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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.63 Salvador jul./sept 2021  Epub 09-Mar-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n63.p110-130 

DOSSIÊ TEMÁTICO 63

A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO NO CEARÁ: O CASO DO CURSO DE PEDAGOGIA DA FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS (FAFIDAM)

THE FEMINIZATION OF EDUCATION IN CEARÁ, BRAZIL: THE CASE OF THE TEACHER TRAINING COURSE AT THE DOM AURELIANO MATOS PHILOSOPHY FACULTY (FAFIDAM)

LA FEMINIZACIÓN DEL MAGISTERIO EN CEARÁ: EL CASO DEL CURSO DE PEDAGOGÍA DE LA FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS (FAFIDAM)

Lia Pinheiro Barbosa*  Universidade Estadual do Ceará
http://orcid.org/0000-0003-0727-9027

Mayara Gabrielli Pereira Marinho Rocha**  Universidade Estadual do Ceará
http://orcid.org/0000-0001-5341-0749

*Doutora em Estudos Latino-Americanos pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Professora no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará (PPGS/UECE), no Mestrado Acadêmico em Educação e Ensino (UECE) e na Faculdade de Educação de Crateús (FAEC). Fortaleza. Brasil Bolsista de Produtividade PQ 2-CNPq. E-mail: lia.barbosa@uece.br

**Mestra em Educação e Ensino pela Universidade Estadual do Ceará (MAIE/UECE). Fortaleza. Brasil. E-mail: mayara.gabrielli@aluno.uece.br


RESUMO

O presente artigo apresenta a consolidação da Feminização do Magistério a partir da análise do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), em Limoeiro do Norte, Ceará. O percurso metodológico da pesquisa incorpora o marco teórico da História da Educação, da História das Instituições Escolares e da História da Mulher. Outrossim, adentra à análise dos elementos da formação das mulheres nos primeiros anos de funcionamento da FAFIDAM por meio dos dados coletados nos documentos oficiais, bem como daqueles obtidos em entrevistas realizadas com mulheres que cursaram o curso de Pedagogia na FAFIDAM entre as décadas de 70, 80 e 90 do século XX. Visamos, ainda, compreender em que contexto sócio-histórico estas mulheres se inseriram no curso de Pedagogia e como a Instituição foi responsável pela consolidação dessa Feminização do Magistério. A análise dos dados indica que a consolidação da Feminização do Magistério no curso de Pedagogia da FAFIDAM se deu por dois fatores antagônicos: para umas, a falta de oportunidades de traçar outros caminhos acadêmicos, e para outras, uma “vocação” atrelada ao desejo pessoal, fruto de uma construção familiar e/ou social para o magistério.

Palavras-chave: pedagogia; feminização; mulheres; educação; FAFIDAM

ABSTRACT

The present article examines the the feminization of the teaching profession based on an analysis of the teacher training course at the Dom Aureliano Matos Faculty of Philosophy (FAFIDAM) in Limoeiro do Norte, Ceará, Brazil. The methodological route of this research incorporates the theoretical framework of the History of Education, the History of School Institutions, and the History of Women. Also analized the elements of the training of women as teachers during the first years of the FAFIDAM, through data collected in official documents, as well as those obtained through interviews with women who attended the teacher training course at the FAFIDAM during the decades of the 70s, 80s and 90s of the 20th century. We aimed at understanding the social-historical context in which these women were inserted in the course, and how the Institution was responsible for the consolidation of the feminization of the teaching profession. The analysis of the data indicates that the consolidation of the feminization of teaching can be attributed to two antagonistic factors: for some, the lack of opportunities for other academic careers and for others, a "vocation" linked to personal desire, the result of family afctors and/or a social construction in favor of teaching as a profession.

Keywords: pedagogy; feminization; teacher training; women; education; FAFIDAM

RESUMEN

El presente artículo presenta la consolidación de la Feminización del Magisterio a partir del análisis del curso de Pedagogía de la Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), en Limoeiro do Norte, Ceará. El trayecto metodológico de la investigación incorpora el marco teórico de la Historia de la Educación, Historia de las Instituciones Escolares y de la Historia de la Mujer. Asimismo, adentra el análisis de los elementos de la formación de las mujeres en los primeros años de funcionamiento de la FAFIDAM por medio de los datos colectados en documentos oficiales, como también de aquellos obtenidos en entrevistas realizadas con mujeres que cursaron el curso de Pedagogía en la entre las décadas de 70, 80 y 90 del siglo XX. Objetivamos, aún, comprender en cuál contexto socio-histórico estas mujeres se insertaron en el no curso de Pedagogía y cómo la Institución fue responsable por la consolidación de esa Feminización del Magisterio. El análisis de los datos indica que la consolidación de la Feminización del Magisterio en el curso de Pedagogía de la FAFIDAM se dio por dos factores que se contraponen: para unas, la falta de oportunidades de trazar otros caminos académicos, y para otras, una “vocación” vinculada al deseo personal, fruto de una construcción familiar y/o social para el magisterio.

Palabras-clave: pedagogía; feminización; mujeres; educación; FAFIDAM

A modo de introdução

Este artigo analisa a consolidação da Feminização do Magistério no curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), durante as décadas de 70, 80 e 90 do século XX. A Feminização do Magistério é apreendida nos termos de Vianna (2002), ao referir-se à maciça presença de mulheres nas instituições de ensino. A FAFIDAM localiza-se em Limoeiro do Norte, município da região do Vale do Jaguaribe, localizado a 204 km de Fortaleza, capital cearense. É a instituição pioneira na interiorização do Ensino Superior no estado, pioneirismo que também se estende à formação das mulheres para o magistério no curso de Pedagogia. Nesse sentido, interessa-nos compreender em que moldes esta Instituição de Ensino Superior (IES) se firmou, considerando-se que foi concebida em um contexto histórico específico, a saber, durante o período da ditadura militar no Brasil.

A análise da feminização do magistério se articula aos estudos concernentes ao campo da História da Educação, da História das Instituições Escolares e da História da Mulher, bem como suas interfaces com os estudos de gênero na interpretação dos processos de formação das mulheres em nossa história social, sobretudo nas suas configurações educativas, políticas, ideológicas e culturais. O arcabouço teórico de nossa pesquisa incorpora as análises de Aranha (2006) e Brandão (2007) para a abordagem da História da Educação; de Sanfelice (2008, 2009) acerca da História das Instituições Escolares; de Bourdieu (2006) e Portelli (2016) no uso da História Oral e das fontes orais como método investigativo, ademais de Louro (2017) e Almeida (1998) no trato analítico da feminização enquanto categoria de análise do nosso estudo.

No marco da História da Educação, Aranha (2006) e Brandão (2007) enfatizam que a tradição oral constituiu o meio de consolidação do ato de educar e dos processos educativos nas primeiras sociedades, assumindo um caráter de permanência no transcurso natural da existência humana. Na tradição oral, a cultura de um povo, seus ritos e costumes, suas subjetividades eram transmitidas, de geração a geração, por meio da comunicação verbal. É a partir da tradição oral que se inicia o processo educativo, culminando na consolidação de atividades sociais e na atribuição de papéis aos indivíduos que compõem a sociedade. Conforme Aranha (2006, p. 35), “esta designação de papéis através da Tradição Oral incumbia ensinamentos cotidianos que eram passados de pai para filho”. Portanto, a tradição oral garantia a perpetuação e legitimação de comportamentos sociais.

Outrossim, Brandão (2007, p. 14) argumenta que “na espécie humana a educação não continua apenas o trabalho da vida. Ela se instala dentro de um domínio propriamente humano de trocas: de símbolos, de intenções, de padrões de cultura e de relações de poder”. Desta maneira, esse processo educativo erigido socialmente é capaz de designar nosso lugar na sociedade, em uma aprendizagem instituída através dessas trocas, que resultarão em nossa formação social e no modo como nos relacionamos com os demais.

Ao longo do desenvolvimento de nossas sociedades, esse processo educativo se institucionaliza e adquire novos contornos em sua intencionalidade formativa, notadamente em termos de uma homogeneização cultural para atender a ordenamentos sociais e produtivos concernentes a cada período histórico. É nesse contexto que reside nosso interesse em debater o papel histórico e educacional da FAFIDAM no processo de feminização do magistério em Limoeiro do Norte. Ao tomarmos esta instituição como campo empírico de nossa pesquisa, nos aproximamos à análise de Sanfelice (2009, p. 194), ao destacar que a história das instituições escolares “não tem sido escrita necessariamente sob o rótulo de História das Instituições escolares e/ou educativas”.

Nessa direção, a análise do processo de feminização do magistério no curso de Pedagogia da FAFIDAM não se restringe ao trato específico das mulheres e do curso em si, mas de como é construída histórica e socialmente a identidade da Instituição em sua missão educativa como formadora de mulheres professoras. Para Sanfelice (2008, p. 15), embora cada instituição escolar possua sua singularidade, é criada em determinado contexto histórico e instituída “por um ou vários grupos sociais, ou por uma classe social que, levam para o seu interior um mundo já estabelecido fora dela”. Portanto, as instituições escolares são atravessadas por fatores sociais, culturais e políticos que exercem influência direta ou indireta na natureza do processo formativo que se pretende instituir. No estudo em questão, quais seriam as determinações sociais e históricas que propiciaram a feminização do magistério e qual o papel da FAFIDAM nesse processo?

