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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.63 Salvador jul./sept 2021  Epub 09-Mar-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n63.p166-180 

DOSSIÊ TEMÁTICO 63

IRACY DOYLE: RETRATO FEMININO DA CIÊNCIA

IRACY DOYLE: FEMALE PORTRAIT OF SCIENCE

IRACY DOYLE: RETRATO DE CIENCIA FEMENINO

Marlon Silveira da Silva*  Universidade Estadual do Rio de Janeiro
http://orcid.org/0000-0001-5718-5438

Vanessa Lima Blaudt**  Universidade Federal Fluminense
http://orcid.org/0000-0002-3917-5399

Marcio Caetano***  Universidade Federal de Pelotas
http://orcid.org/0000-0002-4128-8229

*Doutorando em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro. Brasil. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FURG). E-mail: marlon_ltbg@hotmail.com

**Doutoranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora da Rede Pública de Ensino do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Brasil. E-mail: valb.edfisica@gmail.com

***Pós-doutorado em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PNPD/Proped-UERJ). Professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Pelotas. Brasil. E-mail: mrvcaetano@gmail.com


RESUMO

Mediados(as) pela perspectiva feminista dos estudos biográficos, buscamos narrar aspectos importantes à compreensão das pesquisas desenvolvidas pela psiquiatra Iracy Doyle, a primeira intelectual brasileira a se voltar aos estudos sobre a homossexualidade feminina, na primeira metade do século XX. Para tanto, nos ancoramos nos aportes teórico-metodológicos da pesquisa bibliográfica e documental realizada na Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, no Rio de Janeiro. Distanciando-se significativamente das conclusões androcêntricas de seus pares, a psiquiatra descrevia a “inversão sexual” feminina como uma ação repulsiva da mulher contra a sua subordinação ao governo masculino. Nesta direção, defendia a promoção da autonomia da mulher ao questionar as práticas educativas que, em sua maioria, buscavam fortalecer relações assimétricas entre os sexos e, consequentemente, a submissão e desvalorização femininas.

Palavras-chave: psiquiatria; feminismo; androcentrismo

ABSTRACT

Mediated by the feminist perspective of biographical studies, we seek to narrate important aspects to the understanding of the research developed by the psychiatrist Iracy Doyle, the first Brazilian intellectual to turn to studies on female homosexuality, in the first half of the 20th century. Therefore, we anchored in the theoretical-methodological contributions of the bibliographical and documental research carried out at the “Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle”, in Rio de Janeiro. Significantly distancing herself from the androcentric conclusions of her peers, the psychiatrist described female “sexual inversion” as a repulsive action of women against their subordination to male rule. In this direction, it defended the promotion of women's autonomy by questioning educational practices that, in their majority, sought to strengthen asymmetric relationships between the sexes and, consequently, the submission and devaluation of women.

Keywords: psychiatry; feminism; androcentrism

RESUMEN

Mediados por la perspectiva feminista de los estudios biográficos, buscamos narrar aspectos importantes para la comprensión de las investigaciones desarrolladas por la psiquiatra Iracy Doyle, la primera intelectual brasileña que recurrió a los estudios sobre la homosexualidad femenina, en la primera mitad del siglo XX. Por lo tanto, nos anclamos en los aportes teórico-metodológicos de la investigación bibliográfica y documental realizada en la “Sociedade Psicanalise Iracy Doyle”, en Río de Janeiro. Alejándose significativamente de las conclusiones androcéntricas de sus compañeros, la psiquiatra describió la “inversión sexual” femenina como una acción repulsiva de las mujeres contra su subordinación al gobierno masculino. En ese sentido, defendió la promoción de la autonomía de las mujeres cuestionando prácticas educativas que, en su mayoría, buscaban fortalecer las relaciones asimétricas entre los sexos y, en consecuencia, la sumisión y desvalorización femenina.

Palabras clave: psiquiatría; feminismo; androcentrismo

INTRODUÇÃO

Trata-se de uma mulher jovem, de compleição delicada, de cujo semblante se irradia uma expressão de beleza e serenidade. Poucas vezes se pode perceber em uma mulher a impressão de tranqüilidade, equilíbrio interior e autoconfiança que dela emana. Seus gestos são sóbrios e oportunos. Sabe escutar tanto como sabe falar. (MIRA Y LOPES, 1952, p. 8).

A descrição acima, do professor Mira y Lopes no prefácio do livro Introdução à Medicina Psicológica, da pesquisadora Iracy Doyle (1952), poderia ser uma boa ferramenta para problematizarmos a visão que a ciência (majoritariamente masculina) tinha sobre as mulheres no decorrer do século XX e, por esse mesmo motivo, optamos por inaugurar esse trabalho com ela. Ao afirmar em seu referido discurso que “poucas vezes se pode perceber em uma mulher a impressão de tranquilidade, equilíbrio interior e autoconfiança que dela emana” (MIRA Y LOPES, 1952, p. 8), somos levados(as) a acreditar, dada a perspectiva dicotômica, na ideia de que, na maioria das vezes, restava às mulheres as nomeações de agitadas, desequilibradas e inseguras. Essa imagem se configura como mais uma página da ciência androcêntrica daquele contexto na tentativa de produzir efeitos de deslegitimação e desqualificação sobre a mulher. Embora este trabalho se dedique a versar sobre a vida e obra da psiquiatra Iracy Doyle, e o trecho acima caracterize suas “qualidades”, a citação já nos ajuda a vislumbrar minimamente a mentalidade da sociedade em que viveu seu processo de formação pessoal e intelectual.

É importante destacar que esse estudo é parte de uma pesquisa mais ampla sobre os discursos científico-educativos produzidos sobre o corpo homossexual feminino ao longo do século XX, e que nos colocou diante dessa figura ímpar para a história da ciência e, consequentemente, para a educação no Brasil. Uma vez definido nosso objeto de análise, os estudos e pesquisas desenvolvidos pela psiquiatra Iracy Doyle tomaram a centralidade também de nossas intenções. Primeiro, por termos sentido a necessidade de uma delimitação; segundo, porque analisar todos os discursos produzidos sobre a homossexualidade, mesmo que só a feminina, tornou-se um empreendimento muito ousado, quase impossível, dada a abrangência de possibilidades que o tema apresentava; e terceiro, pelo papel exercido pela pesquisadora, que foi uma das poucas mulheres (além de ter sido a primeira), ou a única que se teve acesso no Brasil, a se comprometer a estudar questões relacionadas à homossexualidade feminina, em um campo (Medicina) que era dominado pela presença masculina. Assim, nosso objetivo aqui é lançar luz sobre a trajetória da pesquisadora e psiquiatra Iracy Doyle (1956), autora da obra Contribuição ao estudo da homossexualidade feminina, publicada em 1956.

