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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versão impressa ISSN 0104-7043versão On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.30 no.64 Salvador out./dez 2021  Epub 19-Mar-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2021.v30.n64.p226-240 

DOSSIÊ TEMÁTICO

EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E INOVAÇÃO PEDAGÓGICA: EM BUSCA DO INTERATIVISMO COLABORATIVO

TECHNOLOGIES AND PEDAGOGICAL COMMUNICATION: IN SEARCH OF COLLABORATIVE INTERACTIVISM

TECNOLOGÍAS Y COMUNICACIÓN PEDAGÓGICA: EN BUSCA DEL INTERACTIVISMO COLABORATIVO

Gilberto Lacerda dos Santos* 
http://orcid.org/0000-0003-4541-3071

*Pós-doutorado em Educação pela Université Laval, Canadá. Professor Titular do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Brasília, Distrito Federal, Brasil


RESUMO

Interagir e colaborar: palavras-chave incontornáveis para os novos contextos educativos delimitados por Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação e Expressão (TICE). Neste artigo, apresentamos relato de uma abordagem empírica, sob a forma de uma pesquisa de síntese, realizada junto a estudantes e professores do ensino fundamental, com foco nas seguintes questões: como devem evoluir as relações educativas colaborativas mediadas por TICE? Quais as vias de inovação educativa proporcionadas pelas redes sociais? Como novas modalidades de ensino, como o e-learning, podem promover interações do indivíduo com seu contexto? Que ressignificações são necessárias na educação formal dada a cultura imagética emergente? Que transposição didática pode subsidiar a integração de TICE na educação? Os resultados apontam para a necessidade de se avançar na formatação de uma teoria de ensino-aprendizagem suscetível de abarcar novas formas de ensinar e de aprender delimitadas pela trilogia educação-tecnologias-inovação.

Palavras-chave: tecnologias digitais de informação; comunicação e expressão; teorias de ensino-aprendizagem; interatividade colaborativa

ABSTRACT

Interact and collaborate: key words for the new educational contexts delimited by Digital Technologies of Information, Communication and Expression (TICE). In this article, we present an account of an empirical approach, in the form of a Synthesis Research, carried out with students and teachers of elementary school, focusing on the following questions: how should educational situations evolve with the premises of collaboration? What are the possibilities for educational innovation provided by social networks? How can new teaching modalities, such as e-learning, promote interactions between the individual and his / her context? What reframings are needed in formal education given the emerging imagery culture? What didactic transposition can support the integration of TICE in education? The results point to the need to advance in the formatting of a new teaching-learning theory capable of embracing innovative teaching and learning bounded by the education-technologies-innovation trilogy.

Keywords: digital technologies of information communication and expression; teaching-learning theories; collaborative interactivity

RESUMEN

Interactuar y colaborar: palabras clave para los nuevos contextos educativos delimitados por las Tecnologías Digitales de Información, Comunicación y Expresión (TICE). En este artículo presentamos un relato de un abordaje empírico, en forma de investigación de síntesis, realizado con estudiantes y docentes de primaria, enfocándonos en las siguientes preguntas: ¿cómo deben evolucionar las relaciones educativas con las premisas de la colaboración? ¿Cuáles son las posibilidades de innovación educativa que brindan las redes sociales? ¿Cómo pueden las nuevas modalidades de enseñanza, como el e-learning, promover las interacciones entre el individuo y su contexto? ¿Qué reencuadres se necesitan en la educación formal dada la cultura de imágenes emergente? ¿Qué transposición didáctica puede apoyar la integración de TICE en la educación? Los resultados apuntan a la necesidad de avanzar en la conformación de una teoría de enseñanza-aprendizaje capaz de acoger nuevas enseñanzas y aprendizajes delimitados por la trilogía educación-tecnologías-innovación.

Palabras clave: tecnologías digitales de información comunicación y expresión; teorías de enseñanza-aprendizaje; interactividad colaborativa

O Interativismo Colaborativo como teoria educacional para uso da tecnologia como meio de comunicação pedagógica1

O conceito de Tecnologias Digitais de Informação, Comunicação e Expressão (TICE) foi cunhado em 2010, no âmbito de uma investigação sobre o rompimento de paradigmas quando se aprende e se ensina no meio virtual (LACERDA SANTOS, 2010). Este novo conceito foi articulado a partir do antigo conceito de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e integra o termo “digital”, para claramente excluir as tecnologias analógicas com esta mesma finalidade (informar e comunicar), bem como o termo “expressão”, para claramente incluir as possibilidades inéditas de autoria de conteúdos diversos (textos, sons e imagens), proporcionadas pelas tecnologias decorrentes da Informática. As TICE fazem, portanto, alusão direta às possibilidades inéditas de se informar, de se comunicar e, sobretudo, de se expressar, as quais somente os aparatos digitais (como os computadores, os tabletes e os telefones inteligentes) e os ambientes virtuais (como as redes sociais, os sites, os blogs e a própria Internet) permitem.

Por serem revolucionários, disruptivos, o uso pedagógico das TICE requer, como apontou Pretto (2010), a adoção de novas pedagogias, igualmente revolucionárias e disruptivas, condizentes com os novos modos de produção de conhecimentos na Sociedade da Informação e no âmbito da cultura digital emergente, a qual se refere ao uso cada vez mais intenso dos recursos digitais existentes, e das linguagens a eles associadas, na quase totalidade de atividades e de processos individuais e coletivos da humanidade. Temos aí uma demanda que vem tomando forma desde o final dos anos 1980 e que se consolida na medida em que, de forma mais ou menos lenta, mais ou menos concentrada, as linguagens e a cultura digital decorrentes das TICE invadem gradativamente a escola e subvertem modos tradicionais de ensinar e de aprender em todo o mundo. Nessa perspectiva da emergência de novas tecnologias educativas, materiais e intelectuais, bem como de uma nova cultura digital (LÉVY, 1997), é bastante evidente que as diferentes teorias educacionais não têm conseguido suprir adequadamente demandas, explícitas ou não, de professores e estudantes por abordagens didáticas disruptivas, suscetíveis de modificar radicalmente as formas de construção de conhecimentos, mediante as novas formas de aprender e os novos meios e possibilidades de ensinar (CHRISTENSEN; HORN; JOHNSON, 2012).

