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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.64 Salvador oct./dic 2021  Epub 19-Mar-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n64.p158-180 

DOSSIÊ TEMÁTICO

JOGAR, ANALISAR, CRIAR JOGOS E REFLETIR SOBRE SEU USO EM PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

PLAY, ANALYZE, CREATE GAMES AND REFLECT ON THEIR USE IN PEDAGOGICAL PRACTICES

JUGAR, ANALIZAR, CREAR JUEGOS Y REFLEXIONAR SOBRE SU USO EN LAS PRÁCTICAS PEDAGÓGICAS

*Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora Associada IV da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e docente do quadro permanente do Programa de Pós-graduação em Educação (UFSC). Líder do grupo de pesquisa EDUMÍDIA. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil


RESUMO

Esta pesquisa investiga metodologias e práticas pedagógicas inovadoras na produção e aplicação do Game Comenius, em situações de aprendizagem formal e informal, que levem à formação com, sobre e através das mídias de estudantes de licenciatura e professores, tendo por guia os letramentos, o design e a aprendizagem baseada em jogos digitais e a formação docente inicial e continuada. A metodologia aplica a Design-Based Research (DBR), em um processo iterativo de investigação, criação, produção e avaliação, sendo o jogo realimentado pelas informações dos atores que o testam em oficinas, cujos resultados são devolvidos ao design, gerando melhorias no protótipo a ser testado em novos ciclos de formação. A produção de dados durante as oficinas é feita por questionários e produção de narrativas. Os resultados de produção de diversos formatos do Game e da formação de dezenas de cursistas sugerem que é possível jogar, analisar, criar jogos e ainda refletir sobre seu uso em práticas pedagógicas.

Palavras-chave: jogos digitais; game design; letramento midiático; formação docente; mídias

ABSTRACT

This research investigates methodologies and innovative pedagogical practices in the production and application of the Game Comenius, in situations of formal and informal learning, which lead to training with, on and through the media of undergraduate students and teachers, having the literacies as a guide; design and learning based on digital games and initial and continuing teacher training. The methodology applies Design-Based Research (DBR), in an iterative process of investigation, creation, production and evaluation, with the game being fed back by information from the actors who test it in workshops, the results of which are returned to the design, generating improvements in the prototype to be tested in new training cycles. The production of data during the workshops is done by questionnaires and production of narratives. The results of the production of different game formats and the training of dozens of course participants suggest that it is possible to play, analyze, create games and even reflect on their use in pedagogical practices.

Keywords: digital games; game design; media literacy; teacher training; media

RESUMEN

Esta investigación investiga metodologías y prácticas pedagógicas innovadoras en la producción y aplicación del Game Comenius, en situaciones de aprendizaje formal e informal, que conducen a la formación con, en y a través de los medios de comunicación de estudiantes y profesores de pregrado, teniendo como guía las alfabetizaciones; diseño y aprendizaje basado en juegos digitales y formación inicial y continua del profesorado. La metodología aplica Design-Based Research (DBR), en un proceso iterativo de investigación, creación, producción y evaluación, retroalimentando el juego con información de los actores que lo prueban en los talleres, cuyos resultados se devuelven al diseño, generando mejoras en el prototipo para ser probado en nuevos ciclos formativos. La producción de datos durante los talleres se realiza mediante cuestionarios y producción de narrativas. Los resultados de la producción de diferentes formatos de juego y la formación de decenas de participantes del curso sugieren que es posible jugar, analizar, crear juegos e incluso reflexionar sobre su uso en prácticas pedagógicas.

Palabras clave: juegos digitales; diseño de juego; alfabetización mediática; formación de profesores; medios

1 Introdução

Este artigo1 traz os resultados de uma pesquisa que está sendo realizada desde 2015, que tem como objetivo principal investigar metodologias e práticas pedagógicas inovadoras para produção e aplicação do Game Comenius em suas versões (digital online e tabuleiro) em situações de aprendizagem formal e informal que levem à formação com, sobre e através das mídias de estudantes de licenciatura e professores de modo geral. Em seus diferentes módulos e versões, o jogador do Game Comenius basicamente escolhe como vai planejar e ministrar suas missões (aulas), testando seus elementos componentes (espaços, agrupamentos, procedimentos e mídias) e respondendo a quizzes (de mídias e de conhecimentos gerais sobre elementos da educação e da cultura) para ampliar seus letramentos (CRUZ; RAMOS, 2021).

Por sua complexidade, os games podem se constituir em desafiantes eventos e práticas na escola que poderão gerar a ampliação dos multiletramentos. Segundo Rojo (2012), os multiletramentos podem ser definidos como a capacidade de lidar adequadamente com as novas linguagens e tecnologias, adquirindo a consciência de que fazer bom uso delas significa torná-las úteis e favoráveis a si. Multiletramentos se referem à multiplicidade de culturas e de linguagens (em textos compostos de outros meios semióticos, além da escrita, como cores, sons, imagens) que exigem capacidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas nas diferentes mídias para que tenham significado (ROJO, 2012).

Como é um game de formação para as mídias, um dos aportes que direciona as escolhas do Game Comenius é o da mídia-educação (CRUZ; RAMOS, 2021). De acordo com Fantin (2011, p. 30), a mídia-educação pode ser compreendida, de forma mais ampla, por meio de três elementos: “educar sobre/para os meios (perspectiva crítica), com os meios (perspectiva instrumental) e através dos meios (perspectiva expressivo-produtiva).” As estruturas das missões contemplam a aprendizagem de conteúdos, segundo a proposta de Zabala (1998), divididos em factuais, conceituais, procedimentais e atitudinais. O jogo tem duas partes: enquanto na primeira parte a missão consiste na elaboração do plano de aula, na segunda, é o momento em que a professora colocará em prática o planejamento, precisando lidar com as expectativas dos alunos, bem como suas reações em sala (CRUZ; RAMOS, 2021). A aula é dividida em três momentos, a partir da sequência didática proposta por Zabala (1998), sendo eles: apresentação da proposta pelo professor e resgate do conhecimento prévio dos alunos; desenvolvimento da aprendizagem; e consolidação da aprendizagem. Em cada um dos momentos o jogador precisa escolher uma das mídias disponíveis para sua utilização, levando em consideração o momento da aula, a diversificação de atividades, o objetivo de ensino e de aprendizagem e o comportamento dos alunos.

Além da necessidade de ampliação de letramentos, uma das justificativas para o projeto se deve às conclusões vindas de um levantamento dos jogos produzidos nas nossas universidades, no qual verificamos que, em todos os exemplos encontrados, não havia um que se voltasse especificamente para a formação de licenciandos e professores. Em sua maioria, os jogos educativos brasileiros apresentam conteúdos ou buscam desenvolver a cognição geralmente de crianças e jovens, mas ainda não têm como meta os letramentos dos que vão fazer a mediação para seu uso. Como fator complicador, faltam jogos que, ao mesmo tempo em que possibilitam a experiência de jogar, também sejam espaços de análise, criação e reflexão do que é um jogo digital e de como ele pode colaborar para as estratégias pedagógicas da sala de aula.

Nesse contexto, a formação inicial e continuada que o Game Comenius é inovadora ao buscar preparar os professores e estudantes de licenciaturas para uma nova maneira de ensinar na contemporaneidade, da qual fazem parte as mídias digitais e, nelas, os jogos. Nesse sentido, responde ao que está previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), quando sugere que os professores devem desenvolver as competências de seus alunos, mobilizando “conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 10).

Dentre as dez competências gerais da educação básica descritas na BNCC, a 4 e a 5 se dirigem especificamente à inclusão das linguagens e tecnologias digitais. Segundo a BNCC, os professores devem:

4. Utilizar diferentes linguagens - verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital -, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.

5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. (BRASIL, 2018, p. 11).