Nosso conhecimento sobre essa autora chegara através de outras pesquisas que a haviam citado como referência, a exemplo de Nogueira (2005), Caetano (2016) e Jackson Silva (2012), o que despertou ainda mais nosso interesse. Além disso, acreditamos que revisitar trabalhos desenvolvidos por uma mulher no espaço acadêmico, que é - sabemos - historicamente ocupado por homens, já se torna também uma forma de legitimação política.

No que se refere aos passos metodológicos, destacamos a utilização da chamada pesquisa bibliográfica e documental que foi realizada no acervo da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle1 (SPID), na cidade do Rio de Janeiro. Prodanov e Freitas (2013) nos ajudam a compreender a perspectiva metodológica quando afirmam que seus passos são elaborados com:

[...] materiais já publicados, constituídos principalmente de: livros, revistas, publicações em periódicos e artigos científicos, jornais, boletins, monografias, dissertações, teses, material cartográfico, internet, com o objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com todo material já escrito sobre o assunto da pesquisa. Na pesquisa bibliográfica, é importante que o pesquisador verifique a veracidade dos dados obtidos, observando as possíveis incoerências ou contradições que as obras possam apresentar. (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 54).

Assim, após o primeiro contato com as documentações da Sociedade produzidas sobre Iracy Doyle e a sua obra Contribuições ao estudo da homossexualidade feminina (DOYLE, 1956), buscamos em diferentes meios (digitais e físicos) nos aproximar de sua trajetória. Chamamos a atenção para o fato de não localizarmos nenhuma obra escrita exclusivamente sobre a autora, o que tornou a tarefa ainda mais desafiadora. A partir das pistas deixadas pelos estudos que nos antecederam (a maioria relacionado à História da Psiquiatria), foi possível encontrar, além dos livros publicados pela doutora, relatos de amigos(as), reportagens de jornais e revistas, em sua maioria localizados e acessados na SPID.

O contato com a SPID, entre 2016 e 2018, levou à exploração de seu espaço. Além da disponibilização da biblioteca (que contava com materiais exclusivos sobre a Instituição e a própria Iracy, como dossiês comemorativos, jornais etc.), tivemos contato com uma senhora, a dona Neusa,2 que foi secretária e amiga da doutora Iracy durante muitos anos (ela não soube dizer exatamente quantos), e carinhosamente se mostrou disponível para um bate-papo informal. Mesmo que a gravação da entrevista tenha sido autorizada por ela, não a utilizaremos formalmente como recurso metodológico, primeiro por esse trabalho não ser um trabalho sobre História Oral, segundo, porque as informações trazidas pela entrevistada se limitavam ao universo íntimo de Iracy (os olhos lacrimejados de emoção de dona Neusa pareciam denunciar isso), apenas nos dando pistas e apontando direções a seguir. Outros espaços foram visitados, como o Hospital Geral Jesus e o Museu da Imagem e do Inconsciente, ambos na cidade do Rio de Janeiro, porém foi na SPID que mais localizamos informações.

Acreditamos que eleger alguns aspectos para serem explorados tornou-se necessário para a compreensão de suas contribuições na área psiquiátrica, tais como sua formação (educação primária, secundária e superior), suas obras mais significativas e influentes para a Medicina do período, além, claro, das instituições que fundou e dos títulos recebidos. Diante disso, consultar a bibliografia contemporânea dos estudos de Doyle, relativa aos principais temas abordados em suas obras, também se tornou necessário, de modo a compreendermos melhor o contexto intelectual em que a autora produzia suas pesquisas.

Teoricamente, este trabalho está ancorado nos referenciais dos estudos feministas, mais precisamente nas contribuições das pesquisadoras latino-americanas. Justificamos nossa predileção por esse campo de estudos por entendermos que somente um olhar feminista, produzido por mulheres, seria capaz de, primeiro, trazer à tona questões relevantes para o conhecimento produzido por mulheres, e, segundo, por desassossegar nosso olhar enquanto pesquisadores também homens, encharcados de uma ciência androcêntrica, presente no passado e na atualidade. Segundo Maffía (2010, p. 140):

Es algo más que una cuestión de género: es una cuestión de androcentrismo. Debe preocuparnos, entonces, como mujeres latinoamericanas, alcanzar la equidad para todas en nuestra enorme diversidad, alcanzar la autonomía en la determinación de nuestros intereses, legitimar otros mecanismos de evaluación de los saberes, establecer otros vínculos en las comunidades de conocimiento, y cambiar el discurso de la ciencia sobre los cuerpos de las mujeres con los que el patriarcado justifica la opresión y la discriminación.

Os debates em torno do androcentrismo na ciência aparecem como uma das discussões centrais do Movimento Feminista acadêmico. As questões levantadas por pesquisadoras como Sardá (1986), Sandra Harding (2007, 2008), Norma Blazquez Graf (2010), Diana Maffía (2005a, 2005b, 2010), Margareth Rago (1998) e Cecília Sardenberg (2002) nos levam a refletir sobre o quanto os princípios da ciência moderna, assim como sua linguagem e epistemologia, estão impregnados de pressupostos sexistas, em que o homem, como ser racional, é visto o maior e/ou único responsável pela produção do conhecimento científico. Levando em consideração esses referenciais, buscaremos narrar alguns aspectos considerados mais significativos para a compreensão dos estudos desenvolvidos pela psiquiatra Iracy Doyle e os pares com quem fez laços epistêmicos, de forma a nos aproximarmos minimamente do lugar de onde produzia suas pesquisas e as condições e interesses que possibilitaram tais estudos.

A FORMAÇÃO: OS PRIMEIROS PASSOS DA “DOUTORINHA”

Para entendermos a direção dos primeiros passos e os rumos que os estudos e investimentos intelectuais de Iracy ganharam, será necessário percorrer antes o caminho das pistas deixadas pela História da Psiquiatria Brasileira. Antes desse movimento, acreditamos ser importante destacar a complexidade que compõe as ciências médicas, haja vista os conceitos e compreensões que requerem longos anos de estudos aprofundados. Sendo assim, os dados trazidos na sequência, para que nos aproximemos minimamente deste campo, foram buscados de forma a contextualizar os estudos da doutora Iracy Doyle e entender seus posicionamentos teóricos, não tendo a pretensão de realizar um estudo da área da Psiquiatria.

