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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.62 Salvador abr./june 2021  Epub 16-Dic-2021

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n62.p152-166 

DOSSIÊ TEMÁTICO

QUE FIM LEVARAM TODAS AS CORES? AS IMAGENS QUE UMA POLÍTICA PÚBLICA CONTA PRA NÓS

WHAT IS THE END OF ALL THE COLORS? IMAGES THAT A PUBLIC POLICY TELLS FOR US

¿QUÉ DARON TODOS LOS COLORES? LAS IMÁGENES QUE NOS DICE UNA POLÍTICA PÚBLICA

Mariana Passos Ramalhete*  (IFES)
http://orcid.org/0000-0002-6933-6552

Samira da Costa Sten**  (UFBA)
http://orcid.org/0000-0002-5959-3600

*Doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Filosofia e Linguagens da Universidade Federal do Espírito Santo (Nepefil/CE/Ufes) e do grupo de pesquisa interinstitucional Literatura e Educação. Professora de Língua Portuguesa no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), campus Venda Nova do Imigrante. Vitória, Espírito Santo, Brasil. E-mail: marianaramalhete@yahoo.com.br

**Doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Professora Adjunto I da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador, Bahia, Brasil. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Filosofia e Linguagens da Universidade Federal do Espírito Santo (Nepefil/CE/Ufes) e participa do grupo de Pesquisa, Imagens, Tecnologias e Infâncias. E-mail: samira.sten@hotmail.com


RESUMO

Este artigo problematiza o tratamento dispensado às ilustrações do programa governamental Conta pra Mim (BRASIL, 2020a). Apresenta os avanços inerentes à literatura infantil na dimensão das relações étnico-raciais, bem como expõe o contexto histórico de implementação dessa política pública. A partir da contribuição de Vigotski, recorre aos conceitos de imaginação e criatividade e elege como corpus analítico duas ilustrações circunscritas na categoria “livros de ficção” presentes no acervo do programa. Argumenta que a atual política governamental ignora os avanços no campo da literatura infantil e das discussões e lutas inerentes à educação para as relações étnico-raciais, por meio de uma política de branqueamento. Conclui que tal intento se constitui em um obstáculo à imaginação, criação e fantasia e presta um grande serviço à manutenção de um imaginário social fundamentado em padrões eurocêntricos hegemônicos.

Palavras-chave: Conta pra Mim; literatura infantil; política pública educacional; relações étnico-raciais

ABSTRACT

This article discusses the treatment given to the illustrations of the Governmental Program Conta pra Mim (BRASIL, 2020a). It presents the advances inherent in children's literature in the dimension of ethnic-racial relations, as well as exposing the historical context of implementation of this public policy. Based on Vigotski's contribution, it resorts to the concepts of imagination, and creativity, also chooses as its analytical corpus two circumscribed illustrations in the “fiction books” category present in the program's collection. It argues that current government policy ignores advances in the field of children's literature and the discussions and struggles inherent in education for ethnic-racial relations, through a policy whitening. It concludes that such an attempt constitutes an obstacle to imagination, creation and fantasy and provides a great service to the maintenance of a social imaginary based on hegemonic Eurocentric standards.

Keywords: Conta pra Mim; children’s literature; public educational policy; ethnic-racial relations

RESUMEN

Este artículo analiza el tratamiento dado a las ilustraciones del programa gubernamental Conta pra Mim (BRASIL, 2020a). Presenta los avances inherentes a la literatura infantil en la dimensión de las relaciones étnico-raciales, además de exponer el contexto histórico de implementación de esta política pública. A partir del aporte de Vigotski, recurre a los conceptos de imaginación y creatividad y elige como corpus analítico dos ilustraciones circunscritas en la categoría de “libros de ficción” presentes en la colección del programa. Sostiene que la política gubernamental actual ignora los avances en el campo de la literatura infantil y las discusiones y luchas inherentes a la educación para las relaciones étnico-raciales, a través de una política de blanqueamiento. Concluye que tal intento constituye un obstáculo para la imaginación, la creación y la fantasía y proporciona un gran servicio al mantenimiento de un imaginario social basado en estándares eurocéntricos hegemónicos.

Palabras clave: Conta pra Mim; literatura infantil; política educativa pública; relaciones étnico-raciales

Considerações Iniciais

Em um país marcado pelo recrudescimento de políticas ultraconservadoras e neoliberais e, além disso, atingido pela pandemia do coronavírus (Covid-19), as inúmeras tentativas de genocídio indígena e negro, a agressão ao meio ambiente, o acirramento da desigualdade social e o abuso de poder se tornaram ainda mais visíveis. Dentro desse contexto, em que o distanciamento social, um privilégio para poucos, tornou-se um imperativo de proteção à vida, a educação brasileira foi alvo de uma série de ações governamentais. Dentre elas, além da redução de verbas, destacam-se as ações direcionadas à infância, especificamente aquelas que se desdobram da Política Nacional de Alfabetização (PNA), e é nessa esteira que repousa o programa do Ministério da Educação (MEC), intitulado Conta pra Mim (BRASIL, 2020a).

