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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versão impressa ISSN 0104-7043versão On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.64 Salvador out./dez 2021  Epub 19-Mar-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n64.p210-225 

DOSSIÊ TEMÁTICO

“NÃO SOU OBRIGADO A SER CULT”: O #MUSEUdeMEMES ENQUANTO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO, INOVAÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

“I AM NOT OBLIGATED TO BE CULT”: THE #MEMESMUSEUM AS SPACE OF EDUCATION, INNOVATION AND SCIENTIFIC DIVULGATION

“NO SOY OBLIGADO A SER CULT”: EL #MUSEOdeMEMES COMO ESPACIO DE EDUCACIÓN, INNOVACIÓN Y DIVULGACIÓN CIENTÍFICA

Kaio Eduardo Oliveira* 
http://orcid.org/0000-0002-5390-0593

Edvaldo Souza Couto** 
http://orcid.org/0000-0002-2648-9399

Cristiane de Magalhães Porto** 
http://orcid.org/0000-0001-5622-030X

*Doutor em Educação pela Universidade Tiradentes (UNIT). Professor das Faculdades Integradas de Sergipe (FISE). Aracaju, Sergipe, Brasil

**Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor Titular na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador, Bahia, Brasil

***Doutora em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora na Universidade Tiradentes (UNIT). Aracaju, Sergipe, Brasil


RESUMO

Memes são artefatos cada vez mais importantes na dinâmica comunicacional da cibercultura. Eles nos possibilitam diferentes formas de compreender o mundo a partir da autoria em rede. Sua amplitude e propagação na internet tornam-se uma espécie de termômetro da opinião pública a respeito de múltiplos temas, fatos ou acontecimentos. Expressos em diferentes linguagens digitais (áudios, gifs, imagens, vídeos), fazem sucesso nas redes sociais digitais, nas salas de aulas, presenciais e remotas, no #MUSEUdeMEMES, um museu on-line, derivado de um projeto da Universidade Federal Fluminense (UFF). Neste contexto, o objetivo do artigo é analisar a atuação do #MUSEUdeMEMES na educação, inovação e divulgação científica, promovendo aprendizagens na cibercultura. O método usado foi o qualitativo, de cunho descritivo e analítico, e a técnica de análise dos dados foi a da análise de conteúdo. O artigo conclui que a ambiência comunicacional da cibercultura tem permitido a reconfiguração de diferentes fenômenos no contexto digital e que neste ciberespaço museal é possível experimentar uma série de vivências que perpassam as presencialidades, entre o físico e o on-line, as subjetividades e as performances culturais. Estas vivências fazem do #MUSEUdeMEMES um ambiente dinâmico de educação, inovação e divulgação científica na era das conectividades.

Palavras-chave: tecnologia educacional; educação para a inovação; divulgação científica; cultura digital; ambiente virtual de aprendizagem

ABSTRACT

Memes are artifacts more and more important in the communicational dynamics of digital culture. They make it possible to see many forms to understand the world from network authorship. Its amplitude and spread on the Internet become a kind of public opinion thermometer about several subjects, facts or events. Expressed in many different digital languages (audios, gifs, images, videos), they make success in social digital social networks, in classrooms, face-to-face or remote, in the #MemeMuseum, an online museum, derived from a project of Fluminense Federal University (UFF). Therefore, the objective of this article is to analyze the operation of #MemesMuseum in education, innovation and scientific divulgation, promoting learning in cyberculture. The used method was the qualitative method, descriptive and analytic and the data analysis technique was content analysis technique. This paper concludes that the communicational ambience of cyberculture has allowed the reconfiguration of many phenomena on the digital context and that, in this cyberspace of museum, it is possible to sample a serie of experiences which pervade the presentialities, between the physic and the online, the subjectivities, the cultural performances. These experiences make the #MemesMuseum a environment of dynamic education, innovation and scientific divulgation, in the connectivity era.

Keywords: educational technology; education for innovation; scientific divulgation; digital culture; virtual learning environment

RESUMEN

Memes son recursos cada vez más importantes en la dinámica comunicacional de la cultura digital. Ellos nos posibilitan distintas formas de comprender el mundo desde de la autoría en red. Su amplitud y propagación en internet se convierten en una especie de termómetro de la opinión pública a respeto de múltiplos temas, hechos o acontecimiento. Expresos en diferentes lenguajes digitales (audios, FIGS, imágenes, vídeos), hacen suceso en las redes digitales, en aulas de clase, presenciales y remotas, en el #MUSEOdeMEMES, un museo en-línea, derivado de un proyecto de la Universidad Federal Fluminense (UFF). En este contexto, el objetivo del artículo es analizar la actuación del #MUSEOdeMEMES en la educación, innovación y divulgación científica, promoviendo aprendizajes en la cibercultura. El método utilizado fue el cualitativo, de carácter descriptivo y analítico y la técnica de análisis de los datos ha sido el análisis de contenido. El artículo concluye que el ambiente comunicacional de la cibercultura permite la reconfiguración de diferentes fenómenos en el contexto digital y que, en este espacio museístico, es posible experimentar una serie de vivencias que y la presencia, entre el físico y el en-línea, las subjetividades, las performances culturales. Estas vivencias hacen del #MUSEOdeMEMES un ambiente dinámico de educación, innovación y divulgación científica en la era de las conectividades.

