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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.63 Salvador jul./sept 2021  Epub 09-Mar-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n63.p131-150 

DOSSIÊ TEMÁTICO 63

AS MULHERES DA EJA: DO SILENCIAMENTO DE VOZES À ESCUTA HUMANIZADORA

THE WOMEN OF YOUTH AND ADULT EDUCATION: FROM THE SILENCE OF VOICES TO THE HUMANIZING LISTENING

LAS MUJERES DE EJA: DEL SILENCIO DE LAS VOCES A LA ESCUCHA HUMANIZADORA

Francisca Vieira Lima*  Universidade Federal do Paraná
http://orcid.org/0000-0002-1426-407X

Andréia Faxina Wiese**  Universidade Tecnológica Federal do Paraná
http://orcid.org/0000-0001-5133-0550

Sonia Maria Chaves Haracemiv***  Universidade Federal do Paraná
http://orcid.org/0000-0001-9305-5227

*Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora da Rede Estadual de Educação Básica do Estado do Paraná - Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. E-mail: franvlprof@gmail.com.

**Mestre em Sociedade e Desenvolvimento pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), Campo Mourão. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Formação de Professores (GEPEFORP) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). E-mail: andreia.wiese@gmail.com.

***Pós-doutorado em Avaliação e Currículo pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado Profissional da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: sharacemiv@gmail.com.


RESUMO

A reflexão proposta neste artigo resulta de uma pesquisa realizada com mulheres estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de um município do Paraná, tendo como objetivo compreender suas trajetórias escolares e identificar as dificuldades vivenciadas, os motivos para retornarem ao espaço escolar e o papel da educação em suas vidas. Para tanto, dentro de uma abordagem qualitativa, a metodologia utilizada foi a pesquisa documental e a história oral temática, organizadas e analisadas na perspectiva da análise de conteúdo de Bardin (2016). Os resultados demonstraram trajetórias permeadas por abandono escolar, preconceitos, dificuldades socioeconômicas e a importância da educação como uma via para a conquista de espaço na sociedade. Identificou-se a necessidade da escuta das vozes femininas, (re)conhecendo suas experiências de vida com vistas à elaboração de propostas pedagógicas humanizadoras e emancipadoras, considerando o contexto de exclusão ao qual, historicamente, essas estudantes foram submetidas.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos (EJA); mulheres; memórias; trajetórias

ABSTRACT

The reflection proposed in this article results from research carried out with women, Youth, and Adult Education students from a municipality in Paraná, to understand their school trajectories and identify the difficulties experienced, the reasons for returning to the school space and the role of education in their lives. Therefore, within a qualitative approach, the methodology used was documentary research and thematic oral history, organized and analyzed in Bardin's content analysis (2016). The results showed trajectories permeated by school dropout, socioeconomic difficulties and prejudices, and education as a way to conquer space in society. The need to listen to female voices was evidenced, knowing their life experiences with a view to the elaboration of humanizing and emancipating pedagogical proposals, considering the context of exclusion to which, historically, these students have been subjected.

Keywords: Youth and Adult Education; women; memories trajectories

RESUMEN

La reflexión propuesta en este artículo es el resultado de una investigación realizada con estudiantes de Educación de Jóvenes y Adultos (EJA) en un municipio de Paraná, con el objetivo de conocer sus trayectorias escolares e identificar las dificultades vividas, los motivos de retorno a la escuela y el papel de la educación en sus vidas. Por lo tanto, dentro de un enfoque cualitativo, la metodología utilizada incluye la investigación documental y la historia oral temática, organizada y organizadas desde la perspectiva del análisis de contenido de Bardin (2016). Los resultados mostraron trayectorias permeadas por la deserción escolar, los prejuicios, las dificultades socioeconómicas y la importancia de la educación como forma de conquistar un espacio en la sociedad. Se identificó la necesidad de escuchar las voces femeninas, (re)conocer sus vivencias con vista a desarrollar propuestas pedagógicas más humanizantes y emancipadoras, considerando el contexto de exclusión al que históricamente se encontraban estas estudiantes.

Palabras clave: Educación de Jóvenes y Adultos (EJA); mujeres; memorias; trayectorias

Introdução

Em pleno século XXI, a ausência de paridade de oportunidades entre mulheres e homens ainda evidencia um grande desafio para toda a sociedade brasileira. Essa desigualdade impacta em diferentes aspectos da vida das mulheres, como educação, saúde, trabalho, vida familiar, entre outros. Nesse sentido, observa-se que - apesar das transformações sociais que ocorreram ao longo do último século no âmbito do gênero1 masculino/feminino, como maior participação das mulheres no mercado de trabalho, crescente escolarização, redução da fecundidade, maior acesso à informação - as mulheres continuam em situação de desigualdade de direitos em relação aos homens, por exemplo, receberem salários menores, apesar de desempenharem as mesmas atividades, além de dedicarem maior tempo a afazeres domésticos e a cuidados com pessoas (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2018).

É lícito dizer que esse cenário de desigualdades demonstra que ainda se vive em uma sociedade em que prevalece o patriarcado, em que mulheres são submetidas de forma “natural” às sobrecargas de trabalho (dentro e fora de casa), dificultando, de certa forma, o acesso a direitos que lhes são garantidos por lei, como a educação.

Em se tratando de educação, a violação deste direito é recorrente na vida de muitas mulheres. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2019, o número de matrículas de pessoas do sexo feminino foi de 49,23% do total da Educação Básica enquanto o número de matrículas de pessoas do sexo masculino foi de 50,77% (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2019), o que denota que elas vêm ocupando, gradativamente, os espaços escolares em uma proporção muito próxima à dos homens, mesmo que, ainda, aquém do patamar masculino.

Outro ponto que merece destaque é a análise da população fora da escola. Ao fazer um recorte por faixa etária (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2015), nota-se que o número de mulheres com 15 anos ou mais privadas do direito à educação soma 39.487.394, o correspondente a 49,95% do total desse recorte. Apesar de o público masculino fora da escola superar o feminino na faixa etária de 15 a 50 anos de idade, à medida que a idade avança - a partir dos 50 anos - o número de mulheres fora da escola torna-se superior ao dos homens, o que realça a ideia do contexto social patriarcal e machista, que há muito tempo preponderou (e ainda prepondera) no cenário brasileiro.

Desse modo, importa ressaltar que parte dessa população que se encontra fora da escola, em algum momento já buscou ou buscará na Educação de Jovens e Adultos (EJA)2 uma oportunidade de continuidade de seus estudos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019), em 2019, 1.565.732 mulheres estavam matriculadas na EJA. Essa modalidade de ensino, em consonância com a Lei 9.394 (BRASIL, 1996), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), é responsável por acolher homens e mulheres que, no passado, não tiveram condições de ingressar ou concluir seus estudos, retornando para os bancos escolares em outros tempos e espaços para a sua continuidade.

Dessa maneira, a Educação de Jovens e Adultos se constitui com um público diverso e com uma multiplicidade de fazeres e saberes. É construída, historicamente, por pessoas de diferentes etnias, gêneros, gerações, orientações sexuais, pessoas privadas de liberdade, com necessidades educacionais especiais, ou seja, um retrato das diferentes formas de ser brasileira e brasileiro (BRASIL, 2009).

Imbuídas nesse cenário estão as mulheres da EJA, que retornam para a escola em busca da formação da Educação Básica e trazem para a sala de aula suas histórias, suas memórias e suas experiências de vida, constituídas de um passado de dificuldades socioeconômicas e permeadas por exclusões de direitos básicos. Frente a isso, esta pesquisa se constitui pela seguinte questão norteadora: Diante das trajetórias escolares interrompidas, por que as mulheres da EJA retomam os seus estudos? A partir desse questionamento, foram desdobradas outras questões, a saber: Quais valores, significados e expectativas as mulheres atribuem à vida escolar? Qual a importância da educação na vida dessas mulheres?