Estabelecido pela portaria nº 421, de 23 de abril de 2020 (BRASIL, 2020a), o Conta pra Mim é uma ação da PNA, instituída pelo Decreto nº 9.765, de 11 de abril de 2019 (BRASIL, 2019a). Esse programa é a consolidação do disposto no art. 8º do decreto citado, uma vez que a execução dessa nova política se dará por meio de ações, programas e instrumentos que englobam desde a organização curricular, produção de obras literárias, até a promoção de práticas de literacia familiar. O Conta pra Mim (BRASIL, 2020a) anuncia atender, de igual modo, à Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016 (BRASIL, 2016), que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância.

Este artigo versa sobre questões atinentes aos campos da literatura infantil e relações étnico-raciais, especificamente por meio da análise de documentos do Conta pra Mim, política educacional em vigor que almeja “[...] orientar, estimular e promover práticas de literacia familiar em todo o território nacional” (BRASIL, 2020a). Ramalhete (2020), ao analisar os documentos do programa, assegura que essa política se respalda em práticas ultraconservadoras, que nega às famílias brasileiras o acesso à arte e está confinada a finalidades utilitaristas e moralizadoras, que não colaboram com transformação de uma sociedade desigual e injusta, mas com a sua mera produção. Para essa autora, os textos são versões muito empobrecidas e monótonas de contos de fadas e lendas folclóricas, pois atendem a uma finalidade pragmática: um manual de uma suposta “boa” conduta. Esse furor moralizante, além de corroborar com a expansão de um afã teocrático, endossa concepções falocêntricas, sexistas; sustenta uma visão estereotipada de mulher vinculada à subserviência, à fragilidade e à submissão. Em geral, oferecem ilustrações superficiais que não representam a heterogeneidade da sociedade brasileira e configura-se como uma espécie de sequestro da experiência estética (RAMALHETE, 2020). Nessa perspectiva, neste artigo, buscamos responder à seguinte indagação: qual o tratamento dispensado às ilustrações do programa governamental Conta pra Mim?

A partir dos aspectos apresentados e da realidade atual, nutrida não só pela “pedagogia da crueldade”, implacavelmente assinalada pela inferiorização, ataque e violência contra a juventude negra (GOMES; LABORNE, 2018), mas também pela “inferiorização e desumanização da diferença” (LIMA; FARO; SANTOS, 2016, p. 219), este artigo objetiva problematizar o tratamento dispensado às ilustrações do programa governamental Conta pra Mim. Toma como corpus analítico os documentos desse programa (BRASIL, 2020b, 2020c); mostra como essa política governamental ignora os avanços no campo da literatura infantil e das discussões e lutas inerentes à educação para as relações étnico-raciais, por meio de uma política de branqueamento. Para tanto, além das considerações iniciais, este artigo, primeiramente, discorre acerca de questões intrínsecas à literatura infantil na dimensão da educação para as relações étnico-raciais e, também, acerca do contexto de implementação do programa Conta pra Mim. Em um segundo momento, apresenta-se a organização dos materiais dessa política pública e propõe-se, à luz da perspectiva vigotskiana para os conceitos de imaginação e criatividade, a análise de duas ilustrações. Ao final, entre outros aspectos, reitera-se que essa política pública apresenta ilustrações que ferem a própria historicidade da literatura infantil, especificamente no que diz respeito à representação de negros e indígenas. Trata-se, portanto, da prestação de um grande serviço à manutenção de um imaginário social fundamentado em padrões eurocêntricos hegemônicos.

Literatura infantil, relações étnico-raciais e política pública educacional

A alternativa a seguir, proposta por Munanga (2008), ainda não foi resolvida no Brasil. Para esse autor, “Ou a sociedade brasileira é democrática para todas as raças e lhes confere igualdade econômica, social e cultural, ou não existe uma sociedade plurirracial democrática” (MUNANGA, 2008, p. 85). Hofbauer (2003), por sua vez, assevera que a manutenção da “ideologia do branqueamento”1 no Brasil está ligada, em primeiro lugar, às características específicas das relações de poder, em um país atravessado por um histórico colonial de exploração, escravismo, desigualdade e violência. Para o autor, a resistência à formalização de direitos e deveres individuais e de ideias como igualdade e diferença é uma postura sociopolítica de parte das estruturas patrimoniais, que tende a se voltar contra qualquer tentativa de burocratizar processos de inclusão e exclusão (HOFBAUER, 2003).

Pesquisas como as de Santos (2015), bem como de Maia e Zamora (2018), têm convergido à assertiva de Costa (2011), o qual, na esteira dos estudos de Munanga (2008) e Hofbauer (2003), acentua que o fracasso do branqueamento físico não extinguiu a ideologia do branqueamento, elemento constitutivo do racismo no Brasil. No campo da literatura infantil, tal constatação pode ser observada, por exemplo, no claro avanço na produção de obras literárias rumo a uma sociedade antirracista, advindo, sobretudo, da luta de movimentos sociais e de marcos legais, tais como a promulgação das Leis nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003) e nº 11.645/2008 (BRASIL, 2008). Silveira e outros (2012) avaliam que tais legislações e seus respectivos efeitos em espaços escolares são refletidos diretamente na produção editorial. De igual forma, ponderam que as instituições escolares brasileiras estão atreladas às letras, à escrita e, no caso dos livros para crianças, permeadas pela crença de que, por meio da ludicidade que poderia ser oferecida pelos livros, temas difíceis, como o preconceito e o racismo, podem ser mais fácil e produtivamente abordados (SILVEIRA et al., 2012).