Palabras clave: tecnología educacional; educación para la innovación; divulgación científica; cultura digital; ambiente de aprendizaje virtual

Introdução

Memes são artefatos cada vez mais importantes na dinâmica comunicacional da cibercultura. Em seu modo de expressão, nos possibilitam diferentes formas de compreender o mundo a partir da autoria em rede de determinados grupos. Em sua amplitude e propagação na internet tornam-se uma espécie de termômetro da opinião pública a respeito de múltiplos temas, fatos ou acontecimentos. Eles sugerem representações coletivas, tomadas acerca de um episódio e de questões que podem produzir situações de aprendizagens mediante narrativas postas em circulação.

Assim, estudar os memes é importante para compreendermos um pouco mais sobre nossa sociedade e sobre nossos modos de expressão em rede. Não obstante, para compreendermos, também, como e em que medida as transformações do ambiente digital impactam no debate cotidiano e na produção de sentidos e subjetividades.

Desse modo, a produção de memes pode ser entendida como um tipo de linguagem que facilita o acesso das pessoas ao debate e à informação em rede. É necessário discutir sua dinâmica comunicacional, já que um meme pode ser uma linguagem representativa desse contexto e do nosso modo de ser e estar na cibercultura. É igualmente importante problematizar os memes como linguagem carregada de pedagogias que promovem educação, inovação e divulgação científica.

Presentes em diversos ambientes da internet, os memes resultam e acarretam diversas interações construídas por produtores, difusores e consumidores, e podem estar articulados a cada visão de mundo de quem os cria. Todavia, tendem a ser muito mais democráticos, porque podem ser produzidos, reconfigurados e replicados por qualquer usuário da internet munido de um editor de imagens ou aplicativos, e com acesso a um ambiente que possibilite compartilhamento, a exemplo das redes sociais digitais. A partir de uma estética, intencionalmente, grotesca em muitos casos, o elemento original passa a ser seu caráter multissemiótico: pode ser uma frase ou sequência de frases, uma imagem, um vídeo, um gif ou uma mistura desses elementos.

A viralização, que é oriunda do termo viral no ambiente digital, remete a algo que se espalha de maneira contagiosa, disseminando-se na internet. Como o compartilhamento de memes gera nos usuários das redes sociais uma sensação de pertencimento, a viralização é uma das características mais marcantes dos memes que são compartilhados milhões de vezes. No entanto, vale destacar que nem todos os memes são virais, uma vez que muitos destes artefatos culturais são ressignificados, reconfigurados e passam a incorporar novos elementos da autoria de cada usuário e nem sempre permanecem da mesma forma ou interessam a tantas pessoas.

O compartilhamento dos memes ressalta seu caráter efêmero. A partir da ótica destas questões podemos pensar a sociomaterialidade dos memes em linguagem digital (áudios, gifs, imagens, vídeos), que em muitas circunstâncias refletem a produção e a autoria de sujeitos implicados em rede, mas que replicam seus sentidos e subjetividades sobre as discussões públicas, embora não haja uma ampla preservação deste acervo e de suas representações. Artefatos digitais como estes estavam constantemente em risco, costumavam ter vida curta, desaparecer no fluxo das redes. Tendemos a não lhes atribuir o mesmo valor cultural e intelectual que damos a objetos tangíveis e físicos, como os que estão presentes em muitos museus de história e ciências. Esta condição se modifica significativamente com o surgimento de museus que se dedicam a colecionar, preservar e educar por meio de memes.

Diante dessas questões, o objetivo do artigo é analisar a atuação do #MUSEUdeMEMES na educação, inovação e divulgação científica, promovendo aprendizagens na cibercultura. O estudo foi desenvolvido por meio da pesquisa qualitativa, de cunho analítico e descritivo. O #MUSEUdeMEMES é museu on-line, derivado de um projeto da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Brasil, cujo acervo serve de referência para pesquisadores interessados na investigação sobre a cultura dos memes, do humor e das práticas de construção de identidades e representações em comunidades on-line, além de agregar um repositório sobre diversos memes que são replicados nas redes.

A linguagem dos memes na cibercultura

Nos últimos anos, com a ampliação da comunicação mediada por computadores e dispositivos móveis, com a popularização das redes sociais digitais e dos aplicativos, as pesquisas e os debates sobre os memes como fenômeno da cibercultura tem se intensificado (HORTA, 2015). No entanto, ainda é comum pensar os memes apenas pela ótica da internet, sem atribuir a dinâmica atual deste gênero de linguagem às proposições teóricas e culturais desde os anos de 1970.

Em alguns trabalhos (BAUCKHAGE, 2011; BUCHEL, 2021; CARACCIOLO; PENNER; AMARAL FILHO, 2011), as reflexões sobre memes apontam que se trata de um fenômeno novo, típico da internet. Entretanto o conceito de meme foi criado na década de 1970. Meme é um termo grego que significa imitação. Quase sempre se falava em meme como uma imitação ou paródia, marcada pelo humor, que se espalhava pelos meios de comunicação de massa, especialmente pelos jornais, revistas, rádio, televisão e cinema. Deste modo, conceitualmente, a noção original de memes é anterior à internet. Desenvolvido por Dawkins (2007), no livro O Gene Egoísta, o conceito original remete a ideias rapidamente passadas adiante, com grande popularidade, de geração em geração, em analogia ao gene, na cultura.