A feminização é entendida pelo ato de feminizar, tornar feminino, isto é, dar à profissão do magistério um “rosto” feminino. Tornar a profissão como uma referência de ofício feminino (ALMEIDA, 1998; LOURO, 2017). A feminização, associada à categoria gênero, abre caminho para a compreensão crítica das relações sociais ditadas pela relação entre mulheres e homens,1 permitindo-nos analisar as construções de papéis designados socialmente com base nessa diferenciação binária, e que ainda exercem influência no lugar social - e profissional, argumentamos - instituído em nossa sociedade (PEDRO, 2005; SAFFIOTI, 2015; SOHIET; PEDRO, 2007).

Essas relações sociais de gênero, e seu vínculo com a construção de papéis socialmente atribuídos, se alicerçam em uma base social permeada por uma estrutura de dominação simbólica e material de ordem patriarcal. Uma sociedade patriarcal é aquela na qual predomina um conjunto de interesses masculinos em detrimento dos femininos. As mulheres são subjugadas e têm suas capacidades intelectuais, físicas e sua conduta social em constante teste e desaprovação pela sociedade (SAFFIOTI, 2015). Isto posto, é primordial compreender que os moldes da feminização do magistério assentam-se em uma sociedade de cunho patriarcal.

Nossa pesquisa partiu de alguns pressupostos: se houve uma feminização do magistério no âmbito da FAFIDAM, significa que este espaço educativo estava ocupado por uma maioria feminina. Entretanto, por que as mulheres eram maioria? Outra interrogante se vincula a quais tramas sociais levaram-nas a uma graduação numa faculdade que é conhecida por uma formação no âmbito da licenciatura? Essas perguntas foram percorridas no sentido de elucidar os elementos que desencadearam suas escolhas - ou não - de profissão no âmbito da Pedagogia.

Outro elemento analítico para a análise dessa feminização diz respeito aos contextos sociais, políticos e econômicos nos quais essas mulheres estavam inseridas quando ingressaram na FAFIDAM. O interstício histórico, décadas de 70, 80 e 90 do século XX, nos dá elementos sócio-históricos para discutir como foi construído o condicionamento da docência à figura feminina no Brasil e, em particular, no Vale do Jaguaribe. A trajetória de vida das mulheres e suas escolhas na opção pelo magistério dão a tônica dos desafios da formação docente e de sua atuação profissional em tempos políticos de repressão.

Os resultados apresentados são oriundos de pesquisa em arquivo a documentos oficiais da FAFIDAM, que nos permitiu um mapeamento das mulheres que colaram grau no curso de Pedagogia durante o período histórico analisado, perpassado pela sua incorporação à Universidade Estadual do Ceará (UECE). Tomamos por premissa a ideia de que uma História das Mulheres, escrita por mulheres e para mulheres, resulta numa escolha teórico-metodológica que as transforma em sujeitas da construção do conhecimento sobre si mesmas, portanto, suas vozes são as fontes principais para os estudos desse campo do conhecimento.

Sendo assim, essas fontes orais nos permitiram compreender esse processo de feminização do magistério sob a ótica dessas mulheres. Conforme Portelli (2016), a História Oral é possibilitadora desta tarefa, já que é fruto de uma relação dialógica entre pesquisador(a) e interlocutor(a). É no âmbito dessa relação dialógica que se dão as condições propícias para uma interlocução horizontal que proporciona ao historiador ou historiadora participação ativa na construção de sua própria fonte.

Nesse diálogo proporcionado pelo encontro entre pesquisador(a) e narrador(a) são ativados elementos próprios da relação entre memória, história e oralidade, que nos permitem aprofundar dinâmicas sociais e individuais de determinados períodos históricos. Portelli (2016, p. 14) argumenta que as entrevistas se tornam possíveis com base em um solo comum para o diálogo, em que “pontos em comum fazem com que a comunicação seja possível, mas é a diferença que a torna significativa”. Para uma apreensão histórica do processo de feminização do magistério no curso de Pedagogia, a oralidade se torna uma peça fundamental e se entrelaça com as trajetórias de vida.

Bourdieu (2006, p. 189) enfatiza que não devemos negligenciar o fato de que as histórias de vida não são lineares, uma vez que são oriundas de “redes de experiências”, resultado de um conjunto de acontecimentos do meio social e não apenas uma “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente ou grupo”. Pensar numa história de vida como uma trajetória linear é excluir as possibilidades de mudanças, de rupturas, de construções, com base nas relações entre os sujeitos e o meio social.

Longe de uma naturalização de que as mulheres estão aptas ao cuidado, intenta-se, ainda, problematizar até que ponto a escolha por uma licenciatura é resultado de uma decisão pessoal ou condicionada por fatores de ordem histórico-social. Portanto, o artigo busca contribuir a uma parte da História das Mulheres pouco analisada, ou mesmo conhecida, que diz respeito às suas escolhas profissionais e posterior atuação no âmbito da educação.

A escolha da licenciatura em Pedagogia consiste em um processo de recuperação da memória histórica das mulheres e a necessidade de construir as fontes orais a partir das entrevistas concedidas por aquelas que se disponibilizaram a colaborar com o estudo. Da construção dialógica das fontes orais, emanada de suas vozes, trazemos ao lume elementos da moral social da sociedade da época de fundação da FAFIDAM, que atribuíram às mulheres este papel de educar e cuidar.

O artigo organiza-se conforme a seguinte estrutura: nas duas primeiras seções apresentamos o contexto histórico de criação da FAFIDAM e sua articulação ao projeto de educação impulsionado por uma aliança política e cultural entre a elite local e a Igreja Católica. Na terceira seção apresentamos os antecedentes da discussão acerca da feminização do magistério no Brasil, a partir da criação das Escolas Normais e, na última seção, destacamos os resultados da pesquisa, a partir do estudo de caso das alunas do curso de Pedagogia da FAFIDAM nas últimas décadas do século XX.

A Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos e a consolidação da “Princesa do Vale”

Bem-vindo à Princesa do Vale, Educação e Cultura são suas raízes.

A epígrafe refere-se ao texto da placa de entrada do município de Limoeiro do Norte, e a recuperamos com o fito de estabelecer uma ligação entre a fundação da FAFIDAM e o caráter político do projeto educativo e cultural auspiciado para a região do Vale do Jaguaribe. Fundada em 1968, a FAFIDAM foi a primeira Instituição de Ensino Superior (IES) no interior do Ceará, campus da Universidade Estadual do Ceará (UECE), com a oferta inicial dos cursos de licenciatura em Pedagogia, Geografia, História, Matemática e Letras (FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS, 1973). Anteriormente, essa instituição era apenas um projeto das elites locais que se materializou com o apoio de Dom Aureliano Matos, então bispo dessa cidade, de 1940 até seu falecimento, em 1967. Nomeada em homenagem ao bispo, a concretização de uma faculdade no interior, a então nomeada Faculdade de Educação, visava ser muito além de uma IES.

Para entendermos em que contexto histórico surge a FAFIDAM, é preciso fazer um apanhado sobre o processo de construção do termo “Princesa do Vale” e o porquê de a cidade receber este título. A conquista da sede do Bispado é considerada o primeiro triunfo da aliança política das elites locais que, em conjunto com outras conquistas subsequentes, renderiam o título de “Princesa do Vale” à cidade de Limoeiro do Norte. A elite local era conformada por setores do agrocomércio, de movimentos religiosos, e das famílias Oliveira Lima - principais comerciantes da cidade - e Chaves - líderes da Liga Eleitoral Católica (LEC) e da Ação Integralista Brasileira (AIB). Esses grupos almejavam a ascensão político-econômica da cidade, dando-lhe um lugar de destaque em relação aos demais municípios do Vale do Jaguaribe, ao tempo que prezavam pela moral tradicional da sociedade limoeirense, sobretudo posicionando-se contra o avanço de ideias da modernidade. Outro fruto dessa aliança foi a criação da Escola Normal Rural de Limoeiro. Conforme Machado (2008, p. 108), essa elite se caracterizava pela

[...] aproximação ideológica que ambos tinham com as encíclicas da Igreja Católica do final do século XIX. Nesse sentido, o movimento integralista serviu de base para uma intervenção política, econômica e cultural mais planejada, com o intuito de deter as ideias da ‘modernidade’, que chegavam a Limoeiro.

A LEC e a AIB eram grupos religiosos e políticos que se articulavam com o objetivo de barrar a propagação do comunismo no Brasil. Num contexto histórico de várias ações grevistas, sindicalização de trabalhadores e a criação de um partido que representava a classe, o Partido Comunista do Brasil (PCB), esses grupos dominantes utilizavam da principal arma para destoar as reivindicações da classe trabalhadora, qual seja, a imprensa. Por meio de artigos publicados em jornais da época (SOUZA, 2004), dentre estes O Nordeste, via-se “denúncias” sobre “a ameaça comunista” que estava crescendo em meio à classe trabalhadora, uma tentativa de marginalizar as reivindicações e ações grevistas. Segundo Souza (2004, p. 293), “a Igreja Católica reforça essa imagem, como aliada das classes dominantes e defensora da ideologia da ordem. A violência policial é incentivada pela Igreja Católica contra os comunistas”.

Esse era o cenário histórico-político do Brasil à época. Urgia às elites barrar a proliferação de quaisquer ideias que fossem de encontro ao modelo tradicional de sociedade. No caso de Limoeiro do Norte, conformaram uma aliança local entre as elites políticas e a Igreja, para juntas formarem um aparelho ideológico-cultural de contraposição aos ideais comunistas. Consolidava-se uma aliança em defesa de um projeto político baseado nos preceitos da ordem e do progresso.