Para embasar essa investigação, utilizamos, como principais pressupostos teóricos, estudos sobre: a vida cultural; a história das mulheres e suas representações na sociedade; os sujeitos da EJA e suas trajetórias escolares; e a educação libertadora como proposta dialógica de ensino na EJA. Para sustentação teórica, os principais autores foram: Bourdieu (1983, 1989, 1995, 1998), Louro (1997), Del Priore (2006), Arroyo (2001, 2003, 2007), Haddad (2000), Freire (1995, 1996, 2000).

O objetivo principal que definiu a investigação deste artigo foi compreender as mulheres na EJA no que se refere às tramas tecidas em suas trajetórias escolares e de vida, cujos itinerários passam pela interrupção de seus estudos. Buscando essa compreensão, sistematizou-se o caminho investigativo3 com base nos seguintes objetivos específicos: 1) caracterizar o perfil das mulheres integrantes na EJA; 2) refletir sobre as suas dificuldades frente aos diferentes contextos que permeiam as suas vidas; 3) identificar, por meio das narrativas de vida, as suas expectativas e projetos com a retomada dos estudos na EJA; 4) compreender, com base nas entrevistas, a importância da EJA e o papel da educação em suas trajetórias existenciais.

Assim, a partir das narrativas de três mulheres, estudantes de uma instituição que atende na modalidade de Educação de Jovens e Adultos em um município de médio porte do estado do Paraná, este estudo vai além de uma proposta de escuta das vozes femininas, trazendo à luz a importância da educação no desenvolvimento humano e social, considerando a sua contribuição nos processos emancipatórios na vida dessas mulheres. Com vistas aos objetivos propostos, empregamos a abordagem qualitativa, utilizando a pesquisa documental enquanto método de investigação da realidade social e a história oral temática, que considera as trajetórias individuais, recuperando memórias e resgatando experiências.

As conclusões revelaram um cenário de desigualdades socioeconômicas na infância, levando à desistência dos estudos, e mostraram as dificuldades vivenciadas diante da representação simbólica do papel social feminino imposto pela sociedade de maneira “invisível”, pois se as mulheres simplesmente o assumem, não há resistência. A educação surge, nesse contexto, como meio de inclusão social e como proposta de melhoria de vida, de mudança de sua condição social.

A relevância deste estudo perpassa, assim, pela importância de se compreender as trajetórias escolares das mulheres na EJA, do sujeito que carrega para o espaço escolar suas experiências e histórias de vida, corroborando com o trabalho docente, ao conhecer a realidade existencial delas, para o desenvolvimento de propostas pedagógicas humanizadoras e emancipadoras. Considera-se o contexto de exclusão ao qual elas foram submetidas para buscar ressignificar suas histórias; para tanto, a escola precisa ter no seu projeto político-pedagógico uma filosofia de trabalho pautada na formação não só intelectual, mas também humana e social. Além disso, este trabalho visa a alertar as demais mulheres, com histórias diferentes ou parecidas, para se reconhecerem através desses itinerários e, a partir de sua voz ouvida, começarem a protagonizar a sua própria história.

Percurso metodológico

Para o desenvolvimento desta pesquisa foi utilizada a abordagem qualitativa, por entendermos a necessidade, conforme alerta Creswell (2014), de uma compreensão complexa e detalhada do objeto estudado. Em razão disso, exige-se uma aproximação do pesquisador com o pesquisado, ou seja, as informações podem ser apuradas a partir das interações com os indivíduos, coletando dados por meio de exame documental, de entrevista com os participantes, dentre outras.

Complementarmente, esta investigação caracteriza-se pelo tipo documental, visto envolver uma consulta em documentos escolares previamente elaborados para outras finalidades, constituindo-se, para estes fins, em uma fonte de dados secundária. Considerando ser necessária uma complementação das informações obtidas nos documentos, optamos, como recurso, pela história oral temática, fundamentada teórica e metodologicamente nos aprofundamentos de José Carlos Sebe Bom Meihy (MEIHY; HOLANDA, 2013), coordenador do Núcleo de Estudos em História Oral da Universidade de São Paulo (NEHO/USP).

Entende-se por história oral um conjunto de procedimentos que perpassam o planejamento na condução de gravações, definições de locais e de tempo de duração, transcrição dos textos, conferência da gravação transcrita, autorização para uso e, quando possível, publicação dos resultados que precisam ser retornados para os participantes da pesquisa (MEIHY; HOLANDA, 2013).

O trabalho foi desenvolvido em uma escola pública estadual denominada Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA), que atende a população na modalidade de EJA. Essa instituição é mantida pelo Governo do Estado do Paraná, subordinada à Secretaria Estadual de Educação (SEED), possuindo aproximadamente 1.300 educandos(as). Na primeira etapa da pesquisa foi realizada uma consulta em 214 questionários elaborados e aplicados pela instituição aos/às estudantes da EJA do Ensino Médio, entre os meses de julho e novembro de 2019, para finalidades específicas da escola. Dessa consulta, selecionaram-se 107 questionários respondidos por mulheres, atendendo aos objetivos desta pesquisa. O instrumento continha quinze questões, sendo dez relacionadas ao perfil sociodemográfico e outras cinco, às trajetórias escolares.

Após análise documental, identificamos a necessidade de realizar entrevistas, buscando respostas aos questionamentos de nosso estudo. Assim, dentre as respondentes dos questionários (documentos da instituição), três mulheres se propuseram, espontaneamente, a convite das pesquisadoras, a participar das entrevistas, que teve como norte a metodologia da história oral temática. A realização das entrevistas ocorreu pela plataforma Google Meet; para isso, com média de 30 minutos de duração, a entrevistadora utilizou questões semiestruturadas relacionadas ao tema desta investigação. Para esse encontro on-line, as participantes foram informadas quanto ao objeto e aos objetivos do estudo, ao sigilo das informações, aos possíveis riscos e à possibilidade de, livremente, não responderem às questões ou de deixarem a reunião a qualquer momento. As participantes assinaram, previamente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Por meio desta metodologia, evidenciaram-se particularidades das histórias de vida de cada participante, oportunizadas pela escuta do compartilhamento de suas histórias, dentre as quais destacaremos, neste estudo, excertos das narrativas.4

Em suma, esta pesquisa foi organizada na perspectiva da análise de conteúdo (BARDIN, 2016). Primeiramente, foram examinados e apurados os dados dos documentos da instituição, realizando-se um pré-estudo deles e buscando operacionalizar e sistematizar as ideias que atendiam aos objetivos desta investigação. Entendendo a importância e a necessidade de outras informações sobre as trajetórias escolares e de vida das participantes, recorremos às entrevistas semiestruturadas, utilizando-se como método, conforme já exposto, a história oral temática. Concluídos estes dois momentos, seguimos para a fase de exploração minuciosa do conteúdo extraído das entrevistas. Na sequência, fizemos uma análise crítica desses dados, à luz da literatura de referência ao assunto, realizando interpretações e inferências em consonância com os objetivos propostos.

Tecendo a trajetória da educação das mulheres

A história das mulheres proporciona uma abertura para questionamentos sobre a produção da própria história, contada a partir do lugar de fala masculino (SCOTT, 1992). Nessa direção, Perrot (1988) considera que, sendo a construção da narrativa histórica um ofício exercido por homens, as mulheres são excluídas dela, pois o historiador escreve a história por sua ótica masculina, abordando campos de ação e de poder masculinos, ignorando a mulher no campo econômico, social e cultural.