Depois da proposição de Dawkins (2007), pesquisadores de outros campos, como a Filosofia, a Psicologia e a Sociologia, expandiram este conceito tentando torná-lo um pouco mais preciso e útil para o desenvolvimento de suas próprias pesquisas. Foi neste contexto que Blackmore (1999) chamou a atenção para o fato de que os memes podem não ser apenas ideias, mas também comportamentos. Comportamentos adquiridos por imitação também são memes.

Ao longo dos últimos anos, a noção de memes passou por variadas reconfigurações, inclusive algumas por usuários da própria internet. No final da década de 1990 e anos 2000, por exemplo, alguns usuários de comunidades on-line chamavam de memes alguns conteúdos que compartilhavam entre si e piadas internas (MARTINS FILHO; FIALHO, 2011). É a partir desta ação de autoria em rede que passamos a entender os memes como uma linguagem da comunicação em rede que pode ser espalhada como uma imagem, um vídeo, uma animação curta, um áudio ou até mesmo um texto (FONTANELLA, 2009).

Assim, na cibercultura, um meme pode ser uma estrutura replicada pela linguagem digital, em um processo de ressignificação pela autoria de cada sujeito, implicada em conteúdos propagados pela internet. Para além dessa compreensão, de modo muito popular e superficial, reconhecemos ainda os memes como correntes de mensagens, imagens legendadas, as piadas mais ácidas na internet, entre outras situações (CHAGAS, 2020).

Além de notabilizaram-se como peças comunicacionais importantes na nossa conversação na cibercultura, as experiências com memes, de igual modo, reconfiguram outras linguagens e outros ambientes digitais. Assim, os memes na internet se articulam como uma linguagem midiática, nativa da cultura digital, e permitem e exigem uma nova experiência de letramento midiático (BARBOSA; VIAN JÚNIOR, 2018).

Se observarmos a influência dos memes na linguagem televisiva nos últimos anos, por exemplo, percebemos como a comicidade, o humor e outras características têm sido incorporadas a este ambiente de comunicação de massa. É possível apontar também a influência dos memes no ambiente político e nas discussões públicas que tencionam nosso cotidiano (MILNER, 2012). Os memes se compõem, portanto, como fenômeno típico da cibercultura, mas são capazes de extrapolar as fronteiras da internet como uma linguagem presente em múltiplas instâncias comunicacionais do nosso dia a dia. É importante aqui considerar o fenômeno da convergência midiática (SILVA; COUTO, 2008), que mistura, recicla e promove inúmeras bricolagens de conteúdos e veículos de comunicação que antes eram distintos, mas que agora convergem, a exemplo da radioweb, da smart TV, computador, leitor digital, etc. para os smartphones.

O tipo de humor e comicidade implicados em cada tipo de meme também é um componente importante na construção da linguagem memética que viraliza na internet. Shifman (2014) descreve o que chama de “sucesso viral” e “sucesso memético”. Um item terá maior sucesso viral quanto maior for a probabilidade de seu compartilhamento. O sucesso memético, por sua vez, está ligado à probabilidade de se gerarem respostas criativas a determinado item, por meio de edições ou remixagens.

Sob a ótica da informação e da produção de pedagogias que resultam em situações de aprendizagens, podemos apontar que os memes apresentam os pilares que Charaudeau (2010) considera como essenciais na construção de qualquer gênero de informação: visibilidade, inteligibilidade e espetacularização. O desafio de visibilidade pressupõe a atração da atenção do público. Quanto à inteligibilidade, o gênero discursivo deve tornar o conteúdo interessante e acessível. O desafio de espetacularização relaciona-se à forma como o conteúdo suscita interesse ou emoção do interlocutor.

Nessa dinâmica comunicacional e pedagógica memética, a acirrada disputa por nossa atenção nos ambientes on-line se configura e, por mais que nos deparamos com incontáveis memes por dia, somente alguns se sobressaem à competição e à vasta quantidade de informação em rede (RECUERO, 2006). Embora possam parecer elementos triviais e leigos, os memes podem refletir estruturas culturais, sociais e psicológicas significativas em nosso cotidiano, criticam a cultura e a política, divulgam saberes de muitas ordens, contribuem para inovar e popularizar ideias e comportamentos ciberculturais e, como veremos a seguir, para divulgar ciência.

#MUSEUdeMEMES: educação, inovação e divulgação científica

A ambiência comunicacional da cibercultura tem permitido a reconfiguração de diferentes fenômenos para o contexto digital. Deste modo, os museus também têm se ressignificado e possibilitado diferentes experiências mediadas pela linguagem digital em rede. A partir do ciberespaço museal é possível experimentar uma série de vivências que perpassam as presencialidades a partir do audiovisual e da estética da linguagem digital, que permite a construção de variados ambientes de educação, inovação e divulgação científica.