Ainda dentre as habilidades específicas descritas na BNCC está a necessidade da inclusão dos jogos e games, por já fazerem parte das práticas letradas dos estudantes, recomendando a inclusão dessas mídias nas práticas escolares, da educação infantil ao ensino médio, nos diversos campos de conhecimento ali descritos. Uma prova simples de que os jogos digitais estão incorporados na BNCC é o fato de que a palavra “game” aparece 44 vezes no documento.

No entanto, professores universitários, de modo geral, e estudantes de Pedagogia (e seus professores), especificamente, estão distantes dos jogos digitais. Falta repertório, experiência e conhecimento sobre eles enquanto produtos culturais midiáticos e, ao mesmo tempo, sobre o que podem oferecer de possibilidades para diversificação das práticas pedagógicas e da didática nos diversos níveis e modalidades de ensino. Neste sentido, a busca por oferecer uma formação inicial e continuada a partir da perspectiva da mídia-educação insere um caráter inovador a esse projeto, tanto pela criação de um jogo inédito para um público que necessita ser mídia-educado e para o qual não há outros produtos semelhantes, quanto por pensar essa formação a partir de uma visão sociotécnica da inovação (LATOUR, 1991).

De acordo com essa perspectiva de inovação, a adoção de uma nova maneira de ensinar envolve pesquisar e encontrar respostas para as estratégias que os professores irão adotar para desenvolver as novas habilidades. Dessa forma, o projeto considera em suas ações que os critérios que influenciam a velocidade com que uma inovação vai ser adotada ou não dependem de como os adotantes veem ou experimentam sua vantagem relativa, sua compatibilidade, sua complexidade, seu grau de experimentação e de comunicação (ROGERS, 1983). Tais critérios de inovação se refletem na negociação que ocorre no contato com o jogo e precisam ser considerados especialmente nas ações de formação. Por ser uma inovação tecnológica, os professores exercem sua flexibilidade interpretativa para adaptar seus conhecimentos prévios aos que o jogo traz, estabelecendo estratégias de tradução, de apropriação e de uso (LATOUR, 1991). Esse processo de inovação, ao mesmo tempo em que é a base para a produção do jogo e das oficinas, também é investigado durante o processo, buscando trazer novos conhecimentos sobre como os jogadores aprendem e incorporam esses letramentos e conteúdos em suas práticas sociais.

Essa característica inovadora do projeto também se baseia em um referencial teórico que entende o conteúdo da experiência trazida pela simulação do planejamento e da realização das aulas a partir de vários olhares que vão permeando tanto a produção do jogo, seus conteúdos e elementos, como a oferta de oficinas de teste e formação com o game. Para isso, embasam o projeto o estudo: dos letramentos e dos multiletramentos (ROJO, 2012; STREET, 2003); da mídia-educação (FANTIN, 2011); da visão holística da aprendizagem dos conteúdos (CRUZ, 2018; ZABALA, 1998); e da formação inicial e continuada (BOLZAN, 2002; CANDAU, 1999; MORAN, 2002). Para a criação dos conteúdos do jogo, têm sido trabalhados autores que tratam de metodologia e didática do ensino, utilização de recursos midiáticos na sala de aula, como Masetto (2002) e Moran (2002), e o bom uso de vídeo games, além de outros que fazem parte do movimento internacional intitulado Digital Game Based Learning (DGBL), tais como Gee (2009) e Prensky (2012). Estes e os autores do game design (BOLLER; KAPP, 2018; NOVAK, 2010; SALEN; ZIMMERMAN, 2012; SCHELL, 2011; SCHUYTEMA, 2008) foram constituindo o embasamento do projeto de como deve ser um bom game e, ao mesmo tempo, de como a aprendizagem das mídias deve considerar os estilos de aprendizagem.

Esse contexto complexo gerou várias questões pertinentes para a presente proposta, que guiaram o projeto até agora. Como unir as práticas sociais do cotidiano com as que ocorrem com objetivos específicos de aprendizagem - os letramentos - em um mesmo ambiente digital? Como seria a aprendizagem das mídias se fosse realizada dentro de um jogo digital que pudesse estar disponível online? Essa formação poderia ser realizada com professores e estudantes e aperfeiçoada de modo a se constituir num espaço virtual de aprendizagem lúdico e autônomo?

2 Referencial teórico-metodológico

O Game Comenius tem buscado alcançar os objetivos da pesquisa aplicada a partir de duas vertentes teórico-metodológicas integradas e que geram dois tipos de atividades: 1) o processo de produção do próprio jogo; 2) sua aplicação em situações de aprendizagem que objetivam, ao mesmo tempo, aperfeiçoar o jogo e formar os jogadores para apropriar-se das mídias no sentido amplo (entendendo o jogo/mídias como ferramenta, cultura e objeto de estudo).

2.1 Processo de produção do jogo

A abordagem metodológica do Game Design é a base do projeto no que se refere à produção dos jogos. Ainda há um caminho pela frente para construir uma abordagem que possa ser chamada de “game design educativo”, o que não é pretensão da pesquisa formular, mas que, na prática, vem sendo construído pelas experiências vividas até agora.

2.1.1 O processo de game design educativo

Para criar e utilizar jogos é preciso inicialmente definir o que eles são. Desde Huizinga (2012), muitos autores têm se debruçado sobre essa questão. No caso dos jogos digitais, grande parte aceita que eles são compostos por missão, regras, participação voluntária e feedback (MCGONIGAL, 2012); ações, decisões, regras e pelo universo do game, que resultam em uma condição final, sendo as regras e o universo do game demonstrados por meios eletrônicos e controlados por um programa digital (SCHUYTEMA, 2008). Seus elementos principais formam uma tétrade composta por Narrativa, Mecânica, Estética e Tecnologia (SCHELL, 2011). Numa tentativa de síntese, Juul (2003, p. 33, tradução nossa)2 propõe que “um jogo [clássico] é um sistema formal baseado em regras com um resultado variável e quantificável, no qual o jogador sente-se comprometido com os resultados e as consequências da atividade são opcionais e negociáveis”. Para Boller e Kapp (2018), jogos possuem objetivo, desafios, regras, interatividade com os jogadores ou com o ambiente do jogo, mecanismos de feedback, levando a uma quantidade mensurável de resultados que promovem uma reação emocional nos jogadores.

A produção de um jogo digital pode ser entendida de modo geral como game design, ou seja, “o processo pelo qual um designer de jogos cria um jogo, a ser encontrado por um jogador, a partir do qual surge a interação lúdica significativa” (SALEN; ZIMMERMAN, 2012, p. 96). Cada jogo passa por inúmeras fases, tendo de forma geral três ciclos importantes: “pré-produção, produção e pós-produção. Em cada etapa, o papel de um designer é fundamental para fazer que o game fique pronto no prazo” (SCHUYTEMA, 2008, p. 12). O designer trabalha na criação de uma experiência (SALEN; ZIMMERMAN, 2012). Parte dessa experiência pode ser o computador e a tecnologia, mas o intuito de proporcionar uma interação lúdica significativa e todos os elementos do quadro completo devem ser considerados pelo designer. Assim, a experiência é um dos objetivos principais para o design de jogos, e para que ocorra da melhor maneira possível é necessário diversão e ludicidade.

A diversão pode ser obtida de duas formas no processo criativo de um jogo: no fluxo geral da própria experiência do jogo e de forma individual por cada jogador (SCHUYTEMA, 2008). Os designers se esforçam para “criar uma experiência de game que gere uma sensação abrangente de diversão para nossos jogadores” e trabalham “para criar situações de gameplay que ofereçam esses momentos de diversão impossíveis de repetir” (SCHUYTEMA, 2008, p. 10). Uma experiência difícil de repetir é o que almeja um designer de jogos, para que os próprios jogadores busquem cada vez mais novas experiências e diversão, pois são únicos. Nesse sentido, o gameplay é tudo o que ocorre desde o começo até o fim do jogo; o que abrange conhecer os objetivos para ganhar ou perder ao final do jogo. E o responsável por isso é o game designer.