As relações educativas baseadas na Teoria Comportamentalista, que permanecem predominantes nessa fase da Sociedade Informacional (CASTELLS, 2003), enfocam que é possível modelar o indivíduo em processo de aprendizagem, condicionando seus comportamentos por meio de materiais didáticos que o estimulem adequadamente, tendo em vista que todo comportamento é determinado pelo ambiente, mesmo que a relação do indivíduo com esse ambiente não seja passiva e sim de interação (SKINNER, 1995). Para tanto, nas relações educativas comportamentalistas, os professores devem oferecer a seus alunos estímulos e recompensas adequados para levá-los a atingir objetivos de aprendizagem previstos na grade curricular, termo apropriadíssimo para identificar nossos contextos educativos compulsórios, fechados, controlados e pré-determinados. Uma verdadeira grade! O comportamentalismo é articulado em torno dos conteúdos a serem transmitidos, geralmente por memorização e repetição, e do papel do professor enquanto agente de transmissão desses conteúdos, autoridade máxima da relação educativa e supremo detentor do conhecimento. Já o aluno é percebido como o aprendiz que deve absorver esse conhecimento por meio de aulas coletivas, em regime de comunicação de massa, em sua maioria expositivas, nas quais o professor raramente foge ao seu planejamento e em que conhecimentos prévios, alternativos, vivenciais ou de outras fontes, que não o material didático adotado, não são admitidos ou considerados.

As teorias educacionais baseadas no Construtivismo de Jean Piaget (1896-1980), como a Pedagogia Construcionista (PAPERT, 1994), a Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 2011), a Pedagogia Waldorf (STEINER, 2003), a Pedagogia Freinet (FREINET, 1996) e a Pedagogia Montessoriana (MONTESSORI, 1965), dentre outras, partem do princípio de que a aprendizagem não depende nem do ambiente nem de fatores hereditários. Pelo contrário, a aprendizagem é construída pelo indivíduo a partir de suas descobertas, quando em contato com o mundo e com os objetos. Na concepção piagetiana (PIAGET, 1975), a aprendizagem só ocorre mediante a consolidação das estruturas de pensamento prévias. Assim sendo, o sujeito só aprende após a consolidação de um esquema mental que apoia a aprendizagem nova, da mesma forma que a passagem de um estágio a outro estaria dependente da consolidação e da superação do anterior, o que pode se dar por meio de vivencias ou de experimentações criadas ou proporcionadas pelo professor. Esse último deve pautar sua intervenção pedagógica nos conhecimentos prévios de seus alunos, nos seus interesses, na sua bagagem. São esses os ingredientes necessários para que o aluno tenha interesse pelo novo conhecimento que lhe é proposto. Compete ao professor utilizá-los para causar uma situação de desequilíbrio que conduza o aluno a construir novas estruturas mentais a partir das estruturas mentais que ele já possui. Portanto, na perspectiva piagetiana, para que ocorra a aprendizagem é preciso que os conceitos já assimilados pelo aluno passem por um processo de desorganização para que possam novamente, a partir de uma perturbação, se reorganizarem, estabelecendo um novo conhecimento. Esse mecanismo de equilibração das estruturas mentais corresponde à transformação de um conhecimento prévio em um novo e acontece gradualmente, por etapas, na medida em que o aluno tenha condições intelectuais para fazê-lo. Ou seja, o trabalho de educar não deve se limitar a transmitir conteúdos, mas deve favorecer a atividade mental do aluno. Por isso, educar, para os piagetianos, é “provocar a atividade”, estimular a procura do conhecimento e sua (re)construção.

Por sua vez, as relações educativas que têm o Socioconstrutivismo como base conceitual propõem que a aprendizagem ocorre no âmbito de relação dialética entre o sujeito e a sociedade - o sujeito modifica o ambiente e o ambiente modifica o sujeito. Também derivada do Construtivismo Piagetiano, o Socioconstrutivismo, elaborado pelo psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934), tem a especificidade de buscar na interação seu principal pilar e prevê que todo aprendizado é necessariamente mediado, o que torna o papel do professor mais ativo do que o proposto por Piaget. Para Vygotsky (2001), o indivíduo, que nasce com condições fisiológicas para falar, só desenvolve a fala na interação com os outros. No contexto da mediação pedagógica, é nas relações aluno-professor, professor-aluno e aluno-aluno que se produz conhecimento. Portanto, nesta perspectiva a aprendizagem não se subordina ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança, mas um se alimenta do outro, provocando saltos, tanto quantitativos quanto qualitativos, de conhecimento, em um processo de retroalimentação que potencializa a cognição. A intervenção didática, para Vygotsky (2001), deve se antecipar ao que o aluno ainda não sabe nem é capaz de aprender sozinho. Temos aí um conceito central da Teoria Socioconstrutivista, que é o de “Zona de Desenvolvimento Proximal”, que consiste na distância entre desenvolvimento atual da criança e aquilo que ela tem potencial de aprender, ou entre “o ser e o tornar-se”. O Socioconstrutivismo estabelece que a aprendizagem efetiva requer observação do meio, estabelecimento de contato com o que já foi descoberto e organização do conhecimento em interação com o outro (professor e turma). Para tanto, há mais interação e trabalhos colaborativos, há mais tarefas que desafiam os alunos e os erros são considerados parte essencial do processo.