Com a chegada da sede do Bispado a Limoeiro do Norte, houve várias intervenções na arquitetura local, obras financiadas pela elite limoeirense para que a sede do Bispado tivesse uma estrutura digna de uma cidade em desenvolvimento. Há de se dizer que a concepção de progresso, sob a égide dessa aliança política, assentava-se em uma moral conservadora e adversa a um novo pensamento social, de caráter crítico. O projeto ideológico de contenção às ameaças à ordem e à tradição proliferava a partir da construção de novos discursos em defesa da tradição. Alinhada à tendência política nacional, a Princesa do Vale se firmou, cultural e politicamente. Dom Aureliano Matos exerceu papel fundamental nesse processo e na manutenção de uma Igreja aliada à política e a serviço das elites.

Quanto ao termo “Princesa do Vale”, não há certeza da data ou pessoa que tenha conferido essa denominação por primeira vez, muito embora alguns moradores de Limoeiro do Norte atribuam o termo a “Zé Nilson”, locutor da Rádio Vale do Jaguaribe na década de 1960 (MACHADO, 2008). Como diz uma entrevistada:

Zé Nilson gostava muito de dizer: Rádio Vale do Jaguaribe, Limoeiro do Norte, a Princesa do Vale, com um quilowatt na antena não há distância que nos separe. Ele dizia muito isso [...] Foi por aí assim! (década de 1960) Ele dizia muito: Rádio Vale do Jaguaribe, Limoeiro do Norte, a Princesa do Vale, com um quilowatts na antena não há distância que nos separe... Ele gostava muito de dizer isso daí. Foi criação dele, isto daí foi tudo criação dele. Hoje em dia a turma não diz mais. Mas essa criação aí foi dele (LIMA, 2007 apud MACHADO, 2008, p. 121).

Com a consolidação de Limoeiro do Norte como um município de referência política e econômica, restava avançar na constituição de um ideário cultural, o que exigiu avançar em um projeto educativo, conforme apresentaremos a seguir.

A chegada da sede do Bispado: um projeto de educação em curso

Entre as obras que compunham a estruturação de Limoeiro do Norte, destacam-se a criação da Escola Normal Rural de Limoeiro do Norte e do Ginásio Diocesano, ambas à disposição da Igreja Católica e das elites locais. Tratava-se da conformação de um projeto educativo destinado à formação cultural vinculada aos seus princípios morais e políticos.

Outras obras foram cruciais para o funcionamento da Diocese em Limoeiro do Norte, com destaque para: Maternidade, em 1942; Ginásio Diocesano, em 1942; Patronato Santo Antônio dos Pobres, em 1947; Comarca, em 1946; Tiro de Guerra, em 1947; Seminário, em 1947; Liceu de Artes e Ofícios, em 1953; Rádio Vale, em 1953; Rádio Educadora, em 1965; ponte sobre o rio Jaguaribe, em 1965; e a Faculdade de Educação, em 1968 (MACHADO, 2008.). Em conjunto, estas obras levaram Limoeiro do Norte à ascensão tão desejada pelas elites locais. Em termos de uma reconfiguração político-cultural, a invenção da “Princesa do Vale” está diretamente associada aos interesses estratégicos de uma elite política, religiosa e econômica, reconhecida nos comerciantes e nos proprietários de terras das décadas de 1930, 1940 e 1950 (MACHADO, 2008).

É nesse contexto histórico de alianças entre Estado e Igreja que surge a última obra que consolida Limoeiro do Norte, a então Faculdade de Educação, hoje Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos. Em um breve histórico sobre seu funcionamento, a FAFIDAM:

[...] foi criada pela lei Nº8.716 de 06 de janeiro de 1967 e autorizada a funcionar pelo Parecer nº 425/68 da Câmara de Ensino Superior do Conselho Estadual de Educação, publicado no D. O. do Estado de 27.09.68; iniciou suas atividades em julho de 1968, com os cursos de Pedagogia, Geografia, História e Letras. (FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS, 1973, p. 3).

Outrora chamada de Faculdade de Educação, hoje carrega em seu nome o do bispo Dom Aureliano Matos, precursor do ideário de uma faculdade de Educação no Vale do Jaguaribe. A figura de Dom Aureliano, não só à época como ainda hoje, exala respeito e gratidão por parte da sociedade limoeirense, pelas “bem-feitorias” que resultaram de sua chegada à cidade. É interessante salientar que a Igreja de Dom Aureliano era a mesma que apoiava o discurso da guerra anticomunista, e Dom Aureliano também mantinha este discurso em seus posicionamentos públicos. Ainda assim, para o imaginário local, o Bispo tem extrema importância para a história de Limoeiro do Norte.

A Faculdade, empreendimento das elites locais, foi concedida pelo governador Coronel Virgílio Távora, que esteve presente em Limoeiro do Norte para um almoço em comemoração aos 50 anos de ordenação de Dom Aureliano como sacerdote. Em uma entrevista com José Maria Nunes Guerreiro,2 então professor da FAFIDAM, ele é enfático ao falar da importância de Dom Aureliano, considerado por ele, assim como para muitos, “o melhor prefeito que Limoeiro do Norte já teve”:

A igreja era muito forte, Dom Aureliano era uma pessoa muito, muito presente e muito determinada, muito visionada, visava muito as coisas. Com a chegada de Dom Aureliano aqui foi construído é, foi construído inúmeras capelas da Diocese, o patronato de Santo Antônio, o Seminário, essa rua aqui da Igreja de Santo Antônio, foi construído casas de vergonha pras [sic] pessoas morar, de graça, veio a rádio educadora em 62, e muitas e muitas obras. (GUERREIRO).3

José Maria Nunes Guerreiro, que passaremos a chamar de Zé Maria, é um saudoso dos tempos em que Dom Aureliano Matos era Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte; sua fala nos remete ao poder de mobilização da Igreja Católica junto ao Estado e suas elites, e de como o então Bispo Dom Aureliano Matos era um forte formador de opinião. No relato de Zé Maria temos conhecimento de como foi feito o pedido de Dom Aureliano ao então governador por uma faculdade de Educação, no dia 30 de novembro de 1964:

E aí Dom Aureliano pediu, Virgílio quando falou, fez a fala, que eu vi Dom Aureliano falar, falava oradores, os grandes oradores, mas quando Dom Aureliano falava, enterrava todo mundo, tinha o poder da oratória incrível, e tinha o poder de persuasão muito grande. Quando ele falava assim, parecia que tava [sic] encarnando na gente, tava [sic] abrindo a cabeça da gente e botando as palavras dentro. Virgílio falou e terminou assim: ‘Dom Aureliano Matos, o que é que vossa excelência reverendíssima deseja deste governador?’ [o entrevistado imita o modo da fala do então governador Virgílio Távora] Aí, quando Dom Aureliano foi falar, disse que queria uma Faculdade de Educação para o Vale do Jaguaribe. Aí o Virgílio deu sinal e disse: ‘Se Dom Aureliano pediu, este governador concede!’ (GUERREIRO, grifo nosso).4

A fala de Zé Maria é reveladora do prestígio político de Dom Aureliano, não só no contexto da política limoeirense, mas entre os mais influentes políticos do Ceará. Respeito este que, com toda certeza, não era devotado por ser uma figura da Igreja, mas sim pelo que significaria ter como aliado alguém como Dom Aureliano, exímio orador e formador de opinião, figura de grande cobiça nas disputas políticas. Dotado, como o próprio entrevistado menciona, “do poder da fala”, revela o porquê da Igreja Católica, representada na figura de Dom Aureliano, manter a tarefa de cumprir com o que vinha sendo almejado desde a década de 1930, com a conquista da sede do Bispado pelas elites locais.

Os trâmites para a regularização da Faculdade de Educação aconteciam em meio ao golpe militar no Brasil. À luz da história da educação no país, caberia indagar-se sobre o lugar de inserção política da interiorização do Ensino Superior nesse contexto histórico, marcado pela censura e a imposição de uma diretriz política ao projeto educativo sob o crivo militar, isto é, de controle do que deveria ser ensinado nas escolas e nas universidades. No caso do Ceará, enquanto o projeto de implementação da “Faculdade de Educação” andava a passos largos com o apoio do Regime, outras instituições de ensino sofreram interferência política direta.5 A propósito desse período, Zé Maria destaca:

Aí vem a... o golpe de Estado em 64. O Virgílio, apesar de sobrinho de Juarez Távora, e o Juarez era Marechal do Exército, [...] Mas Virgílio não quis apoiar a ditadura. Como o Juarez [...] disse: ‘Virgílio, ou você renuncia ou vai preso. Você me ouça!’ Tem essa história, eu não entendi isso, sei que Virgílio renunciou e Joaquim Figueiredo Correia, que é natural de Várzea Alegre, era o vice, foi que assumiu. Mas aí, foi [sic] colocados novos governadores, nomearam, e o governador que ficou aqui foi o Franklin Chaves, que era irmão de Dona Judith, era o presidente da Assembleia, ficou parece que um mês ou dois meses como governador. (GUERREIRO).6

Pelas colocações de Zé Maria não é difícil concluir de que lado estavam as lideranças políticas e religiosas de Limoeiro do Norte. Inclusive, um dos fundadores da Escola Normal Rural de Limoeiro do Norte, Franklin Chaves, estava à frente da Assembleia Legislativa. Assim, o projeto político-religioso da região consagrava seu alinhamento político com a ditadura, posicionando-se contra os ideais modernistas e contra a disseminação do comunismo, conforme destacamos.