Existem muitas nomenclaturas utilizadas para definir a presença de museus no ciberespaço: Cibermuseu, Museu Eletrônico, Museu digital, Museu On-line, Museu na Web, dentre outros. As diferenças entre elas ainda estão em construção, uma vez que se trata de um fenômeno novo. Isto quer dizer que não existe consenso e muitas vezes os pesquisadores usam esses termos como sinônimos (OLIVEIRA, 2020). Ao ponderarmos tal multiplicidade de termos, neste artigo preferimos usar a expressão ciberespaço museal para nos referirmos à digitalização dos acervos na promoção de novas dinâmicas de construção, disponibilização, acesso e comunicação de heranças culturais materiais e imateriais, com a consequente ampliação das interações entre as obras e os usuários (MELLO, 2013).

De um lado, nos últimos anos, museus físicos passaram a digitalizar muitas de suas obras e a oferecer exposições, permanentes ou temporárias, em ambientes virtuais. Atualmente é possível fazer visitas virtuais a praticamente todos os museus. Com as experiências da sociedade em rede, a museologia também vem encontrando novos modos de compor, preservar, exibir acervos e interagir com pessoas em ambientes da internet. Museus físicos encontraram na virtualização um complemento para inovar suas ações culturais e educacionais. De outro lado, vimos surgir os museus virtuais, aqueles sem estrutura física, sem acervos materiais, mas construídos em plataformas da internet e com obras, interativas ou não, digitais (TEIXEIRA, 2014).

O ciberespaço museal democratiza o acesso à produção artística, pois possibilita que qualquer pessoa conectada à internet possa, em qualquer tempo ou lugar, vivenciar experiências estéticas, visitar e interagir com os diversos acervos ou obras, especialmente com as novas linguagens artísticas que surgiram ou se desenvolveram intensamente na era das conectividades, como no caso do tema deste artigo, os memes. Por essa razão, tomamos como objeto de estudo #MUSEUdeMEMES (2021a). Trata-se de um museu on-line, desenvolvido a partir de um projeto da Universidade Federal Fluminense (UFF), através do departamento de Estudos Culturais e Mídia. O #MUSEUdeMEMES consiste em uma atividade que envolve pesquisa, inovação em ensino e divulgação científica. Tem como principal escopo a implementação de um espaço para discussão sobre a cultura dos memes e o desenvolvimento da pesquisa acadêmica sobre o tema.

O #MUSEUdeMEMES é um projeto da Universidade Federal Fluminense que tem entre seus objetivos principais: 1) a constituição de um acervo de referência para pesquisadores interessados na investigação sobre o universo dos memes, do humor e das práticas de construção de identidades e representações em comunidades virtuais; 2) a realização de eventos abertos ao público para debate sobre temas relacionados aos memes de internet; 3) o desenvolvimento de um projeto de experimentação em linguagem midiática voltado para a exploração de temas através de recursos lúdico-interativos e exposições multimidiáticas; 4) a orientação em projetos de pesquisa, iniciação científica e inovação tecnológica atravessadas por suas linhas temáticas; 5) o compartilhamento de reflexões e dados, brutos e tratados, para aproveitamento ulterior em pesquisas na área; e 6) o reconhecimento e testagem de aplicações voltadas à gestão de acervos e coleções em ambiente online de fácil reaproveitamento por projetos congêneres. (#MUSEUdeMEMES, 2021a).

O #MUSEUdeMEMES surgiu de um interesse em discutir o fenômeno de forma aprofundada, conjugando pesquisa e extensão no âmbito da universidade. A proposta é ser uma provocação sobre o lugar da cultura popular de internet, um questionamento sobre o papel dos museus e da memória popular e, claro, uma plataforma lúdica para acompanhar as transformações na comunicação e nos comportamentos das vidas ciberculturais.

Como espaço de pesquisa, ensino e extensão, o #MUSEUdeMEMES reúne um conjunto de atividades pedagógicas que são desenvolvidas pela equipe do projeto desde meados de 2011, tais como reuniões do grupo de pesquisa coLAB, (meta)laboratório de comunicação, culturas políticas e economia da colaboração e eventos abertos ao público. Os encontros periódicos são compostos de projeções de memes - semelhantes a cineclubes -, seguidas de debates. Ao longo dos anos, temas como a cultura LGBT, as pessoas que se transformam em celebridades do dia para a noite por causa de memes, eleições, olimpíadas e muitos outros já foram apresentados nos eventos, que com o tempo se transformaram em uma pequena exposição temática, que deu origem, então, à criação do #MUSEUdeMEMES (UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, 2017).

Esse conjunto de atividades demonstra como o #MUSEUdeMEMES inova no campo museológico, bem como no campo na educação. A inovação é um conceito complexo, com várias abordagens, diferentes concepções epistemológicas e ideológicas. Em sentido mais amplo, indica a exploração de novas ideias com sucesso, benefícios para uma determinada população, lucro para uma empresa, bem-estar pessoal etc. Podemos falar, por exemplo, de inovação dos objetos técnicos quando, segundo Simondon (1989), a ação de um objeto é capaz de modificar os modos de vida e os comportamentos das pessoas, isto é, quando modificam e dinamizam a cultura. Podemos falar, também, em inovação educacional quando desenvolvemos diferentes e mais eficazes metodologias de ensino, quando adotamos ou criamos novos serviços, tecnologias, processos, competências que levem à melhora de aprendizagem, por meio de formações transdisciplinares, criando redes de professores e aprendentes, integrando participantes em redes interativas. E, ainda, ampliando o círculo de atuação das pesquisas e do ensino por meio de redes que alcancem diversos outros segmentos da sociedade (KENSKI, 2015). Nesse sentido, do ponto de vista da educação, a inovação é sempre uma mudança com caráter positivo (TAVARES, 2019).