Adentrar a História da Psiquiatria Brasileira nos faz percorrer a trajetória de instituições, grupos e sociedades de pesquisas que, herdeiras dos estudos desenvolvidos pela comunidade médica internacional, lançaram no Brasil os alicerces sob o qual foram desenvolvidos e elaborados os conhecimentos, muitos dos quais até hoje imperam. Nas últimas décadas, muitos trabalhos têm abordado a psiquiatria brasileira e as suas instituições, que muito contribuíram na elaboração desta pesquisa, a exemplo de Jurandir Freire Costa (1989), Magali Gouvêa Engel (2001), Cristiana Facchinetti (2004) e Ede Conceição Bispo Cerqueira (2014). A respeito das instituições reconhecidas, apresentaremos algumas delas, como a Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal (SBNPML); o Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM); o Instituto de Medicina Psicológica (IMP); e a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), além da forma como estes se estabeleceram no Brasil, introduzindo conceitos e referenciais para o campo da Psiquiatria.

A Psiquiatria enquanto área da Ciência se desenvolveu durante o século XIX e chegou ao século XX consolidada e como autoridade na elaboração e regulação de modelos de comportamentos sociais. Na segunda década do século XX, tornou-se especialidade médica autônoma. Nesse mesmo período, assistiu-se a um aumento significativo no número de estabelecimentos destinados aos/às doentes mentais. Dentre tantos, foram inauguradas importantes instituições de tratamento médico-psiquiátrico, como a Colônia do Engenho de Dentro, a Colônia de Jacarepaguá e o Manicômio Judiciário, todas no Rio de Janeiro.

O desenvolvimento de pesquisas que impunham normas de saúde mental e comportamento social ganharam força a partir da década de 1920, em instituições como a LBHM.3 Segundo Costa (1989), tal instituição teria nascido comprometida com finalidades político-sociais, distante da problemática específica da saúde/doença mental, além de estabelecer uma cumplicidade científica da psiquiatria com as razões de Estado, onde os saberes da Medicina, de uma forma geral, foram utilizados como novos mecanismos de controle social. Obviamente, seria um equívoco histórico pensar que todos(as) os/as psiquiatras pensavam da mesma forma, porém, pode-se dizer que a LBHM abrangia grande parte da intelectualidade brasileira na área psiquiátrica,4 o que ajuda a compreender a atmosfera teórica que imperava entre os/as demais, a ponto de Costa (1989), numa atitude ousada, chamar seu livro de História da Psiquiatria no Brasil.

Ao fazer uma análise da LBHM, a partir dos documentos originários da Instituição, Costa (1989, p. 13) apresenta alguns dados que ajudam a elucidar a mentalidade da psiquiatria nacional no início do século XX:

Custa-nos admitir que os psiquiatras da Liga desconhecessem os critérios que definem a cientificidade de uma teoria. A crença que eles tinham na verdade da eugenia não era um mero produto de suas convicções subjetivas. A eugenia baseava-se em fundamentos racionais. Todo o corpo teórico da Psiquiatria organicista caucionava as esperanças dos eugenistas. Se a doença mental era transmitida hereditariamente, a única prevenção, logicamente possível, era o extermínio físico ou a esterilização sexual dos indivíduos doentes. O espaço teórico da época não permitia a formulação de outra ideia de prevenção que não fosse esta.

Esse autor faz várias críticas em relação à pouca abertura e flexibilidade teórica dos(as) psiquiatras brasileiros(as), que acabavam absorvendo e sendo porta-vozes das interpretações biologizantes propostas pela psiquiatria alemã, notadamente carregada dos preceitos ideológicos nazifascistas. Neles, fenômenos psíquicos e culturais ganhavam explicações unicamente biológicas, maquiando preconceitos de origem racista, o que legitimava a intervenção médica/psiquiátrica.

Tendo como objetivo analisar como a Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal (SBNPML) atuou no processo de institucionalização da psiquiatria no Rio de Janeiro, no período de 1907 a 1933, através da História da SBNPML, Cerqueira (2014) nos aproxima da mentalidade teórico-prática da sociedade psiquiátrica do período. E diz ser um “espaço institucional que reunia psiquiatras e médicos de outras especialidades do Hospício Nacional de Alienados, assim como professores e alunos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro” (CERQUEIRA, 2014, p. 20). Por ser uma agremiação que aproximava certo número de intelectuais (dentre eles Afrânio Peixoto e Iracy Doyle), a Sociedade também nos ajuda a entender o quanto era um espaço de estudo e de divulgação de ideias. A pesquisadora ainda conclui que:

A Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal foi a primeira sociedade médica brasileira a buscar a especialização da ‘medicina mental’, colocando em debate questões científicas e assistenciais que estruturaram o que passou a ser chamado de psiquiatria, em diálogo com uma medicina legal constituída anteriormente e com a especialização dos ‘estudos das doenças nervosas’ que viria a se transformar em neurologia. (CERQUEIRA, 2014, p. 171, grifo do autor).

A SBNPML contribuiu para a institucionalização e a ampliação do saber psiquiátrico. Somada a outros campos da Medicina, tornou-se uma importante referência para os profissionais do período, interferindo, inclusive, nos cursos de formação médica. Nesse sentido, pode-se dizer que tanto a SBNPML quanto a LBHM (junto de outras agremiações médicas) fortaleceram a especialidade psiquiátrica e foram importantes na condução (estudo e divulgação) das ideias higiênicas e eugênicas do período, vindo a influenciar diretamente na formação dos profissionais, como a própria Doutora Iracy Doyle. Ela, que nas décadas seguintes se tornou uma das vozes autorizadas a tratar dos(as) considerados(as) doentes mentais.

Nascida em vinte e cinco de janeiro de 1911, no Rio de Janeiro, RJ, a “doutorinha”, como era chamada pelos amigos e colegas em razão de suas características físicas (magra e baixa),5 carregou as marcas que as atravessavam, não apenas enquanto mulher de classe média baixa, nascida e formada nas primeiras décadas do século XX, mas também como pesquisadora da área médica. Segundo Walmor J. Piccinini (2010), “aparentemente ela também preferia o nome da mãe como marca” (seu nome completo era Iracy Doyle Ferreira). Afirmar que essa preferência é uma opção política fica por conta de nosso olhar feminista e de nossa liberdade poética.