Enquanto isso, a tramitação da Faculdade de Educação segue a todo vapor nesse contexto, pois as ideias de seu precursor seguiam aliadas às práticas da contenção do avanço comunista. Conforme Machado (2008, p. 115), “O discurso da Guerra não é indireto. Dom Aureliano fala como um general. Mas não estamos falando de um general qualquer. Para os religiosos, ele era um representante de Deus na Terra.” Ao analisar as cartas pastorais escritas por Dom Aureliano, Machado (2008) conclui que ele exerceu um papel social de legitimador do discurso da guerra, em defesa dos preceitos da família e da educação para guiar os passos da sociedade.

Fundação da Faculdade de Educação: a concretização de um projeto da Igreja e das elites

Durante as tramitações para a fundação da Faculdade, Dom Aureliano contou com o apoio do Pe. Cônego Misael, seu braço direito, que ficou encarregado da “papelada” e das viagens à Fortaleza para agilização desse processo. Depois de todos os trâmites, faltava apenas o local onde a Faculdade seria instalada. O prédio que hoje sedia a FAFIDAM fora construído por Pe. Mariano, sobrinho de Dom Aureliano, com o intuito de ser um abrigo para crianças abandonadas. Entretanto, Zé Maria lembra os relatos, em sala de aula, de seu professor na graduação, Pe. Pitombeira, em relação a como se deu a aquisição desse prédio. Segundo o relato, Dom Aureliano recebeu a notícia que tinha até o final do dia para apresentar ao Governo do Estado um prédio para sediar a Faculdade de Educação, do contrário a faculdade não viria para Limoeiro do Norte. Assim, Dom Aureliano convocou uma reunião urgente com Pe. Pitombeira, Pe. Mariano, Pe. Falcão (hoje cardeal em Brasília) e Cônego Misael. Relata Zé Maria a pauta da reunião, contada por Pe. Pitombeira aos alunos:

Aí Dom Aureliano disse: ‘Pe. Pitombeira, tô [sic] aqui reunido com os meninos, nossos colegas, que tá [sic] aqui um telegrama do governador do Estado. [o entrevistado volta pra sua fala] Na época, Plácido Abelardo. [volta a citar a fala de Dom Aureliano] ‘Se eu não der a resposta hoje que tem uma casa aqui, um prédio que instale a Faculdade, nós vamo [sic] perder. A resposta tem que ser hoje e eu vim aqui porque eu quero ouvir vocês. [o entrevistado volta a sua própria fala] Só que tava [sic] num plano que tanto fazia ele ouvir como não os outros padres, porque se ele dissesse que tava [sic]... que era pra fazer, fazia! Mas ele quis dramatizar a coisa. Disse: ‘Eu quero uma votação aqui. Mariano, você vai ceder aquele prédio, que nós não podemos perder’. (GUERREIRO).7

No que se segue ao diálogo, o entrevistado conta que dois dos cinco que estavam na reunião votaram contra (Pe. Mariano e Pe. Falcão); os outros, a favor. E Dom Aureliano, com seu voto de Minerva, decidiu, ou seja, já estava decidido antes da votação. Assim, a Faculdade finalmente estava consolidada na cidade que já era a “Princesa do Vale”, um projeto em que as elites locais foram as precursoras, aliadas à figura da Igreja Católica na figura de Dom Aureliano Matos. O bispo não teve tempo de ver concretizar a Faculdade de Educação. Faleceu em 19 de abril de 1967, pouco mais de um ano antes da Faculdade entrar em funcionamento. Em homenagem ao Bispo e à sua contribuição à educação de Limoeiro do Norte, deram seu nome à Faculdade, hoje denominada Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM).

A aula inaugural da FAFIDAM aconteceu no dia 08 de agosto de 1968, e contou com a presença do historiador Raimundo Girão, então Secretário de Educação e Cultura do Governo do Estado do Ceará. Cônego Misael foi o primeiro diretor da Faculdade. Com a faculdade em pleno funcionamento, as lutas travadas eram outras, entre elas a de convidar pessoas a se inscreverem no vestibular. Logo, o número escasso de alunos, o que trazia à tona a ameaça do governo levá-los para a capital, uma saída para não arcar com os gastos do envio de professores para o interior. Zé Maria nos conta que, já como professor da Faculdade, viajou por todo o Vale do Jaguaribe junto de outros professores com a missão de divulgar a Faculdade e afastar, de vez, o fantasma do fechamento por escassez de alunos.

Até o ano de 1981, ano de sua integração à UECE, a FAFIDAM era mantida pela Diocese de Limoeiro do Norte, uma forma de resguardo das “ideias tradicionais” que nutriram seu projeto fundacional. Atualmente, a FAFIDAM é o campus do interior do estado com a melhor estrutura física e de oferta na graduação e pós-graduação.

É nesse modelo de Faculdade, um aparelho ideológico germinado em um contexto sócio-histórico de combate às ideias modernas e de franca oposição ao comunismo, que ingressam as primeiras estudantes dos cursos de licenciatura. Uma Faculdade criada a fim de manter uma tradição conservadora dos costumes da época. De alguma forma, a estrutura ideológica dessa IES interferiu na formação das professoras que ali ingressaram. E é na esteira desse percurso formativo que identificamos como se deu a feminização do magistério no curso de Pedagogia da referida Instituição.

A Feminização do Magistério, antecessora da formação superior em Limoeiro do Norte

A discussão da feminização do magistério tem caráter fundamental para se entender a História da Educação, visto que no início do século XX, no Brasil, eram as mulheres que tinham o dever de educar e formar cidadãos. Além disso, conforme destaca Almeida (1998), durante muito tempo a profissão de professora foi quase a única que as mulheres tiveram o direito de exercer. Fruto das relações sociais e de gênero, a feminização do magistério é reflexo de uma diferenciação sexual no âmbito profissional, em que se designava às mulheres uma profissão semelhante às atividades do lar e da própria maternidade, consideradas essencialmente femininas: o cuidar do outro (ALMEIDA, 1998). Cabia, naquele contexto, o ideário das mulheres como sujeitas precursoras da educação e da formação de cidadãos de bem, o que resultou numa construção social da identidade das mulheres como responsáveis pela educação primária.

Esse estigma atrelado ao gênero é uma chave interpretativa fundamental para entender como se costurou a trajetória das mulheres rumo ao curso de licenciatura em Pedagogia na FAFIDAM, ao tempo que nos permite identificar como este “estigma” influenciou diretamente essa escolha durante as décadas de 70, 80 e 90 do século XX, período marcado por um maior contingente de mulheres na faculdade. Essa presença majoritária das mulheres nos cursos de licenciatura também se ancora no tipo de participação feminina no mercado de trabalho.

No início do século XX, o processo de ensino no Brasil organizava-se a partir de uma diferenciação do conteúdo a ser ensinado às crianças, pautado nas aptidões relacionadas à condição de gênero destas, como sugere Louro (2017, p. 444):

Aqui e ali, no entanto, havia escolas-certamente em maior número para meninos, mas também para meninas; escolas fundadas por congregações e ordens religiosas femininas ou masculinas; escolas mantidas por leigos- professores para as classes de meninos e professoras para as de meninas. Deveriam ser, eles e elas, pessoas de moral inatacável; suas casas ambientes decentes e saudáveis, uma vez que as famílias lhes confiavam seus filhos e filhas. As tarefas desses mestres e mestras não eram, contudo, exatamente as mesmas. Ler, escrever e contar, saber as quatro operações, mais a doutrina cristã, nisso consistiam os primeiros ensinamentos para ambos os sexos; mas logo algumas distinções apareciam: para os meninos, noções de geometria; para as meninas, bordado e costura.

Esse modelo de ensino condicionava uma divisão sexual da aprendizagem, portanto, dos saberes, a partir da condição de gênero das crianças, o que refletiu diretamente na construção de um imaginário social em torno aos seus papeis no âmbito da sociedade brasileira. É importante salientar que essa diferenciação baseada no gênero também se interseccionava com a condição de classe social e étnico-racial, tendo em vista que o Brasil ainda refletia as relações sociais de um país escravocrata até pouco tempo atrás. As oportunidades de aprendizado, mesmo com esta diferenciação, estavam delegadas àqueles que faziam parte da camada privilegiada da sociedade. Essas divisões de classe, etnia e raça teciam papel relevante para determinar as formas de educação destinadas às meninas e aos meninos (LOURO, 2017).

Essas diferenciações influenciaram a vida social, moldando os costumes e práticas que estruturaram a formação da sociedade brasileira, um padrão social que mantém resquícios desse modelo educativo em nossa contemporaneidade. Salientamos, ainda, que a educação para as camadas populares da sociedade, à época, era intercalada com os outros afazeres da vida cotidiana. Para as mulheres, desde muito cedo, constituiu uma dificuldade de inserção na educação formal, tendo em vista que as atividades domésticas para aquelas das camadas menos favorecidas eram prioridade, em detrimento da necessidade de escolarização (LOURO, 2017).

No âmbito desse modelo educativo, havia um solo comum no que diz respeito à educação da mulher. A mulher era considerada figura privada que precisava desenvolver um papel pontual na sociedade e, para tal, sua educação precisava ser única e exclusivamente voltada a este papel que era hegemonicamente defendido como obrigação da figura feminina.