Quando se trata da representatividade da diversidade em livros infantis, estudos são convergentes a apontar alguns avanços e permanências. Gouvêa (2005), ao analisar as representações sociais sobre o negro circunscritas na produção literária brasileira destinada à criança, nas três primeiras décadas do século XX, evidenciou que as personagens negras ora estavam ausentes das obras ou remetidas ao recente passado escravocrata, ora eram abordadas com estereotipia. Na avaliação dessa autora, a literatura infantil do período supracitado dirige-se e visa a produzir um leitor identificado com as referências culturais e com as personagens brancas, marcando, por conseguinte, uma tentativa de branqueamento do leitor (GOUVÊA, 2005).

Silva e Freitas (2016), por meio da análise de diferentes obras atuais, argumentam que os livros de literatura infantil e juvenil, ao divulgarem e valorizarem a imagem, a cultura e o modo de vida da população negra, contribuem para o fortalecimento das identidades étnico-raciais (SILVA; FREITAS, 2016). Oliveira (2010), ao se debruçar sob produções literárias infantis brasileiras e moçambicanas, avalia que as obras têm primado pela qualidade estética, o que inclui a inserção de elementos não caricaturescos sobre fenótipo de pessoas negras. Por outro lado, Alcaraz e Alcaraz (2020), assim como Oliveira (2010), salientam que, em geral, a hegemonia da representatividade do segmento étnico-racial branco, em detrimento dos demais, ainda é uma realidade.

Araujo (2015) chama de “otimismo parcimonioso” o que acontece nas literaturas infantil e juvenil. De acordo com essa autora, sobretudo a partir dos anos 2000, a trajetória de personagens negras nas literaturas infantil e juvenil são marcadas de maneira mais positiva, embora ainda haja um predomínio da sub-representação (ARAUJO, 2015). Em estudo mais recente, Araujo (2018) reuniu uma síntese dos resultados de pesquisas sobre a produção literária infantil e juvenil, especificamente na dimensão das relações étnico-raciais. Para essa autora, desde o surgimento do gênero literário endereçado à infância e juventude brasileira, vem sendo empreendida uma busca por produções que tenham assumido a valorização e o reconhecimento da diversidade humana como elemento agregador à qualidade artística das obras. A partir de um alentado estudo de teses e dissertações, em um recorte temporal de 10 anos, Araujo (2018) reitera que há mudanças2 na representação de personagens negras, a partir de publicações literárias mais recentes, ainda que negras e negros sejam minoria nas personagens do universo literário infantil e juvenil (ARAUJO, 2018).

Quando se trata da temática indígena, convém lembrar que, nos primeiros livros brasileiros destinados à infância, a visão dos povos indígenas era, geralmente, depreciativa. A partir da metade do século XX, a participação desses povos se tornou mais expressiva nas obras, porém ainda arraigada em um conceito de civilidade, à medida que essas personagens se aproximavam do costume dos brancos (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007). Nos últimos anos, podem ser elencadas três tendências principais acerca da representação indígena na literatura infantil: a primeira, que expõe uma vinculação desses povos ao folclore; a segunda tendência, que enaltece a profunda relação dos povos indígenas com a natureza; e a terceira, que, provida de um acentuado tom pedagógico, visa apresentar ao leitor aspectos da vida indígena, tais como a língua, o dinamismo da cultura, a etnia, dentre outros aspectos (SILVEIRA et al., 2012). Além disso, convém salientar que a literatura indígena brasileira, que adquire notoriedade a partir dos anos 1990, no bojo de um movimento mais amplo de valorização da diversidade, configura-se como espaço de produção de narrativas híbridas, multimodais e interculturais. As obras escritas por autores de diferentes etnias são um registro privilegiado do contato entre povos, pois nelas estão circunscritas marcas identitárias e se procede, por vezes, a uma contestação de visões monolíticas e representações estereotipadas sobre indígenas (BONIN, 2015). Dessa maneira, o trabalho com a literatura infantil e juvenil de temática indígena é necessário, uma vez que se trata de um rico manancial de registros de modos de vida, manifestações culturais, espaços construídos e concepções de mundo (COSTA; COENGA, 2015).

Ainda que os avanços no campo da literatura infantil sejam notórios e sinuosos, “Mostra a história que, quanto mais autoritários são os regimes políticos, maiores são as tendências para que se intensifiquem tentativas de controle das sexualidades, dos corpos e da própria diversidade.” (SCHWARCZ, 2019, p. 206). Assim, é preciso ressaltar que o lançamento do programa governamental Conta pra Mim, em 2020, não pode ser analisado separadamente da complexidade histórica que o engendra. Saviani (2020a) afirma que a historicidade da educação brasileira está marcada, em geral, pela precarização, vislumbrada na protelação, na filantropia, na fragmentação e na improvisação. Observa que, mesmo com anos de avanço, após o golpe de 2016, a educação tem sido atingida por claro retrocesso (SAVIANI, 2020a). Nesse bojo, não custa lembrar a Emenda Constitucional nº 95/2016 (BRASIL, 2016), que impôs um novo regime fiscal e congelou os investimentos em educação e saúde por vinte anos. Além disso, o Conta pra Mim, uma política pública educacional ultraconservadora, “empurra a porta” das famílias brasileiras (RAMALHETE, 2020) justamente em um contexto de agravamento das políticas neoliberais que tendem a subordinar a educação à lógica do mercado. Na conjuntura da crise política brasileira, trata-se de um verdadeiro desmonte da educação nacional (SAVIANI, 2020b).