O #MUSEUdeMEMES, similarmente, educa e inova no campo da divulgação científica. A divulgação científica é um conjunto de atividades que busca promover o acesso ao conhecimento científico para públicos não especializados. Neste sentido, falamos em popularização da ciência. Inúmeros meios de comunicação, massivos ou pós-massivos, e instituições podem ser veículos para divulgar ciência: rádio, jornais, revistas, cinema, televisão, escolas e universidades, museus, a internet. Na cibercultura, a internet se tornou uma rede privilegiada para a divulgação científica, devido à facilidade de uso, possibilidade crescente de distribuição e mixagem de conteúdos e amplo alcance entre milhares de pessoas conectadas. A internet se tornou a rede que integra diversas experiências de produção e compartilhamento de conteúdo sobre ciência. “O uso da Internet para divulgação científica no Brasil ocorre principalmente quando centros e museus de ciência, instituições científicas, grupos de pesquisa em divulgação científica, alguns órgãos governamentais e pesquisadores individuais realizam as iniciativas.” (MASSARANI; MOREIRA, 2021, p. 117).

O #MUSEUdeMEMES é um importante veículo para a divulgação científica porque, sendo produto da internet, oferece a resposta e a replicação instantânea e faz com que a produção e o compartilhamento de um meme sobre, por exemplo, um fato científico, mesmo problematizando com deboche e de forma satírica, trabalhe de maneira quase ininterrupta em sua produção. Ao colecionar, construir um acervo sobre memes, este museu usa de

[...] elementos com diferentes formatos e recursos multimídia para construir um diálogo que se diferencia em muitos aspectos da comunicação científica institucionalizada. Essa produção cria paralelamente uma forma de comunicação científica, deslocando e propondo um lugar outro de circulação de informação, de ideias e fatos científicos. Com seu segmento de público, um meme propõe e expõe determinado argumento, interpretado, por cada sujeito ativo no compartilhamento, ou que apenas recebe, interpreta e atribui sentido à linguagem digital, por meio de sua leitura singular. (OLIVEIRA; PORTO; CARDOSO JUNIOR, 2020, p. 2).

Ao considerarmos esse arrazoado, fizemos a seleção de alguns memes do acervo do museu, de acordo com o objetivo do nosso estudo, que são apresentados como resultados da pesquisa e analisados para embasar o argumento que construímos: o #MUSEUdeMEMES é um ambiente dinâmico de educação, inovação e divulgação científica na era das conectividades.

Metodologia da pesquisa

O método utilizado na elaboração da pesquisa foi o qualitativo, de cunho descritivo e analítico (CRESWELL, 2011; STRAUSS; CORBIN, 2008) e a técnica de análise dos dados foi a da análise de conteúdo (BARDIN, 1977; FRANCO, 2020; MORAES; GALIAZZI, 2013). Para selecionar o corpus empírico, isto é, os memes utilizados neste artigo, foi realizado uma imersão, por um período de um mês, no ciberespaço museal. Esta imersão teve o propósito de identificar e avaliar alguns indicadores de usos de memes com funções pedagógicas que inovam ações de divulgação científica, como: periodicidade de atualização dos conteúdos, linguagem e interatividade.

Bardin (1977) classifica a etapa inicial da análise de conteúdo como “pré-análise”. Na pré-análise a organização do material a ser analisado tem por objetivo torná-lo operacional, sistematizando as ideias preliminares. Assim, a imersão no ciberespaço museal do Museu de Memes nos possibilitou definir o que seria analisado; por meio desta etapa de pré-análise também ocorreu a formulação do objetivo do estudo, bem como a elaboração de indicadores para a definição dos memes e suas categorias que constituiriam o corpus de análise nas etapas seguintes da pesquisa.

O #MUSEUdeMEMES não tem a finalidade específica de fazer divulgação científica. Seu acervo reúne coleções com as mais diversas temáticas e interesses, inclusive o de entretenimento. Entretanto, considerando o objetivo do nosso estudo, selecionamos memes e coleções de memes que retratam de modo exemplar uma problemática relacionada ao contexto pandêmico da Covid-19. Com esses memes escolhidos pudemos observar como e de que maneiras essas produções, partes expressivas do acervo exibido em março de 2021, e o próprio museu atuam para educar, inovar e promover a divulgação científica.

Como os memes são ambiências dinâmicas e com produção de informação veloz e constante, para efeito desta proposta levamos em consideração apenas posts relacionados a fatos e questões científicas que possibilitam análises relacionadas à educação, inovação e divulgação de ciência. Ou seja, que exemplificam a sociomaterialidade do objeto, mediante as subjetividades e rastros inerentes ao que a curadoria do ciberespaço museal permite.