De acordo com Scott (1992), reivindicar o reconhecimento da mulher na história consiste em um exercício que vai de encontro ao que é historicamente estabelecido como “legítimo”, o que exige uma luta contra padrões já consolidados ao longo do tempo. Desse modo, falar da história das mulheres torna-se necessário e urgente, considerando que - assim como os homens, enquanto seres humanos históricos e culturais - também foram e são protagonistas, merecedoras de reconhecimento e respeito da sociedade.

No Brasil, a trajetória da educação das mulheres é tecida com a história da colonização brasileira. Nesse período, a mulher não tinha acesso nem direito à escola, sendo suas funções resumidas a aprender as tarefas domésticas, como bordar, costurar, ser boa mãe e esposa, atribuições essas que foram impostas às mulheres até o século XIX (VIEIRA; CRUZ, 2017).

A construção social dos gêneros, práticas sociais e de servidão coincidem com a ausência da educação escolar feminina brasileira, pois essa mulher, fosse ela negra ou indígena, servia ao português apenas visando à miscigenação e, consequentemente, ao povoamento do país (RIBEIRO, 2010). É mister destacar que, dentro desse contexto, etnia e raça eram determinantes para a formação de homens e mulheres, incluindo a religião, que também implicava proposições educacionais (LOURO, 1997).

Somente no século XIX as mulheres começaram a participar dos espaços públicos, ocupados até então pelos homens, começando a sair das sombras dos recolhimentos,5 às quais eram submetidas com finalidades diversas (PERROT, 2007). Contudo, a igualdade de oportunidades para as mulheres, apesar de alguns tímidos avanços na área da educação, ainda hoje está muito distante do ideal, uma dívida inscrita na vida de muitas mulheres, principalmente nas vidas daquelas que não tiveram oportunidade de acesso à educação.

A exemplo disso, estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019) revelam que, em 2018, o percentual da população brasileira que não sabia ler nem escrever era de 6,8%, o correspondente a, aproximadamente, 14 milhões de brasileiros, demonstrando parte do retrato da dívida educacional e social do Estado com as brasileiras e os brasileiros.

Para atender essa população alijada do direito à educação, a EJA representa importante via para o desenvolvimento, em uma perspectiva da educação para a vida. Ancorada pela Constituição Federal e pela LDBEN, essa modalidade de ensino, com diretrizes próprias, acolhe pessoas que não tiveram oportunidade de continuidade de seus estudos em idade “própria”, considerando a faixa etária a partir dos 15 anos de idade. A proposta da EJA precisa ser diferenciada de modo a atender a diversidade do perfil de suas educandas e seus educandos, com vistas ao reconhecimento e valorização de suas experiências de vida (BRASIL, 1996, 2000, 2010).

Conhecendo o perfil socioeconômico das mulheres estudantes na/da EJA

Não diferente da realidade dos sujeitos educandos da EJA,6 as educandas vinculadas à instituição escolar envolvida nesta pesquisa são estudantes que não concluíram a escolaridade obrigatória em idade própria. A média de idade das 107 estudantes entrevistadas é de 32 anos (mediana 28,5). Importa ressaltar que, ao considerar os valores absolutos, identificamos pessoas em faixas etárias diversas que participaram da pesquisa, desde adolescentes (a idade mínima declarada na amostra foi de 17 anos) até idosas (a idade máxima da amostra foi de 66 anos). Ciente dessa diversidade existente na sala de aula, observa-se que, além de faixas etárias, as gerações são categorias social e historicamente construídas (BORDIEU, 1983).

De acordo com a amostra dos questionários, a maioria das estudantes, 77%, residem na área urbana e 18%, na área rural, enquanto 6% não responderam a essa questão. Sobre a cor/raça, 51% se autodeclararam brancas; 33%, pardas; 6%, pretas; 4%, amarelas; 2%, indígenas; e 5% não responderam. Decerto, se a maioria dos indivíduos estudantes da EJA pertencem às classes populares, a somatória dos percentuais de mulheres não brancas se mostra significativa, principalmente ao refletirmos sobre “a posição hierarquizada de negros e brancos na sociedade” (QUEIROZ; SANTOS, 2016, p. 73), que em nada se associa às diferenças biológicas, mas sim a uma construção social. Assim sendo, relacionamos raça e gênero a “conceitos socialmente construídos, sem corresponderem, portanto, a nenhuma realidade natural, estruturam as desigualdades presentes na sociedade brasileira” (QUEIROZ; SANTOS, 2016, p. 73).

As velhas dicotomias, segundo Arroyo (2007), ao invés de se retraírem, estão sendo alargadas. Um exemplo é o setor popular, que era formado, antes, por trabalhadores com carteira assinada, enquanto agora é composto também por trabalhadores sem carteira assinada e pelos desempregados. Nessa realidade estão incluídas as mulheres da nossa amostra; a maioria delas (56%) informou que não possui trabalho remunerado e 43% estavam trabalhando, e 1% não respondeu ao questionário. Com relação à renda familiar, nesta amostra, a maioria das entrevistadas (79%) possui renda na faixa entre R$ 1.000,00 e R$ 2.500,00.

Ainda nessa direção, se estratificarmos rendimentos médios do trabalho no Brasil, as mulheres seguem recebendo cerca de – do que os homens recebem. Contribui para a explicação desse resultado a própria natureza dos postos de trabalho ocupados pelas mulheres, em que se destaca a maior proporção dedicada ao trabalho em tempo parcial. Outro dado interessante para entendermos o cenário socioeconômico brasileiro trata das ocupações; dos 6,3 milhões (ou 6,6%) de trabalhadores em serviços domésticos, 5,8 milhões são mulheres, enquanto 502 mil são homens. Ademais, as mulheres também aparecem em maior proporção no trabalho auxiliar familiar, além de compor quase que integralmente o trabalho doméstico sem carteira (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2020).

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019) revelam que, enquanto o nível de ocupação dos homens foi de 65,5%, o das mulheres foi de 46,1%, embora a maior escolaridade das mulheres ainda não seja considerada para igualar sua situação à dos homens no mercado de trabalho, mesmo sendo a escolarização uma condição relevante para assegurar a inserção no mercado de trabalho. As mulheres (47,5%) também foram mais afetadas que os homens (36,4%) pela desocupação de longo prazo, corroborado pela maior dificuldade para encontrar ocupação (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2020).

A partir dos resultados apresentados, é possível inferir que as mulheres pesquisadas pertencem à classe popular brasileira, e que, por meio da EJA, dentre outros objetivos, elas buscam a melhoria de suas condições de vida. Percebemos, assim, a importância de conhecer a vida dessas estudantes e suas experiências existenciais, revelando a necessidade de uma mudança por parte das práticas escolares com vistas a uma proposta mais humanizadora, de valorização e de reconhecimento de suas necessidades reais. Desse modo, percebe-se na EJA que “muitos desses alunos que a escola recebe vivem uma trajetória escolar cheia de idas e vindas, alguns até mesmo frequentam a escola desde criança e, por razões diversas, acabaram abandonando os estudos e, depois de adultos, retornaram” (CARDOSO; FERREIRA, 2012, p. 63).

Nessa direção, identificamos que uma das perguntas realizadas nos questionários estava relacionada ao motivo da desistência dos estudos, sendo que cerca de 76% das estudantes mencionaram que já desistiram dos estudos ao longo da trajetória escolar. As participantes também puderam elencar os motivos que as afastaram da escola: 39% citaram que o abandono ocorreu por questões familiares e 35% relataram que a causa foi o trabalho. Subdivididas em “outros”, 26% disseram que as razões para a desistência foram: dificuldades de aprendizagem, problemas de relacionamento, mudança, bullying, nascimento de filhos, problemas de saúde, falta de dinheiro para transporte público.