A sociedade brasileira dos primeiros anos do século XX foi fortemente marcada pelo estabelecimento de rígidos códigos morais que iam desde o estabelecimento de leis e intervenções que garantissem hábitos morais até a elaboração de hábitos higiênicos e saudáveis, amparados pelas teorias do higienismo e da eugenia. A educação não ficou ilesa a essas intervenções. Obviamente, os/as brasileiros(as) que tiveram sua educação alicerçada nesse período se formaram sob a égide da educação sexual e da sexologia, baseadas nas teorias do higienismo e da eugenia, que iam da educação infantil, passando pelos cursos profissionalizantes, até as faculdades de Direito e Medicina. Iracy, que nasceu e teve sua formação pessoal e intelectual durante a primeira metade do século XX, carregou consigo as marcas daquela realidade.

Mesmo com as tarefas domésticas e auxílios financeiros da mãe viúva, cortando renda para uma fábrica, Iracy Doyle concluiu o curso primário e aos quinze anos completou o chamado curso normal. O ingresso no curso normal era uma das poucas alternativas (em muitos casos, a única) para as moças de origem modesta que quisessem seguir uma profissão, enquanto, para a maioria, o casamento, seguido dos afazeres domésticos e da criação dos filhos, era o único destino:

Na opinião de muitos, não havia por que mobiliar a cabeça da mulher com informações ou conhecimentos, já que seu destino primordial - como esposa e mãe - exigiria, acima de tudo uma moral sólida e bons princípios. Ela precisaria ser, em primeiro lugar, a mãe virtuosa, o pilar de sustentação do lar, a educadora das gerações do futuro. (LOURO, 2006, p. 446).

Ao lado das profissões de enfermeira, datilógrafa e telefonista, o magistério enquadrava-se entre as carreiras disponíveis para as moças “de família”. Acreditavam alguns que “[...] as mulheres tinham, ‘por natureza’, uma inclinação para o trato com as crianças, que elas eram as primeiras e ‘naturais educadoras’, portanto, nada mais adequado do que lhes confiar a educação escolar dos pequeninos” (LOURO, 2006, p. 450, grifo da autora).

Como professora, Doyle lecionou no magistério municipal entre 1928 e 1935, quando largou a docência por ter concluído o curso de medicina pela Faculdade Nacional de Medicina da então Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo Engel (2001), a criação da cadeira de Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1882 deu ao Distrito Federal o status de mais importante núcleo de irradiação do saber alienista no Brasil. O curso de Medicina era herdeiro das teorias tradicionais, a exemplo da psicanálise freudiana, que influenciou significativamente na formação da psicanalista e de tantos outros formados no período. Além disso, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro era uma das mais engajadas na descoberta das doenças que colocavam em risco a saúde pública e que eram foco de preocupação do movimento higienista (REIS, 2006).

No que diz respeito à vida pessoal, Iracy casou-se, mas se divorciou6 e não teve filhos(as). Seria interessante lembrarmos, como nos diz Nogueira (2005, p. 36), a respeito das mulheres nas primeiras décadas do século XX: aquelas “que se decidiram por uma carreira profissional tiveram que enfrentar a solidão”. Como estamos buscando justamente fugir de interpretações androcêntricas, destacamos a possibilidade do caráter de escolha que o casamento representava para as mulheres que, como Iracy, optaram pela sua emancipação através da vida intelectual e profissional. Iracy foi ousada, enfrentando a sociedade machista ao dar continuidade aos estudos e indo muito além do que se esperava das mulheres de sua época.

Durante o exercício do magistério e nos primeiros anos da Faculdade de Medicina, Iracy já demonstrava grande interesse pelas questões relacionadas aos problemas emocionais das crianças, o que pode ser demonstrado pela participação no curso de Clínica Pediátrica Médica e Higiene Infantil, realizado na Policlínica de Botafogo em 1929. Mais tarde, tornou-se membra da Conferência Nacional de Proteção à Infância, cargo em que lutou por causas como a igualdade de direitos dos filhos naturais e pelo direito e garantia de vencimentos para as mulheres gestantes (PAIM, 2003). Seu notório interesse na psicanálise infantil a levou a ser uma das primeiras especialistas reconhecidas no tratamento de crianças no Brasil. Ainda na área das questões da infância, trabalhou como Organizadora do Centro de Estudos e Orientação Psicológica do Hospital Geral Jesus,7 fundado em 1931 no Rio de Janeiro, sendo um dos primeiros hospitais idealizados para o atendimento exclusivo de crianças, em um período em que não existia no estado do Rio de Janeiro nenhum hospital com o perfil voltado exclusivamente para a pediatria. Conforme poderá ser verificado na sequência, o período da infância como momento de construção e formação da identidade, a partir dos diferentes espaços educativos, será de extrema importância nas conclusões de Iracy a respeito das questões relacionadas à sexualidade.

No início da década de 1940, Iracy deu continuidade à sua formação, agora no exterior, onde aproveitou sua saída do país para se especializar e desenvolver trabalhos em diferentes áreas sob a orientação de professores e professoras reconhecidas internacionalmente. Nos Estados Unidos, conseguiu bolsa de estudos na renomada John Hopkins University,8 onde trabalhou no Serviço de Psiquiatria Infantil do professor Leo Kanner,9 de quem foi assistente por alguns meses. Sua pós-graduação em psiquiatria infantil foi realizada no Children’s Psychiatric Service, e seu título de Fellow10 em psiquiatria foi fruto do estágio realizado no Chestnut Lodge Sanitarium, criado pelo professor Adolph Meyer.11

Após sua primeira ida aos Estados Unidos, período em que se especializou e reconfigurou suas abordagens teóricas através de sua passagem pela John Hopkins University, Children’s Psychiatric Service e pela Chestnut Lodge Sanitarium, inspirada pela clínica psiquiátrica da família Menninger, por onde, também, passou em 1940, Iracy funda em 1943 a Clínica de Repouso da Tijuca. A clínica de orientação psicodinâmica era considerada quase uma revolução para a psiquiatria nacional do período, pois era uma alternativa aos tratamentos utilizados pela psiquiatria clássica, baseando-se agora nos princípios da psicanálise moderna e da psiquiatria dinâmica. Além de fundar a Clínica, no mesmo ano Iracy torna-se Docente Livre de Clínica Psiquiátrica da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, na qual, por concurso prestado, obteve grau dez em todas as provas.