As mulheres deveriam ser mais educadas do que instruídas, ou seja, para elas, a ênfase deveria recair sobre a formação moral, sobre a constituição do caráter; sendo suficientes, provavelmente, doses pequenas ou doses menores de instrução. Na opinião de muitos, não havia porque mobiliar a cabeça da mulher com informações ou conhecimentos, já que seu destino primordial - como esposa e mãe - exigiria, acima de tudo, uma moral sólida e bons princípios. Ela precisaria ser, em primeiro lugar, a mãe virtuosa, o pilar de sustentação do lar; a educadora das gerações do futuro. A educação da mulher seria feita, portanto, para além dela, já que sua justificativa não se encontrava em seus próprios anseios ou necessidades, mas em sua função social de educadora dos filhos ou na linguagem republicana, na função de formadora dos futuros cidadãos. (LOURO, 2017. p. 446-447, grifo do autor).

A construção social da formação moral conduziu à legitimação da imagem das mulheres como unicamente portadoras da obrigação de lidar com o âmbito privado, demarcado na economia dos cuidados, pois sua educação só serviria para educar de maneira “moral” a geração futura. Portanto, era dispensado a elas o mínimo de instrução, apenas o suficiente para reproduzir os papéis de gênero impostos pela sociedade. Para a sociedade da época, as mulheres não tinham necessidade do conhecimento, em um sentido amplo, universal. Cabia a elas tão somente manter e reproduzir o sistema patriarcal, priorizando suas obrigações enquanto esposas e mães, educando seus filhos, desenvolvendo a função social de “pilar de sustentação” dessa sociedade (LOURO, 2017).

É a partir dessas designações que o magistério surge como uma profissão feminina, e é com base neste papel feminino, de educar moralmente os cidadãos, que as mulheres se constroem como sujeitas dessa profissão. É da necessidade de educar, sem esquecer os deveres femininos na sociedade, que surgem as Escolas Normais no Brasil.

A criação das Escolas Normais responde à urgência de formação de professores e professoras para atender ao incremento da demanda escolar. Desde sua criação, aconteceram alguns fenômenos que resultaram na legitimação da profissão atrelada à figura feminina. Antes dos cursos superiores em licenciatura, já existia esta modalidade de curso que habilitava para o magistério na educação primária. Entretanto, com o passar do tempo, foi-se notando uma diminuição da presença dos homens nessa modalidade de Ensino, reflexo de sua saída para outros campos de trabalho. Isto também foi um fator decisivo para a “feminização do magistério” (LOURO, 2017).

A correlação entre magistério e profissão feminina também é resultado das transformações do Brasil do final do século XIX, as quais oportunizaram um maior número de opções de trabalho aos homens, influenciando diretamente na evasão destes do Ensino Normal. Na linha contrária, as mulheres, mesmo com as controvérsias colocadas sobre suas capacidades intelectuais, foram se consolidando no Ensino Normal de maneira mais maciça, seja pelas identificações enquanto gênero ligado à educação das crianças, seja pela ausência de outra ocupação a elas destinadas (ARANHA, 2013).

Se observarmos o público que frequentava o Ensino Normal no início de sua implementação, identificamos de qual camada social as primeiras mulheres faziam parte. Como já observado, as oportunidades de ensino também estavam atreladas à realidade de classe vivenciada. As mulheres da classe trabalhadora não foram as primeiras a ter acesso ao Ensino Normal, como salienta Chamon (2005, p. 119):

Foram as mulheres de classe média as mais atraídas para a realização do curso normal nas primeiras décadas do século XX, e, portanto, as que primeiramente eram convidadas a ocupar as vagas existentes para o exercício do magistério primário, por seu padrão cultural e por sua origem de classe.

O contexto de implementação das Escolas Normais como precursoras do processo de feminização do magistério no Brasil8 foi acompanhado por uma ulterior legislação com vistas à permanência desse fenômeno. Cabe salientar que essa legislação educacional impulsionou a formação horizontal das professoras, exigindo delas a continuidade dos estudos em nível superior, a partir da Lei nº 4.024/1961 (BRASIL, 1961) - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual foi reformada pela Lei nº 5.692/1971 (BRASIL, 1971) - Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, que exigia licenciatura dos docentes, salvo casos em que isto não fosse possível. Desta forma, na perspectiva de não lecionar a título precário, ou seja, sem formação superior, muitas professoras, então habilitadas pelas Escolas Normais, buscaram os cursos de licenciatura.

Buscando entender as construções sociais que culminaram nessa feminização do magistério que remonta ao início do século XX, e partindo da percepção que as Escolas Normais em sua fundação eram designadas tanto para mulheres quanto para homens, Louro (2017) aponta o que para ela foi uma determinante nesta feminização. Essa autora defende a ideia de que a expansão do processo de urbanização e industrialização ampliou as oportunidades de trabalho para os homens, tornando-se uma das motivações para que estes não se interessassem mais pelo ensino Normal. Em consequência, ocorreu o aumento do número de mulheres atuando nesse espaço. Para Vianna (2002, p. 45-46):

Pouco a pouco, desde o século XIX, os homens vão abandonando as salas de aula nos cursos primários e as escolas normais vão formando mais e mais mulheres. Essa característica se mantém ao longo do século XX, e como mencionado anteriormente, é acompanhada de intensas alterações econômicas, demográficas, sociais, culturais e políticas que acabam por determinar a grande participação feminina no mercado de trabalho.

A partir dessa evasão masculina, foi se construindo uma maior identificação feminina com o curso Normal, tendo em vista que para as mulheres que almejavam ocupar um espaço fora do lar, esta era a opção mais recorrente.

A identificação da mulher com a atividade docente, que hoje parece a muitos tão natural, era alvo de discussões, disputas e polêmicas. Para alguns parecia uma completa insensatez entregar às mulheres usualmente despreparadas, portadoras de cérebros ‘pouco desenvolvidos’ pelo seu ‘desuso’ a educação das crianças. (LOURO, 2017. p. 449, grifo do autor).

Não foi de maneira natural que se deu esse processo de feminização do magistério. Muitos duvidavam das capacidades intelectuais das mulheres e se isto não seria um problema para a construção da identidade das gerações futuras. Em contraponto, havia os que defendiam a capacidade feminina de conduzir a educação das crianças, tendo em vista que as mulheres, “por natureza”, eram educadoras de seus filhos.

Se o destino primordial da mulher era a maternidade, bastaria pensar que o magistério representava, de certa forma, a ‘extensão da maternidade’, cada aluno ou aluna visto como um filho ou uma filha ‘espiritual’. O argumento parecia perfeito: a docência não subverteria a função feminina fundamental, ao contrário, poderia ampliá-la ou sublimá-la. Para tanto seria importante que o magistério fosse também representado como uma atividade de amor, de entrega e doação. A ele acorreriam aquelas que tivessem ‘vocação’. (LOURO, 2017, p. 450, grifo do autor).

O processo de constituição do magistério se estruturava a partir de uma posição dual: por um lado, acreditava-se ser imprudente confiar a educação das crianças às mulheres (LOURO, 2017). Outra posição conclamava esta vocação, baseando-se na ideia de magistério como uma extensão da maternidade. Essa posição dual em nada favorecia a figura feminina, muito pelo contrário, as mulheres eram permanentemente questionadas em sua capacidade cognitiva única e simplesmente por serem mulheres. Aqueles que acreditavam que estas mulheres poderiam desenvolver o papel do magistério se pautavam numa visão romantizada da profissão, associando-a a uma continuidade do papel “primordial” da mulher, a saber, o de ser mãe e cuidadora. De maneira que não se subvertesse o papel feminino fundamental, a feminização do magistério se deu nos moldes deste modelo de sociedade patriarcal que subjuga a figura feminina.

Desde que não fosse subvertida a função fundamental das mulheres na sociedade, cabia aos homens vigiar essas mulheres que lecionavam para que estas não se “perdessem” pelo caminho fora do seu “papel fundamental”, “protegendo-as”, assim, de se afastarem das suas funções sociais principais na sociedade: a de esposa, mãe e dona do lar (LOURO, 2017). O termo “vigiar” já diz muito sobre como os papéis de gênero eram dispostos à época. O espaço “conquistado” pelas mulheres neste contexto foi fruto de concessões “necessárias” da sociedade patriarcal, de modo que estas concessões não viessem a romper com os costumes e a função social das mulheres no período em questão. A incompatibilidade do casamento e da maternidade com a vida profissional feminina foi, e continua sendo, uma das construções sociais mais persistentes (LOURO, 2017). Associada a uma dinâmica própria do espaço privado, a partir de um discurso ideológico construído com base na legitimação da figura feminina relacionada apenas aos cuidados do lar, passou-se a entender o magistério como uma “missão” atribuída às mulheres, tendo em vista que a sociedade enxergava o magistério como uma extensão da lida maternal e dos cuidados domésticos (ALMEIDA, 1998).

A feminização, resultado do estereótipo da maternidade, não anulou as lutas femininas pelo acesso à educação e instrução. Por isto, é necessário destacar que muito embora houvesse essas “concessões”, não podemos cair no erro de creditar à feminização do magistério uma mera possibilidade concedida pelo patriarcado à mulher no contexto histórico em questão. Fazer isso é minimizar os processos que resultaram nesta feminização, tirando das mulheres o papel de protagonistas deste processo que, por mais que tenha se dado de maneira contraditória, não exclui o fato de que elas também lutaram para a conquista do acesso à instrução e, posteriormente, aos cursos superiores com o ingresso nas universidades. Pensar que o processo de feminização do magistério foi resolvido pacificamente e instalou-se como uma concessão feita às mulheres revela-se um equívoco por adotar uma visão que considera um aspecto apenas parcial do fenômeno. Entender que a ascensão das mulheres ao mercado de trabalho não se deu apenas por uma concessão do regime patriarcal, mas também por sucessivas mudanças de costumes e mentalidades acerca do trabalho feminino, é perceber que essas mulheres foram responsáveis por se construírem como protagonistas de suas escolhas e demandas (ALMEIDA, 1998).