As relações educativas fundamentadas no Conectivismo, abordagem também de base construtivista, mas proposta com a especificidade de ser uma teoria educacional para a Era Digital (SIEMENS, 2005), têm como fundamento a construção do conhecimento através de uma rede de conexões, sendo a aprendizagem o produto desse processo. Neste sentido, o conhecimento está disponível através de redes digitais e o ato de aprender não é mais do que a capacidade de construir uma ampla rede de conexões. A abordagem conectivista tem como pressuposto que a aprendizagem, vinculada à tecnologia, parte do caos, da rede e de teorias de complexidade e de auto-organização, podendo inclusive estar fora do aparato cognitivo do indivíduo, como em um banco de dados, na “nuvem”, em um arquivo de computador, de modo que as conexões que somos capazes de estabelecer são mais importantes do que o conhecimento que detemos, sendo que a aprendizagem consiste na capacidade de circular pelas redes, com o professor como curador, guia de aprendizagem. No Conectivismo, o professor atua na construção de caminhos de aprendizagem para que seus alunos estabeleçam conexões com conhecimentos já existentes, no mundo virtual, e construam novos. Ambos, professores e alunos, atuam de forma colaborativa em torno do objeto em estudo e, neste processo de ativismo didático, recriam esse objeto e dão suporte às relações educacionais mediadas por TICE, para futura utilização por outros. O importante não é deter o conhecimento em si, mas sim conhecer estratégias de conexão que permitam identificar onde o conhecimento está, saber fazer “downloads” pertinentes, criar e manter conexões que permitam não apenas encontrar esse conhecimento, mas também saber utilizá-lo em situações concretas, assim como criar e partilhar novos recursos de aprendizagem que sirvam a outros sujeitos. Assim, o Conectivismo faz surgir uma nova categoria de conhecimento, chamado de “conhecimento distribuído”, o qual pode ser descrito como o conhecimento derivado das conexões estabelecidas pelo sujeito em processo de aprendizagem no ambiente virtual.

Enfim, a continuação do raciocínio aqui desenvolvido tem como pressuposto o fato de que é bastante claro que nenhuma destas teorias educacionais, mesmo convergindo uma na outra, atende adequadamente aos requisitos da sociedade mediada por TICE no que se refere à formação de sujeitos críticos, autônomos, detentores de conhecimentos significativos, capazes de compreender qual informação possui fonte fidedigna, de identificar a informação de que necessitam e, ao mesmo tempo, de produzir informação para ser consumida, interpretada e criticada por terceiros, em um movimento de troca, colaboração e complementação de conhecimentos. Nenhuma delas agrega e promove metodologias ativas de ensino e estratégias de aprendizagem em rede, de trabalho colaborativo virtual, de horizontalização da relação educativa, de mediação pedagógica fundamentada na interatividade, tudo isso voltado para a autonomia do indivíduo, inclusive com relação ao sistema que o formou. Nenhuma delas foi pensada para promover a mobilidade profissional ao longo da vida, a inovação incremental, para levar em conta a importância da aprendizagem informal, a grande variedade de formas e meios de aprendizagem, as comunidades de práticas, o ensino com significado, as redes sociais, o uso de materiais didáticos dinâmicos e o vertiginoso avanço das próprias TICE.

Considerando o exposto, investigações desenvolvidas no âmbito da linha de pesquisa intitulada “Informática e Comunicação Pedagógica” e no contexto do Grupo Ábaco de Pesquisas Interdisciplinares sobre Tecnologias e Educação, vinculado ao Departamento de Métodos e Técnicas e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília, buscam contribuir com a identificação de uma abordagem didática condizente com as relações educativas demandadas pela nova sociedade emergente, alicerçada na cultura colaborativa em rede, por meio de dispositivos digitais conectados. Nesta perspectiva, uma abordagem denominada de Interativismo Colaborativo vem sendo gestada ao longo de alguns anos, em uma dinâmica de pesquisa longitudinal, por meio de investigações de graduação, especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado as quais, seguindo direções distintas, tornam-se complementares na medida em que propõem experimentações diversas acerca dos limites e das possibilidades das TICE como instrumentos promotores de novas relações educativas condizentes com a dinâmica da Sociedade em Rede (CASTELLS, 2003).

O Interativismo Colaborativo, enquanto modelo didático ou teoria educacional, ou ainda teoria de ensino-aprendizagem, consiste na associação de recursos diversos (humanos, computacionais e materiais) em torno de uma situação educativa colaborativa, em rede descentralizada. Tal situação educativa é promotora de ativismos didáticos e estrategicamente articulada para o desenvolvimento de conexões múltiplas entre os sujeitos em processo de aprendizagem e os diferentes tipos de informação que lhes são propostas e que são transformadas em conhecimentos significativos. Trata-se de uma teoria estruturalmente articulada com a mediação, com a interação e com a descentralização enquanto pressupostos das dinâmicas pedagógicas estabelecidas entre os atores da relação educativa, a qual deve acontecer com o apoio de múltiplos recursos, de múltiplas contribuições e de múltiplas interatividades. Assim sendo, o Interativismo Colaborativo tem no ativismo didático dos partícipes da relação educativa um elemento basilar, desencadeador de atitudes empreendedoras, disruptivas e comprometidas com a produção de conhecimentos livres, em dinâmicas colaborativas. Essa situação de ensino-aprendizagem pode ser desencadeada por uma série de possibilidades interativas novas, emanadas das tecnologias novas, como a aprendizagem móvel ou nômade, a aprendizagem colaborativa em redes descentralizadas, a aprendizagem significativa desencadeada pela experiência do indivíduo na abordagem dos conteúdos pedagógicos e a aprendizagem cognitivamente autorregulada possibilitada por redes sociais, e produzida nas comunidades de aprendizagem adaptativa-ativa.