A psiquiatria clássica e organicista12 (que orientava os/as psiquiatras do início do século XX) estava, embora ultrapassada, no Brasil ainda muito difundida e estudada. O abandono das abordagens de cunho organicistas (que tinham orientado os primeiros estudos da pesquisadora) cediam espaço para a psicoterapia analítica.13 A nova abordagem psicanalítica, adotada e implantada pela psicanalista, tornou-se pioneira no país, repercutindo na abertura de muitas outras, a exemplo da Clínica Pinél de Porto Alegre (inaugurada na década de 1960).

O que poderia já ser considerado por muitos como o ápice do sucesso e realização profissional, para Iracy ainda não era suficiente. Descontente com os métodos terapêuticos da psiquiatria clássica, retornou aos Estados Unidos para buscar novos recursos técnico-científicos que lhe permitissem “melhor orientar os que nela procuravam solução para o espírito tumultuado pela dúvida e pelos conflitos” (NOVAES FILHO, 1956, p. 6). Em seu retorno aos Estados Unidos em 1946, a já reconhecida e renomada Doutora Iracy Doyle participou de uma análise didática no The William Alanson Institute of Psychiatry com o professor Meyer Maskin e sob a supervisão da Dra. Clara Thompson, que acompanhou e orientou sua pesquisa de doutorado baseada nessa experiência. Nesta pesquisa, intitulada Contribuição ao estudo da homossexualidade feminina, como o próprio nome já sugere, a partir da análise de uma paciente chamada Carmen,14 a psicanalista analisou os possíveis fatores que possibilitaram a homossexualidade da paciente. Se preparando para concorrer à cátedra de psiquiatria da Faculdade Nacional de Medicina, Iracy faz uso desta tese, que em 1956 foi lançada em forma de livro, batizado com o mesmo nome (DOYLE, 1956). Infelizmente, Doyle faleceu aos dezoito dias do mês de agosto do mesmo ano, vítima de uma encefalite virótica, o que a impossibilitou de concorrer ao título.

Na sequência, trazemos um excerto de uma entrevista realizada por Rosalba Bocchino e Ary Band no momento das comemorações dos 30 anos do Instituto de Medicina Psicológica que foi publicado no seu Boletim Interno. O entrevistado foi Horus Vital Brazil, amigo, colega de profissão e paciente de Iracy. Na conversa, interrogaram-no a respeito da possível relação entre a morte de Iracy e o machismo da época, considerando a questão feminista tão presente, visto que a doutora precisou fazer um esforço muito acima de suas possibilidades para dar conta. Brazil responde:

Nesse concurso, havia mais dois candidatos: Leme Lopes (que acabou ganhando) e Jurandir Manfredini. Na verdade, ela já havia passado pelo stress maior: Já havia escrito sua tese [...] e se preparava para os exames escrito e oral. Ao mesmo tempo, mantinha sua clínica e o Hospital da Tijuca. É possível que todo o esforço que estava fazendo a tivesse tornado mais vulnerável à infecção. A ligação é meio indireta: ela era uma pessoa muito auto-confiante, embora simples, e eu tenho notícias de como os outros dois candidatos temiam-na nessa competição. Se ela houvesse ganho o concurso seria a primeira mulher catedrática em Psiquiatria na história do Brasil, mas, além disso, ela tinha muitos contatos políticos, produto de sua habilidade, e eu não creio que a banca se atreveria a não nomeá-la para fazer passar um homem. (BOCCHINO; BAND, 1982, p. 37).

Nas palavras do amigo, fica nítida a influência de Iracy no meio político, no qual adquirira respeito durante os anos em que se dedicou ao funcionalismo público, além do reconhecimento de sua atuação profissional como psicanalista.

O desenvolvimento de sua tese marcou uma ruptura em suas preferências e abordagens teóricas (muito influenciada pela sua experiência no The William Alanson Institute of Psychiatry, nos Estados Unidos), uma vez que até o momento havia publicado apenas trabalhos na área da terapia organicista. Seu retorno ao Brasil, em 1949, e os demais trabalhos e pesquisas desenvolvidos nos anos seguintes foram marcados pelo abandono da psiquiatria clássica e pela aproximação da prática psicanalítica, o que teve grande repercussão nacional, “atraindo clientes e alunos ao seu redor” (PICCININI, 2010). Mesmo se aproximando da psicanálise Freudiana, Iracy tinha suas ressalvas:

A sua formação polidimensional fê-la achar simplista e unilateral a doutrina freudiana, que na sua complicação aparente reduz o homem a um ser mecanicista, animado apenas pela força dos instintos. Para ela, como para outros, o homem é uma unidade bio-psico-social em que o componente instintivo e emocional se manifesta em função das influencias e, principalmente, das relações humanas. A sua mentalidade liberal achou a psicanálise ortodoxa, com o seu caráter dogmático, por demais rígida, rejeitando a contribuição de outros campos da ciência e não tomando conhecimento mesmo das conquistas realizadas no campo que fora muito caro a Freud... o da Antropologia. (NOVAES FILHO, 1956, p. 7).

Percorrer a história de Iracy é também percorrer a história da Psicanálise no Brasil. A Psicanálise Freudiana desenvolvia-se junto às teorias da eugenia e do higienismo durante as primeiras décadas do século XX, muito embora se distanciasse da Teoria da Degenerescência, que “[...] pressupunha uma progressiva degeneração mental conforme se sucedessem as gerações, e/ou que pressupunha um estado patológico em que os desequilíbrios físico e mental do indivíduo degenerado interrompiam o progresso natural da espécie” (CASTRO, 2011, p. 5).

