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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.65 Salvador ene./mar 2022  Epub 25-Oct-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n65.p19-41 

EDUCAÇÃO, ENSINO REMOTO EMERGENCIAL E TECNOLOGIAS

CULTURA DIGITAL, ENSINO REMOTO EMERGENCIAL E FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: AS LIÇÕES DA PANDEMIA DA COVID-19

DIGITAL CULTURE, EMERGENCY REMOTE TEACHING AND ELEMENTARY AND HIGH SCHOOL TEACHERS’ LIFELONG TRAINING: LESSONS FROM THE COVID-19 PANDEMICS

CULTURE NUMÉRIQUE, ENSEIGNEMENT À DISTANCE D’URGENCE ET FORMATION CONTINUE DES ENSEIGNANTS DE L’ÉCOLE PRIMAIRE ET SECONDAIRE: LES LEÇONS DE LA PANDÉMIE DE COVID-19

CULTURA DIGITAL, EDUCACIÓN REMOTA DE EMERGENCIA Y EDUCACIÓN CONTÍNUA DE PROFESORES DE LA EDUCACIÓN BÁSICA: LAS LECCIONES DE LA PANDEMIA DE COVID-19

Emanuel do Rosário Santos Nonato*  Universidade do Estado da Bahia
http://orcid.org/0000-0002-2490-1730

Társio Ribeiro Cavalcante**  Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano
http://orcid.org/0000-0002-7864-4792

*Doutor em Difusão do Conhecimento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Professor Titular do Departamento de Educação I da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Salvador (BA), Brasil. E-mail: enonato@uneb.br

**Doutorando em Educação (Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da UNEB), Mestre em Educação de Jovens e Adultos (UNEB) e Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IFBaiano). Catu, Bahia, Brasil. E-mail: tarsio.cavalcante@ifbaiano.edu.br


RESUMO

A inserção da cultura digital na vida escolar implica a formação continuada de professores para o uso das tecnologias digitais da informação e da comunicação. A experiência do Ensino Remoto Emergencial na pandemia da COVID-19 desvelou a fragilidade dessa formação continuada dos docentes da Educação Básica no Brasil. Por meio de um Survey com 375 docentes, esta pesquisa cruzou a experiência prévia com tecnologias na Educação, a formação continuada para uso dessas tecnologias e os dados do Ensino Remoto Emergencial. O estudo demonstrou que a experiência docente com tecnologias educacionais desconexas daquelas demandadas pelo Ensino Remoto Emergencial constituiu-se no fator mais relevante para a construção das estratégias pedagógicas durante a pandemia.

Palavras-chave: Cultura Digital; Formação Continuada; Tecnologia Educacional; Ensino Remoto Emergencial; COVID-19

ABSTRACT

The insertion of digital culture in school life is connected to school teachers’ lifelong formation on digital technologies of information and communication use. Emergency Remote Teaching during COVID-19 pandemics has revealed how fragile Elementary and High School teachers’ lifelong training is. Using a Survey, this research has crossed the previous experience of 375 teachers with technologies in Education, lifelong training on technology and Emergency Remote Teaching data. It has demonstrated that teaching experience with educational technologies not related to those necessary to Emergency Remote Teaching was the most relevant factor that determined the construction of pedagogical strategies during the pandemics.

Keywords: Digital Culture; Lifelong training; Educational Technology; Emergency Remote Teaching; COVID-19

RÉSUMÉ

L’insertion de la culture numérique dans la vie scolaire implique une formation continue des enseignants à l’utilisation des technologies numériques de l’information et de la communication. L’expérience de l’enseignement à distance d’urgence dans la pandémie COVID-19 a dévoilé la fragilité de cette formation continue des enseignants de l’école primaire et secondaire au Brésil. Grâce à une Survey auprès de 375 enseignants, cette recherche a croisé l’expérience précédente avec les technologies dans l’éducation, la formation continue pour l’utilisation de ces technologies et les données de l’enseignement à distance d’urgence. Cela a démontré que l’expérience d’enseignement avec les technologies éducatives déconnectées de celles exigées par l’enseignement à distance d’urgence a été le facteur le plus pertinent pour la construction de stratégies pédagogiques pendant la pandémie

Mots clés: Culture Numérique; Formation Continue; Technologie Éducative; Enseignement à distance d’urgence; COVID-19

RESUMEN

La inserción de la cultura digital en la vida escolar implica la educación continua del profesorado para el uso de las tecnologías digitales de la información y de la comunicación. La experiencia de Educación Remota de Emergencia en la pandemia COVID-19 reveló la fragilidad de la educación continua para docentes de educación básica en Brasil. A través de un Survey a 375 profesores, esta investigación cruzó la experiencia previa con tecnologías en educación, la educación continua para el uso de estas tecnologías y los datos de educación remota de emergencia. Esto demostró que la experiencia docente con tecnologías educativas desconectadas de las demandadas por la Educación Remota de Emergencia fue el factor más relevante para la construcción de estrategias pedagógicas durante la pandemia.

Palabras clave: Cultura Digital; Educación Contínua; Tecnologías educativas; Enseñanza; COVID-19

Introdução1

Março de 2020 representou um ponto de inflexão no modo como nos relacionamos com as tecnologias digitais na educação. A interrupção abrupta e praticamente simultânea de todas as atividades letivas presenciais em todos os níveis da Educação no Brasil, em consonância com o que já acontecera em outros países meses ou dias antes e/ou do que aconteceria pouco tempo depois, implicou um reordenamento de todos os sistemas, níveis e redes educacionais em dimensões nunca antes imaginadas: a epidemia da COVID19, dentre outras consequências, a maioria delas trágicas, impôs a todos os sujeitos da Educação a busca por estratégias que permitissem o funcionamento do sistema em condições minimamente aceitáveis do ponto de vista pedagógico e sanitário em um movimento de readaptação inédito na história da Educação. Nesse contexto, tal como em outras realidades sociais, a mediação tecnológica digital pareceu ser, em muitos casos, a solução ideal e quase que natural.