Com a finalidade de se construir e aprofundar conhecimentos nessas possibilidades de aprendizagem mediada pelas TICE, as quais contribuem para a elaboração de uma definição do Interativismo Colaborativo, cinco investigações de doutorado foram associadas em uma Pesquisa de Síntese delimitada pelas palavras-chave seguintes: nomadismo, experiência, descentralização e interação social. A tese de doutorado defendida por Mariana Letti (2016) está relacionada a uma das bases do Interativismo Colaborativo, que é a aproximação da lógica de funcionamento das relações educativas com as premissas da economia colaborativa, as quais demandam uma total descentralização dessas relações, tradicionalmente operadas pelo professor. A problemática desenvolvida na tese de doutorado de Luciana Rossi (2016) aborda as possibilidades, proporcionadas pelas redes sociais quando utilizadas para fins pedagógicos, do desenvolvimento de funções de interação social sem as quais o Interativismo Colaborativo não pode ocorrer. A tese de doutorado defendida por Thomas Petit (2017) abordou as possibilidades da aprendizagem nômade como promotora do ativismo didático em uma perspectiva de interação do indivíduo com seu contexto imediato. A problemática abordada na tese de Edemir Pulita (2017) se refere às ressignificações necessárias na educação formal na era digital, decorrentes da cultura imagética cada vez mais intensa que perpassa todos os ambientes educativos, as quais demandam, na mesma proporção, mediação, interação e ativismo didático. Por fim, a tese de doutorado de Frederico Coelho Krause (2019) é articulada em torno do pressuposto de que a transposição didática necessária para se lidar com TICE na educação depende de abordagens dialógicas, comunitárias, colaborativas e interativas entre professores e estudantes.

Métodos e materiais: a Pesquisa de Síntese

A Pesquisa de Síntese (LACERDA SANTOS, 2006), cuja estrutura epistemológica foi elaborada a partir do conceito de Pesquisa Metanalítica proposto por Petitti (1994), consiste em um empreendimento investigativo edificado em torno de procedimentos de aglutinação, de convergência, de intersecção de resultados de pesquisas individuais e integradas em torno de um objetivo geral mais amplo. Nesta dinâmica de investigação, este objetivo geral mais amplo, o qual reflete justamente a síntese epistemológica buscada, norteia a elaboração dos objetivos gerais de cada pesquisa individual considerada.

Trata-se de uma metodologia de pesquisa em educação que vimos consolidando em diversas oportunidades nas quais empregamos a Pesquisa de Síntese para subsidiar iniciativas de metanálise. A metodologia da Pesquisa de Síntese, como estratégia metanalítica de um conjunto de investigações integradas, foi proposta pela primeira vez à comunidade de pesquisadores em educação no ano de 2006, em uma mesa redonda no XIII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, realizado na Universidade Federal de Pernambuco (LACERDA SANTOS, 2006). Em seguida, em Lacerda Santos, Ferreira e Castro (2009), a Pesquisa de Síntese foi novamente colocada em perspectiva, em um artigo científico, publicado no periódico Educação e Cidadania, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no qual foram apresentados os resultados de uma investigação metanalítica longitudinal sobre o potencial da Pedagogia de Projetos na promoção da inclusão digital de professores. Dois anos mais tarde, em Lacerda Santos (2011), a Pesquisa de Síntese foi mais uma vez proposta à comunidade científica de nossa área em um periódico de alcance internacional como metodologia empregada para nortear uma investigação sobre o fenômeno da migração da sala de aula convencional para a sala de aula virtual. Essa investigação procurou configurar a crise paradigmática em torno da ruptura entre a sala de aula presencial e a sala de aula virtual, tendo em vista a emergência da Sociedade em Rede, por meio de dados empíricos coletados em 13 dissertações de mestrado integradas, na forma de uma pesquisa longitudinal realizada entre 2004 e 2008, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) e pela Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Privado (FENADESP). Os resultados dessa Pesquisa de Síntese foram também publicados em Lacerda Santos e Andrade (2010). Em seguida, a abordagem da Pesquisa de Síntese foi empregada para “costurar” resultados de um conjunto de investigações individuais empreendidas em torno de um projeto de pesquisa e desenvolvimento visando à concepção e ao teste de uma plataforma educacional para o Departamento Nacional de Trânsito (LACERDA SANTOS, 2011). Mais recentemente, em Lacerda Santos (2014), uma Pesquisa de Síntese, centrada na identificação de fatores suscetíveis de impulsionar a inclusão digital de professores em serviço, foi desenvolvida por meio de quatro dissertações de mestrado, realizadas entre os anos de 2011 e 2013.

Nessas cinco investigações, a abordagem da Pesquisa de Síntese, corroborada por periódicos bem qualificados, se colocou a serviço da integração, em um fio condutor mais amplo, de uma série de percursos investigativos individuais e autônomos, alinhados em torno de um objetivo geral que as permeava, mesmo não sendo claramente identificado e declarado em cada pesquisa considerada em particular. Enquanto abordagem metanalítica, a Pesquisa de Síntese permite a um líder de um grupo de pesquisas, ou a um pesquisador-orientador, associar diversas pesquisas ou diversos pesquisadores-orientandos em torno de uma mesma investigação, levando-os a contribuírem, de forma explícita ou implicitamente colaborativa, para a construção de elementos de resposta para um problema mais amplo. Como já ressaltamos em outras apresentações da abordagem, é evidente que, considerando o papel dos atores envolvidos no procedimento (orientador e orientandos; pesquisador-líder e pesquisadores participantes), a abordagem metanalítica adquire contornos de pesquisa participante, definida por Haguette (1985) como um processo concomitante de geração de conhecimento entre todos os participantes; um processo educativo, que busca a intertransmissão (sic) e o compartilhamento dos conhecimentos; e um processo de mudança, seja aquela que ocorre durante a pesquisa, isto é, a mudança imediata, seja aquela projetiva, que extrapola o âmbito e a temporalidade da pesquisa, na busca de transformações estruturais práticas que favoreçam os atores envolvidos na investigação.