Apesar disso, é possível dizer que a psicanálise se desenvolveu e passou a ser inserida em discussões em torno do desenvolvimento do país e da constituição do povo brasileiro, ganhando espaço entre a psiquiatria carioca. A tese de Genserico Aragão de Souza Pinto, defendida na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1914, intitulada Da Psicoanálise: a sexualidade das neuroses, é considerada como o “primeiro esforço sistemático de divulgação e emprego dos princípios freudianos em território brasileiro” (CASTRO, 2011, p. 1). Castro (2011) aponta alguns fatores que possibilitaram revisão e mudança de características da Psicanálise carioca. O primeiro seria a criação do Centro de Estudos Juliano Moreira, em 1944, fundado por jovens psiquiatras insatisfeitos com a Psicanálise ensinada na Faculdade de Medicina; o segundo teria relação direta com os rumos que os projetos baseados em pressupostos raciais e eugênicos adquiriram durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Iracy foi uma das pessoas que, a partir de seus estudos, mudou a face da psicanálise brasileira. Consideramos que sua passagem pelo The William Alanson Institute of Psychiatry significou as mudanças mais importantes a respeito de sua compreensão sobre a psicanálise. No Dicionário de psicanálise (ROUDINESCO, 1998), é chamada a atenção para essa mudança epistemológica:

Grande figura da dissidência psicanalítica brasileira, psicanalista de crianças e especialista em homossexualidade feminina, Iracy Doyle se mostrou aberta a todas as correntes do freudismo, sem querer submeter-se a um dogma. Privilegiou uma orientação culturalista (culturalismo) e formou muitos alunos, entre os quais Hélio Peregrino e Horus Vital Brasil. (ROUDINESCO, 1998, p. 162).

O Instituto, que foi fundado em 1943 pelos próprios doutores Harry Stack Sullivan e Clara Thompson, junto de outros(as) colegas de profissão, surgiu como uma alternativa à rigidez da psicanálise americana. Baseada na tradição freudiana e enriquecida com as perspectivas interdisciplinares das ciências sociais, a nova abordagem psicanalítica passou a considerar importantes, no tratamento dos(as) analisados(as), fatores como sociedade, família e cultura, até então desconsiderados pela psiquiatria ortodoxa.

Acreditamos ser importante salientar que, embora Iracy tenha encontrado grandes parcerias intelectuais na comunidade científica internacional, como Leo Kanner, Margareth Reno, Clara Thompson, entre outros(as), no Brasil, ela também não estava só. Apesar de a psiquiatria no país ainda estar muito influenciada pelas teorias eugênicas e higiênicas, a doutora pôde contar com algumas figuras que, como ela, se destacaram como dissidentes da psiquiatria clássica organicista, tornando-se vozes femininas precursoras de novas formas do fazer médico psiquiátrico.

Da mesma forma que Iracy criara a clínica da Tijuca como uma alternativa aos tratamentos de saúde mental, sua amiga, a doutora Nise da Silveira,15 inconformada com os métodos de tratamento muito em uso na década de 1940 (por exemplo, eletrochoque, lobotomia e coma insulínico), também buscou alternativas terapêuticas. Em 1946, Nise criou a Seção de Terapia Ocupacional no Hospital Psiquiátrico Engenho de Dentro, abrangendo mais de quinze atividades, dentre elas pintura, artesanato e modelagem. Nise havia se formado médica na Faculdade da Bahia em 1926, defendendo a tese Ensaio sobre a criminalidade da mulher no Brasil (SILVEIRA, 1926), sendo a única mulher numa turma de 157 homens. Após ter sido pega com livros considerados subversivos, comunistas (dentre eles a versão de O Manifesto do Partido Comunista. de Marx e Engels), ela ficou presa por mais de um ano durante a ditadura civil de Getúlio Vargas. No período em que esteve presa, a doutora teria refletido muito sobre o valor da “liberdade”, além de ter constatado, durante esse período, que muita gente que estava presa deveria era estar sendo acompanhada através de tratamentos psicológicos adequados.

DA TEORIA AO SONHOS: O INSTITUTO DE MEDICINA PSICOLÓGICA E O LEGADO À CIÊNCIA

Na sequência, trazemos algumas das principais obras16 da voz que, certo, marcou de forma significativa a História da Psiquiatria e Psicanálise brasileiras. Segundo Piccinini (2010), as influências teóricas e a forma como Iracy Doyle pensava podem ser percebidas em dois trabalhos centrais: a citada tese de doutorado e o texto apresentado na Conferência Inaugural do Instituto de Medicina Psicológica (IMP), inaugurado por ela em dezessete de abril de 1953. Seu convite para falar sobre a formação dos psicoterapeutas no Simpósio Comemorativo do Centenário de Freud, em maio de 1956, também já demonstrava seu interesse pelo autor, além da influência deste sobre toda sua obra.

Suas obras de criação teórica na área da psiquiatria chegaram a ser consideradas como “as mais altas contribuições no gênero, jamais surgidas em língua portuguesa” (CALLADO, 1956, p. 4). São quatro os livros publicados por Iracy: O sentido do Movimento Psicanalítico (DOYLE, 1950), em que apresenta a evolução da ciência psicológica, desde Freud até os modernos psicanalistas da Escola Culturalista; Introdução à Medicina Psicológica (DOYLE, 1952), obra em que aplicou conceitos da Psicologia Dinâmica aos problemas gerais da ciência psiquiátrica; Nosologia psiquiátrica (DOYLE, 1961), em que faz uma exposição didática e interpretação psicanalítica das entidades clínicas psiquiátricas; e a já citada obra Contribuições ao estudo da homossexualidade feminina (DOYLE, 1956). Nesse último trabalho a pesquisadora colocou em xeque questões relacionadas aos fatores que originariam a homossexualidade feminina. Para ela, por exemplo, a criação dos(as) filhos(as), realizada por pais e mães, teria relação direta com a manifestação da homossexualidade. Assim:

Se, por um lado, o discurso de Iracy se encontrava com o dos demais intelectuais no que diz respeito a caracterização da homossexualidade feminina como patologia, assim como a importância dos espaços educativos no seu surgimento e desenvolvimento, é discrepante suas considerações em relação aos condicionantes que levavam ao desenvolvimento da homossexualidade na mulher. Enquanto que os discursos desses intelectuais tentavam convencer de que a origem da homossexualidade feminina era oriunda de uma má criação que afastava a menina dos referenciais de feminilidade (então ‘naturais’: sensível, maternal, subalternizada), Iracy Doyle, em uma atitude inovadora, afirmou o contrário: a homossexualidade feminina como uma possibilidade de subversão dessa mulher passiva e resignada. (SILVA, M., 2016, p. 124, grifo do autor).

Para entendermos essa compreensão da Doutora Iracy sobre as manifestações sexuais femininas, é necessário voltarmos aos estudos desenvolvidos pela professora e doutora Clara Thompson (1953), que muito influenciou nas conclusões da tese defendida por Iracy. Em seus estudos, Thompson (1953) caracteriza a psicologia das mulheres, considerando o contexto da atribuição de significados sociais que são dados a partir das diferenças biológicas e culturais construídas entre os sexos, e questionando o caráter cultural dos significados biológicos. Embora em contextos distintos, podemos dizer que Thompson (1953) se aproxima das reflexões realizadas posteriormente por Butler (2003), porque questiona o caráter de construção cultural, tanto do sexo quanto do gênero, compreensões que também se fizeram presentes nas pesquisas desenvolvidas por Iracy.