Diante desse cenário de ataque e desmonte, apenas como exemplificação e com foco restrito à temática deste artigo, à moda de uma cadência, a partir de 2019: a) foi extinta a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão Social (Secadi), cujo escopo estava voltado às ações e políticas de valorização da diversidade e da inclusão, com atuação específica nos seguintes âmbitos: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola, Educação para as relações Étnico-Raciais e Educação em Direitos Humanos (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018); b) foi nomeado o delegado Marcelo Augusto Xavier para a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai); sua gestão tem sido balizada pela falta de diálogo com indígenas, exoneração de servidores ligados aos interesses dos povos originários, escalada da violência em terras indígenas e atendimento a interesses de ruralistas (LEITÃO; KRÜGER, 2020); c) Sérgio Camargo, para quem o movimento negro é uma “escória maldita” e o racismo estrutural “vitimismo”, foi nomeado presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP) (MAZUI, 2019; ROSA; LINDNER, 2020); d) foi abolido o Conselho Consultivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) (BRASIL, 2019c), instância formada por inúmeros setores da sociedade, responsável, em linhas gerais, por fornecer apoio à direção do PNLL nas definições de ações relacionadas à área e primar pela democratização do acesso ao livro; e) foi ampliado o poder de ruralistas, ao ser atribuído ao Ministério da Agricultura a responsabilidade de demarcação de terras indígenas (BRASIL, 2019d); f) foi promulgada a Lei nº 13.964/2019 (BRASIL, 2019e), conhecida como o “Pacote Anticrime”, que aumentou o poder punitivo do Estado e vitimiza, ainda mais, a população vulnerável (KRAUSER; ENGELMANN; HAUSER, 2020); na avaliação de Sampaio e Menegheti (2020), o que ocorre no Brasil é um extermínio sistemático, sobretudo dos negros/pobres/jovens, cujas vidas são consideradas descartáveis (SAMPAIO; MENEGHETTI, 2020); g) tornaram-se evidentes a fragilidade social de certos grupos diante da pandemia de Covid-19, já tão atacados historicamente pela desigualdade social e pelo racismo estrutural. Em outras palavras, a crise sanitária atingiu, com mais força, mulheres, indígenas e negros na pandemia (PRATES, 2020).

A prática de contar história, narrar às crianças, não é um fenômeno atual. Neste Brasil do século XXI, um programa do Ministério da Educação (MEC) apresenta a sua narrativa; de proporção nacional, disponibiliza, em plataforma virtual, um acervo de livros a serem contados pelas famílias às crianças. No entanto, esse material, ao que parece, não faz emergir as assimetrias sociais, as contradições das tensões da vida em sociedade e a tão diversa cultura da nação brasileira. Perversamente, como será apresentado por meio das análises, o que se vê e se lê é a naturalização de desequilíbrios sociais que são consequências de processos históricos de culturas negadas, silenciadas, violentadas e que, por isso, devem ser questionados.

O Que Temos A Contar Sobre O Conta Pra Mim

O programa do governo federal Conta pra Mim reúne uma série de materiais que vão desde um guia até marca-páginas. Enuncia, em seu Guia de Literacia Familiar (BRASIL, 2019b), que se direciona às famílias brasileiras. Diante desse limite circunscrito a um grupo pré-determinado, soma-se a apresentação do material pelo ex-ministro da Educação, Abraham Bragança Vasconcellos Weintraub. Não há menção, do ex-ministro, a poetas brasileiros ou, mesmo, a escritores de literatura, apenas exemplos de frases de efeito ditas por homens de Estado não brasileiros, como Benjamin Franklin (1785-1788) e Winston S. Churchill (1874-1965). Dirigido às famílias e não à imaginação e à fantasia da criança, o programa governamental Conta pra Mim parece assumir uma concepção de infância tutelada e adultocêntrica, em que se despreza uma concepção de criança como sujeito de direito, ativo, criador e produtor de cultura (CORSARO, 2011).

Com o intuito de problematizar questões étnico-raciais desconsideradas nesse programa governamental, destaca-se o persistente projeto de branqueamento que se valida na estrutura formal e visual de grande parte do acervo do programa Conta pra Mim. Nesse sentido, uma política de leitura nacional que tenta apagar uma memória etnográfica deve ser vista com suspeita, pois confirma que “O controle maior não foi da história e sim sobre a memória” (PAIXÃO; GOMES, 2010, p. 55).

Quanto à escolha das imagens, encontram-se no site do MEC, disponíveis para download, coleções intituladas: “livros de ficção”, “livros de poesia”, “livros somente com imagens”, “livros para bebês” e “livros informativos”. Apesar das temáticas variadas e do razoável acervo, as obras apresentam uma linguagem empobrecida e, invariavelmente, repete-se a técnica de ilustração, cujo trato gráfico-visual não prevê a diversidade étnica que compõe a sociedade brasileira. Pela especificidade do tema, cuja proposição de análise é a problematização das questões étnico-raciais nesse programa governamental, o recorte sugerido é a categoria mais representativa numericamente, intitulada “livros de ficção”, pois, além de ser composta por contos de fadas, fábulas e contos tradicionais brasileiros, tal agrupamento de textos traz como expectativa a possibilidade de um encontro com um trabalho gráfico-visual que prevê, supostamente, a diversidade cultural.