A Pesquisa de Síntese, enquanto estratégia metanalítica, se serve de uma espécie de metametodologia, a qual integra não apenas os objetos de pesquisa individuais de cada investigação integrada, mas também as diferentes abordagens metodológicas empregadas por cada pesquisador considerado. Assim, a metodologia de coleta e análise de dados, por meio da qual a Pesquisa de Síntese se consolida e se realiza, é o somatório das metodologias de coleta e análise de dados das investigações que a constituem. Nessa perspectiva, compete ao pesquisador-líder, ou ao pesquisador-orientador, na condição de condutor da Pesquisa de Síntese, zelar pela coerência teórica e metodológica das pesquisas por ele conduzidas e que lhe permitirão, em uma etapa posterior, fazer fechamentos conceituais, analisar e integrar os resultados das diferentes investigações e elaborar as metaconclusões que ele busca. No caso da pesquisa metanalítica aqui descrita, o trabalho de síntese perpassou cinco problemas de pesquisa e cinco procedimentos metodológicos distintos, descritos em cada tese de doutorado integrada a fim de contribuir com a identificação de elementos conceituais do Interativismo Colaborativo enquanto teoria de aprendizagem ou modelo didático para uso pedagógico das tecnologias digitais de informação, comunicação e expressão.

Desenvolvimento da investigação metanalítica sobre o Interativismo Colaborativo

As cinco teses de doutorado, integradas em torno da busca de elementos conceituais suscetíveis de definirem e de delimitarem o Interativismo Colaborativo, tiveram vários pontos de convergência, todos conectados pela intenção de se compreender possibilidades das TICE como meios de comunicação pedagógica.

A tese de doutorado de Mariana Letti (2016) teve como ponto de partida o fato de que, segundo a pesquisadora, diferentes estudos, das mais variadas vertentes metodológicas, acerca da atual crise da educação não atingem o cerne da questão, não vislumbram uma real modificação do paradigma educacional vigente, amplamente mediado por TICE. Nesse sentido, Letti (2016) observou ser possível encontrar uma série de fórmulas prontas que se propõem a tornar a educação mais atrativa para a nova geração de estudantes e, consequentemente, mais útil para o mercado. Ao agregar, por exemplo, as mídias sociais e os dispositivos móveis à educação, pode-se modernizar a escola, mas não resolver suas mais urgentes questões. A investigação realizada mostrou que a solução da crise por que passa a educação depende de uma revolução, a mesma por que já passa o mundo nos dias de hoje, pautada pelo surgimento de um novo paradigma econômico: o collaborative commons, ou economia colaborativa. Logo, a educação, para fazer sentido neste novo momento, precisa romper com a lógica do capital e se reinventar. A economia colaborativa se fundamenta, organizacionalmente, em redes distribuídas, nas quais cada indivíduo é um nodo fundamental. A investigação argumenta ser esse o caminho que a educação deva seguir enquanto atividade mediada por TICE. A partir da observação do funcionamento das mídias sociais digitais, com o objetivo de compreender como o rompimento com a organização centralizada da escola pode de fato estimular a formação de indivíduos emancipados e por meio do viés do materialismo histórico-dialético, Letti (2016) realizou dois estudos de caso e uma pesquisa-ação. No âmbito desses três campos, foi possível analisar algumas das consequências do rompimento com a rede centralizada, que caracteriza a educação tradicional, bem como a viabilidade de outros formatos de rede.

A tese de doutorado de Luciana Rossi (2016) foi focada no uso pedagógico de redes sociais como provocadoras de relações sociais educativas do indivíduo no que se refere à autorregulação, à tomada de decisões e à resolução de problemas. O estudo teve por objetivo criar uma rede social como estrutura de apoio e expansão do sistema educacional Quinta Dimensão (5D) voltada para a reabilitação de pré-adolescentes e adolescentes com lesão cerebral, na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. O sistema educacional 5D é fundamentado na teoria histórico-cultural da atividade e em conceitos da aprendizagem colaborativa, bases teóricas aplicadas à rede social desenvolvida, nomeada 5DNet. Construído sobre os princípios metodológicos da pesquisa ação, participaram desse projeto educacional e de investigação alunos de graduação em Psicologia e Pedagogia e adolescentes com lesão cerebral. A implantação da rede social 5DNet foi avaliada segundo parâmetros da Análise de Redes Sociais (ARS) e análise de conteúdo, a partir de dados qualitativos levantados junto aos seus usuários. Os resultados comprovam a hipótese de expansão educacional da aprendizagem e de ressignificação do objeto da atividade. Demonstraram a existência de uma nova ecologia para a aprendizagem mediada por TICE; revelaram possibilidades novas para a aprendizagem colaborativa; apontaram repercussões na comunicação com a utilização da linguagem multimodal; e forneceram parâmetros para o desenvolvimento de funções executivas de autorregulação, pensamento metacognitivo e planejamento a partir do uso compartilhado da rede social implantada.