Desse modo, a exploração do material representa neste trabalho a segunda fase da Análise de Conteúdo, que para Bardin (1977) compreende a definição de categorias e a identificação das unidades de registro e das unidades de contexto nos documentos a fim de compreender a significação exata do objeto de análise. Esta exploração do material é uma etapa importante, pois pode viabilizar ou não a riqueza das interpretações e inferências. É considerada a fase da descrição analítica, a qual diz respeito ao corpus (todo e qualquer material textual coletado). Dessa forma, a classificação e a categorização são elementos necessários nesta fase.

Portanto, a análise de conteúdo nos recortes a seguir permitiu estabelecer um exame detalhado, decompondo cada meme ou suas coleções em partes constituintes e distinguindo as singularidades em diversas formas. Assim, a descrição e a análise adiante são apresentadas como fragmentos de ações de divulgação científica, nem sempre intencionais, mas articuladas a enunciados e a unidades de informação que exigem um exercício de leitura e tradução de seus significados, que podem despertar a participação e o interesse pela ciência, e pela educação para a ciência, por meio de sua representação e correlação aos fatos estudados.

Os recortes apresentados não foram escolhidos com o propósito de avaliar, comparativamente, se as coleções de memes exibidas pelo #MUSEUdeMEMES popularizam mais ou menos a ciência que outras ações de divulgação científica. Buscamos, com esses exemplos, evidenciar que os memes promovem um deslocamento da linguagem e da ação da divulgação científica devido à incorporação de elementos lúdicos e estéticos, implícito às práticas culturais da cultura contemporânea. Tais aspectos possibilitam o engajamento e a interatividade por meio da autoria individual e colaborativa, em que qualquer sujeito pode se apropriar e integrar a produção de sentidos e não apenas consumi-los, mas também produzir a própria versão ao passo que podem se apropriar dos discursos e das informações. Portanto, não se trata de indicar o lugar que o museu ocupa numa suposta hierarquia de veículos ou modos para divulgar ciência, mas de argumentar que, ao seu modo, e por meio de memes, o museu educa e desenvolve ações inovadoras importantes que contribuem para ampliar o alcance, para popularizar o conhecimento científico.

Portanto, a terceira fase da análise de conteúdo neste trabalho diz respeito ao tratamento dos resultados, inferência e interpretações. É nesta etapa que os resultados são tratados, é nela que ocorre a condensação e a ênfase das informações, resultando nas interpretações e inferências. É o momento de análise reflexiva e crítica, como aponta Bardin (1977).

Com essas orientações metodológicas, passamos, a seguir, a descrever o processo de análise e codificações da pesquisa.

Resultados e análises

Começamos esta seção de tratamento dos resultados, inferências e interpretações com a imagem da página inicial do #MUSEUdeMEMES.

A partir da Figura 1, captura de tela da página principal do #MUSEUdeMEMES, é possível ilustrar que o ambiente on-line do museu se articula como um repositório feito a partir dos memes da internet, apresentando coleções diversas, variações de cada coletivo de memes, gêneros e formatos, histórias, questões conceituais que se relacionam à cultura dos memes. Além de diferentes materiais que permitem um maior aprofundamento a respeito destes artefatos que circulam em mídias sociais e outros ambientes da internet.

Fonte:#MUSEUdeMEMES (2021a).

Figura 1 Home #MUSEUdeMEMES 

Além de um ambiente de interatividade e inovação, o museu também funciona como uma fonte de pesquisa sobre diversos memes, seus sentidos e significados, uma vez que disponibiliza um acervo que apresenta origens, características e variações em diferentes formatos. Não obstante, é possível, similarmente, encontrar as correlações destes artefatos com questões que mediam o debate público, com destaque para o debate sobre a pandemia da Covid-19, a partir de março de 2020.

Além de um amplo acervo de memes, o museu disponibiliza em seu menu uma aba que concentra um dos maiores levantamentos bibliográficos das pesquisas publicadas sobre memes, que funciona como uma espécie de biblioteca geral de publicações sobre o fenômeno dos memes. No menu “artigos e entrevistas” encontramos textos que discutem questões mais pontuais sobre a cultura dos memes, além de algumas entrevistas com páginas e produtores de memes populares nas redes sociais, com linguagem e formato mais acessíveis ao público em geral.

É possível, em meio à dinâmica da divulgação de ciência por meio de memes, trazer à tela definições e redimensionamentos acerca dessa maneira de comunicar ciência para o grande público. Ou seja, a ciência se destina a envolver pessoas, ouvir suas preocupações, levar em conta seus pontos de vista, explicar ideias, mostrando que, muitas vezes, ceticismo, superstição e interesses comerciais cínicos representam ameaças significativas ao progresso mundial (GASCOIGNE, 2020).

Diante dessas considerações, percebemos que a divulgação científica evoluiu no decorrer da história, pois ela ultrapassa o texto escrito e é contornada por novos artefatos tecnológicos, entre eles a imagem, o áudio, a feira de ciências e, contemporaneamente, as plataformas digitais, entre outras. Contudo, todas essas possibilidades possuem o mesmo objetivo, a saber: informar e sensibilizar a sociedade e os tomadores de opinião sobre a importância da ciência para o desenvolvimento do país (CHAGAS; MASSARANI, 2020).