Diante disso, apresentam-se, como corpus de análise, uma imagem circunscrita em Brasil (2020b), a lenda brasileira intitulada A Lenda da Vitória Régia (Figura 1), e uma do conto de fadas ofertado em Brasil (2020c), cujo título é A Princesa e a Ervilha (Figura 2). Ou seja, propõe-se a análise visual e formal de duas imagens ilustradas desses textos (Figuras 1 e 2) e, a partir delas, intenta-se como caminho metodológico problematizar: 1) a estrutura da composição visual, a partir dos elementos visuais (ponto, linha, forma, direção, tom, cor, textura, dimensão, escala e o movimento) , com especial destaque a traços fenotípicos; 2) a técnica visual de ilustração que sustenta o trabalho deste(a) ilustrador(a); 3) a dimensão cultural proposta nas cenas ilustradas e suas implicações para a construção da autoimagem da criança e seu transbordo na produção do imaginário social brasileiro.

Para se analisar as imagens ilustradas de um livro, exige-se compreendê-las como objeto estético. No entanto, como adverte Vigotski (2010), a Estética, por vezes, é confundida com distração e satisfação. Para ele, muitas vezes a pedagogia se vale da estética com o fim de educar o sentimento, o conhecimento e a vontade moral. São essas as dimensões que impedem que se resolva definitivamente quais os métodos e objetivos da educação estética. Assim explica esse autor: “Organizam-se as bibliotecas infantis com a finalidade de que as crianças tirem dos livros exemplos morais ilustrativos e lições edificantes, a enfadonha moral da rotina e os sermões falsamente edificantes se tornaram uma espécie de estilo obrigatório de uma falsa literatura infantil.” (VIGOTSKI, 2010, p. 324).

O perigo, explica Vigotski (2010), é que ao ser capturada por valores morais e sentimentalismo, a obra de arte deixa de ser autônoma e torna-se “[...] uma ilustração para uma tese moral de cunho geral” (VIGOTSKI, 2010, p. 328). A criança precisa experimentar um sentimento estético e não “um momento moralizante” estranho à estética (VIGOTSKI, 2010).

Ilustração diz respeito, historicamente, a como o artista interpretava a cena, pois “A pintura pode fazer pelo analfabeto o que a escrita faz pelos que sabem ler.” (GOMBRICH, 2010, p. 167). Na ilustração, inicialmente, o artista procurava clareza e identificação com a realidade. Ela sempre esteve pari passu com o texto verbal. Entretanto, ganhar certa autonomia ao associar e dissociar os elementos verbais permitiu-lhe não ser apenas a cópia da cena de uma obra.

O trabalho do ilustrador na composição texto-visual na contemporaneidade se descolou da premissa do Papa Gregório Magno, no século VI d.C., de que para os leigos as imagens são úteis ao ensino das sagradas escrituras (GOMBRICH, 2010). A imagem ilustrada não é mais a cena decalcada de um texto verbal, não se associa apenas ao ensino mnemônico como nas antigas cartilhas ou ao desenho explicativo em manuais de instrução. Na relação com o texto verbal, a ilustração de obras infantis, no Brasil, assume uma dimensão de autoria que emerge, em meados do século XX, do notável trabalho de Ziraldo, Angela Lago e Maurício de Souza e segue em expansão com Renato Moriconi, Mariana Massarani, Eva Furnari, Alexandre Rampazo, Daniel Kondo, Odilon Moraes, Maurício Veneza, Rubem Filho, entre outros.

Se a sensibilidade e a percepção são portas de entrada da experiência estética, como marcar, na experiência da criança com a ilustração, a ontologia da diferença e as dimensões de uma tradição que vibra entre a ancestralidade, a diversidade e a formação da identidade de povos herdeiros de memórias? Nessa perspectiva, o trabalho de ilustração deve dialogar com os vestígios culturais que marcam o texto verbal e promove, pela técnica gráfica, a experiência estética do observador, tributária do processo de criação do(a) artista. A atividade de criação se realiza pela elaboração e dissociação das impressões advindas, simultaneamente, da percepção do mundo externo, dos elementos adquiridos do acúmulo de experiências anteriores e do conhecimento sobre o tema (VIGOTSKI, 2014).

Esse complexo processo de criação, compreendido como “[...] a atividade humana criadora de algo novo, seja ela uma representação de um objeto do mundo exterior, seja uma construção da mente ou do sentimento característicos do ser humano” (VIGOSTKI, 2014, p. 1) é o que permite a experiência estética do observador e confirma o trabalho de autoria do(a) ilustrador(a).

Com isso, adverte-se que este artigo não ambiciona apenas avaliar o (de)mérito da produção, mas tenta identificar, no trabalho de ilustração do programa governamental, a possibilidade de uma experiência estética promotora da valorização de manifestações culturais e do respeito/reconhecimento à diversidade tão característica da população brasileira. A partir desses aspectos, discorre-se sobre o trabalho de ilustração (Figuras 1 e 2) proposto nestes fragmentos da coleção Conta pra Mim. Como observado adiante, quanto à ilustração (Figura 1) do conto A Lenda da Vitória Régia (BRASIL, 2020b), em sua totalidade, o verde emoldura as cenas representadas e o ambiente aquarelado que, além de banhar a cena cuidadosamente contornada por uma tênue linha preta, transforma as imagens de representação da natureza em sutis borrões que se espalham e formam a cena visualizada.