Para as mulheres, a situação familiar (principal motivo de abandono dos estudos) envolveu várias atividades ocupadas por elas, a exemplo de afazeres domésticos e cuidados com filhos, pais, irmãos. Na questão do trabalho (segundo principal motivo), os principais impedimentos para a continuidade dos estudos envolveram distância e falta de flexibilidade de horários. Evidenciando esse cenário no contexto brasileiro, em 2016, as mulheres dedicaram aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos cerca de 73% a mais de horas do que os homens (18,1 horas contra 10,5 horas, respectivamente). As diferenças, contudo, ampliam-se ainda entre as faixas mais elevadas de idade (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2018). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2020), em 2019, as mulheres não ocupadas (sem trabalho remunerado) dedicavam em média 24 horas por semana para afazeres domésticos no domicílio delas ou em domicílio de parente, enquanto os homens não ocupados utilizavam em torno de 12,1 horas semanais para esse tipo de atividade.

Na EJA, outra situação recorrente considerada por Pini (2009) trata da percepção de que as mulheres estão saindo do espaço privado rumo a um espaço público ao retornarem para o ambiente escolar, o que pode gerar conflitos com seus parceiros, entre outros, pela incompreensão sobre o motivo de retorno à escola. Diante disso, exige-se da(o) “educador(a) nova postura e estratégias de interação com os(as) educandos(as), que favoreça um estreito diálogo com o ambiente familiar” (PINI, 2009, p. 35). Já a motivação apontada pelas mulheres, em uma das questões dos questionários da instituição, para retornarem aos estudos foi: prosseguir para um curso técnico ou graduação (44%), trabalho (35%), aprendizado e conhecimento pessoal (17%), outros (1%), o que remete à ideia de que elas buscam ocupar os espaços além do trabalho doméstico “idealizado” para as mulheres ao longo da história.

Os resultados deste estudo encontram aproximações com o perfil dos sujeitos da EJA, sendo pessoas com trajetórias escolares interrompidas e marcadas por várias formas de exclusão da e na escola; em sua maioria, são trabalhadores(as) oriundos(as) das classes populares com projeto e sonhos para conquistar por meio da educação (HADDAD, 2000). Assim, torna-se fundamental que “a EJA tem que ser uma modalidade de educação para sujeitos concretos, em contextos concretos, com histórias concretas, com configurações concretas” (ARROYO, 2007, p. 7). Para esse autor, urge um currículo que atenda a esses coletivos, pensando no mundo no qual estão inseridas, pois

O que hoje existe de mais rico são essas lutas coletivas, essas lutas pelos direitos coletivos, essa cultura coletiva. O que isso poderia significar para um currículo da EJA? Se o movimento feminista, por exemplo, colocou em cima da mesa da sociedade, da academia, da política, a luta pela identidade, pelos direitos da mulher, como isso entra na EJA? Ou não entra? Na hora de fazer um percurso, estudar história, por exemplo, tem que ser a história da política, a história das barbas do imperador? Por que não pode ser a história das mulheres? Por que não pode ser a história dos negros? A história dos quilombolas, a história do campo, a história dos “sem”? Por que não poderia ser outra história, outra forma de contar a história? Por que não fazemos isso? Porque não consideramos esses coletivos populares como sujeitos de história, mas como pacientes de história. (ARROYO, 2007, p. 18).

Portanto, precisamos levar em consideração suas histórias, suas trajetórias, suas compreensões de mundo para podermos conhecer a configuração social e cultural dos(as) jovens e adultos populares, de modo que a escola seja ressignificada para atender às classes populares, nas quais as mulheres da EJA encontram-se inseridas.

Memórias, dificuldades e desafios nas trajetórias escolares

“[...] mas eu não tinha força para fazer isso, eu trabalhava como uma adulta.” (MARIA QUITÉRIA).

As narrativas das três mulheres da EJA, participantes desta pesquisa, marcadas por memórias7 e constituidoras das relações do passado e do presente, ao longo de seus relatos trazem experiências de vida entrelaçadas com a educação, o trabalho e a família. Nesta seção, o objetivo é refletir sobre as dificuldades vivenciadas por elas em suas trajetórias escolares. Dificuldades essas que se iniciam com uma infância dedicada a tarefas diárias de adultos, como a epígrafe que inicia esta seção.

Não muito diferente dessa realidade, Ribas (2014, p. 118) identificou em seus estudos que “A vida dessas mulheres é marcada pela evasão escolar, não acesso às instituições de ensino e interrupção da escolaridade. Seus relatos mostram que fatores diversos dificultaram a experiência escolar na idade esperada para o ingresso educacional.”. Desse modo, apresentamos as mulheres do nosso estudo: Maria Cecília (52 anos), Maria Izabel (56 anos) e Maria Quitéria (43 anos). Duas já finalizaram o Ensino Médio na modalidade da Educação de Jovens e Adultos e ainda participam ativamente de uma instância colegiada da escola, lócus da pesquisa, e a terceira retornou aos estudos nesta instituição em 2020. Atualmente, as entrevistadas declararam exercer as atividades de confeiteira, inspetora de alunos e dona do lar, respectivamente.

Nos três casos, a interrupção de suas trajetórias escolares se iniciou na infância, para ajudar os pais no trabalho da roça, afastamento esse ainda maior após se tornarem adolescentes, com novos compromissos como casamento e filhos. Maria Cecília narra:

[...] eu estudei até o quinto ano, tive que parar porque a gente morava longe da escola e porque precisava ajudar minha mãe a trabalhar. Meu pai faleceu e ficou só eu e meu irmão, e eu tive que parar. Depois, fiquei mocinha e parei de estudar, sem condições de ir para o colégio. Também não tive incentivo de mãe e de ninguém e logo me casei, tive meu filho e foi indo, fui ficando acomodada, sempre trabalhei de empregada doméstica e foi indo.

As entrevistadas trazem em suas memórias uma realidade compartilhada com boa parte dos ingressantes na EJA, pessoas cujos itinerários se assemelham com outros coletivos “constituído[s] por migrantes provenientes de áreas rurais empobrecidas que chegam às grandes metrópoles, filhos de trabalhadores rurais não qualificados e com baixo nível de instrução escolar, ou analfabetos” (MARQUES; PACHANE, 2010, p. 484). Similarmente aos relatos das estudantes, esses sujeitos permanecem brevemente na escola e, “de maneira geral, traba lham em ocupações urbanas não qualificadas, após experiência no trabalho rural na infância e na adolescência” (MARQUES; PACHANE, 2010, p. 484).

As histórias de vida se assemelham pela realidade do campo, pela falta de transporte escolar e pelo trabalho rural infantil,8 desdobrando-se em realidades específicas à medida que nos relatam, com riqueza de detalhes, as experiências vividas em uma época marcada por dificuldades no acesso à educação. Sobre isso, Bourdieu (1998) resgata a questão do capital cultural familiar, pois esses estudantes de camadas populares, cujas famílias não tiveram acesso aos bens culturais, acabam apresentando baixo êxito nos estudos em comparação aos demais estudantes das camadas sociais mais distintas.

No relato de Maria Quitéria, a filha do patrão dos seus pais precisava de uma empregada e ela foi enviada para a cidade, sozinha, aos doze anos de idade, para trabalhar e morar com essa família, em troca de um salário meramente simbólico. Segundo a entrevistada: “daí, como eu fui morar com eles, ela me colocou, eles falavam na época supletivo, mas era o CEEBJA, só que você ia eliminando matérias, mas eu não tinha força para fazer isso, eu trabalhava como uma adulta” (MARIA QUITÉRIA). A estudante demonstra em sua fala a privação do acesso à educação básica na infância e na adolescência, pois a sobrecarga do seu trabalho, do esforço físico exigido naquela época, era incompatível com outras atividades “secundárias”, como estudar.