Jogos podem ser classificados por gêneros (RPG, aventura, estratégia, quebra-cabeças, jogos esportivos e multijogadores), mas em geral possuem os mesmos elementos, distribuídos de forma mais ou menos intensa ou mais ou menos numerosa, dependendo do tipo de experiência que se pretende alcançar. Podem ser divididos em jogos digitais (celular, console, computador) ou de mesa (tabuleiro, cartas, dados). De acordo com Boller e Kapp (2018, p. 27), “cada um difere entre si na maneira de explicar as próprias regras, incorporar a história e a estética, e administrar o escore e o grau de complexidade”.

Para analisar a qualidade do design de um jogo é preciso fazer uma série de perguntas que irão envolver o alcance dos objetivos de engajamento, criação de experiência e ludicidade, a partir do balanço dos elementos ali incluídos. Boller e Kapp (2018) propõem uma tabela de avaliação que inclui responder perguntas sobre a meta do jogo, quais as dinâmicas centrais, as mecânicas utilizadas, a presença dos elementos principais (estética, história, sorte, conflito, competição, cooperação, níveis, recursos, recompensas, estratégia, tema, tempo), o tipo de feedback e, para avaliar a aprendizagem, quais aspectos do jogo podem levar a esse objetivo.

Embora não seja consenso sobre como isso acontece, a maioria dos estudiosos de games concorda que alguma coisa se aprende, ou seja, que todos os jogos educam. Há um acordo entre os estudiosos de que alguns têm uma especificidade relacionada à sua finalidade específica de ensinar. E se diferenciam dos jogos comerciais ou de entretenimento não pelo caráter de aprendizagem (porque há uma série de elementos que são aprendidos quando se joga), mas porque buscam “ensinar” algum conteúdo de modo intencional. Dentre eles, alguns são chamados de serious games, jogos educativos, educacionais ou de aprendizagem, o que mostra que não existe ainda um consenso sobre qual seria o melhor termo para distingui-los, bem como quais seriam suas características definidoras, já que antes de tudo apresentam (ou deveriam apresentar) os componentes básicos de um game, além de poderem ser enquadrados em qualquer dos gêneros citados acima. Os jogos digitais educativos se constituem assim por terem objetivos voltados para o aprendizado de determinados conteúdos pedagógicos, ou seja, têm finalidades educativas, como “uma estratégia pedagógica que alia conhecimentos teóricos à prática da jogabilidade, oferecendo curiosidade e diversão ao possibilitar o engajamento dos envolvidos” (RAMOS; CRUZ, 2018, p. 61).

Por essa característica, o game design de um jogo com intencionalidade educativa envolve outros aspectos além da experiência lúdica. Assim, mais que procurar a diversão, ao contrário de um jogo de entretenimento, o importante é seu potencial de engajamento ou de ser envolvente:

Enquanto um jogo voltado para o aprendizado pode ser ‘divertido’ de um jeito que ‘entretém’ o jogador, ele não necessariamente precisa sê-lo para se mostrar eficiente. Todavia, não há dúvida de que ele tem de ‘envolver’ o participante! Ou seja, o jogador necessita estar engajado e focado na atividade; sua energia e seu pensamento precisam estar totalmente concentrados. (BOLLER; KAPP, 2018, p. 30-31).

Na tentativa de facilitar a criação de jogos de aprendizagem, Boller e Kapp (2018) diferenciam o que chamam de abordagens que dão o norte da produção e que, segundo eles, seriam quatro: entretenimento, simulação, gamificação e aprendizagem. A primeira abordagem se volta para a diversão, a segunda para a tentativa de reprodução da realidade, a terceira pelo uso dos elementos dos jogos em uma situação de aprendizagem e a última se destina a “ajudar os jogadores a desenvolver novas habilidades e novos conhecimentos, ou a reforçar os já existentes” (BOLLER; KAPP, 2018, p. 40). Segundo esses autores, o objetivo final dessa abordagem “é permitir o alcance de algum tipo de resultado da aprendizagem enquanto o ‘jogador’ está envolvido ou imerso num processo de aprendizado”, e o divertimento “deve estar o mais ligado possível àquilo que estiver sendo aprendido” (BOLLER; KAPP, 2018, p. 40). Ou seja, jogos educativos seriam aqueles criados para ensinar enquanto distraem (NOVAK, 2010).

Apesar de essa ainda ser uma questão a ser trabalhada melhor no desenvolver do projeto, o Game Comenius está sendo pensado, provisoriamente, como um jogo educativo (digital e analógico) e não de entretenimento, pelos objetivos de buscar a aprendizagem das mídias na educação, apresentando os problemas que simulam situações de uma sala de aula real baseada em tomada de decisões. No entanto, mesmo que busque simular uma sala de aula, não é seu objetivo se aproximar ao máximo da realidade, mas sim trazer o contexto educacional como base para identificação do jogador com a situação vivida, ampliando seu engajamento e envolvimento, através de uma fantasia baseada no ambiente e nas situações vividas na escola. Com isso, mesmo que possa ser utilizado em conjunto ou como parte de atividades de gamificação, o Game Comenius é um jogo composto por todos os elementos apontados anteriormente, ou seja, é um produto cultural gratuito que permite tanto a criação de missões ou de outros jogos, quanto ser jogado no ciclo completo com começo, meio e fim. Muitas foram as escolhas que formataram a narrativa, as regras, estética e tecnologia, e mais especificamente a mecânica e o gameplay do módulo 1, finalizado em janeiro de 2018, e nos protótipos dos módulos 2 e 3. No processo de produção, em todos esses anos, está uma abordagem que foi sendo construída a partir dos erros e acertos do processo identificado com a Design-Based Research (DBR).

2.1.2 Design-Based Research

A Design-Based Research (DBR) se propõe a resolver problemas complexos em contextos reais, a partir da colaboração entre diferentes atores, a fim de testar e aperfeiçoar ambientes de aprendizagem inovadores. De acordo com a DBR, o processo iterativo de investigação, criação, produção e avaliação é constantemente realimentado pelas informações vindas dos atores envolvidos (BARAB; SQUIRE, 2004). Esses autores consideram que a DBR é coerente com uma perspectiva epistemológica pragmática e o conhecimento gerado visa informar tanto as teorias como as práticas (na forma de cursos e atividades que podem ser adaptados, replicados, ou informar novas práticas similares).

Num artigo que discute como a opção pela DBR pode ser oportuna para o campo educacional, Matta, Silva e Boaventura (2014) avaliam que as pesquisas em Educação trazem poucas melhorias efetivas dos processos educacionais; são pouco voltadas para a pesquisa aplicada por suas características de pluralidade, pouco comparáveis entre si e se diferenciam das realizadas em laboratório. A DBR visa à superação da dicotomia entre pesquisa qualitativa ou quantitativa e o desenvolvimento de aplicações, soluções práticas e inovadoras para os graves problemas da educação para que sejam integradas às práticas sociais comunitárias (MATTA; SILVA; BOAVENTURA, 2014).

Assim, a adequação (e utilidade) da DBR na presente pesquisa pode ser entendida a partir de suas características pensadas para o campo da educação. Resumindo o que Matta, Silva e Boaventura (2014) apontam, a DBR:

  1. É teoricamente orientada: parte de uma proposta teórica como fundamento para a construção do design educacional proposta;

  2. É intervencionista, pois permite criar: a) produtos educacionais tais como materiais didáticos de toda natureza e suporte; b) processos pedagógicos como, por exemplo, recomendações de atitude docente, novas propostas didáticas; c) programas educacionais como currículos, cursos, organização de temas e didáticas, também desenvolvimento profissional para professores; d) políticas educacionais como protocolos de avaliação docente ou discente, procedimentos e recomendações de investimento, aquisição, opções para relação entre a escola e a comunidade;

  3. É colaborativa: considera todos os participantes (pesquisadores e pesquisados) como parte da equipe de pesquisa. Para isso, há um acordo para extração de dados, baseado numa parceria de investigação e num acordo de coaprendizagem;

  4. É fundamentalmente responsiva: ou seja, moldada pelo diálogo entre a sabedoria dos participantes, o conhecimento teórico, suas interpretações e advindos da literatura, e pelo conjunto dos testes e validações diversas realizadas em campo.