Todos os processos históricos em que se designou às mulheres a condição de figuras principais da docência foram resultado dessa dualidade. A feminização do magistério consolidou-se a partir dessas contradições entre as concessões do modelo patriarcal e a própria vontade e necessidade das mulheres de ocuparem novos espaços na sociedade. Se por um lado vemos que este condicionamento da docência às mulheres serviu de esteio para a legitimação de uma ordem social que atribuía um lugar social e laboral à figura feminina, foi a partir deste mesmo condicionamento que se construiu a luta das mulheres pelo direito à educação e que proporcionou a elas novas experiências que as deslocavam a outros espaços para além do âmbito familiar e privado. Em outros termos, nessa dialética da contradição do lugar atribuído à mulher na ordem patriarcal houve uma ressignificação do papel feminino na sociedade, e ambos andaram lado a lado, proporcionando às mulheres novos tipos de atuação. Através da inserção das mulheres no âmbito público e sua atuação no mercado de trabalho, foi possível que estas se percebessem como aptas para além das relações preestabelecidas com base na diferenciação de gênero, pautada na submissão e opressão própria do meio doméstico. Essas relações sofreram rupturas provenientes de um novo olhar crítico adquirido pelas mulheres sobre sua própria condição sócio-histórica, que ultrapassava as imposições da esfera privada (ALMEIDA, 1998).

Essa saída das mulheres do campo privado foi precursora de um novo olhar das mulheres sobre os papéis a elas atribuídos no contexto em questão. Sob este novo olhar, as mulheres conseguiriam romper com as relações de poder características das relações de gênero. Se as mulheres ocupavam o espaço do magistério, resultado das contradições inerentes à conquista desse espaço, elas poderiam usar suas novas atividades a fim de lutar contra as designações de gênero a elas atribuídas.

É na esteira da análise crítica dos papéis sociais atribuídos à figura feminina e na aproximação das mulheres ao magistério ao final do século XIX e início do XX que identificamos uma permanência desse processo em nossa contemporaneidade, no sentido de que ainda se refletem no condicionamento da docência ao sexo feminino. Perdura uma ordem social patriarcal que legitima, no inconsciente coletivo, um lugar socialmente instituído às mulheres, em que se condicionam tarefas, denominam-se espaços, legitimam-se profissões com base nos preceitos da divisão sexual do trabalho. Entretanto, há de estarmos atentas ao fato que, muito embora sejam apontadas semelhanças nesse histórico condicionamento da docência às mulheres, “a professora que atua no ensino primário hoje é muito diferente daquela de quase um século atrás e ignorar essa transformação na profissão, assim como as ideologias que nela estão implicadas, pode produzir um tipo de resultado em conflito com a realidade” (ALMEIDA, 1998, p. 67).

“Ser professora sempre foi o que eu quis!” versus “a falta de opção me levou a escolher o magistério”: as alunas do curso de Pedagogia da FAFIDAM

O estudo de caso do curso de Pedagogia da FAFIDAM nos permitiu estabelecer os nexos entre a consolidação de um projeto ideológico e cultural que acompanha a fundação de uma faculdade e o processo de feminização do magistério, ambos elementos que emergem de um contexto sócio-histórico permeado por atravessamentos de uma ordem patriarcal. No acesso aos arquivos, encontramos as fichas de colação de grau do Curso de Pedagogia (FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS, 2021), uma prova documental do que analisamos até aqui, a saber, a presença de uma maioria feminina acentuada entre o perfil discente.9

Quadro 1 Quantidade de mulheres e homens formados em Pedagogia pela FAFIDAM (1972-1981) 

Anos de formação Mulheres Homens
1972 4 1
1973 12 0
1974 10 2
1975 13 1
1976 19 0
1977 32 1
1978 23 3
1979 8 0
1980 26 1
1981 31 0

Fonte: Elaborado pelas autoras desse artigo com base em dados de FAFIDAM (2021).

Em uma primeira visita ao acervo documental da FAFIDAM, tivemos acesso físico a todas as listas de colação de grau correspondentes ao interstício da pesquisa, 1970-1990, identificando nelas a disparidade entre gêneros no corpo discente, com o predomínio das mulheres no Curso de Pedagogia. A identificação dessa maioria feminina revelada pelos documentos nos conduziu a um segundo elemento da pesquisa, qual seja, o de avaliarmos quais questões sociais estão por trás dessa presença massiva de mulheres no curso de Pedagogia da instituição. Para tanto, recorremos à construção dialógica de fontes por meio de entrevistas, para dar nome e voz a algumas dessas mulheres que se formaram na FAFIDAM.

Entrevistamos oito (8) mulheres que se dispuseram a participar na pesquisa, todas formadas em Pedagogia durante as três décadas que compõem a periodicidade histórica analisada e oriundas de diferentes municípios do Vale do Jaguaribe. Foram elas: Maria Lireuda Maia, 71 anos, formada em 1975; Ana Valente de Lima Barbosa, 75 anos, formada em 1978; Maria Ozirene Maia Vidal, 56 anos, formada em 1987; Maria Auricelia Gadelha Régis, 55 anos, formada em 1987; Maria Helena Andrade Chaves (não declarou a idade), formada em 1989; Rosa Maria Nogueira Mendes, 53 anos, formada em 1993; Maria da Conceição Pinheiro Gadelha Coelho, 53 anos, formada em 1993; Raimunda Rosélia Fonseca de Freitas, 58 anos, formada em 1993.

A construção dialógica das entrevistas nos permitiu acessar elementos da memória e da história recuperados pelas lembranças emanadas da voz das entrevistas, possibilitando-nos traçar um perfil das mulheres que frequentaram o curso de Pedagogia nas respectivas décadas. Tivemos acesso ao universo mais íntimo dessas mulheres, sobretudo às suas questões pessoais e de como se deu a escolha pelo curso de Pedagogia, bem como os seus caminhos de atuação (ou não) na profissão de formação escolhida por elas. Nesse sentido, a pesquisa identificou duas razões principais que definem as escolhas pessoais: o “dom natural” do exercício do magistério e a “falta de opção” para seguir outra profissão.

Rosa Maria Nogueira Mendes10 nos relata que seu interesse pelo magistério apareceu “desde que me entendo por gente”, como um desejo íntimo, uma aspiração pessoal pelo exercício da profissão: “eu sempre gostei de ensinar, sempre tive amor por ensinar, era meu sonho ser professora.” Quando indagada pela escolha do curso, ela nos conta que “muito antes de estar na faculdade, já era professora, com 14 anos idade”. Logo, sua escolha pela continuidade nos estudos e a formação no magistério nos é apresentada como um “sonho se concretizando”. Sonho este que, em sua fala enfática, sempre esteve acima de tudo, inclusive de sua relação conjugal, pois seu marido não aceitava, de início, que ela frequentasse a Faculdade. Conforme seu relato: “Ele disse: ‘Você vai ter que escolher entre eu e essa faculdade!’ Eu disse: ‘Pois pronto! Eu escolho a minha faculdade!’”

Rosa foi a única entrevistada que relatou ter uma vida conjugal durante o período que frequentava o curso de Pedagogia. Em sua entrevista, ela faz questão de enfatizar sua origem humilde, o esforço para estudar, a dificuldade em conseguir os materiais da faculdade e os entraves que tinha com o esposo por desaprová-la em virtude de ela estar frequentando a FAFIDAM. Teve filhos durante a graduação e acumulava papéis entre a vida pública e a privada: além de ser esposa, mãe e dona de casa, era professora em um período e estudante da graduação. Em relação à conciliação dessa rotina própria da economia dos cuidados, Rosa nos diz: “Tinha que fazer o almoço no dia anterior e estudava de madrugada, depois que voltava da faculdade. Ele [se refere ao marido] perguntava: ‘Vai dormir não?’ E eu dizia que não e continuava estudando.”

Quando indagada sobre as dificuldades e os desafios inerentes à conciliação de papéis, ela nos revela a ajuda que recebeu de seu pai:

Sempre me incentivou a estudar, pois era um homem da roça, trabalhava muito pra [sic] dar de comer aos filhos. Ele me ajudava, ele vinha de bicicleta me buscar com o meu filho e ficava com ele. Minha mãe dizia pra [sic] eu não deixar o meu marido e meus filhos pra [sic] estudar. Mas meu pai dizia que eu tinha que me formar. (ROSA).11

Rosa nos faz refletir sobre a introjeção da ideia de atrelar às mulheres o “dom natural” de ensinar, cuidar, educar, questão anteriormente analisada à luz de Perrot (2017) e Louro (2008). Quando diz em seu relato que “sempre quis ser professora”, não percebe que esta necessidade não é inata à sua condição, mas sim construída a partir de suas experiências pessoais e sociais. Não estamos aqui deslegitimando sua trajetória de vida e sua escolha pelo magistério, mas sim enfatizando que a construção de sua identidade como professora, como apta a desenvolver suas competências, não foi algo “geneticamente herdado”, mas socialmente construído em uma realidade sócio-histórica vivenciada por ela à época.