Fonte: Brasil (2020b, p. 5).

Figura 1 A Lenda da Vitória Régia, ilustrada por Vanessa Alexandre 

Na ilustração, os elementos de representação da natureza surgem, no plano visual, como um cenário que lembra uma montagem fotográfica, cuja disposição destes segue uma prévia organização. À vista disso, a biodiversidade brasileira foi desconsiderada e o que se observa são fauna e flora surgirem como objetos de uma paisagem artificial que decoram a cena. Restringir a natureza a pequenos matizes que lembram folhas e flores transformando-a em um elemento secundário à cena é descolar a humanidade do organismo vivo que é o planeta Terra (KRENAK, 2019). Ademais, as crianças, principalmente dos centros urbanos, que não têm contato com florestas tropicais e de Mata Atlântica, perdem a possibilidade de conhecer outras formas da natureza e com ela desenvolver o respeito, o afeto e o trabalho de preservação.

Na cena, a figura humana ocupa lugar central. A silhueta, os gestos dos braços, pernas e corpo insinuam feminilidade e dão o tom da representação, o que perpetua a imagem da mulher presa ao “eterno feminino” (BEAUVOIR, 1970). Nessa perspectiva, não seria delírio supor que a imagem que representa Naiá, indígena guerreira, vestida com saia rodada composta de listras azuis à altura do joelho e o que parece ser um adereço de flores no busto, de fato, aproxima-se da imagem estereotipada da dançarina havaiana, com um misto do conservadorismo neopentecostal. Certamente, há um desprendimento da cultura dos povos originários, o que provoca um anacronismo refém de uma aparência de pudor, mas que, ao mesmo tempo, promove o corpo da mulher como um território de sensualidade.

A estilização do grafismo no corpo da personagem também merece atenção, pois o que se observa é um descuido no trato estético-gráfico nesse trabalho de estilização. Ressalta-se que os traços gráficos espalhados pelo corpo representam as tradições vinculadas à identidade, à memória, ao território, a ritos sagrados dos povos indígenas e exprimem modos de ser e estar desses povos, de modo que não devem surgir aleatoriamente como um risco ou uma forma a preencher pernas, braços e rosto com um tom de vermelho. Desconsiderar que os grafismos representam uma complexa cadeia de símbolos nessas tradições é um sintoma de uma ação planejada contra a cultura indígena. Sintomaticamente, essa ilustração (Figura 1) mantém a cultura dos povos originários em um equívoco ciclo de homogeneização, de estigmas sociais, que emergem de uma incompreensão que insiste em enxergar essas tradições ora como folclore, ora como exóticas. Desconhecidas, esvaziadas e sem apreço, são apenas toleradas em espaços formais e não formais de educação (BARBOSA, 1998).

O trabalho desenvolvido nessa ilustração (Figura 1) acompanha o texto verbal, organizando alguns elementos imagéticos mencionados na lenda em questão. Considera-se, porém, que são imagens estigmatizadas e estereotipadas da cultura indígena. Um diálogo gráfico que, certamente, não promove conhecimento, tampouco reconhecimento de uma manifestação cultural tipicamente brasileira ligada à tradição dos povos originários. Portanto, a ilustração da lenda em questão segue a fortalecer um imaginário social de sensualidade e feminilidade ligado à figura da mulher; ao manter os traços fenotípicos subservientes ao modelo eurocêntrico hegemônico e homogeneizar as pinturas da pele, estigmatizar a natureza, vestir Naiá com roupas em que nada lembram sua cultura, essa imagem não só perpetua o exótico vinculado à imagem de indígenas como se torna um equívoco pitoresco. Essa tentativa de redução da existência dos indígenas a personagens exóticos, folclorizados e fetichizados tende a reforçar uma lógica desumana de banalização da violência que ainda não se descolou da política de genocídio imposta contra os corpos, a história, a religião e a cultura desses povos.

Para dar continuidade à argumentação, segue-se, adiante, a análise da Figura 2, retirada do conto A Princesa e a Ervilha (BRASIL, 2020c).

Fonte: Brasil (2020c, p. 6).

Figura 2 A Princesa e a Ervilha, ilustrada por Vanessa Alexandre 

Na imagem ilustrada (Figura 2), a partir do diálogo gráfico-visual com o conto de fadas intitulado A Princesa e a Ervilha (BRASIL, 2020c), identifica-se, em sua totalidade, a representação estigmatizada da arquitetura de um castelo medieval, o qual emoldura a figura humana no plano. Em destaque, a personagem remonta um tipo social, cuja veste marca, além de um tempo histórico, a régua de valores de uma determinada classe, tendo em vista que se vestir tornou-se um sinal de prestígio. Apesar das poucas texturas na representação do vestido no trato com o trabalho de aquarela, reconhecem-se rendas e adornos na composição da forma. Organiza-se a ilustração da vestimenta a partir de uma paleta monocromática, em que não se prevê nenhum contraste de cores complementares, o que indicia certa aderência a um imaginário social de beleza e requinte tributário de um modo de ser aristocrata.