  5. É iterativa: a abordagem da pesquisa é baseada em ciclos de estudo, análise, projeção, aplicação, resultados, que depois são reciclados.

No caso do Game Comenius, a metodologia se resume a produzir o game, testá-lo em oficinas que geram feedbacks como resultados que são devolvidos à produção, o que gera melhorias no novo protótipo a ser testado num processo cíclico de melhorias com a oferta de novas oficinas ou cursos (CRUZ; RAMOS, 2021). Dessa forma, a produção é um espaço de pesquisa das dificuldades, características e condições de criação de jogos educativos, mas também do quanto é possível ensinar através deles. Os resultados buscam contribuir para o desenvolvimento da teoria, validada na situação de aplicação. Tais resultados podem ser de âmbito social e comunitário educacional e, finalmente, tem-se o desenvolvimento e habilitação dos engajados no processo no qual sairão munidos da experiência de sua prática.

Assim, por essa proposta, quando aplicada a DBR, se busca ter como resultados: a) novos conhecimentos; b) novos produtos. Tais resultados são buscados no processo iterativo, principalmente pela conjunção entre desenvolvimento, teste e intervenção educativa na ampliação dos letramentos dos jogadores. Por essa razão, é preciso construir situações de aprendizagem dialógica, levando em consideração os conhecimentos prévios e o que é possível aprender com os eventos de letramento criados para as intervenções.

2.2 A formação para as mídias e a Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais

A Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais ou Digital Games Based Learning (DGBL) procura descrever aspectos relacionados à concepção, ao desenvolvimento e ao uso de games nos processos de aprendizagem. A DGBL tem um grande potencial motivador porque é divertida e versátil, adaptando-se a diversas disciplinas, tipos de informação e habilidades a serem aprendidas, podendo ainda ser combinada com outras estratégias pedagógicas e recursos (PRENSKY, 2012). Os games proporcionam experiências educativas por criarem um contexto de aprendizagem ativa, em que o jogador precisa atuar e avaliar constantemente as ações que são desenvolvidas em um ambiente contextualizado na narrativa. A aprendizagem baseada em jogos digitais defende que na interação com eles é possível aprender de forma ativa, experiencial, situada, baseada em problemas e com feedbacks imediatos (CONNOLLY et al., 2012).

Van Eck (2006) sugere que existem quatro maneiras mais comuns de atuação da DGBL e que podem ser agrupadas em:

  1. Criação de jogos digitais: para ensinar aos alunos conteúdos e habilidades específicas, como lógica, programação, pensamento sistemático, entre outros;

  2. Integrar jogos digitais comerciais no currículo existente: principalmente em razão da abundância desse formato e do apelo positivo junto aos jovens;

  3. Utilização de jogos educativos ou serious game: especialmente desenvolvidos para trabalhar determinadas habilidades ou conteúdos: gramática, história, vocabulário;

  4. Gamificação: uso de elementos de jogos em contextos que não são jogos.

Como um dos referenciais do projeto é a mídia-educação, há uma associação da DGBL com essa proposta, no sentido de que, ao adotar os games como instrumento ou ferramenta para potencializar suas aulas, o professor estará aderindo a uma abordagem “com as mídias”. Ao discutir com seus alunos os pontos positivos e negativos dos jogos, ou sua história, seus componentes, linguagens, narrativas e práticas sociais envolvidas, dentre outras, tratando-os de forma crítica e reflexiva, estará educando “para ou sobre as mídias”. Quando propõe que seus alunos inventem algo a partir do jogo, seja a produção de um vídeo sobre como jogam, seja a programação de um jogo ou outros dispositivos baseados nele ou derivados deles, tendo como parâmetro uma construção individual ou coletiva, mas autoral, o docente estará praticando a educação “através da mídia”. Essa conjunção mídia-educativa do “com, sobre e através” está na base das atividades da formação durante os eventos de letramento chamados de oficinas (CRUZ; RAMOS, 2021).

2.2.1 Oficinas como metodologia de pesquisa

A pesquisa qualitativa do Game Comenius é um processo complexo que envolve, por um lado, todo o difícil processo de produção de um jogo digital com conteúdo educacional voltado para a formação para as mídias em um Centro de Ciências da Educação e, por outro, aproveitar a necessidade de testar os protótipos e os jogos finalizados em oficinas coletivas e cursos de média duração para ampliar os letramentos do público-alvo. Esses testes vêm buscando ao mesmo tempo (ou pelo menos): 1) aperfeiçoar o jogo; 2) trazer reflexão e prática sobre o conteúdo (planejar e ministrar uma aula usando mídia); 3) trazer reflexão e prática sobre a criação do game sobre o que é ministrar uma aula; 4) ampliar o letramento do próprio jogar para públicos em sua maioria de não jogadores.

Como um espaço dialógico para ouvir os participantes, a opção pelas oficinas reside na possibilidade de que elas “são espaços de construção coletiva de um saber, de análise da realidade, de confrontação e intercâmbio de experiências” (CANDAU, 1999, p. 11). Desde 2015, as oficinas e cursos de média duração são compostos por atividades pedagógicas que mesclam práticas reflexivas com coleta de dados qualitativos (CRUZ; RAMOS, 2021; MÜLLER; CRUZ, 2020).

Com algumas variações, essas atividades têm sido realizadas sob a forma de apresentações expositivas; jogar jogos analiticamente; fazer pesquisas de jogos na internet; realizar discussões em grupo; fazer entrevistas com os jogadores, dentre outras, e que tanto levantam dados sobre os jogadores como guiam sua reflexão sobre diferentes aspectos do uso dos jogos na educação.

Os instrumentos de produção de dados quantitativos são elaborados em formato de questionários de perfil midiático inicial, perfil de jogador, questionário pós-jogo de avaliação do game e do jogar, questionário de pesquisa, análise e planejamento de um jogo digital para os conteúdos da área do jogador. Todos os questionários são em formato digital, preenchidos pelos jogadores no momento da oficina, ou antes, ou durante os cursos de média duração. O tratamento dos dados quantitativos é feito por categorias criadas nos questionários que delimitam os interesses de levantamento de informações para as equipes de produção do jogo (arte, pedagógico e programação) e que alimentam as indicações de melhoria. Tais resultados são analisados pelo grande grupo e também pelas equipes específicas.

Os dados qualitativos vêm da observação participante, da discussão em grupo para avaliar o jogo e o jogar experimentado e, em alguns casos, da produção de narrativas sobre essa experiência. A observação é feita pelos membros da equipe que jogam diferentes papéis durante a oficina (expositores, mediadores, observadores de comportamentos e questões surgidas no evento). Os dados qualitativos compõem relatórios feitos pelos bolsistas de iniciação científica que são armazenados para consulta.

Na experiência vivida com os jogos de tabuleiro (módulo 1 em 2017 e módulo 2 em 2018), com as estudantes de Pedagogia, e, em 2019, com o jogo de cartas nas oficinas com o Comenius Pocket, foi percebido que, ao contrário do jogo digital, sobre o qual não há um controle da experiência de jogar e dos processos de decisão tomados pelos jogadores, no tabuleiro/cartas é produtivo trabalhar com equipes e verificar a experiência dos jogadores de forma explícita. Ao dividir a turma em grupos que buscam alcançar os objetivos de forma colaborativa e, ao mesmo tempo, competitiva, a mediação pedagógica apareceu mais efetiva, intensa e específica, trazendo uma discussão acalorada entre as jogadoras sobre as opções e escolhas do jogo. Ou seja, motivadas pela ludicidade pensaram e discutiram em voz alta sobre o planejamento com as mídias e seus desafios e possibilidades.