Assim como Rosa, outras entrevistadas apresentaram esse discurso de que a escolha pelo curso de Pedagogia foi realizada antes mesmo de estar apta a entrar na graduação. Dentre elas estão Maria Helena Andrade Chaves, Maria da Conceição Pinheiro Gadelha Coelho e Raimunda Rosélia Fonseca de Freitas. As memórias destas mulheres estão marcadas por um “profundo amor” pela formação escolhida e uma “entrega incondicional” à docência. Conceição é enfática ao dizer que “sempre quis ser professora, amo de paixão minha profissão, sempre foi o meu sonho ensinar”.12 A história de vida dessas mulheres tem em comum o fato de serem oriundas de famílias de origem humilde, quase sempre com o pai sendo provedor do sustento da família, a mãe dona de casa e, para as filhas, a condição de se dedicar aos estudos, superar as dificuldades e ingressar em uma faculdade.

Rosélia, ao falar de suas experiências pessoais, rememora o porquê escolheu ser professora. Segundo ela, ao terminar o 9º ano do ensino fundamental, em um colégio de freiras na cidade de Russas, optou por continuar seus estudos neste mesmo colégio no curso Pedagógico e, a partir de sua experiência de estágio em sala de aula, se “apaixonou pela profissão de professora”.13 Quanto à sua realidade familiar, ela destaca ser a única filha e a mais velha entre cinco filhos; gostava muito de estudar e se empenhava muito por ser “uma tentativa de superar essa realidade”.

Quando eu nasci, disse: ‘Vixe, filha única! Vai só dar pra [sic] lavar e engomar pros [sic] irmãos.’ E eu disse: ‘Isso eu não vou fazer!’ [risos] E realmente foi o meu propósito. Então, eu sempre gostei muito de estudar e estudei bastante, me preparei bastante pra [sic] assumir uma sala de aula, que sempre foi a minha paixão, era realmente ser uma professora. A gente, quando criança, brincava de ser professora, né, brinquei muito de ser professora. (ROSÉLIA).14

Ao que podemos perceber, Rosélia depositou nos estudos a oportunidade de superar o ciclo de disparidade de papéis de gênero que ela enxergava no seio familiar pelo fato de ser a única mulher entre cinco irmãos do sexo masculino, isto é, superar o que a lógica normativa de gênero apontava à época, de imposição dos cuidados como uma tarefa eminentemente feminina. O seu relato também vai ao encontro das opções profissionais ofertadas às mulheres ao longo da história da educação, conforme apresentamos. No caso, a escolha pelo “curso pedagógico”, outra nomenclatura para designar o curso Normal, é fruto de uma combinação de fatores entre as poucas opções e a descoberta da aptidão por lecionar. Esse caminho foi trilhado por Rosélia para subverter a norma de que, para as mulheres, estava delegada a tarefa doméstica e apenas isso. Quando analisamos, nos primeiros tópicos deste artigo, sobre não entender a escolha pela profissão de professora tão somente como uma concessão feita por homens às mulheres, estamos falando justamente disso.

Muito embora tenhamos identificado a vocação e o amor à profissão docente como aspectos que atravessaram as escolhas do curso de Pedagogia por parte das entrevistas anteriores, também apontamos o outro lado dessa escolha. Outras entrevistadas que ingressaram no curso de Pedagogia tão logo a Faculdade iniciou seu funcionamento relataram a escolha como “única oportunidade” ou “caminho mais fácil a ser seguido”. Maria Lireuda Maia e Ana Valente de Lima Barbosa estão entre as pioneiras que ingressaram no curso de Pedagogia. Elas nos relatam que o ingresso constituiu uma forma de dar continuidade ao Ensino Normal. Ao que já sabemos até aqui, o Ensino Normal foi o precursor da Feminização do Magistério no Brasil, o que não diferiu da realidade do interior do Ceará no início da década de 1970.

Ana acrescenta outro elemento que acompanhou a sua formação, a saber, ser de outro município, Jaguaruana, e ter de locomover-se até Limoeiro do Norte para cursar Pedagogia. Conforme mencionamos, a FAFIDAM foi a primeira IES do interior do Ceará e teve papel estratégico no impulso da interiorização dessa modalidade de ensino no estado, sobretudo no atendimento de uma demanda educacional de diferentes municípios da região. Desta forma, quem almejasse fazer uma graduação teria de enfrentar, ainda, o percurso da viagem intermunicipal.

No início, a gente tinha uma dificuldade de estudar fora porque meu pai não queria que a gente estudasse fora. Dizia que mulher não precisava estudar. Aí eu falei com o vigário pra [sic] quem ele trabalhava, que era o monsenhor Aluísio, pra [sic] pedir ao meu pai pra [sic] deixar a gente estudar, porque não queria deixar a gente fazer faculdade. Precisava sair, né?! Aí, então, o monsenhor falou com ele, pediu e ele deixou. Aí, depois, ele era muito alegre e satisfeito, quando chegava, dizia que a gente tava [sic] estudando. Aí já ficou todo satisfeito depois. (ANA).15

A entrevistada Ana representa uma parcela de mulheres que necessitavam da permissão de seu pai para conseguir prosseguir nos estudos, no caso, para cursar a faculdade. Por meio da interseção de outro homem, o vigário, ela conseguiu tal permissão, o que mais adiante mudou a visão que o pai de Ana tinha a respeito de “mulher não precisar estudar”. Com relação às dificuldades de locomoção, ela enfatiza o transporte precário. O trajeto era considerado perigoso, pois o transporte retornava tarde da noite, às vezes precisavam parar o trajeto por problemas mecânicos no transporte e ficavam na rodovia esperando pelo conserto do ônibus. Nestas ocasiões chegavam sempre mais tarde do que o costume em casa. A entrevistada relata que, muito embora tenha enfrentado essas dificuldades de locomoção, nunca pensou em desistir da graduação.

Ao ser indagada sobre a escolha do curso, Lireuda atribui tal escolha ao fato de já ter a formação pela Escola Normal, e o curso de Pedagogia seria a continuação dele, “muito embora eu não tivesse muito interesse por lecionar, mas foi o curso que me agradou mais” (LIREUDA).16

Na época, eu tinha interesse de fazer outro curso superior. Na época, eu queria fazer Odontologia, mas não tinha nada desses cursos aqui, né. Na época, eu não podia me deslocar pra [sic] Fortaleza porque eu morava com a minha mãe, nem ela queria ir e nem eu podia deixar ela só. (LIREUDA).17

Lireuda nos relata, ainda, que no seu percurso enquanto estudante não enfrentava dificuldades familiares e nem precisava conciliar estudos com afazeres domésticos. Vinda da zona rural com sua mãe após o falecimento de seu pai, ela enfatiza que sempre pôde se dedicar somente aos estudos. Após a morte de seu pai, ela e sua mãe continuaram morando juntas e sozinhas. Dessa forma, ela não podia se deslocar até a capital para cursar outra graduação, pois precisava fazer companhia à mãe e, para tanto, prestou vestibular para Pedagogia. Ao ser indagada se tinha identificação com a profissão de professora, ela nos diz: “sempre fui mais tímida, logo, fui transferida pra [sic] parte burocrática da escola Não gostava da sala de aula, mas foi a opção que eu tive.”

A fala de Lireuda nos revela que a “paixão” pelo magistério, citada pelas entrevistadas anteriores, não foi despertada nela, reafirmada na ênfase de que, se tivesse tido escolha, teria optado por Odontologia. É necessário salientar aqui percepções feitas durante a entrevista. Ao avaliar a casa em que Lireuda concedeu entrevista e disse ter morado a vida toda, a família tinha boa condição financeira. O “entrave” não dizia respeito à posição econômica da entrevistada, mas sim à sua condição de limitação por precisar se manter ao lado de sua mãe. Assim, para além de uma posição social, outras questões permeavam a escolha de profissão e, no caso de Lireuda, não havia este “dom natural”, legitimado no contexto histórico do cuidar e educar como tarefa feminina, aptidões construídas socialmente.

Há algumas lacunas com respeito à formação pedagógica que as entrevistadas tiveram ao longo da graduação, sobretudo pela inexistência de fontes documentais. Nos documentos oficiais não constam registros sobre o Projeto Pedagógico (PP) de nenhum dos cursos de licenciatura que iniciaram o funcionamento da FAFIDAM no final da década de 1960. Em realidade, os PPs, tanto do curso de Pedagogia quanto dos demais, só estão documentados na Instituição a partir dos anos 2000. O único documento referente ao curso de Pedagogia é a criação da Habilitação em Administração Escolar dentro do curso de graduação, datada do ano de 1984 (FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS, 1984) e analisada por uma comissão verificadora designada pelo Ministério de Educação. A grade curricular vigente no decorrer do interstício analisado era modificada a partir de reuniões do Conselho do curso de Pedagogia. Segundo a funcionária responsável pela documentação da coordenação de cursos, não há registro documental referente a estas mudanças curriculares feitas pelo conselho da época na Instituição.