A tese de doutorado de Thomas Yvon Petit (2017) consistiu em uma pesquisa em design e desenvolvimento para entendimento dos novos questionamentos educacionais provocados pelo uso do smartphone, bem como identificar elementos de resposta para contribuir para a elaboração de um novo paradigma. Dentro da problemática da exploração efetiva do smartphone na educação pelas línguas-culturas, o primeiro objetivo específico propunha situar teoricamente o uso dessa tecnologia na educação. A esse respeito, o pesquisador sugeriu a aprendizagem nômade como nova linha de pesquisa e de prática, e criou um framework contextualizador baseado no nomadismo em rede. O segundo objetivo específico consistia em promover uma concordância entre as dimensões didática e tecnológica do uso do smartphone na educação pelas línguas-culturas. No âmbito de uma colaboração universitária reunindo estudantes e professores pesquisadores de três departamentos da Universidade de Brasília, Petit (2017) criou um aplicativo promotor da aprendizagem móvel ou nômade denominado MapLango. O design desse aplicativo para a aprendizagem nômade de línguas promoveu a formação de comunidades solidárias e geolocalizadas de prática do francês, segundo princípios da teoria da inteligência coletiva, abordada sob o prisma do nomadismo em rede. Uma versão beta foi experimentada na mesma universidade, no contexto de um minicurso de extensão. O design educacional elaborado integrou os princípios da aprendizagem nômade. Em seguida, o pesquisador avaliou tanto o design do MapLango quanto o design educacional do minicurso, com uma análise de conteúdo de dois corpora: os dados gerados no aplicativo a partir das interações entre os participantes e a roda de conversa que encerrou o minicurso. Os resultados reforçaram a pertinência dos princípios da aprendizagem nômade destacados na tese: a consideração dos diversos ambientes do cotidiano dos aprendentes; a democratização e a liberdade dadas eles no design de suas experiências de aprendizagem; a intercomunicação e a colaboração em comunidade. Foi possível concluir que um aplicativo tal como o MapLango permite redefinir a imersão linguística em contexto exolíngue, aprimorando a prática de línguas em atividades autênticas valorizando o compartilhamento de saberes de vida ligados a culturas locais. Isso implica, entretanto, uma certa visão de tecnologia, de língua, de educação e de mediação. A exploração efetiva do smartphone permite encarar os desafios da educação do século XXI, tornando os aprendentes codesigners do processo educacional.

A tese de doutorado de Edemir Pulita (2017) enfatizou a desconexão entre os sujeitos, espaços, tempos e movimentos em relação às dinâmicas das tecnologias na sociedade em geral e, especificamente, na educação formal. Ao destacar que as tecnologias possibilitam transformações na sociedade modificando modelos, sistemas e paradigmas em termos de velocidades, alcances e inovações, a investigação problematizou o choque provocado na lógica e na estrutura escolar, questionando as experiências que podem ser construídas na educação formal para aprimorar sua conexão com uma cibercultura cada vez mais matizada pela linguagem imagética. O objetivo foi identificar elementos significativos das ressignificações da educação formal na era digital. Para tanto, dois percursos foram realizados. Um teórico, para fundamentar, em uma perspectiva benjaminiana, as categorias da experiência do olhar e das linguagens imagética e fotográfica. Outro prático, a fim de explorar tal reflexão em uma pesquisa-ação junto com 41 universitários, predominantemente de Licenciaturas, em três semestres na disciplina Tópicos Especiais em Tecnologia Educacional, ofertada na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Os textos reflexivos recolhidos foram examinados no software NVivo utilizando-se a Análise de Conteúdo. As menções foram categorizadas em quatro dimensões: olhar, tecnologias, imagem e experiência. Cada dimensão foi considerada de acordo com dois indicadores: perspectiva e pedagogia. A disciplina teve como projeto final a produção de narrativas hipertextuais e visuais, acompanhadas de Diários de Bordo. Esses materiais foram descritos e apresentados seguindo os parâmetros da análise anterior, complementando a discussão realizada. Os principais elementos significativos das ressignificações da educação formal na era digital apontados foram: a) Ressignificação dos olhares: questionando-se qual é o papel do olhar na construção da educação e qual é o papel da educação na construção do olhar; infere-se que é possível e necessário que a educação formal na era digital, para promover olhares qualificados, autônomos e emancipados, considere diversos fatores, principalmente os culturais, reflexivos e sensíveis de cada um de seus sujeitos; b) Ressignificação das imagens: a dialogicidade, hipertextualidade e dialeticidade dos olhares presentes na linguagem imagética e fotográfica como forma de experienciar com (novas) imagens tanto os novos processos de produção, quanto a produção de processos novos nas interfaces entre educação e tecnologias; c) Ressignificação das tecnologias: as tecnologias na educação formal vistas enquanto janelas para o mundo e que, mirando o contexto no qual se inserem, proporcionem novas experiências e imagens para ressignificarem os conteúdos a partir da realidade concreta de todos os sujeitos envolvidos; e d) Ressignificação das experiências: o narrador e o flâneur benjaminianos enquanto figuras dialéticas para se construir, a partir de novos olhares, imagens e tecnologias, experiências reflexivas, contextualizadas, práticas e significativas nos âmbitos da educação formal na era digital.

Por fim, a tese de doutorado de Frederico Coelho Krause (2019) avançou na direção da delimitação de que a transposição didática necessária para se lidar com TICE na educação depende de abordagens dialógicas, comunitárias, colaborativas e interativas entre professores e estudantes. Para tanto, o pesquisador concebeu, desenvolveu e avaliou a efetividade de dois aplicativos para o ensino de educação ambiental com sistemas de Realidade Aumentada. O primeiro, denominado “O Ribeirão e a Escola”, debruçou-se sobre a problemática da recuperação do Ribeirão Sobradinho, o maior rio urbano do Distrito Federal, que tem sofrido com agressões diversas ao longo dos anos (poluição intensa, ocupação irregular do solo etc.). O segundo, denominado “Pirá-Brasília”, foi criado para a exposição A-Riscado: Arte, Ciência e Tecnologia, e busca colocar em perspectiva o peixe de mesmo nome (Simpsonichthys boitonei), espécie endêmica ao Distrito Federal e que atualmente consta na lista de espécies ameaçadas de extinção. A tese verificada foi a de que essa transposição didática depende de métodos de desenvolvimento dialógicos entre desenvolvedor, comunidade, professores e estudantes. Dentre os resultados alcançados, tem-se, em destaque, a efetividade dos dispositivos desenvolvidos de forma dialógica e que também fomentam o dialogismo (FREIRE, 2011) entre o sujeito e seu meio ambiente, condição para o real engajamento dos professores e alunos envolvidos - de uma escola pública da Região Administrativa de Sobradinho (DF) - nas relações educativas observadas.