Dessa maneira, no processo de escolha em grupo e em contraste entre as equipes foi possível refletir de forma prática sobre as questões de planejamento e execução da aula com as mídias, momento em que as expectativas, experiências vividas, conhecimentos prévios e hipóteses apareceram mais claramente e de forma espontânea. Para essas situações foram desenvolvidas novas dinâmicas e instrumentos de produção de dados. E, com a Covid-19, num contexto de isolamento social e de contatos virtuais, para recuperar essa riqueza de interações presenciais, em 2020 a equipe teve que trabalhar tanto estratégias diferenciadas de oficinas e cursos online, como também novos instrumentos de produção de dados.

Essa metodologia de oficinas e de reflexão em grupo vai na mesma perspectiva que traz Bolzan (2002) quando tem Vygotsky e Bakhtin como base. A troca de ideias é fundamental para a reflexão sobre a prática, porque,

[...] quando comparamos informações, intercambiamos pontos de vista, colocamos nossas ideias acerca de fatos e situações, tematizamos acerca de um determinado saber, transformando o já sabido em algo novo, estamos compartilhando conhecimento. Essa construção ativa se dá à medida que são explicitadas as relações entre o conhecimento pedagógico atual e os conhecimentos prévios dos professores. (BOLZAN, 2002, p. 24).

Essa troca vem acontecendo tanto nos momentos presenciais quanto nos espaços virtuais. Nas formações que utilizaram a customização de missões dentro da plataforma Remar (Módulo 1) ou do modo criativo (Módulo 2) e no próprio criar o jogo (em construção no Módulo 3), há um rico acervo produzido pelos jogadores que pode servir de exemplos para a apropriação de jogos na educação. A seguir são descritos os principais resultados dos dois enfoques da pesquisa, ou seja, dos jogos produzidos e das formações oferecidas com eles.

3 Resultados alcançados

3.2 Descrição dos diversos jogos criados

O Game Comenius é um jogo de didática que busca incentivar a inclusão das mídias na prática pedagógica. Nele, a heroína Lurdinha, uma normalista dos anos 1960, aceita o convite de Comenius (o pai da Didática) para viajar no tempo e responder ao desafio de aprender a tornar as aulas mais significativas incorporando as mídias em seu planejamento didático. Para ajudar a Lurdinha a alcançar esse objetivo, o jogador irá planejar missões, responder a variados quizzes de diversos conteúdos, tomar contato com as teorias, os teóricos e as metodologias da educação, escolhendo os melhores procedimentos, espaços, agrupamentos e mídias para cumprir cada missão que lhe é proposta. Nesse processo, conhecerá as potencialidades pedagógicas do ensino e aprendizagem com, sobre e através das mídias (CRUZ; RAMOS, 2021).

As gerações de mídias são a base do jogo e desafiam os jogadores a pensar, escolher e executar o planejamento de suas aulas, distribuídas por suas características e potencial educativo, fases ou gerações. Originalmente, essas gerações eram quatro, como se vê no Quadro 1.

Quadro 1 Quatro gerações de mídias e suas funções educativas. 

MÍDIAS IMPRESSAS MÍDIAS DE MASSA MÍDIAS 2.0 MÍDIAS VIRTUAIS
1 Livro Didático Reprodutor de DVD Softwares Ambientes Virtuais
2 Quadro Negro Retroprojetor Datashow Lousa Digital
3 Fotografia Máquina Fotográfica Câmera Digital Smartphones
4 Jornais e Revistas Cinema/Televisão e Rádio Internet Redes Sociais
5 Cadernos e Cartazes Computador Tablet e Pendrive Cloud Computing
1 Repositório de Objetos de Aprendizagem (Consulta de conteúdos escolares) 4 Meio de comunicação mais popular
2 Ferramentas para exposição de conteúdos (para o professor apresentar aos alunos) 5 Produto e Armazenamento pelo Aluno
3 Comunicação por Imagem

Fonte: Elaborado pela autora deste artigo com base em dados da pesquisa.

Cada Módulo do jogo foi produzido com escolhas baseadas em uma geração dessas gerações. Dessa forma, no Módulo 1, as mídias disponíveis são as tradicionais (originalmente chamadas de “impressas”), mais comuns e conhecidas, mas que nem sempre sabemos usar muito bem. O Módulo 2 traz as mídias do Módulo 1, adicionando as audiovisuais (ou “mídias de massa”) dos anos 1990. Numa atualização da produção em 2019, a 3ª e 4ª gerações (“mídias 2.0” e “mídias virtuais”) foram condensadas no Módulo 3, voltando o foco para as mídias digitais, englobando as mídias das gerações anteriores e incluindo os conteúdos das metodologias ativas e das inteligências múltiplas.

Durante o processo de produção, além do jogo digital completo, foram sendo incorporados novos formatos, no que vem sendo chamado, de um modo bem-humorado, pela equipe de “o universo transmídia” do Game Comenius. Nele estão incluídas versões customizáveis que permitem ao jogador criar missões completas, atuando como game designer para jogar diretamente no jogo digital as suas criações. Também estão os jogos analógicos, mais flexíveis, feitos para serem jogados presencialmente, em grupo, na sala de aula: o jogo de tabuleiro do Módulo 1, o jogo de tabuleiro do Módulo 1 customizável, o jogo de tabuleiro do Módulo 2 e o jogo de cartas, Comenius Pocket.

A seguir, são descritos sinteticamente esses formatos, ilustrados com imagens das versões, disponíveis para serem jogadas de modo aberto e gratuito no site do projeto: http://gamecomenius.com/

3.2.1 Game Comenius - Módulo 1 - digital

O Game Comenius é um jogo educativo do gênero estratégia-casual, com mecânica de tomada de decisões por clique e arraste, ou, ainda, clique e selecione. Ele pode ser jogado por meio de web browsers tanto no computador quanto em smartphones e tablets. A introdução do jogo é feita numa história em quadrinhos e a visão é isométrica, com gráficos cartunizados. A principal atividade do jogador é montar planos de aula e depois testar o seu planejamento numa simulação da sala de aula. Durante o jogo, enquanto é feito o planejamento, é possível acessar quizzes sobre conhecimentos gerais, presentes na praça da cidade, e sobre mídias, jogável no quarto da professora Lurdinha.

Fonte:Game Comenius (2021).

Figura 1 Telas do Módulo 1 - digital 

3.2.2 Game Comenius - Módulo 1 - digital - modo criador ou customizável

O jogo que foi criado para a plataforma REMAR/UFSCar é uma versão que permite a customização por parte do jogador do momento de planejamento de aula com os recursos do Módulo 1 (definições de Procedimentos, Agrupamentos, Espaços, Mídias), para que desenvolva a estrutura e compartilhe seus projetos a fim de aperfeiçoar sua didática com os resultados obtidos.

Ao customizar o jogo é possível:

  • Escolher missões dentro do banco de dados disponível de missões já criadas anteriormente;

  • Criar as próprias missões.

Caso opte por criar suas próprias missões, o jogador poderá definir:

  • Missão e objetivos;

  • Dentro das opções disponíveis, qual o melhor procedimento (aula expositiva, debate etc.), agrupamento (individual, em duplas etc.), espaço (sala de aula, biblioteca etc.) e mídia (quadro negro, livro etc.) que resolva cada missão criada;

  • Feedback geral explicando o motivo das opções corretas para determinada missão;

  • Feedback (opcional) sobre cada uma das quatro opções disponíveis.

Após fazer o planejamento, o sistema gera um link que envia o jogador diretamente para o Módulo 1 online para ser jogado diretamente no Game Comenius. Esse link é compartilhável e jogável sem que seja necessário o jogador se cadastrar na plataforma REMAR. No site do projeto do Game Comenius está disponível um tutorial explicativo sobre o processo.

Fonte:Game Comenius (2021).