Para suprir a ausência dessa lacuna documental, recorremos a novas indagações junto às entrevistadas, a fim de captarmos a natureza da formação pedagógica recebida no período. Com base nas memórias das entrevistadas, o curso de Pedagogia, em seus respectivos anos, voltava-se apenas para o Ensino, não havia uma formação articulada no tripé Ensino, Pesquisa e Extensão, e as aulas destinavam-se, apenas, a formar professoras e professores da Rede Básica de Ensino. Conforme as recordações de Maria Ozirene Maia Vidal, ela teve unicamente professoras provenientes das camadas sociais privilegiadas e de famílias de renome em Limoeiro do Norte. Enfatiza, ainda, o uso de uma cartilha por parte destas professoras. As discussões no ambiente acadêmico careciam de novidades, de novos olhares. Na percepção da entrevistada, as professoras estavam perto da sua aposentadoria e utilizavam a mesma cartilha pessoal do início de suas atividades docentes. Acrescenta: “Já tinha Paulo Freire, elas falavam sobre a existência do método de Paulo Freire, mas nunca discutimos de maneira aprofundada.” (OZIRENE, 2021)18

Essa escassez de novas temáticas e de uma abordagem pedagógica mais abrangente também foi percebida no decorrer da década de 1990. Ao falar do seu corpo docente, as entrevistadas ressaltaram a presença de padres como professores de disciplinas, tais como Didática de Ensino, Psicologia, Filosofia da Educação. Isto reflete uma formação universitária tutelada por figuras religiosas em disciplinas que tinham relevante papel na formação do magistério. Entretanto, Rosélia e Conceição destacam, em suas entrevistas, a percepção de uma “ruptura” nos modos tradicionais de ensino da FAFIDAM a partir da década de 1990. Segundo elas, a partir de 1993, com a chegada de novos professores vindos da capital, o curso de Pedagogia passou por uma reformulação, com a emergência de discussões antes negligenciadas, sobretudo em relação à pesquisa e à extensão.

Todas as entrevistadas exerceram o magistério como profissão após sua formação no curso de Pedagogia. Para algumas delas, a profissão antecedeu a graduação, reflexo da formação Normal que tiveram anteriormente. Ana, Lireuda e Rosélia se aposentaram na profissão de professora. Conceição, Rosa, Helena, Ozirene e Maria Auricelia Gadelha Régis estão ativas na profissão. Dentre estas, Ozirene foi professora substituta do curso de Pedagogia da FAFIDAM entre os anos 2000 e 2001. Auricelia é, atualmente, professora efetiva do curso de Pedagogia da FAFIDAM. Ambas as professoras, agora inseridas no corpo docente do curso de Pedagogia da FAFIDAM, refletem em suas entrevistas a diferença incontestável do curso. Para ambas, o curso de Pedagogia conseguiu superar uma visão formativa tão somente para o ensino primário, tornando-se um curso completo e que oportuniza uma formação sustentada no ensino, pesquisa e extensão.19

No que concerne a possíveis dificuldades apresentadas, a maioria relatou que não sofreu grandes percalços seja na conciliação de jornadas de trabalho no espaço doméstico, seja no acompanhamento das disciplinas do curso de Pedagogia. Sobre a locomoção até a FAFIDAM, não foram relatadas dificuldades, exceto por Ana, que precisava se deslocar de outro município. Todas as entrevistadas, com exceção de Rosa, relataram não ter uma vida doméstica atribulada no que diz respeito à economia dos cuidados, ou mesmo uma relação conjugal até o final de sua graduação. A maioria morava com os pais, ajudavam a mãe em poucas atividades domésticas, mas nada que apresentasse dificuldade para a continuidade do curso de Pedagogia.

Em que pesem as declarações feitas pelas entrevistadas, uma análise crítica identifica que as primeiras discentes da FAFIDAM vivenciaram processos sociais inerentes à sociedade patriarcal da época no que concerne à atribuição de um lugar socialmente atribuído às mulheres. Conforme visto, houve aquelas que necessitaram da intermediação da autoridade religiosa para ter o direito de estudar, ou ainda aquelas que tiveram embates no seio familiar com o esposo, inclusive aceitando assumir uma sobrecarga de trabalho doméstico para não aprofundar as tensões familiares.

Entretanto, muito embora a História das Mulheres e a História da Educação evidenciem elementos de ordem sócio-histórica que definiram, na ordem patriarcal, os fatores de uma feminização do magistério e as formas como as mulheres eram educadas, os dados da pesquisa apontam que não necessariamente há uma norma para a escolha do magistério. Cada uma apresenta uma motivação condizente com sua realidade de vida para ter feito a escolha pelo curso de Pedagogia da FAFIDAM na sua determinada década.

Considerações finais

O artigo abordou a Feminização do Magistério no Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), com ênfase nas três últimas décadas do século XX. Analisamos como se deu esse processo em uma perspectiva sócio-histórica, sobretudo em relação à divisão sexual do trabalho a partir de um enfoque de gênero e suas contradições dialéticas, que permitiu às mulheres politizar o acesso à educação e ao exercício da profissão como um direito. O estudo de caso nos possibilitou lançar luzes às tramas sociais e políticas que culminaram na criação da FAFIDAM e seu papel como aparelho ideológico para a contenção do avanço dos ideais modernistas e comunistas. A presença de padres como professores é um indicativo da influência da Igreja na formação educativa e cultural das primeiras gerações de estudantes da FAFIDAM.

Apesar do ideário de uma Faculdade à serviço das elites, a análise documental aponta que a maioria das alunas que frequentaram o curso de Pedagogia tem origem social mais humilde, o que configura a FAFIDAM como uma instituição educativa que foi se moldando ao público que buscava a graduação, no caso em questão, as mulheres que almejavam seguir sua formação em licenciatura após concluir o Ensino Normal.

As entrevistas realizadas revelam que a escolha pelo curso decorre de fatores antagônicos: a “vocação” e “falta de oportunidade”; a “escolha” e a “ausência de escolha”; o “amor pelo magistério” e “a profissão que restou seguir”. As memórias das entrevistadas estão atravessadas por esse antagonismo e pelas contradições que emergem de uma ordem patriarcal para que as mulheres tenham o direito a estudar e a ter uma profissão por elas escolhidas. Portanto, as trajetórias de vida dessas mulheres sofreram influência de determinações sociais que legitimam a Pedagogia e o exercício do magistério como um ofício feminino.

No âmbito da História da Educação e da História das Mulheres, a pesquisa nos permitiu compreender que a feminização do magistério não ocorre em uma história única e linear; as particularidades de cada entrevistada demonstram que a escolha pela docência foi condicionada por fatores sociais e influenciada não somente pelas questões de gênero, mas na intersecção de sua condição de classe e pelos seus desejos pessoais.

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1Na atualidade, os estudos de Gênero abrangem diversas questões que não estão mais pautadas apenas na diferenciação binária homem x mulher.

2Professor do curso de História da FAFIDAM, graduado pela mesma IES em 1979.

3Entrevista realizada no dia 18 de maio do ano de 2017, em Limoeiro do Norte.

4Entrevista realizada no dia 18 de maio do ano de 2017, em Limoeiro do Norte.

5Destacamos o caso de intervenção no Colégio Imaculada Conceição, em Fortaleza, analisado por Fialho e Sousa (2021), em relação à perseguição à Irmã Elisabeth. Conforme essas autoras, Irmã Elisabeth sofreu impedimento de lecionar no referido colégio por ter sido acusada de instigar os jovens a se rebelar contra o regime político instaurado pelos militares. Este caso é ilustrativo do que endossamos no artigo, em relação aos interesses políticos e ideológicos aliados ao regime vigente, que sustentavam a fundação da então “Faculdade de Educação”, hoje FAFIDAM.

6Entrevista realizada no dia 18 de maio do ano de 2017, em Limoeiro do Norte.

7Entrevista realizada no dia 18 de maio do ano de 2017, em Limoeiro do Norte.

8Alguns estudos apontam que, no Ceará, havia uma preocupação em instituir uma educação feminina em um momento histórico anterior ao período analisado neste artigo. A primeira instituição de educação feminina, o Colégio Imaculada Conceição, foi fundado no ano de 1865 pelas irmãs de caridade da Congregação de São Vicente de Paulo (FIALHO; SOUSA, 2021).

9O quadro foi elaborado com base no acesso às listas de Colação de Grau do interstício de 1972 a 1981, em formato digital. Devido ao contexto da pandemia da Covid-19, a implementação do trabalho remoto e o fechamento da FAFIDAM para o acesso público, não foi possível acessar as listas referentes aos anos subsequentes, posto que não estão digitalizadas.

10Entrevista realizada no dia 18 de janeiro de 2021, em Limoeiro do Norte.

11Entrevista realizada no dia 18 de janeiro de 2021, em Limoeiro do Norte.

12Entrevista realizada no dia 04 de fevereiro de 2021, em Limoeiro do Norte.

13Entrevista realizada no dia 04 de fevereiro de 2021, em Limoeiro do Norte.

14Entrevista realizada no dia 04 de fevereiro de 2021, em Limoeiro do Norte.

15Entrevista realizada no dia 27 de outubro de 2020, na cidade de Jaguaruana.

16Entrevista realizada no dia 19 de janeiro de 2021, na cidade de Limoeiro do Norte.

17Entrevista realizada no dia 19 de janeiro de 2021, na cidade de Limoeiro do Norte.

18Entrevista realizada no dia 21 de janeiro de 2021, em Limoeiro do Norte.

19Entrevista realizada com Ozirene no dia 21 de janeiro de 2021, em Limoeiro do Norte. Entrevista realizada com Auricelia no dia 29 de janeiro de 2021, via Google Meet.

Recebido: 03 de Março de 2021; Aceito: 02 de Agosto de 2021

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