Análise das conclusões das pesquisas integradas

No âmbito de uma Pesquisa de Síntese, analisar conclusões das pesquisas que a delimitam e buscar conclusões que tenham sentido de forma ampla implica em se fixar nos fios condutores comuns das investigações, os quais, no caso aqui apresentado, têm como foco a identificação de elementos conceituais do Interativismo Colaborativo. Nesse sentido, as investigações de Letti (2016), Rossi (2016), Petit (2017), Pulita (2017) e Krause (2019) apontam para estratégias de mediação especialmente delimitadas em torno das características e das possibilidades das TICE em processos educativos diferentes, qualitativamente diferentes, que integram alternâncias entre nomadismo, experiência, descentralização, interação social e dialogismo. Em seu conjunto, os cinco pesquisadores demonstram que todo movimento disruptivo nesse processo de migração da sala de aula convencional para a sala de aula mediada por TICE depende de movimentos complementares de rompimento de poder nas relações educativas, de modo a se passar de um regime autoritário para um regime democrático ou mesmo anárquico. Depende de se ampliar a sala de aula, fomentando o trabalho pedagógico em grupos de colaboração e interação, em redes descentralizadas, em coletivos os mais amplos possíveis; depende de se romper com materiais didáticos estáticos, estabelecidos pelas grades curriculares, e se avançar rumo ao desconhecido, ao conhecimento coletivamente disponibilizado nas redes, na tal “nuvem”, no universo fora da sala de aula; e depende do rompimento explícito com o presencial como única forma de contato entre os atores da relação educativa, o que implica na adoção de metodologias ativas, dialógicas, bem como na flexibilização do tratamento dado ao tempo e ao espaço de ensinar e aprender.

Nessas perspectivas, os resultados da pesquisa-ação de Letti (2016) apontaram para o fato de que estimular a formação de indivíduos emancipados e em consonância com a lógica do Interativismo Colaborativo implica, necessariamente, na adoção de uma educação distribuída, que garantirá o rompimento radical com a lógica centralizada do sistema atual, gerando confiança, solidariedade, autorreflexão, autonomia, protagonismo, colaboração e, consequentemente, emancipação. Suas conclusões corroboram a importância do funcionamento da relação educativa mediada por TICE sob a forma de uma rede distribuída em que o mediador rompe com hierarquias, flexibiliza tempos e espaços, prioriza atividades em grupo e de pesquisa, sempre aliando teoria e prática, busca identificar estilos e interesses dos alunos, sempre incentivando a formação de grupos heterogêneos, com diversas faixas etárias, gêneros, experiências de vida etc., bem como busca flexibilizar o programa curricular, a ementa que orienta seu trabalho, para ajustá-la aos interesses dos alunos.

Rossi (2016) conseguiu demonstrar em sua tese de doutorado a força da rede social como multiplicadora das possibilidades de aprendizagem e como provocadora de deslocamentos e de transformações qualitativas das interações entre os grupos, o que resultou na emergência de diferentes zonas de desenvolvimento para todos os usuários da rede. Em sua pesquisa-ação, a investigadora contribui para a conceituação do Interativismo Colaborativo ao revelar a importância da multiplicação das possibilidades de aprendizagem colaborativa e da distribuição de poder entre todos os atores da relação educativa mediada pela rede social, cujos nós (ou nodos) deram forma a uma nova estrutura social, a uma nova topologia das interações estabelecidas e construídas pelos próprios atores. Em suas conclusões, Rossi (2016) enfatiza que as redes sociais concentram elementos que respondem muito prontamente às demandas dos jovens, como a intensificação das interações sociais, com respostas rápidas e baseadas na opinião dos colegas, além de exigir o raciocínio procedural para execução de tarefas. A tese desenvolvida mostrou que para compreender o uso das redes sociais digitais em educação, em uma perspectiva interativista colaborativa, é preciso deslocar (e retornar) o foco da ferramenta para a ecologia da aprendizagem humana, a qual pressupõe a mediação das relações sujeito-objeto-contexto na aprendizagem. Neste processo, pessoas e sistemas se transformam mutuamente na medida em que interagem neste ambiente. E um elemento fundamental do Interativismo Colaborativo emerge: a autorregulação como única forma de regulação da atividade do indivíduo na relação educativa.

A tese de doutorado de Petit (2017) demonstrou que, com a aprendizagem nômade, é possível compartilhar a voz com os aprendentes, levá-los à autonomia, envolvê-los no processo educacional, valorizá-los como atores sociais. O pesquisador conclui que essa tecnologia digital móvel acelera e viabiliza a transformação da educação rumo à sociedade em rede, à construção de pontes entre práticas sociais e educacionais, bem como entre contextos formais e informais. Ele observa que o smartphone é usado tanto pelos aprendentes quanto pelos professores, os quais podem ser parceiros da transformação de paradigmas e de identificação de novas pedagogias, bem como podem, juntos, descobrir e explorar novos caminhos, abrir novas perspectivas didáticas da forma ativa preconizada pelo Interativismo Colaborativo. Trata-se de praticar a inteligência coletiva na educação, de forma horizontalizada, distribuída, solidária e democrática.