Figura 2 Telas de jogos criados no Game Comenius módulo 1 Remar digital 

3.2.3 Transmídia - Módulo 1 - Jogo de Tabuleiro

O Game Comenius - Módulo 1 - Jogo de Tabuleiro tem a proposta de suscitar debates sobre estratégias de sala de aula e mídias a serem utilizadas enquanto os jogadores se divertem jogando. O formato básico é de quatro equipes competindo, mediadas por um mestre que segue as regras contidas em um manual e que vai apresentando os desafios aos jogadores. O tabuleiro segue a lógica do jogo digital, ou seja, as equipes recebem uma carta com uma missão e devem utilizar as estratégias oferecidas pelo jogo para montar sua aula. Quando termina o planejamento, é hora de “dar” a aula. Com o término da aula vem o feedback das escolhas e a resolução do quiz de mídias e a pontuação dos erros e acertos. Na versão tabuleiro existem os imprevistos do dia, que são cartas que podem ajudar ou atrapalhar a aula planejada e se baseiam em possíveis acontecimentos na vida cotidiana de um professor. Além disso, as reações dos alunos também estão disponíveis e podem complicar o desenrolar da aula. No site do projeto, esse jogo está disponível para print and play (ou seja, baixar os arquivos e imprimir para jogar) de todo o material necessário para ser jogado em aula.

Fonte:Game Comenius (2021).

Figura 3 Playmat Tabuleiro Game Comenius módulo 1 

3.2.4 Transmídia - Módulo 1 - Jogo de Tabuleiro customizável

O Game Comenius - Jogo de Tabuleiro customizável - tem como base todo o material (cartas, playmat, manuais do jogador e do mestre) que já está disponível no site, mas traz o desafio de que cada equipe deverá criar uma missão utilizando as cartas de estratégias pedagógicas disponíveis. Quando terminam de elaborar as missões, é hora das equipes trocarem as folhas de planejamento e tentarem planejar a aula como foi concebida pela outra equipe ou dupla. Feito isso, os jogadores apresentam, comparam e discutem os resultados e feedbacks escritos de seus planejamentos. Mais importante que a pontuação é a reflexão sobre as diversas possibilidades de planejamento de aula usando as mídias tradicionais. No site do projeto desse jogo estão disponíveis para print and play tanto as cartas, como o playmat e as tabelas de preenchimento do planejamento das missões que vão permitir ser jogado em aula (Figura 4).

Fonte:Game Comenius (2021).

Figura 4 Página do projeto com os jogos de tabuleiro para print and play 

3.2.5 Transmídia - Comenius Pocket

Em 2019 foi criada uma versão do jogo para cartas e tabuleiro, o Comenius Pocket. Ele é resultado da parceria com o professor do curso de jogos da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), Rafael Albuquerque, e foi finalista do prêmio de Melhor Jogo em Outras Plataformas, do Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital, o SBGames 2019. O Comenius Pocket (ou de Bolso) propõe a experiência de aprendizagem com um jogo de cartas que não pretende definir ou ensinar a melhor estratégia de ensino para educandos. Em vez disso, desafia os jogadores para que, em pequenos grupos, reflitam e discutam coletivamente as missões e os problemas didáticos apresentados, de forma que possam construir seus próprios entendimentos da melhor maneira de exercer a docência com mídias. A mecânica do jogo está baseada no uso de conhecimentos prévios, envolvendo, para ser jogado, um diálogo sobre o conteúdo e a negociação entre os jogadores, possibilitando que sejam reflexivos em seus julgamentos e criativos em suas soluções. O problema a ser resolvido no jogo é apresentado pelas cartas do Professor que apresentam desafios e os feedbacks em forma de missões, inspirados no módulo 2, onde são apresentadas as ideias de teóricos da educação, como Freire, Freinet, Piaget e Vygotsky.

O Pocket também permite a customização, ao trazer cartas em branco que podem ser preenchidas pelos jogadores e serem jogadas da mesma maneira que as missões prontas do jogo. Todos os materiais estão disponíveis para print and play no site do projeto.

3.2.5 Game Comenius - Módulo 2 - digital

No Módulo 2, Lurdinha é levada por Comenius para uma escola dos anos 1990. Lá, ela vai atuar como mídia-educadora, ajudando três professores a enriquecer as suas aulas com as mídias audiovisuais, além daquelas que trouxe do Módulo 1. Os personagens são inspirados em educadores que são professores da escola. As missões apresentadas pelos professores Jean (Piaget), Vladimir (Vygotsky), Paulino (Freire) foram pensadas em consonância com suas teorias e aparecem no jogo sob a forma de falas, caracterização e o resultado das aulas elaboradas.

Fonte:Game Comenius (2021).

Figura 5 Personagens do Módulo 2 - digital 

Como uma continuação do Módulo 1, o jogo possui os mesmos aspectos principais, como as escolhas de mídias dos três momentos da aula, feitas pelo jogador, que joga novamente como Lurdinha. Com acréscimo de novas mecânicas, como a movimentação dos personagens e diálogos entre eles, o jogo se caracteriza mais como um jogo de aventura, indo além da simulação, com foco na coleta das mídias ao longo do jogo. Guiada pelos diálogos, Lurdinha procura os objetos pelo mapa, coletando-os para o planejamento da aula. A principal atividade da personagem que o jogador controla é auxiliar os professores da escola a montar seus planos de aula utilizando mídias audiovisuais integradas ao seu planejamento. No momento de execução das aulas a interação é feita por cliques em ícones para tentar resolver o status atual do aluno.

Fonte:Game Comenius (2021).

Figura 6 Telas do Módulo 2 - digital 

3.2.6 Módulo 2 - digital - Modo criativo

O formato customizável do módulo 2 foi inspirado e funciona de maneira parecida com o modo criador do Módulo 1. O jogador pode criar sua própria missão, tal como as que existem no jogo, com a diferença que no Módulo 2 a customização está dentro do jogo, com uma interface interativa. O foco é no planejamento, permitindo a adaptação para qualquer conteúdo, nível e área de ensino seguindo a BNCC. Pode-se escolher o professor, o local, os procedimentos, os agrupamentos, as mídias (tradicionais e audiovisuais), a pontuação dessas mídias e escrever o texto dos diálogos e dos feedbacks para cada situação.

Fonte:Game Comenius (2021).

Figura 7 Telas Módulo 2 - modo criativo com espaços a serem preenchidos - digital 

A missão criada pode ser impressa como um plano de aula no formato pdf e cada jogador poderá jogar a missão no jogo online de forma direta (sem os diálogos e o passeio pela escola), apenas interagindo com o professor escolhido e planejando a missão na sua sala. Depois das escolhas feitas na agenda, o jogador experimenta a simulação da aula dos três momentos, recebe o feedback dos alunos e a pontuação final pelo que planejou e executou da sequência didática.

3.2.8 Game Comenius - Módulo 3 - digital

O Game Comenius Módulo 3 - mídias digitais - começou a ser produzido no final de 2020 e se constitui em um jogo educativo de estratégia, inspirado em jogos de simulação de gestão, na interface do celular, possibilitando ao jogador utilizar todas as mídias disponíveis atualmente. Quando pronto, será composto por quatro fases, nas quais o jogador irá planejar suas aulas respondendo ao desafio de escolher e seguir os parâmetros didáticos de quatro metodologias ativas: Aprendizagem baseada em Problema, Sala de Aula Invertida, Aprendizagem baseada em Jogos e Aprendizagem baseada em Projetos, e escolher as turmas de estudantes caracterizadas por suas inteligências múltiplas. Dessa maneira, o planejamento busca aproximar a experiência de jogar de uma simulação digital da educação no século XXI.

No protótipo da primeira metodologia pronta (Aprendizagem baseada em Problema), está definida a mecânica geral do jogo para planejar uma aula escolhendo o nível de ensino; a área de conhecimento ou campo de aprendizagem de cada nível e o perfil da turma e do perfil do professor(a) que irá ministrar a aula; uma temática e as mídias digitais adequadas para seu objetivo educacional. No momento da aula, responde a três quizzes e recebe o feedback dos alunos de acordo com o perfil deles e da combinação (de mídias) escolhida para a aula.