Sobre isso, Mantovani e Carvalho (2018) relatam em seus estudos que o trabalho de crianças e adolescentes9 ainda movimenta alguns setores da economia; são atividade laborais exercidas, principalmente, na área doméstica, na própria casa ou na casa de terceiros - coincidindo com a experiência de vida da entrevistada na área urbana -, o que inviabiliza o acesso e a permanência na escola, na idade escolar. A narrativa da estudante também remete a mais uma característica das estudantes da EJA: pessoas que assumiram responsabilidades de adultas, mesmo não sendo adultas.

Nesse sentido, Souza (2000) nos estimula a uma importante reflexão a respeito da privação da educação básica; para esse autor, “é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para a presença significativa na convivência social contemporânea” (SOUZA, 2000, p. 24). A similaridade dos relatos quanto ao trabalho rural na infância e às dificuldades socioeconômicas é traço caracterizador de uma sociedade desigual. Nos estudos de Alvez-Mazzotti (1998), o trabalho apareceu como um fator contribuinte, na infância ou na adolescência, para a evasão escolar.

As estudantes entrevistadas também recordam as dificuldades encontradas na área rural devido à distância para chegar até a escola e à falta de incentivo de seus pais, que também possuíam nenhuma ou baixa formação escolar. Para Bourdieu (1998), o capital cultural combinado com o ethos determinam as atitudes e condutas diante da escola, influenciando na vida escolar de pessoas de diferentes classes sociais. Nessa concepção, a realidade escolar é vista por Bourdieu (1998) como produto reprodutor de uma ordem social vigente. Maria Quitéria, moradora de uma comunidade carente da zona rural, relata os desafios enfrentados para frequentar a escola: “[...] a prefeitura colocava um transporte, mas se desse uma chuva, o transporte já não ia, era muito longe e não tinha emprego lá na época, então eu voltei a trabalhar na roça, e eu não aguentava trabalhar em uma lavoura de milho [...] era algo muito pesado [...]”.

Além dessas dificuldades, tanto no espaço escolar quanto no ambiente familiar, pouco se falava sobre preconceitos e bullying.10 Sobre isso, Maria Izabel expressa que já passou por “preconceito devido à cor da pele, né... isso eu passei, mas não aqui, foi mesmo lá no Rio Grande, a cor da minha pele [...] foi na escola mesmo, quando eu comecei a estudar, eu tinha uns oito anos ou nove anos, preconceito sempre teve, né”. De fato, esse preconceito, citado e vivido por Maria Izabel, “está presente na sociedade brasileira, no cotidiano dos indivíduos, e é altamente prejudicial para a população negra, tanto nas relações sociais (família, escola, bairro, trabalho etc.) quanto nos meios de comunicação” (CAVALLEIRO, 2000, p. 24).

Essas situações, apesar de incômodas, não eram objeto de discussão na época vivida pelas entrevistadas. A vítima, muitas vezes, calava-se e abandonava a escola, pois, mesmo não sabendo conscientemente que aquilo era uma forma de agressão, essa situação acarretava sentimentos desconfortáveis, prejudicando assim seus estudos. Ttofi e outros (2011) identificaram em suas pesquisas que as situações de bullying traziam um impacto negativo sobre a capacidade de aprendizagem e sobre a autoestima da criança/adolescente, podendo ocasionar, ainda, sintomas de depressão. Por conseguinte, temos, como exemplo, o seguinte trecho da entrevista, em que, somado a outros problemas, a estudante optou por abandonar a escola:

[...] eu tinha uma dificuldade muito gigante de aprender. Hoje eu sei que o que eu sofria naquela época era bullying, porque eu não sabia, não se dizia isso, né. Eu sofria bullying por ter um sotaque diferente, por não ser bonita, por ser diferente das outras meninas, então eu tinha uma dificuldade muito grande na escola [...] (MARIA QUITÉRIA).

O cenário vivido por essas mulheres na adolescência demonstra a prorrogação das dificuldades para voltar aos estudos, com novos desafios: os afazeres da casa depois do casamento, o cuidado com os filhos, entre outros. Para Maria Cecília, a razão do não retorno às aulas “[...] foi o caso mesmo de ser mãe, de ter a dificuldade de ir até a escola [...]”. Esse conjunto de relações estruturais na sociedade, de divisões de tarefas e de atividades específicas separadas entre homens e mulheres parece natural, porém nada na biologia de nossos corpos determina esses papéis, que foram impostos pela sociedade (QUEIROZ; SANTOS, 2016).

Essa visão dominante da divisão sexual está expressa nos discursos, representações culturais simbólicas, provérbios, poemas, decorações de murais (BOURDIEU, 1995), pois a fala da entrevistada demonstra a responsabilidade de assumir os afazeres domésticos e o cuidado dos filhos, ou seja, uma vida sem escolha, restrita a ser “dona de casa”. Desse modo, no relato que se segue, de Maria Quitéria, aparecem traços marcantes desse habitus11 na história de vida, também compartilhados com outras mulheres, pois

[...] já com dezesseis eu tinha um bebê, então não tinha como estudar. Eu tentei várias vezes, eu fui várias vezes, até depois, quando o segundo filho meu nasceu, eu chegava a ir, mas eu não tinha com quem deixar [...] quando eu voltei a estudar, eles já estavam adolescentes [...] (MARIA QUITÉRIA).

Essas representações de uma visão dominante da divisão sexual se exprimem também em todas as práticas humanas (quase ao mesmo tempo técnicas e rituais), nos objetos técnicos, nas divisões interiores de uma casa, na organização do tempo, na jornada e, principalmente, nas técnicas do corpo (posturas, maneiras, porte), condutas já naturalizadas pelas mulheres (BOURDIEU, 1995), legado histórico herdado historicamente.

Na Educação de Jovens e Adultos, essas mulheres ainda sofreram preconceitos ao voltarem a estudar na fase adulta, com vistas a angariar um lugar na sociedade, antes reprimido e interditado em meio a tantas memórias de um passado de desigualdades. A busca dessa transformação nos papéis desempenhados por elas durante a vida retorna como crítica, perpassada por julgamentos e incompreensões, ao buscarem inclusão social por meio da educação, como é dito no relato a seguir: “[...] preconceito de eu voltar a estudar por causa da minha idade. Ah, que eu não tinha mais idade para voltar a estudar, devia cuidar de casa, da família mesmo [...] então eu falei: ‘[...] eu que tenho que saber o que é melhor para mim. Eu vou continuar, não tenha quem me impeça!’” (MARIA IZABEL).

A falta de apoio para as mulheres ingressarem na EJA possui um significado muito forte, pois precede de várias tentativas frustradas para retornar aos estudos, como as educandas enfatizaram nas narrativas acima. Apesar de sua vontade, ainda enfrentam preconceito em relação à idade e ao papel da mulher na sociedade, considerando-se que “o preconceito e a ignorância provocam a desumanização das minorias étnicas, o que, por sua vez, alimenta e dá sustentação a muitas formas de discriminação” (CLAUDE, 2005, p. 49).

Ao retornarem à escola, as mulheres entrevistadas demonstraram, como principal motivação em suas falas, o desejo pela escolarização, de preenchimento de um espaço perdido no passado. No entanto, durante esse percurso, encontraram dificuldades em comum, como conciliar a carga horária de trabalho e as dificuldades de aprendizagem. O trabalho, para Tavares (2002), pode corroborar perdas acadêmicas, podendo levar a repetências, defasagem e evasão escolar, dificultando futura inserção no mercado de trabalho e ascensão social.