Por sua vez, Pulita (2017), buscando comprovações para sua tese de que a experiência é fator-chave para a aprendizagem significativa em situações educativas mediadas por TICE, aponta a ressignificação como ação necessária para a construção de conhecimentos novos. Ressignificação dos olhares, das imagens, das tecnologias e das experiências, em uma perspectiva individual, isto é, integrada ao aparato cognitivo do indivíduo em processo de aprendizagem, como elemento diretamente decorrente das suas interações com o conhecimento proposto pelo professor. Todavia, para Pulita (2017), as possibilidades de se pensar a organização e a criação de experiências na educação formal para uma maior conexão de seus espaços, tempos, sujeitos e movimentos à realidade atual encontra diversos obstáculos: a) descompassos na evolução, difusão e apropriação das tecnologias dentro e fora da escola, quantitativa e qualitativamente (apesar das exceções); b) Divergência entre conhecimentos de bases teóricas e suas práticas, com ou sem tecnologias, na formação dos professores; c) Desconexão entre os sujeitos, espaços, tempos e movimentos em relação às dinâmicas (formas de utilização) das tecnologias na sociedade em geral e, especificamente, na escola; e d) Desintegração das formas de informar-se, comunicar-se e expressar-se nas linguagens e ações informativas, comunicativas e expressivas nos processos midiáticos e nos processos escolares. No âmbito da conceituação do Interativismo Colaborativo, tal conclusão tem um impacto importante, posto que, conforme teoriza esse pesquisador, as tentativas de inserção das tecnologias na educação têm se mostrado ineficazes, na maioria dos casos, pela falta de conexões entre as dinâmicas das experiências vividas pelos atores sociais dentro e fora dos muros escolares.

Por fim, a tese defendida por Krause (2019), dentre outras vertentes estudadas, aponta o poder do dialogismo como liga entre os atores da relação educativa, incluindo os desenvolvedores de TICE, para que aprendizagens significativas possam ocorrer em situações em que dispositivos digitais de apoio ao ensino e à aprendizagem são desenvolvidos e empregados. Conforme se pôde constatar em sua investigação e nos dois aplicativos desenvolvidos, a interação é diretamente proporcional ao dialogismo, entendido como um fenômeno humano constituído, essencialmente, pela palavra, que possui duas dimensões intimamente relacionadas: ação e reflexão. Em outras palavras, não existe palavra verdadeira que não seja práxis (ação reflexiva), de modo que a palavra se coloca a serviço de transformar o mundo, o que é perfeitamente aplicável à situação de concepção e de desenvolvimento de TICE para educação, enquanto dispositivos promotores de transformação individual e social.

Conclusões

A Pesquisa de Síntese relatada neste texto, apoiada em cinco teses de doutorado sobre diferentes possibilidades educativas das TICE, buscou elucidar, aprofundar e melhor delimitar alguns elementos teóricos suscetíveis de contribuírem com a conceituação do Interativismo Colaborativo, proposto como teoria de ensino-aprendizagem ou como modelo didático para dar suporte a relações educativas mediadas por tais tecnologias. Os objetos de investigação das cinco teses de doutorado que delimitam a investigação de síntese relatada convergem para um mesmo ponto: as TICE como meios de comunicação pedagógica e a necessidade de se abordá-las por meio de abordagens didáticas e pedagógicas inovadoras. Quer seja pelo estudo das possibilidades pedagógicas do smartphone, realizado na tese de Petit (2017), pela busca de entendimento dos impactos, na cultura escolar, da emergência da cultura imagética, tema da tese de Pulita (2017), pela identificação de intersecções entre modos de ensino-aprendizagem e modos de funcionamento das redes sociais, tema das teses de Letti (2016) e de Rossi (2016), quer seja pela ênfase na mediação como fator delimitador para a construção de conhecimentos significativos e permanentes, como se extrai da tese de Krause (2019), essas investigações fornecem indícios bastante sólidos tanto acerca da incompletude das teorias de ensino-aprendizagem tradicionais, quanto da necessidade de uma nova teoria de ensino-aprendizagem suscetível de dar suporte a relações educativas qualitativamente inovadoras, mediadas por TICE.

As investigações estudadas, em seu conjunto, apontam para relações educativas em que não há lugar para condicionamento de comportamentos, memorização de conteúdos, contextos educativos fechados e pré-determinados, dentre outros aspectos que caracterizam a Teoria Comportamentalista, que permanece em voga em escolas mundo afora. Também se distanciam de relações educativas em que o professor é tido como mero catalisador de um processo de construção de conhecimentos. E, por fim, buscam ultrapassar a situação do professor no centro do processo pedagógico, como preconiza a Teoria Conectivista.

Em suma, os estudos integrados apontam a necessidade de novas pedagogias, mais críticas e ativas, baseadas, entre outros aspectos, nas possibilidades educativas da aprendizagem móvel ou nômade, na consideração da experiência individual como elemento disruptivo e de desencadeamento de aprendizagens significativas, pela descentralização das relações educativas e pela interação social que pode ser desenvolvida nas redes sociais. Em seu conjunto, e em síntese, as cinco investigações fornecem indícios significativos para a delimitação do conceito de Interativismo Colaborativo e apontam perspectivas concretas para sua aplicação, para sua efetividade e para sua pertinência, em um momento em que há uma demanda mundial por uma abordagem didática específica para a complexidade das relações educativas mediadas por TICE.

1A pesquisa de síntese relatada no texto foi realizada de forma longitudinal, por meio de cinco teses de doutorado, realizadas entre os anos de 2016 e 2019. Todas as investigações foram conduzidas de acordo com as normas do Comitê de Ética vigentes na Universidade de Brasília (UnB).

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Recebido: 30 de Abril de 2021; Aceito: 08 de Outubro de 2021

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