Fonte:Game Comenius (2021).

Figura 8 Printscreen de telas do Game Comenius Módulo 3 - protótipo 

As metodologias seguintes do módulo 3 seguirão basicamente essa mecânica, incorporando novos desafios, mídias, cenários e agrupamentos, dentre outros elementos acrescentados a cada aprendizagem.

3.3 Formação para as mídias: diferentes espaços de aprendizagem no projeto

Desde 2015, as versões do Game Comenius têm sido jogadas em diferentes espaços, níveis e modalidades de formação, realizando uma série de atividades mídia-educativas, buscando desenvolver metodologias inovadoras de uso de games na educação, a partir da produção dos Módulos digitais e dos formatos analógicos do Game Comenius.

3.3.1 Modelos de cursos e formulários de pesquisa

A proposta mídia-educativa de utilizar o Game Comenius tem base prática e, ao mesmo tempo, é ferramenta de formação para as mídias e de estudo da produção de jogos, tentando contribuir para a ampliação dos letramentos digitais por meio da análise crítica e criativa dos seus jogadores. O objetivo é que o jogo seja um incentivo à aprendizagem das linguagens e dos modos de produção das narrativas e da lógica das mídias digitais, para que sejam traduzidas por professores (atuantes e em formação) em suas práticas didáticas.

Um exemplo desses formatos pode ser dado pela participação, em outubro e novembro de 2019, no Programa Rede de Saberes do Polo UAB/PMF - Florianópolis, em duas oficinas de quatro horas, para 30 professores da rede pública municipal. Nas oficinas, os participantes jogaram o Game Comenius - Módulo 1 Online e o módulo 2, respectivamente, seguindo a seguinte dinâmica: no início uma sintética apresentação teórica sobre jogos e aprendizagens buscando responder a algumas questões de introdução à temática e ao problema do lúdico na educação, para que os participantes relatassem suas experiências por meio dos jogos: é possível aprender com jogos digitais? O que eles proporcionam? Quais as potencialidades para o processo de ensino-aprendizagem?

Além desses questionamentos, foi mediada uma discussão sobre o conceito de mídia-educação e aprendizagem baseada em jogos, qual a importância de se conhecer o perfil dos jogadores e a relação entre jogos e educação. A seguir, os participantes jogaram, em dupla ou individualmente, o Game Comenius - Módulo 1 e o 2 online, por aproximadamente uma hora. Posteriormente, preencheram um formulário de avaliação do jogo, visando analisar sua proposta pedagógica. Finalmente, foi incentivada uma breve discussão de encerramento sobre a experiência (MULLER; CRUZ, 2020). No Quadro 3 pode-se ver o resultado da análise do jogo feita pelas participantes da oficina.

Quadro 3 Avaliação do jogo e da oficina do Game Comenius Módulo 1 - UAB/PMF 

O perfil das 15 participantes era predominantemente feminino (93%), entre 41 e 50 anos de idade (65%); possuíam título de Especialização (80%), professoras dos anos iniciais e educação infantil, que não jogam na sua grande maioria (mais de 50%). Sobre a análise pedagógica do Game Comenius, os participantes afirmaram que o Módulo 1 do Game Comenius permitiu expandir seu conhecimento de mídias em sala de aula (60%); que o jogo colaborou para sua prática profissional (80%); que sentiram a necessidade de formações com a temática da mídia-educação (93%); empregaram seus conhecimentos anteriores para conseguir jogar (60%); que os elementos do jogo ajudam a/o docente no momento do planejamento (85%); que foi possível aumentar seus saberes no que tange ao planejamento (50%); que o jogo trouxe feedback necessário para a compreensão das escolhas (65%); e que compreenderam o motivo dos três momentos da aula (80%).

Fonte:Müller e Cruz (2020, p. 27).

No final de 2019 e meados de 2020, foram criados dois formatos que ampliam a ideia das oficinas curtas de quatro horas, como a descrita acima, que era a base da pesquisa. O primeiro modelo é um formato autoinstrucional de 20 horas, oferecido como uma proposta aberta, livre para ser replicada e multiplicada, sem que haja necessidade de uma delimitação temporal e em diferentes instâncias, necessidades e condições de formação, conduzido online, na plataforma Moodle. O segundo modelo, de 40 horas, nasceu das contingências da pandemia da Covid-19 e consiste em uma mescla de momentos síncronos e assíncronos, mantendo as bases de produção de dados dos formulários e os textos de referência do Moodle, aos quais foram incorporados encontros virtuais por videoconferência, sob a forma de palestras (lives) ou de encontros para trabalho colaborativo e prático, em grupo. Esses dois modelos são descritos a seguir.

O primeiro foi oferecido dentro do Programa de Formação PROFOR/UFSC (2019 e 2020) como uma proposta de aprendizagem baseada em jogos para professores universitários em estágio probatório, com os seguintes temas: jogos digitais e a educação; experiências e possibilidades de uso; Game design e planejamento didático com mídias lúdicas; prática de análise crítica e produção de jogos na educação, através do Game Comenius.

Durante um mês, as atividades foram realizadas de forma assíncrona no Moodle Grupos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com acompanhamento de tutoria nos fóruns, e seguiram uma sequência semanal de abertura dos tópicos para que fossem feitos de forma consecutiva: leituras de textos de introdução à temática dos jogos em educação, reforçadas por uma discussão em fórum; experiência de jogar nos dois formatos do módulo 1 (jogo pronto e jogo customizável), acompanhado de análise dos jogos em formulários online e em fórum de discussão; reflexão sobre jogos adaptados ao próprio conteúdo do(a) professor(a) jogador(a) a partir da aplicação de um questionário de pesquisa (MÜLLER; CRUZ, 2020).

Após jogar e analisar os jogos nos formulários, os cursistas foram perguntados sobre como poderiam usar o jogo em suas práticas pedagógicas. No Quadro 4 estão reproduzidas algumas das postagens dos cursistas nos fóruns do Moodle do PROFOR 2020/1, como um exemplo dos resultados da oficina, em termos de ampliação dos letramentos dos professores.

Quadro 4 Reflexão dos professores sobre a aplicabilidade do Game Comenius no ensino superior 

Como usar o Game Comenius, módulo 1, na sua prática pedagógica?
  • - “Usar no ensino superior como planejamento de aula”;

  • - “O jogo possibilitou a reflexão dos três momentos da aula, disposição dos alunos em sala, possibilitando novas estratégias a partir disso”;

  • - “O game ajudou a pensar na importância de planejar aulas e escolher as mídias adequadas”;

  • - “Pode ser considerado uma ferramenta que estimula a busca pelo conhecimento”;

  • - “A partir das técnicas sobre planejamento usadas no jogo o professor pode adaptá-las para sua aula”;

  • - “Por abordar diversas metodologias existentes, possibilita ao professor adaptá-las para sua prática docente”;

  • - “Refletir sobre como usar as mídias no processo de ensino-aprendizagem”;

  • - “É possível usar o jogo nas disciplinas de licenciatura”;

  • - “O jogo ajudou a melhor utilizar as mídias para explorar os conceitos trabalhados em sala”;

  • - “O quiz do jogo pode ser utilizado no ensino superior”;

  • - “O jogo pode ser utilizado como simulação para ser jogado antes de os alunos entrarem em campo, ou seja, na sala de aula.”

Fonte: Elaborado pela autora deste artigo com base em dados da pesquisa.

Num segundo momento, quando perguntados sobre como avaliavam o uso do Game Comenius na versão customizável na sua prática pedagógica, nove cursistas afirmaram ser possível usar como ferramenta lúdica de apoio para confecção de aulas por alunos e professores: tanto professores como alunos poderão brincar de planejar suas aulas reais, podendo simular situações, sequências didáticas e estratégias didáticas usando mídias. Outros quatro cursistas afirmaram ser possível usar como atividade lúdica para apresentação de diferentes conteúdos e objetivos didáticos através da reflexão sobre o uso de mídias na educação.

