e em si mesmo referenciais de valor; um fator que contribuirá para motivar seu interesse em relação à língua em estudo.

Nesse trabalho defendo ainda a necessidade de nos situarmos na própria América Latina, enquanto professores de ELE, e de situarmos nossos estudantes nesse território, haja vista os vários países hispanofalantes que constituem de forma significativa o continente e cujas populações, assim como a brasileira, vivenciam desigualdades, exclusões, violências e reivindicações comuns, que extrapolam fronteiras e decorrem da questão étnico-racial.

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1Em observância aos procedimentos éticos da pesquisa, este estudo se construiu a partir da revisão bibliográfica sobre temas como diáspora, afro-latinos, população afro-brasileira e educação, ensino-aprendizagem para relações étnico-raciais, (auto)representação e ensino de espanhol, os quais foram articulados com informações e dados obtidos em materiais impressos e acessados na internet, com impressões decorrentes de experiências pessoais como docente de língua estrangeira e participação em minicursos e reuniões de grupo de pesquisa.

2No Brasil, essa onda de protestos ainda foi intensificada após a morte de João Alberto Freitas, espancado e morto por seguranças de uma unidade do supermercado Carrefour, em Porto Alegre, em 19 de novembro de 2020, véspera do dia de celebração da Consciência Negra no país.

3Romance publicado no Brasil pela Pallas Editora em 2010, sob o título de Cartas a minha mãe.

4Expressão traduzida ao português como “cachorro velho”, título que o livro recebeu na edição que a Pallas Editora publicou no Brasil em 2010. Essa versão em português foi selecionada para compor a lista de romances indicados para o exame de vestibular da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) do ano de 2017.

5A tradução da obra ao português brasileiro foi publicada pela editora Lê, em 2016.

6A visita ocorreu em 2018, ano em que a escritora também ministrou o minicurso “Memórias da diáspora negra na literatura afro-hispano-americana” no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

7Para Lélia, a “Améfrica”, além de corresponder ao espaço geográfico para onde vieram africanos escravizados e aqueles cuja chegada às Américas é muito anterior à de Colombo, é um território constituído por sociedades que viveram/vivem sob o mesmo sistema de dominação e são profundamente afetadas pelo racismo. Trata-se de um lugar onde historicamente se processam adaptações, resistências, reinterpretações e reelaborações que compõem uma intensa dinâmica cultural afrocentrada e são inseridas na categoria político-cultural denominada pela autora como “Amefricanidade” (GONZÁLEZ, 1988).

8No caso da língua estrangeira espanhol, a essas limitações e dificuldades soma-se a retirada da obrigatoriedade de sua oferta no Ensino Médio com a Medida Provisória nº 746/2016 (BRASIL, 2016), transformada na Lei Federal nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017), da Reforma do Ensino Médio, a despeito da Lei nº 11.161/2005 (BRASIL, 2005), que estabelecia como obrigatório o ensino da língua espanhola nas escolas da rede pública. Essa medida, que institui o ensino de espanhol em caráter optativo no Ensino Médio, é justificada pela suposta facilidade de compreensão entre falantes do idioma e do português no continente latino-americano; uma ideia que míngua as expectativas e o interesse de estudantes em relação ao ensino-aprendizagem dessa língua.

9Segundo Vera Regina Rodrigues da Silva (2012, p. 132), “cimarrón vem de cima, ou cimarra, significando originalmente matos e matagais”. Dessa maneira eram designados os escravizados fugitivos ou refugiados em regiões íngremes de difícil acesso. Por sua vez, os palenques eram as “aldeias fortificadas” (SILVA, 2012, p. 132), onde esses escravizados se refugiavam. O nome provém “de palanca e de palus (pedaço de pau)” (SILVA, 2012, p. 132), material utilizado em sua construção.

10Informação apontada em dados do IBGE e do IPEA e reiterada por Kabengele Munanga (SANTOS, 2005).

11Ione Jovino é professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e defensora da perspectiva das africanidades e da educação para as relações étnico-raciais no ensino de línguas estrangeiras, principalmente no ensino de ELE. Essa perspectiva norteou o projeto, iniciado em 2011, Ensino de Espanhol, Gêneros Textuais e Africanidades do grupo PIBID, na subárea do espanhol, que a pesquisadora coordenou com a professora e pesquisadora Lígia Paula Couto na UEPG. O grupo foi constituído por graduandos do curso de Licenciatura em Letras Espanhol/Português, professoras de espanhol de escolas públicas do Paraná e professoras de estágio da própria universidade.

12Caberia aqui resgatar resistências e insurreições de escravizados ocorridas em Cuba, no Brasil e em outros países hispanofalantes do continente, assim como o nome de grandes líderes negras(os/es) a exemplo da cimarrona Carlota Lucumí, Zeferina, Luísa Mahín, Zumbi dos Palmares e Benkos Biohó.

Recebido: 04 de Março de 2021; Aceito: 13 de Maio de 2021

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