Por conseguinte, é possível destacar que os memes, quando produzidos a partir do debate científico, assumem um papel de mais um artefato que pode impulsionar a divulgação científica de uma maneira mais leve, com vistas a promover o debate e a reflexão sobre temas e teorias, emergentes ou passados, relacionados à ciência. Além disso, eles exigem algum repertório de quem os lê, para realizar seu exercício de tradução e interpretação dos sentidos, que sempre estão ligados a outras temáticas, personagens e múltiplos jogos de sentidos.

Os memes que circulam em rede e que são agregados em repositório pelo #MUSEUdeMEMES, de igual modo, articulam uma forma de comunicação científica que produz um lugar-outro de informação, de ideias e fatos científicos, uma vez que as publicações do museu também são divulgadas nas redes sociais. Deste modo, possibilitam uma experiência de letramento digital (NASSRI; COUTO, 2021) por meio de questões sobre ciência, já que com seu segmento de público propõe e expõe determinados argumentos a serem interpretados por cada sujeito ativo no compartilhamento, atribuindo sentido à linguagem memética por meio de sua leitura pessoal.

Esse tipo de divulgação científica não parte obrigatoriamente de um “lugar institucionalizado” da ciência, mas redimensiona a popularização de conhecimentos científicos, já que se estrutura em um modelo informal de comunicação de ciências, que tem como cenário as possibilidades de autoria e interatividade mediada pelas tecnologias digitais. A construção deste exercício de divulgação científica, com os memes, mesmo que não intencionais, exige, igualmente, uma aceitação não só do tema por parte do sujeito que o lê, mas também das condições de produção em que o seu discurso está implicado e onde foi produzido. Estas características são comuns, já que o acervo do museu disponibiliza uma descrição completa sobre cada coleção de memes.

A partir da Figura 2 é possível perceber como os memes sobre fatos e questões científicas funcionaram como artefatos de informação, conscientização e divulgação científica.

Fonte:#MUSEUdeMEMES (2021b).

Figura 2 Meme do caixão 

A coleção “Memes do caixão” expõe um conjunto de memes que se popularizaram durante o início de 2020, a partir da viralização de um vídeo cujo conteúdo era composto por carregadores ganeses dançando, enquanto transportavam nos ombros um caixão. Deste modo, o ato passou a ironizar, em diferentes formatos, sobretudo no Brasil, acontecimentos acerca da Covid-19, como os prováveis efeitos trágicos de ações ligadas à pandemia, o altíssimo número de doentes e mortos e o caos em vários cemitérios lotados, mas, ao mesmo tempo, indicando questões éticas e políticas relacionadas à insuficiência ou ao fracasso das medidas sanitárias adotadas pelo governo no enfrentamento à pandemia.

Bergson (2004) chama atenção para a função pedagógica do humor. Para ele, o riso é um fenômeno social que serve para punir comportamentos desviantes e pressionar seus responsáveis a retomar os padrões socialmente aceitos. Isso ajuda a explicar como a profusão do “meme do caixão”, ao suscitar o riso, atuou na prevenção contra o coronavírus a partir da ação de popularização de informações científicas, mesmo que pela ironia e pela brincadeira ligadas às recomendações de especialistas.

Já a coleção de memes ilustrados na Figura 3, por exemplo, intitulada “Se tomar vacina vai virar jacaré'', problematiza uma discussão articulada à produção científica, à vacinação da população e a uma fala de Jair Bolsonaro. Estes memes começaram a se popularizar, em dezembro de 2020, quando o presidente do Brasil declarou que quem tomasse a vacina correria o risco de se transformação em um jacaré.

Fonte:#MUSEUdeMEMES (2021c).

Figura 3 Se tomar a vacina vai virar jacaré 

Por meio deste recorte é possível destacar duas questões: a primeira é a possibilidade de ampliar o espaço-tempo de visitação e acesso ao acervo do museu pela interatividade e ambiência das mídias sociais, como Facebook e Instagram. Estas redes têm servido como espaço de popularização do museu, articuladas diretamente a outros ambientes onde os memes também se difundem. A segunda questão é exemplificar como os conteúdos problematizados pelo acervo do museu se implicam com as questões sobre ciência do nosso tempo, no caso a pandemia da Covid-19, e podem construir um espaço de discussão pública, pesquisa e aprendizagem, marcado pela ironia, pela brincadeira e pela “zoeira” na internet, pois os memes questionam, ironizam e ampliam o debate sobre a pandemia e o tema da vacina, como podemos observar, em outra coleção, na Figura 4.

Fonte:#MUSEUdeMEMES (2021d).

Figura 4 Coleção “Se tomar a vacina vai virar jacaré” 

Do ponto de vista discursivo, a educação, inovação e divulgação científica materializadas pelas páginas do #MUSEUdeMEMES, além de suas ações como eventos, oficinas e exposições, ocorrem também por meio de experiências culturais dos sujeitos, fazendo com que, a partir desse “contato” com as pesquisas e sobre a cultura dos memes, o discurso científico, mediado pelo humor memético, desencadeie um percurso de produção de sentidos diferentes, através das unidades de informação contidas em cada artefato. E, de igual modo, desperte o interesse por cada meme, podendo ampliar a curiosidade sobre as temáticas inerentes às piadas, às paródias, às ironias etc. nos variados tipos e formatos e em distintos níveis de alcance destes produtos ciberculturais.