Acreditamos que muitas foram as contribuições da psiquiatra, tanto no que diz respeito à pesquisa em sua área, quanto na medicina de uma forma geral, passando pela sua atuação como psicanalista. Embora seu legado não possa ser contabilizado, na sequência trazemos alguns dos movimentos mais importantes, como fundações de instituições.

O sonho de inaugurar uma instituição que visasse abordar e oferecer alternativas de tratamentos psiquiátricos, em oposição aos tratamentos ortodoxos, ganhou mais fôlego durante seu contato com a comunidade científica internacional. Após seu período de formação nos Estados Unidos, era forte seu desejo de organizar uma instituição de formação psicanalítica, pois percebia a existência de uma lacuna no que diz respeito a outras opções de formação. No período em que esteve fora do país, Iracy pôde acompanhar de perto as mudanças de perspectivas ocorridas na área da psiquiatria internacional e, chegando ao Brasil, incomodava-se, porque percebia que pouco havia mudado em seu país.

Fundado no final de 1952, o Instituto de Medicina Psicológica (IMP) só foi inaugurado oficialmente aos dezesseis dias do mês de abril de 1953 por Iracy Doyle (na condição de Diretora-Presidente), pelo irmão e também médico Dr. Américo Doyle Ferreira (Diretor-Executivo) e pelos amigos Prof. Dr. Henrique de Novaes Filho e Profª Drª Margarida Reno.

O IMP começou suas atividades instalado no décimo primeiro andar (um andar abaixo do apartamento de Iracy) do Edifício Brasília, localizado na Av. Rio Branco, na cidade do Rio de Janeiro. Com a solidificação do IMP, outros(as) professores(as) foram somando-se ao corpo docente. Nomes reconhecidos no Brasil, como o Dr. Emílio Mira y Lopez, Dr. Fabrício Napolitani e Dr. Otávio Couto e Silva, além dos internacionais convidados pela própria doutora, como os doutores Meyer Maskin e Erich Fromm, ambos do Wiliam A. White Institute, compunham o quadro. Com frequência, Iracy convidava para ministrar palestras e cursos temporários seus/suas antigos(as) professores(as) e colegas - a essa altura, já amigos(as) -, como a própria Dra. Clara Thompson.

O Instituto tornou-se reconhecido e de importância nacional devido aos nomes ilustres que figuravam entre os/as professores(as) convidados por Iracy para ministrarem cursos ou palestras. Além disso, destacava-se dos demais espaços de formação por abordar temas e perspectivas não muito bem-vistas pela cúpula da ortodoxa psiquiatria nacional, como o curso de Antropologia Cultural, oferecido em 1953, tendo como um dos professores o antropólogo e professor Darcy Ribeiro. Além do curso, era oferecida uma disciplina de Antropologia Cultural lecionada pelo próprio Darcy Ribeiro, o que denunciava a centralidade que os aspectos culturais adquiriram nas abordagens teóricas tanto do Instituto quanto da doutora Iracy, se contrapondo à antropologia higiênica e eugênica do início do século XX.

A morte de Iracy pegou a todos(as) de surpresa, inclusive a própria Iracy, que não se preocupou em fazer um documento que deixasse explícita sua intenção de destinar o espaço físico, então em seu nome, ao IMP. Com exceção do irmão Américo Doyle, ela não mantinha relação estreita com os demais membros da família. Com a morte inesperada de Iracy, seus amigos e colegas passaram a ter embates jurídicos com sua família em torno da posse do espaço.

Mesmo dividindo-se entre os pacientes que atendia no consultório, na Casa de Saúde da Tijuca e no Hospital Geral Jesus, doutora Iracy mantinha como suas atribuições as demandas administrativas e burocráticas do IMP (onde também ministrava aulas à noite), fazendo com que, após a sua morte, o Instituto viesse a fechar as portas. O Instituto reabriu para atividades somente cinco anos depois. Atualmente, a instituição chama-se Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle (SPID).

Outro fator que contribuiu para o fechamento precoce da instituição foi o fato de Iracy, muitas vezes, destinar dinheiro próprio para pagar as contas. O IMP foi fundado, inclusive, em dezembro de 1952, por iniciativa particular e sem finalidade lucrativa; toda sua renda era revertida para a expansão dos serviços da instituição. Ninguém se sentia preparado para preencher um espaço que só uma mulher com a personalidade e ousadia de Iracy poderia ocupar.

Diante de um tempo preenchido pelo trabalho e dedicação à vida profissional, encontramos ainda uma grande apreciadora de arte e literatura, que nos (poucos) momentos de lazer fora do trabalho passava os finais de semana em sua casa na Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro, acompanhada da cadelinha Ribinha. Isso quando não aproveitava que o IMP estava vazio para cuidar das plantas que lá estavam.

O psiquiatra Isaías Paim (2003) descreve, em seu livro Psiquiatras brasileiros, alguns títulos recebidos pela Dra. Iracy Doyle. Transcrevemos algumas das titulações recebidas pela médica: membro correspondente da Americam Psychiatric Association, membro da The Association for Advancemente of Psychotherapy, membro da The Ortho-Psychiatric Association, membro correspondente do The William Alanson Psychoanalytical Society, sócia efetiva da Sociedade de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal e da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, sócia-fundadora da Sociedade Brasileira de Psicoterapia, sócia da Academia Internacional de Psicanálise, fundadora do Centro de Estudos e orientação Psicológica do Hospital Jesus, doutora em Medicina, livre docente da Faculdade de medicina da Universidade do Brasil.

Além dos livros (geralmente mais lembrados pela comunidade psicanalítica), são mais de 30 trabalhos publicados e divulgados em revistas nacionais e internacionais, a exemplo do seu último artigo produzido, intitulado Modernas contribuições à Psicanálise, impresso na Revista da Imprensa Médica (DOYLE, 1956), de Lisboa. Com a divulgação desse trabalho, convites para ministrar cursos em Portugal foram feitos, mas não chegaram a ser ministrados em razão de seu falecimento. Sua morte precoce, em decorrência de uma encefalite viral, aos 45 anos, não interrompera somente os trabalhos desenvolvidos pelas principais instituições fundadas por ela, mas também os trabalhos científicos de uma forma geral, que deixaram de contar com uma das poucas vozes femininas de seu tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aqui, nestas reflexões finais, importa, mais uma vez, sublinhar o quanto as capacidades e qualidades femininas se estruturaram, no transcurso de séculos, em sociedades embasadas por princípios androcêntricos. Às mulheres, pertencentes a um espaço privado - o lar -, era comum e naturalmente negada a vida pública.