Como última atividade, os professores responderam a um formulário online que serviu de guia para o fechamento reflexivo-prático do curso e que propunha as seguintes etapas: 1) pesquisar na internet e escolher um jogo com potencial pedagógico para suas aulas, descrevendo o processo; 2) analisar os elementos do jogo escolhido; 3) planejar estratégias, conteúdos, modos de usar e avaliar o jogo escolhido (ROSA; CRUZ, 2020).

O segundo modelo de formação continuada foi constituído pelos cursos de extensão oferecidos no segundo semestre de 2020, pelo Núcleo de Produção de Conteúdos Digitais Lúdicos, criado dentro do Grupo EDUMÍDIA/CNPq, em resposta a um edital da Pró-Reitoria de Extensão da UFSC. Tais cursos tinham um formato de 40 horas distribuídas em cinco semanas pelo Moodle Grupos, com momentos síncronos e assíncronos. As atividades síncronas (quatro horas por semana) foram realizadas como duas lives de duas horas cada, para atividades de produção coletiva e lives com convidados especialistas dos temas abordados. As atividades assíncronas foram realizadas utilizando o Moodle Grupos da UFSC e incluíam leituras orientadas, acesso a vídeos e realização de atividades individuais e em grupo, com atendimento de monitoria. As atividades semanais foram diversificadas, em formato de Webquests ou desafios, a serem resolvidos semanalmente, e seguiram as bases já construídas nos outros cursos e oficinas, bem como os formulários utilizados anteriormente.

Nos fóruns e questionários respondidos durante os cinco cursos, os participantes narraram que ampliaram os seus conhecimentos e seu repertório cultural relativo à aprendizagem baseada em jogos e o uso de mídias nos ambientes formativos. Alguns relatos colocados nos fóruns do Moodle são citados no Quadro 5.

Quadro 5 Reflexão dos professores sobre o que aprenderam com os jogos 

  • - “Aprimorei meus conhecimentos de planejamento utilizando diversas mídias. Além de ter relembrado algumas teorias pedagógicas”;

  • - “Com o jogo, aprendi como realizar e estruturar um planejamento, aprofundar sobre as mídias, suas funcionalidades, como usá-las, refletir sobre o ensino-aprendizagem e a relação professor-aluno”;

  • - [aprendi] “a trabalhar com mídias com as quais tive pouco contato, bem como a ressignificá-las em minhas propostas de práticas docente atuais”;

  • - “Pude perceber que mesmo com a tecnologia atual, algumas mídias nunca saem de ‘moda’ e que podemos usar essas ferramentas mais antigas para tornar a docência mais diversa e lúdica.”

Fonte: Elaborado pela autora deste artigo com base em dados da pesquisa.

Como parte da metodologia desenvolvida para a pesquisa nas oficinas, os formulários online desde o início têm sido o ponto forte para a alimentação tanto do desenvolvimento do jogo (DBR), como da formação para as mídias (mídia-educação). A título de exemplo sobre a efetividade dessa estratégia, no Quadro 6 estão algumas respostas dos cursistas sobre o formulário final, que propunha a pesquisa, reflexão e planejamento sobre o uso de jogos digitais em diferentes níveis de ensino e áreas de conhecimento.

Quadro 6 Avaliação pelos cursistas do formulário de pesquisa sobre jogos 

  • - “O questionário serviu como um modo de pensar o próprio processo de ensino

  • - aprendizagem na medida em que enfatiza o esforço de pensamento sobre o processo de escolha de um jogo digital para uma atividade pedagógica”;

  • - “Gostei da experiência de pesquisar, analisar e pensar em jogos digitais na minha prática pedagógica. Às vezes não nos damos conta deste universo das mídias digitais que estão a nossa volta e que podem ser utilizados como importantes ferramentas no processo ensino aprendizagem de nossos estudantes”;

  • - “Gostei porque pude pesquisar jogos na minha área e descobri que existem outras formas de ensino/aprendizagem que nunca me foram apresentadas.”

Fonte:Rosa (2020, p. 183).

Conclusões

A pesquisa com o Game Comenius: o jogo da didática começou com uma proposta de produzir um jogo que pudesse ser a base de uma formação mídia-educativa. O jogo foi criado para oferecer uma formação lúdica para as mídias através da experiência de jogar com o Game Comenius, pensar sobre ele e também produzir missões/planejamentos de aula, autorando através dele. Por causa desse objetivo, ao invés de esperar terminar o jogo para publicá-lo, desde o início, os testes dos protótipos foram feitos em formato de oficinas, em todas as instâncias e públicos possíveis.

Com isso, o processo de produção sempre esteve diretamente vinculado à busca, humildemente aberta a críticas, junto ao público-alvo, de elementos que tornassem o jogo divertido e, ao mesmo tempo, desafiante. A ideia central era romper com preconceitos, ampliar repertórios e dialogar sobre a temática, tanto conduzindo a reflexão em formulários online respondidos individualmente, quanto levantando suas percepções nas discussões em grupo, motivadas pela experiência vivida presencialmente na oficina.

Seis anos passados desde que o projeto teve início, em 2015, novas perguntas estão sendo feitas, dentre elas: como saber o que os professores e estudantes aprendem com os jogos e como ocorre essa apropriação e ampliação dos seus letramentos midiáticos? A experiência com o Game Comenius muda as práticas pedagógicas e leva os professores a incluir os jogos e as mídias no planejamento didático e no seu cotidiano escolar? Quais são os desafios que enfrentam e como solucionam (ou não) os obstáculos para isso?

Tais perguntas não podem ser respondidas com os instrumentos de pesquisa que estão sendo utilizados. Elas exigem uma revisão do enquadramento teórico para, dentre outras ações, avançar na conceituação da especificidade do game design de jogos educativos e do processo de adoção da inovação. Por outro lado, as estratégias formativas desenvolvidas até agora mostram que é preciso criar não apenas oficinas esparsas, ou cursos interligados por uma temática ou um jogo, mas um Programa de Formação de Aprendizagem Baseada em Jogos, voltado para esses questionamentos, que atinja diferentes níveis de necessidades e que consiga acompanhar seus resultados práticos no “chão da escola”. Tal formação precisa avançar no conhecimento sobre a compreensão da aprendizagem que a experiência de jogar, analisar e criar jogos é percebida pelos jogadores, se ela deixa marcas e significados e se permanece através das práticas pedagógicas posteriores à formação.

Finalmente, espero ter demonstrado neste texto que, ao propor a inclusão das mídias na educação de forma interdisciplinar, baseada na formação docente, o Game Comenius responde aos requisitos dos novos currículos (BNCC) por seu caráter inovador. Destinado a professores da educação básica à superior, também vem sendo bem compreendido e jogado por estudantes de licenciatura. Em seus formatos digital e analógico (tabuleiro e cartas), é aderente à educação presencial e, ao mesmo tempo, à aprendizagem a distância, tendo sido testado durante as oficinas e cursos oferecidos durante a pandemia em 2020 e está adaptado para o acesso em ambientes virtuais como o Moodle.

Talvez a mais importante missão do projeto (e da Lurdinha e seu mentor Comenius) seja, enfim, a de contribuir, através de um jogo mídia-educativo, para diminuir a lacuna desse produto cultural nas práticas escolares, em prol de uma educação lúdica em que se inclua a realidade midiática dos jovens aprendizes.

1Agradecimentos ao CNPq pela bolsa produtividade que apoia esse projeto.

2A [classic] game is a rule-based formal system with a variable and quantifiable outcome, where different outcomes are assigned different values, the player exerts effort in order to influence the outcome, the player feels attached to the outcome, and the consequences of the activity are optional and negotiable (JULL, 2003, p. 33).

REFERÊNCIAS

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Recebido: 13 de Maio de 2021; Aceito: 08 de Outubro de 2021

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