Reconhecidamente polissêmica, a relação entre texto e imagem pode provocar diversas interpretações que interferem e estimulam o trabalho do(a) ilustrador(a), mas tais interpretações são limitadas, dado o momento histórico e as experiências vividas por esse(a) artista (DANTO, 2019). Assim sendo, suspeita-se que há uma tentativa de se impor, por meio de um conto de fadas de origem europeia, um processo de branqueamento, identificado na interpretação estético-gráfica dessa ilustração. Assim, representa-se uma princesa, cuja tez da pele é preenchida por um tom de marrom, a fim, cogita-se, de promover certa identificação com as famílias brasileiras, a quem são destinadas as obras do Conta pra Mim. Entretanto, o que se percebe é um esvaziamento de certas características fenotípicas na configuração da personagem que representa a princesa. Ou seja: o campo estético desenvolvido no trabalho de ilustração é preenchido por uma armadilha visual, fruto de uma interpretação que sustenta um jogo perverso e que formata o olhar e as visualidades para uma dimensão contrária à diversidade da população brasileira.

De forma geral, tenta-se domesticar o sentido visual da criança ao se aplicar um processo de branqueamento. O critério adotado nesse desenho (Figura 2) é a persistência de um universal sustentado por princípios naturalizantes, porque ideológicos, que incidem na memória da criança e prescreve o que deve ser lembrado e o que deve se esquecido (STEN, 2020). Nota-se, então, que o que deve ser lembrado é um rosto específico para princesa; nessa política governamental, se aceita a cor marrom como representação de cor de pele, mas as demais características (como vestimenta, cintura, textura capilar, boca, nariz) devem seguir outra matriz social que insiste em se perpetuar como padrão, como única e, portanto, universal.

Fantasiar e imaginar estão na base da atividade criadora da criança e, posteriormente, do adulto. A concretização do ato de criar, responsável por todo o desenvolvimento tanto das ciências quanto das artes, depende de um complexo processo de experiências vividas, sentidas e percebidas que são captadas a partir das impressões com o mundo externo (VIGOTSKI, 2014). Limitar essas impressões, julga-se, é atentar, em cada ser, contra a gestação do pleno desenvolvimento da capacidade de criar, portanto, de imaginar e de fantasiar.

Essa tendência de se perpetuar uma “insincera literatura infantil” ligada à moral e, ainda, à ideia de que a criança não possa acessar o autêntico e, por isso, substitui a experiência estética por pieguice e por sentimentalismo, revela total desprezo pelo psiquismo infantil (VIGOTSKI, 2010). Afinal, o que é educar esteticamente uma criança? Certamente, não é a adaptação de dogmas e condutas moralizantes à experiência texto-visual da criança, tergiversando pela ilustração uma visão unilateral da realidade como se comprova nas análises imagéticas (Figuras 1 e 2) dessas obras que compõem o programa Conta pra Mim. Longe de desenvolver hábitos estéticos, de educar os sentidos das crianças e permitir a elas o acesso a obras clássicas da literatura universal e a tradições culturais que marcam histórias e memórias da sociedade brasileira, o programa Conta pra Mim disfarça de obras clássicas e manifestações culturais sua política de branqueamento, portanto, apagamento de identidades, diversidades e ancestralidades.

Para que ocorra a experiência estética, deve-se convergir a apreensão da compreensão e o processo de criação do artista (VIGOTSKI, 2010). Isto é, “[...] o leitor deve ser tão genial, quanto o poeta, e apreender a obra de arte é como se a recriássemos constantemente. Portanto, temos o direito de definir os processos da apreensão como resumo e reprodução dos processos de criação” (VIGOSTSKI, 2010, p. 232). Essa interligação entre apreender e criar é fundamental ao desenvolvimento psíquico e sensível da criança. Nessa medida, o material ilustrativo do programa Conta pra Mim é, per se, uma caricaturesca concepção de mundo que desponta como um desserviço à atividade criadora da criança, impondo-lhe um desconhecimento de uma gama infindável de saberes que potencializam o ato estético.

Martins (2013, p. 10) assegura que a imaginação é uma função psicológica tão complexa quanto o pensamento:

Graças a ela, o homem pode criar modelos psíquicos do produto final de uma atividade futura bem como selecionar os meios pelos quais possa realizá-la. Por essa via aperfeiçoa sua capacidade para proposição e resolução de problemas e, consequentemente, para a transformação criativa da realidade.

Chaves e Koehler (2021) alertam que o Conta pra Mim oferta um atrofiamento da capacidade imaginativa. Colasanti (2020) chama de “poda selvagem” a adaptação governamental dos contos e lendas. Diante do exposto, é perversa a tentativa de se manipular e controlar a percepção do indivíduo, restringindo-lhe a compreensão do mundo em seus aspectos sociais, simbólicos e históricos. “O que a criança vê e ouve constituem desse modo os primeiros pontos de apoio para sua criatividade futura.” (VIGOTSKI, 2014, p. 25). É contra essa estreita concepção de infância que atravessa o programa Conta pra Mim que se questionam essas imagens de ilustração que, de forma geral, repetem-se em todas as coleções e ignoram os avanços inerentes à produção de livros endereçados às crianças.

Considerações Finais

Durante o seu percurso, este artigo discorreu sobre as questões inerentes à literatura infantil e educação para as relações étnico-raciais, e, também, acerca do contexto de implementação do programa Conta pra Mim. Mostrou que essa política governamental nasce em um contexto histórico nocivo e complexo e que as representações das personagens negras e indígenas na literatura infantil, ao longo do tempo, sofreram mudanças, guardam avanços, embora essas mesmas representações ainda não sejam hegemônicas. Em um segundo momento, apresentou brevemente a organização dos materiais do Conta pra Mim e propôs a análise de duas ilustrações, circunscritas, respectivamente, em A Lenda da Vitória Régia (BRASIL, 2020b) e A Princesa e a Ervilha (BRASIL, 2020c).