Trazemos, então, o androcentrismo significado por Amparo Moreno Sardà (1986, p. 23, tradução nossa) da sequente e simples maneira: “o homem como medida de todas as coisas”.17 A autora preocupa-se com o fato de esse preceito atingir sobremaneira o discurso científico, preso em uma abordagem unilateral e, certo é, masculina. Nesse modelo androcêntrico, as mulheres carecem de espaços investigativos e simultaneamente lhes (nos) é retirada a autoridade epistêmica (SARDENBERG, 2002). O termo primeiro, andro, explica Sardà (1986), refere-se a rigor ao homem cujas especificidades estejam harmonizadas a status, idade, qualidades físicas (apenas para citar algumas, virilidade e força) e ideais. A partir disso, é possível entender que “ele” deve ser viril e, consequentemente, fazer parte de um exército. Além disso, o segundo termo, centrismo, concerne a um espaço no centro, ou no espaço social onde a vida coletiva é organizada. Diante de tal perspectiva, Sardà (1986) integra essa visão centralista e supressora ao interior dos discursos científicos, que advogam em prol de verdades fundamentadas em somente um centro, o homem - ser problematizado e produtor de conhecimento.

Simone de Beauvoir, na década de 1940, já fazia uma crítica considerada precursora ao sujeito universal, que é o homem. Beauvoir (2000, p. 10), ao analisar uma realidade apoiada na superioridade universal masculina, sentenciava que “o homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro”. O horizonte apontado por ela é o abandono da pretenciosa particularidade universal que acompanha o homem, que o institui como um ser positivo e neutro, e institui a mulher como um ser negativo, reduzindo-a a sua diferença. Por fim, a presença de Iracy Doyle, ao lado, por exemplo, de Nise da Silveira, em um campo hegemonicamente ocupado por homens, foi fundamental e necessária, porque aperfeiçoou a medicina de seu tempo e, principalmente, subverteu mandamentos sociais, políticos e científicos, cujos privilegiados eram (são) os homens e o que eles intentavam (intentam) perpetuar.

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1Localiza-se na rua Visconde do Pirajá, nº 156/ sala 307, em Ipanema no Rio de Janeiro. O site da instituição é http://www.spid.com.br.

2Pseudônimo utilizado para fins de preservação da sua identidade, mesmo diante da autorização da gravação.

3A LBHM foi fundada no Rio de Janeiro em 1923, pelo psiquiatra Gustavo Riedel, e tinha como objetivo inicial “melhorar a assistência aos doentes mentais através da renovação dos quadros profissionais e dos estabelecimentos psiquiátricos” (COSTA, 1989, p. 45).

4Como os médicos Juliano Moreira e Afrânio Peixoto, que marcaram seus nomes na história da psiquiatria nacional. Na década de 1940, doutora Iracy Doyle também foi membra da agremiação.

5Mesmo que a justificativa para o apelido sejam as atribuições físicas da doutora Iracy Doyle, somos interpelados(as) a questionar: o diminuitivo não estaria associado à sua condição de mulher, diante um universo epistêmico dominado por homens?

6Segundo dona Neusa, Iracy não gostava de falar do período em que esteve casada, tampouco do divórcio. Pessoas próximas não sabem dizer quanto tempo durou a união.

7Atualmente, o Hospital Municipal Jesus ainda é uma das referências no tratamento e atendimento de crianças na cidade do Rio de Janeiro.

8Fundada em 22 de fevereiro de 1875, a John Hopkins University (JHU) foi a primeira nos Estados Unidos a seguir o modelo da Universidade Humboldt de Berlim, conhecida por dar grande ênfase à pesquisa acadêmica. Atualmente, a JHU é considerada uma das instituições acadêmicas mais importantes do mundo, e o curso de medicina figura entre os mais reconhecidos (JOHN HOPKINS UNIVERSITY, 2015).

9Médico austríaco radicado nos Estados Unidos. Formado em medicina e notável pesquisador da psiquiatria infantil, em 1953 tornou-se professor associado de psiquiatria da John Hopkins. É reconhecido como um dos pioneiros nos estudos sobre o autismo.

10Especialista.

11Psiquiatra suíço, foi presidente da Associação Psiquiátrica americana, tornando-se uma das mais figuras mais influentes da psiquiatria no início do século XX.

12“s.m. Medicina. Teoria médica que atribui qualquer tipo de doença à lesão de um órgão. Sociologia. Doutrina que assimila a sociedade aos seres vivos e tende a aplicar aos fatos sociais as leis e teorias biológicas. Filosofia. Doutrina segundo a qual a vida provém dos próprios órgãos, e explica os fatos da sensibilidade e do pensamento por meio das funções orgânicas.” (DICIO, 2015).

13“[...] a ‘nova psiquiatria’ trouxe de volta o ideal libertário que favorecia a tentativa de entendimento da dimensão moral do indivíduo doente. Juntamente coma crítica à perpetuação do asilo, a ‘nova psiquiatria’ se opunha à psiquiatria organicista, pautada por tratamentos que incidiam somente sobre o âmbito físico, orgânico do indivíduo: desde a eletroconvulsoterapia ou eletrochoque até o uso considerado abusivo de psicofármacos. Para as ‘novas’ propostas do campo psiquiátrico, o ‘organicismo’ ou ‘mecanicismo’ de métodos considerados violentos e autoritários eram cerceadores da ‘liberdade’ do indivíduo” (VENÂNCIO, 1991, p. 130, grifo do autor).

14Nome fictício dado pela autora.

15Para saber mais sobre Nise da Silveira, ver sua biografia na Revista Psicologia, Ciência e Profissão (BIOGRAFIA..., 2002).

16A lista completa das obras e publicações encontra-se disponível no Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria, disponível através do link: http://www.biblioserver.com/walpicci.

17“El hombre como medida de todas las cosas” (SARDÁ, 1986, p. 23).

Recebido: 29 de Março de 2021; Aceito: 17 de Agosto de 2021

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