Por outro lado, quando questionada sobre a existência de dificuldades para retornar aos estudos, uma das estudantes afirma que sim, “porque praticamente eu não lembrava de mais nada [...] tinha dias que eu tinha vontade de desistir, aí minha professora de ciências dizia que não, ‘tu vai aprender’. Para eu conseguir, ela me ajudou bastante” (MARIA CECÍLIA). Dessa forma, o incentivo da professora foi fundamental durante esse processo, o que denota a importância de uma educação humanizadora, que considere a condição ontológica do ser humano. O processo educacional, dessa maneira, precisa reconhecer o lugar do(a) discente no mundo, com trajetórias de vida entrelaçadas com trajetórias escolares, tecidas por suas experiências humanas, de alegrias e também de dores e sofrimentos, como o caso das perdas sofridas por Maria Quitéria:

[...] só que nesse meio tempo que eu estava me recuperando da perda do meu filho, eu perdi o meu irmão em um acidente de moto. Eu estava fazendo três matérias nessa época, eu estava fazendo Artes, História e Português, então foi um momento que a escola mais me acolheu, porque se eles tivessem desistido de mim, ali eu tinha desistido de novo [...]

As perdas de Maria Quitéria revelam um pouco das trajetórias de vida dos sujeitos da EJA, que merecem ser ouvidas, reconhecidas e respeitadas pela comunidade escolar, vidas marcadas por afastamentos temporários, situações não tramadas em sua existência.

Dessarte, uma das reflexões propostas tratou da condição de ser mulher e do seu papel social desempenhado na adolescência e na vida adulta diante das desigualdades socioeconômicas marcantes nas três histórias, pois, como cita Connell (1995, p. 189), “no gênero, a prática social se dirige aos corpos”. Ao serem questionadas se acreditavam que por serem mulheres tiveram menos oportunidades que os homens, todas disseram que não, atribuindo a si mesmas, pela falta de formação escolar, o motivo de não conseguirem um emprego melhor ou melhores oportunidades no mercado de trabalho.

Sobre isso, faz-se pertinente recorrermos ao pensamento de Bourdieu (1995), pois esse autor indaga se o que as mulheres rejeitam é a visão essencialista da condição feminina, naturalização de uma construção social ou de condição inferior (em uma ordem de poder), que a sociedade atribui de maneira objetiva às mulheres. Desse modo, se a divisão social entre homens e mulheres se mostra natural, como questionar aquilo que é normal? Porquanto essa condição foi e ainda é considerada como inevitável, estado objetivado e incorporado no habitus como um sistema simbólico classificatório de percepção, de pensamento e de ação (BOURDIEU, 1995). Tendo sido naturalizada a condição feminina de primeiramente servir o outro, observamos em suas falas que elas mesmas consideram como “normal” as experiências de exclusões e de violações vivenciadas no decorrer de suas trajetórias.

De certa forma, a realidade vivida por essas mulheres na infância, com relação à falta de acesso à educação, de acordo com as narrativas, repetiu-se com seus irmãos. Todavia, diante dos fatos narrados, cabe-nos a seguinte reflexão: As dificuldades relatadas, principalmente as que se referem à representação do papel da mulher na sociedade e às suas responsabilidades, contribuíram para a não continuidade dos seus estudos? Um exemplo mencionado foi a gravidez de uma das estudantes quando tinha 16 anos, os cuidados com os filhos, a falta de apoio no passado, entraves tidos como naturais por elas por sua condição de ser mulher.

Ademais, o relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de 2003 sobre “Gênero e Educação” inicia suas discussões, no primeiro capítulo, com a seguinte frase (deveras impactante ao pensarmos que retrata a realidade do século XXI): “Em nenhuma sociedade, as mulheres desfrutam das mesmas oportunidades educacionais oferecidas aos homens. Sua jornada de trabalho é mais longa e seu salário é menor” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2003, p. 3). Essa afirmação demonstra o quanto a sociedade, em nível mundial, ainda segrega a mulher, principalmente porque “suas oportunidades e opções de vida são mais restritas que as dos homens. A desigualdade de acesso e de desempenho das meninas, em termos educacionais, é tanto causa quanto consequência dessas disparidades” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2003, p. 3).

Diante de tantos desafios e dificuldades, as estudantes entrevistadas mostram em suas palavras seu agradecimento ao apoio que receberam e recebem, principalmente da família, dos professores, da escola: “[...] como eu trabalho o dia inteiro, à noite eu vou direto para a escola. Meu marido chega em casa e faz a janta para a gente, ajuda. Nossa, eu tenho total apoio, não tenho do que me queixar!” (MARIA CECÍLIA). Além da família, “[...] a escola me ajudou muito, os professores me ajudaram muito [...]” (MARIA QUITÉRIA).

Assim sendo, os detalhes em cada fato narrado do passado e as vivências do presente nos permitem refletir que as trajetórias escolares dessas mulheres foram marcadas, especialmente, por muitas dificuldades decorrentes de situações de vulnerabilidade social e pela representação de papéis arranjados historicamente para homens e mulheres. Repetidamente, muitas dessas narrativas de vida estão presentes na sala de aula da EJA, não somente dessas mulheres, mas também de todas que enfrentam seus desafios para estarem ali, presentes, juntamente com toda a carga emocional de histórias de luta, rompendo paradigmas por meio da educação dentro da sociedade patriarcal brasileira, uma sociedade desigual, na qual os excluídos não possuem nem vez nem voz.

A educação como um projeto de vida

“[...] eu sempre sonhei com a formatura, eu sempre sonhei em conseguir concluir algo.” (MARIA QUITÉRIA).

A história das mulheres inclui suas aspirações, sentimentos, realizações e dificuldades, englobando também tudo o que se relaciona ao ser humano: fatos, acontecimentos, representações e discriminações presentes na sociedade (DEL PRIORE, 2006). Dessarte, as narrativas de vida demonstram a complexidade das relações sociais e a diversidade cultural das estudantes integrantes da EJA. Nesse sentido, surge a seguinte questão: Diante de trajetórias escolares interrompidas, por que as mulheres retomam seus estudos? Esta seção se dedicará à compreensão da importância da educação na vida das estudantes da EJA.

A cada história, um motivo, uma expectativa para o retorno: “eu montei o salão onde eu fiquei 20 e poucos anos com o salão, daí, como eu parei com o salão, voltei a estudar, para arrumar uma coisa melhor” (MARIA IZABEL). Já Maria Cecília mencionou a necessidade de voltar a estudar devido a uma exigência do trabalho; ela trabalhava como zeladora, foi promovida a inspetora de alunos e agora, com a conclusão da educação básica, anseia por novas oportunidades. Enquanto para Maria Quitéria, o retorno à escola foi “para sair da cama, porque foi bem na época que meu filho morreu e eu não tinha mais vontade de fazer nada, eu queria morrer também, eu fiquei muito tempo em depressão profunda e eu precisava me ocupar, daí os meninos, os meus filhos falavam: ‘mãe, volta a estudar.’”.

A necessidade de terminar os estudos para se inserir no mercado de trabalho ou para buscar uma nova profissão, almejando reconhecimento profissional, são os principais motivos que levaram essas mulheres à escola. Assim como elas, vários estudantes da EJA buscam, na conclusão dos estudos, a recolocação no mercado profissional (RIBAS, 2014; SOUZA, 2000). Nessa perspectiva, a relação entre trabalho e escola é paradoxal, pois, apesar de o trabalho ser motivação para a saída precoce da escola, ele também é promotor de retorno ao espaço escolar, na busca de conhecimento, acreditando que por meio da escolarização os sujeitos conquistarão melhores empregos e salários, melhorando, assim, as condições de vida para si e para sua família (MANTOVANI; CARVALHO, 2018).

Ainda quanto aos relatos acima, é possível identificar a necessidade de uma estudante se apegar a algo para sair de um momento difícil em sua vida. Para isso ela buscou na educação o caminho para voltar a viver. Os diferentes dinamismos de vida das mulheres e de suas necessidades cotidianas são representativos no espaço plural e de diversidade da EJA, articulando-se com outras lutas - luta contra a segregação racial, étnico-racial, entre outras - ao considerar que a EJA tem uma perspectiva de educação para a vida (COSTA, 2012).