Considerações finais

Nosso estudo observou que o #MUSEUdeMEMES mantém uma regularidade na exibição de suas coleções, com os mais diversos temas. Desde março de 2020, com a pandemia da Covid-19, que esse tema ganhou destaque e foram muitos os memes exibidos. A frequência e a quantidade de memes relacionados ao contexto pandêmico nos permitiu um recorte específico de produções para este estudo. Existe, porquanto, uma periodicidade de atualização que garante um fluxo crescente de memes exibidos como, de igual modo, visitantes que interagem com as produções. Identificamos que a interatividade faz parte da própria concepção e estrutura do museu, que sempre articula as exposições para além da sua própria plataforma, utilizando frequentemente outros ambientes, como as redes sociais digitais, para divulgar suas ações, alcançar mais visitantes e fidelizar o público.

O museu está vinculado a uma universidade pública. Isto permite que suas ações, como construir e exibir um acervo de memes, estejam vinculadas diretamente com as diversas atividades de um centro de investigação, considerando ensino, pesquisa e extensão os três fundamentos básicos das universidades, com destaque para a formação de profissionais na graduação e na pós-graduação. Este contexto onde o museu foi criado e existe amplia as experiências que são oferecidas. Para além das vivências estéticas, culturais e políticas, que são em si mesmas formativas, estão em destaque, simultaneamente, várias outras ações que inovam os modos como a educação e a divulgação científica são feitas a partir desta plataforma: a presença, dinâmica e fluidez dos memes como fenômeno expressivo e sedutor das nossas vidas ciberculturais, as múltiplas linguagens, abordagens e interpretações de conteúdos para retratar um mundo tecnológico em rápidas transformações etc.

Podemos concluir, ainda, que essas experiências e os modos como as linguagens dos memes são organizadas e apresentadas em várias coleções, sempre marcadas pela ironia e pelo humor, crítico ou ácido, fazem do #MUSEUdeMEMES um ambiente tecnológico privilegiado para a promoção da divulgação científica. É um ambiente privilegiado porque o seu acervo diversificado e os memes sobre temas relacionados a questões científicas, como estes que se referem à pandemia, configuram as seguintes características e ações: informam o público que o acessa sobre temas de ciência e das pesquisas sobre memes na cultura digital; promovem intenso debate sobre os diversos aspectos - políticos, econômicos, sociais etc. - que influenciam a dinâmica comunicacional dos memes na internet; combatem informações falsas sobre ciência, mostrando algumas respostas para as grandes questões em debate público; promovem uma aproximação entre pesquisas e sociedade, especialmente pela mediação cômica dos memes.

Vale ressaltar que o meme é um fenômeno que traz em si uma caraterística significativa: é marcado pelo anonimato, isto é, ele não tem uma marca indicativa de autoria. Ele circula no museu e em rede livremente, caracterizando-se como um artefato de produção anônima, individual ou coletiva, algo de acesso aberto que pode ser refeito e ressignificado. Essa característica aponta mais uma conclusão do nosso estudo, a de que o meme é um processo cocriativo. Também destacamos a conclusão de que o #MUSEUdeMEMES é uma instituição que, com memes, promove educação para a ciência, produz divulgação científica, amplia repertórios e concretiza a aprendizagem colaborativa. A aprendizagem colaborativa é uma característica da cibercultura.

É fato que os memes não precisam de uma técnica rebuscada para serem produzidos, trata-se, na verdade, de um artefato livre que possibilita ao criador e ao usuário os usos da criatividade numa experiência que vai do individual ao coletivo. Portanto, cada um pode criar e compartilhar sua versão do meme e deixar na rede seu modo de dizer e viver. Esta é a razão pela qual o meme não precisa ser cult, sofisticado, elaborado por especialistas. Ele é um produto popular e popularizado pela cultura das conectividades.

Por fim, concluímos também que o #MUSEUdeMEMES realiza uma exposição contínua que ressalta uma maneira inovadora de projetar sentidos e reflexões para além da tela. O museu é um espaço onde, em meio à diversidade, podemos ter um olhar direcionado a esses memes que divulgam a ciência e, com isto, compreendemos a sua importância social, política e cultural para impulsionar a educação e as aprendizagens colaborativas e interativas, típicas da cultura das redes.

O estudo e estas conclusões sugerem que a ambiência comunicacional da cibercultura tem permitido a reconfiguração de diferentes fenômenos no contexto digital. E, neste ciberespaço museal, é possível experimentar uma série de vivências que perpassam as presencialidades, entre o físico e o on-line, as subjetividades e as performances ciberculturais. Essas vivências com memes mostram que, com dedicação, criatividade e vontade de inventar, é possível desenvolver, compartilhar e mixar conteúdos que seduzem e mobilizam pessoas e assim dinamizar a educação, a ciência e a divulgação científica nos nexos e fluxos das redes cognitivas.

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Recebido: 29 de Abril de 2021; Aceito: 19 de Julho de 2021

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