As duas imagens do Conta pra Mim, problematizadas neste artigo, apresentam a representação de duas mulheres restritas a uma visão conservadora, eurocêntrica, tributárias do universo do “eterno feminino” (BEAVOIR, 1970). Como se trata de uma política livresca para crianças, tal representação fere os inúmeros avanços que dizem respeito à representação de negros e dos povos indígenas na literatura infantil. Além disso, o caráter ultraconservador e censório desse programa remete às críticas de Bettelheim (2018). Para esse autor, as fantasias são recursos que abastecem e moldam o inconsciente, tornando-o útil na formação da personalidade. Se há privação da fantasia, a vida fica limitada: “[...] sem fantasias para nos dar esperanças, não temos força para enfrentar as adversidades da vida. A infância é a época que essas fantasias precisam ser alimentadas.” (BETTELHEIM, 2018, p. 175). Nessa perspectiva, essa política de branqueamento, além de um obstáculo à fantasia, corrobora com a manutenção de um imaginário social erigido em padrões eurocêntricos hegemônicos.

A visão conservadora e descuidada das personagens do Conta pra Mim, um programa governamental de alcance nacional, omite as cores de um Brasil tão diverso, colorido e, também, tão desigual. Não apenas ocultam parcela significativa da história de luta e resistência da maioria das pessoas deste país, mas também formata o imaginário social, a partir de clichês imagéticos e conceituais. Aquelas imagens, marcadas pela estereotipia e por um processo de branqueamento, podem ser consideradas a metonímia do programa e, de igual modo, podem indiciar o horror do momento: a exacerbação do embrutecimento das políticas públicas ultraneoliberais, indutoras do recrudescimento da perseguição à classe trabalhadora, do avanço da desigualdade social, da agressão/destruição do meio ambiente, da violência estrutural, enfim, do enaltecimento da barbárie.

Grada Kilomba (2020), no prefácio “Fanon, existência, ausência”, na obra Pele Negra e Máscaras Brancas, questiona o “princípio da ausência” e tenciona as relações de poder levadas a cabo como norma e normalidade à manutenção da branquitude. Nessa perspectiva, essas ilustrações (Figuras 1 e 2) circunscritas em documentos oficiais direcionados à infância, às famílias brasileiras, parecem confirmar a persistência desse princípio que elimina tanto os traços fenotípicos quanto a representação visual da cultura e da diversidade dos povos originários e dos negros. Desse modo, cabe a indagação sugerida no título: afinal, no Conta pra Mim, que fim levaram todas das cores? A duplicidade semântica intrínseca à pergunta exige possíveis respostas. A partir das análises, pensamos que as cores nessa política pública têm um “fim” utilitarista, de uso mnemônico para os textos (adaptações rasas de contos de fadas e lendas brasileiras). Tal finalidade é subserviente à lógica ultraconservadora que, tributária de um sistema econômico que se sustenta na desigualdade social, deturpa, por meio de uma política de branqueamento, a heterogeneidade da população brasileira e a confina ao padrão europeu hegemônico. O dano repousa, então e também, em um tipo de memória que se propõe: subserviente, colonizada. Ao branquear negros e indígenas, essas imagens omitem não só seus traços físicos, mas tentam empalidecer sua luta, sua história e sua importância na sociedade brasileira. Ao branqueá-los, essa política pública mostra bem a preocupação e a representatividade que essas questões ocupam dentro das decisões oficiais no governo atual. Entretanto, como nem toda tentativa é bem lograda, e a julgarmos pela resistência dentro das aldeias, dos quilombos, das casas, das universidades, dos movimentos sociais, nas ruas..., pensamos que todas as cores não têm um “fim”.

Em conclusão, já cônscias de nossas limitações, ansiamos que as reflexões propostas neste artigo, pelas lentes da estética, da educação, contribuam para o pensamento crítico acerca das condições desse Brasil que parece rejuvenescer o conservadorismo. Que este estudo faça coro ao conjunto de tantas outras pesquisas que desafiam o óbvio, estranham o que deve ser estranhado, que desnaturalizam o que não é natural e põem em xeque até mesmo aquilo que é oficial e, por isso, tenta se legitimar como verdade.

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1 Hofbauer (2000) afirma que o ideário do branqueamento do Brasil se localiza nas relações de poder patrimoniais e clientelistas que marcaram profundamente a formação sociopolítica do país. Domingues (2002) salienta que o branqueamento é uma categoria analítica polissêmica. Para esse autor, os debates teóricos sobre o branqueamento podem ser elencados ao menos em três eixos: a) no seu aspecto populacional ou “empírico” (do final do século XIX e início do século XX); b) no seu plano ideológico ou cultural e; c) no plano analítico. Neste artigo, privilegiaremos o sentido do segundo eixo.

2Essas mudanças dizem respeito à valorização da estética negra e à menor tendência a estereótipos raciais, sobretudo em obras literárias mais recentes. Araujo (2018) salienta, porém, que, em geral, mesmo com os avanços, personagens negras ainda estão em condições de sub-representação.

Recebido: 05 de Maio de 2021; Aceito: 09 de Junho de 2021

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