Os objetivos e as expectativas dessas mulheres ao retomarem seus estudos, buscando se engajar no ambiente escolar, são claramente identificados nas entrevistas, como discursa Maria Izabel: “melhoria de trabalho, aprender, conhecer melhor a sociedade [...] integrar melhor na sociedade [...] Eu quero continuar, meu objetivo é fazer curso [...] não quero parar.” Além da interpretação de Maria Cecília sobre a importância da conclusão dos estudos para se inserir no mercado de trabalho: “eu tendo um pouco mais de estudo, eu posso trabalhar em qualquer outra situação ou outra área, se chegarem a me mandar embora.” Segundo Maria Quitéria, também como meio para realização de um sonho: “[...] eu sempre sonhei com a formatura, eu sempre sonhei em conseguir concluir algo. O segundo grau para alguns pode não ser nada, mas para mim era tudo!”

Além disso, depois que retornaram aos seus estudos, as estudantes perceberam elevação da autoestima, da socialização (sentimento de pertencer à sociedade), da melhoria na comunicação. Efetivamente, para Leão (2006, p. 36), a escola é um espaço permeado por ações, valores, expectativas de projetos de vida, reforçando ainda que “[...] a motivação do jovem diante da escola se dará em face da forma como cada um elabora sua experiência de crescer em meio à desigualdade social e do significado que a educação irá adquirir em sua vida”.

Essa visão de Leão (2006) se concretiza na seguinte narrativa: “Eu sabia que o estudo iria devolver muita coisa, mas a primeira coisa que me devolveu foi a autoestima.” (MARIA QUITÉRIA), sendo essa a mesma sensação citada por outra entrevistada: “Eu me senti um pouquinho mais importante. Parece que quando você não tem estudo, vai se retraindo [...]” (MARIA CECÍLIA). Já Maria Izabel menciona: “na minha vida mudou tudo [...], ajudou o aprendizado pessoal, na socialização, na comunicação do dia a dia. Para mim, a melhor coisa que aconteceu foi eu ter voltado a estudar [...]”

Decerto, a importância da aprendizagem assumida por essas mulheres nos permite refletir sobre os processos de aprendizagem e de formação, que podem e deveriam ser contínuos (HADDAD; PIERRO, 2000), agregando-se a outros campos disciplinares ao longo da vida (BRANCO, 2007). Essa percepção, diante das mudanças advindas da educação, impulsiona os projetos de vida dessas mulheres na busca de realização de seus sonhos, visto que todas citaram, em vários momentos nas entrevistas, a vontade e o desejo de continuar estudando e de não parar, mesmo depois de terminar o Ensino Médio. A educação é retratada por elas como um projeto de vida, seus esforços se concentram atualmente na formação escolar e, depois, na formação técnica ou acadêmica: “eu quero fazer pedagogia.” (MARIA CECÍLIA); “eu vou fazer esse curso técnico jurídico e tem mais cursos que está em mente que eu não fiz, secretariado” (MARIA IZABEL). Além do sonho mencionado com emoção por Maria Quitéria, o de se tornar uma professora: “Eu sempre quis ser professora, sempre, eu tenho a minha profissão, na qual eu trabalho, que eu gosto muito, mas é algo muito lindo para mim, eu não consigo nem descrever: ser professora, eu achava lindo as minhas professoras [...] ser professora seria o meu sonho [...]”

Ademais, é importante destacar que o(a) docente da EJA lida com um coletivo que encerra especificidades e que carrega consigo histórias de vida, marcadas por exclusões, violações, dificuldades e superações. Por meio dessa modalidade, esse grupo busca concretizar o sonho de “ser mais”, daí impera a responsabilidade escolar na formação intelectual e humana, atuando no desenvolvimento do protagonismo e da autonomia dessas pessoas, trabalhando com conhecimentos reais, palpáveis, a partir de suas realidades, buscando não cometer os mesmos erros do passado, pelos quais essas pessoas já passaram e, de alguma forma, foram excluídas.

Nesse contexto, Freire (1996), ao considerar o sujeito ativo na construção de seu conhecimento, propõe que a relação professor-aluno na educação de adultos demande autêntico diálogo. Trata-se de uma relação dialógica mediatizada pelo objeto a ser conhecido. Assim, os estudantes assumem, desde o começo da ação, o papel de sujeitos criadores, produtores de conhecimento. Nessa direção, Arroyo (2003) reforça a necessidade de uma mudança no âmbito escolar. Para esse autor, não é possível trabalhar com uma educação libertadora se forem utilizados os mesmos recursos e práticas conservadoras, que mais oprimem do que libertam.

Assim sendo, caminhando ao encontro das ideias de Freire (1996) e Arroyo (2003), as entrevistadas narram sobre o espaço escolar como um lugar onde se sentem acolhidas. A EJA surge, dessa maneira, como caminho para despertar nas educandas a autonomia e a participação crítica e ativa em uma sociedade patriarcal; conforme apregoam Ramos e Brezinski (2014), a educação contribui para o desenvolvimento da criticidade dos(as) estudantes, possibilitando o conhecimento de seus direitos fundamentais e coletivos, preparando o indivíduo para a sociedade.

Por conseguinte, a importância do acolhimento no ambiente escolar, incluindo o relacionamento com colegas e professores, foi citada nas narrativas como primordiais para o desenvolvimento da aprendizagem e para permanecerem estudando. Para Maria Cecília, “a escola, hoje em dia, está bem mais diferente, os professores, a conversa entre o professor e o aluno. Antes a gente tinha medo do professor, hoje em dia, não [...] os alunos amam os professores, os professores são amigos [...]”.

A pluralidade ocupa os espaços na/da EJA, e, ao se instigar uma formação humana e social, os(as) discentes buscam a aprendizagem na diversidade, nas relações socialmente estabelecidas e nas propostas dialógicas desse ambiente. Corroborando com essa concepção, Paulo Oliveira (1999) compreende que, independentemente da faixa etária, o indivíduo pode aprender e mudar a partir da convivência com o outro, agregando aprendizagens compartilhadas entre gerações diversas.

Uma demonstração disso aparece no episódio descrito por uma das entrevistadas, em que, de forma positiva, a escola a ajudou em um momento de profunda tristeza, durante a superação da perda de um familiar: “quando voltei, a sensação que eu tinha é que todo mundo, desde a professora, desde os alunos, eles tinham aquele cuidado porque eles sabiam que eu estava machucada, eu estava muito machucada.” (MARIA QUITÉRIA). Ela segue descrevendo a situação em que demonstra a percepção e sensibilidade da professora para com a realidade dela:

[...] a gente teve uma aula de português e a gente fez um círculo na sala e cada um tinha que ler um trecho, e eu não consegui ler, mas a professora disse que eu não precisava ler e chegou uma altura assim que eu não conseguia estar mais ali. Eu virei para ela e estendi a mão, e falei para ela: ‘eu não consigo!’ E ela segurou a minha mão e continuou dando aula, ela continuou ainda por alguns minutos dando aula e segurando a minha mão [...] (MARIA QUITÉRIA).

A riqueza nos detalhes desse trecho da entrevista demonstra o quanto essas atitudes humanizadoras vivenciadas dentro do espaço escolar significaram na vida dessa estudante. Ela foi acolhida e inserida em um ambiente em que sempre gostou de estar: uma roda de leitura. Esse extrato da narrativa de Maria Quitéria revela o quanto a educação, em uma perspectiva humanizadora, pode transformar vidas e revela também, conforme anuncia Freire (2000), que somente pela via da educação é que uma sociedade poderá sofrer mudanças significativas.

Sendo assim, ao perguntarmos qual a importância da educação, observando as histórias desde o início desta pesquisa e o quanto esses processos educativos fizeram diferença na vida dessas estudantes, recorremos a Louro (1997), que enfatiza o (re)conhecimento da escola na construção de novas relações, imbuídas de identidade de classe, de raça, de gênero, ressignificando comportamentos, posturas, e reconstruindo a cultura e os valores de forma dinâmica no tempo e no espaço.

Por conseguinte, as mulheres, donas das vozes deste estudo, demonstraram muita gratidão pela oportunidade de aprender: “eu considero muito, a educação em primeiro lugar! A escola é onde você aprende [...] você leva para o resto da sua vida, não tem dinheiro que compre, os professores, o carinho, é tudo, não existe, é sem palavras, sabe.” (MARIA IZABEL). Para Maria Quitéria, a educação “me trouxe de volta, me fez respirar, me fez ver, eu sou capaz, que eu posso vencer, essa é a importância da educação na minha vida [...], mas o que eu posso dizer é ‘gratidão’ [...]” (MARIA QUITÉRIA).

Em outros termos, esse sentimento de gratidão, permeado de carinho, acolhimento e compreensões, identificado nessas narrativas de vida, simboliza muito mais que a aprendizagem de conteúdos sistematizados, mas evidencia principalmente a importância de profissionais que conheçam o perfil dos sujeitos da EJA, realizando trabalhos de contribuam para a inclusão e para a transformação, reconhecendo, na vida dessas mulheres estudantes, pontos de partida para a sua prática.

Algumas considerações

Buscamos, nesta pesquisa, refletir sobre as trajetórias escolares e de vida das discentes da EJA. A partir do perfil e das narrativas de três “Marias”, identificamos, nos seus itinerários de existência, necessidades urgentes que as levaram, naquele momento, à interrupção de seus estudos, como a necessidade de trabalhar e cuidar de pessoas da família.

Observamos que essas mulheres pertencem a coletivos das classes populares que interromperam seus estudos, no passado, pela necessidade de sobrevivência, mas que retornaram para a escola por acreditarem na educação como caminho para romperem com as opressões então sofridas no âmbito familiar e social, almejando, assim, uma vida melhor, de emancipação, autonomia e independência financeira.

Vislumbramos ainda que essas “Marias”, como tantas outras que se encontram na EJA, reconhecem essa modalidade de ensino como lugar que lhes proporciona vez e voz, lugar em que se percebem enquanto gente, mulher, mãe e trabalhadora, lugar de aprendizado. Espaço em que a educação se transforma em um dos projetos mais importantes de suas vidas, pois acreditam que, por meio dela, possam ocupar o seu lugar na sociedade.

Entre as memórias do passado e os acontecimentos do presente, a educação envolve um novo capítulo na vida dessas mulheres, mais precisamente circunda seus projetos futuros com a convicção de (re)construir novas histórias, novas oportunidades por meio do conhecimento (re)construído no espaço escolar.

Ficou também evidenciado que, frente à riqueza das experiências de vida dos sujeitos da EJA, das quais destacam-se as “Marias” desta pesquisa, urge propor, dentro da escola, reflexões a respeito do gênero na organização concreta e simbólica da vida social, conhecendo histórias de vida como as narradas neste artigo e o significado que as estudantes atribuem à educação. Fazer educação em uma perspectiva de qualidade social, reconhecendo homens e mulheres, as suas diferenças, a igualdade de direitos na diversidade, contribui para que as mulheres se reconheçam na sociedade como agentes de transformação, identificando as relações assimétricas de poder às quais historicamente foram submetidas.

Daí a importância de se pensar em um currículo que responda a essas necessidades, alinhado a políticas que considerem concepções de vida/mundo em uma proposta político-pedagógica humanizadora, contemplando o diálogo dos principais protagonistas do processo educativo, de modo a atender as lacunas existentes entre a escola que temos e a escola que queremos. Desse modo, um processo educativo precisa ser (re)construído tendo como eixo norteador a humanização, a conscientização e a emancipação dos sujeitos, conforme exarado na legislação vigente (BRASIL, 1996, 2000, 2010). Para isso, a sensibilidade de “olhar” para o outro dentro da sua própria realidade, em um exercício de tolerância, de escuta e de alteridade, é fundamental.

Por fim, ressaltamos que esta pesquisa pode contribuir para a realização de novos estudos nessa área, frente à sua importância e complexidade. Relembrar o passado, por meio das narrativas das “Marias”, também contribuiu para que essas mulheres se sentissem ouvidas e valorizadas a partir do registro de suas histórias de vida, possibilitando uma melhor compreensão do passado, ressignificando-o, e, com isso, influenciando na constituição de seu presente e futuro.

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1A palavra “gênero” está relacionada a questões construídas socialmente, interações e oportunidades que são diferentes, historicamente, para ambos os sexos - masculino e feminino (LOURO, 1997). No que se refere às novas identidades de gênero, apesar de sua relevância, não serão discutidas nesta pesquisa em razão de seu escopo.

2A idade mínima para matrícula na EJA é 15 anos para o Ensino Fundamental e 18 anos para o Ensino Médio (BRASIL, 2010).

3Foram cumpridos, e explicitados na seção que trata da metodologia do estudo, todos os procedimentos éticos necessários para a realização desta pesquisa.

4Para preservar a identidade das entrevistadas, utilizamos nomes fictícios. Todos os nomes serão iniciados por um nome comum no Brasil: Maria. Por ser um nome popular, escolhemo-lo por representar as mulheres comuns, com suas histórias, dificuldades, experiências, superações e lutas diárias.

5No Brasil, os recolhimentos (conventos) eram destinados a resguardar a honra e a virtude da mulher, servindo como prisão para as moças consideradas errantes, inclusive para, em alguns casos, excluí-las de partilha de bens. Esses espaços também funcionavam como fins educacionais para essas mulheres (RIBEIRO, 2010).

6A EJA considera a pluralidade dos sujeitos que dela fazem parte. Autores como Marta Oliveira (1999), Arroyo (2001) e Haddad (2000) trazem importantes contribuições para a compreensão do perfil dos sujeitos educandos na/da EJA.

7A concepção de memória adotada neste estudo se refere “a uma reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social, nacional” (ROUSSO, 2000, p. 94).

8No Brasil, a partir de dezembro de 1998, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 20 (BRASIL, 1998), a idade mínima de 14 anos, que havia sido estabelecida na Constituição de 1988, passa para 16 anos, salvo na condição de aprendiz entre 14 e 16 anos. Ainda se estabeleceu a idade mínima de 18 anos para aqueles envolvidos em trabalhos que possam causar danos à saúde e proíbe, especificamente, qualquer produção ou trabalho de manipulação de material pornográfico, divertimento (clubes noturnos, bares, cassinos, circos, apostas) e comércio de rua. Além disso, proíbe trabalhos em minas, estivagem ou qualquer trabalho subterrâneo para menores de 21 anos.

9Encontram-se na literatura discussões sob a perspectiva positiva e/ou negativa dos efeitos sobre a saúde e a escolarização dos adultos que trabalharam durante sua infância e/ou adolescência (MANTONANI; CARVALHO, 2018).

10O conceito de bullying compreende todas as formas de agressões de ordem verbal, física e psicológica, de maneira intencional e repetitiva, que ocorrem sem motivações evidentes e que são praticadas por um indivíduo ou grupo de indivíduos com o objetivo de agredir outra pessoa (ou grupo) e humilhar a vítima (DEBARBIEUX; BLAYA, 2002).

11 Bourdieu (1989) define habitus como estruturas estruturadas que funcionam como estruturas estruturantes e que são praticadas de maneira inconsciente, sem necessidade de um agente coordenando essas condições, como uma interiorização de hábitos que os sujeitos praticam continuamente.

Recebido: 15 de Março de 2021; Aceito: 16 de Julho de 2021

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