A adoção de modelos de Ensino Remoto Emergencial2 (ERE) nos mais diversos formatos trouxe à luz as graves dificuldades para a inserção das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) na vida escolar, como expressões palpáveis da cultura digital que enfeixa a sociedade em rede, sejam de natureza infraestrutural, cultural e/ou formativa: a necessidade de utilizar tecnologias digitais para a mediação pedagógica de modo tão abrupto expôs violentamente o fosso que separa o uso social das tecnologias digitais nos mais diversos setores da sociedade e o lugar que elas ocupavam na vida dos sujeitos da educação brasileira.

Neste contexto, as fissuras na formação docente para o uso das tecnologias digitais nos mais diversos contextos da Educação se constituem em um elemento de especial importância para a compreensão do modo como os professores se reposicionaram no processo de adaptação ao novo momento de Ensino Remoto Emergencial na Educação durante a pandemia da COVID-19. Para tanto, no bojo do Projeto de Pesquisa “Observatório Educacional das Redes e da Cultura Digital” desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Formação, Tecnologias, Currículo e Educação a Distância (ForTEC)3, promovemos a Pesquisa sobre “Mediação Tecnológica na Docência on-line em Tempos de Pandemia da COVID-19” (Medtec/COVID-19) para responder ao problema de pesquisa, a saber: qual a relação das experiências de formação continuada em tecnologias educacionais com o modo como os professores reposicionaram suas práticas para o Ensino Remoto Emergencial frente às restrições às atividades letivas presenciais na pandemia da COVID-19? A pesquisa Medtec/ COVID-19 foi realizada com 617 docentes da Educação de todos os níveis de ensino no período entre oito de maio e dezesseis de junho de 2020. Neste artigo, o recorte é de 375 docentes da Educação Básica. Trata-se de uma pesquisa exploratória no formato de Survey, a partir dos fundamentos de Babbie (2003; 2010), Groves et al. (2004) e Laville e Dionne (1999).

Neste artigo, comunicamos o resultado da pesquisa Medtec/COVID-19 no que concerne ao recorte sobre a formação continuada em tecnologias digitais dos docentes da Educação Básica. Dialogando com Castells (2004; 2005; 2020), Gatti (2004; 2016), Kenski (2001; 2018), Sales (2018), Nóvoa (2019), Prensky (2001; 2009) e Tardif (2007), entre outros, abordamos a questão da formação continuada em tecnologias digitais sob a perspectiva do impacto desse processo nas práticas pedagógicas de Ensino Remoto Emergencial tal como a percebem os docentes investigados, contribuindo deste modo para o aprofundamento do debate sobre o lugar da formação continuada de professores no que concerne ao uso de tecnologias digitais na Educação para o processo de reformulação da vida escolar que se anuncia no pós-COVID-19.

Formação continuada e as tecnologias digitais

Formação do professor é um elemento central na equação da qualidade da Educação, sendo, portanto, um fator preponderante para “melhorar a prática” docente (ANDRÉ, 2016). Ainda que a formação continuada seja um elemento que transversalize a vida profissional de inúmeras categorias, a relação entre docência e formação continuada é especialmente demandante, visto que: a) a docência está vinculada à construção do conhecimento e, por conseguinte, supõe a condição de constante atualização da formação do ponto de vista do conhecimento acumulado a ser compartilhado no processo ensino-aprendizagem; b) a dinâmica da docência implica em um diálogo contínuo com os modos de ser e de fazer dos discentes com os quais, e em razão dos quais, dá-se o fazer pedagógico, o que demanda uma constante atualização cultural, uma inserção no zeitgeist com o qual os alunos estão sempre conectados; c) os elementos precedentes - atualização do conteúdo curricular e conexão com a cultura do corpo docente ― implicam a necessidade de contínua renovação das estratégias didático-pedagógicas que enfeixam o processo ensino-aprendizagem. Em outras palavras, “o docente precisa ter a oportunidade de recriar suas práticas” (JUNGES; KETZER; OLIVEIRA, 2018, p. 91) de modo a escapar ao vaticínio de Demo (1998, p. 191): “nenhuma profissão envelhece mais rapidamente do que a do professor, precisamente porque lida mais de perto com a lógica do conhecimento”.

Assim, malgrado os problemas da formação inicial de professores e seus impactos sobre a prática docente e a formação continuada de professores, a dinâmica mesma da prática pedagógica torna imprescindível a formação continuada como componente irrenunciável da docência, que é “uma função assumida predominantemente pelos sistemas de educação diretamente responsáveis pela manutenção das redes de educação básica” (BARRETTO, 2015, p. 694). A falta, porém, de políticas consistentes de formação continuada de professores da Educação Básica para o uso de tecnologias digitais na docência, torna-se um elemento complicador para o alcance daquela qualidade na Educação almejada por todos.

No que concerne a essas preocupações, Gatti (2016, p. 163) já pontuara que “avolumam-se essas preocupações ante o quadro agudo de desigualdades sócioculturais (SIC!) que vivemos e ante os desafios que o futuro próximo parece nos colocar”. Dificilmente ela teria a dimensão que sua afirmação tomaria quatro anos depois nesta crise de 2020. Por desigualdades socioculturais permitimo-nos aqui também incluir os vários níveis de inserção na cultura digital que estão em linha com as desigualdades sociais, muito embora comportem outras variantes como idade, escolaridade e atividade profissional, na medida em que refletem as mesmas assimetrias estruturais do Capitalismo.

O recorte da discussão sobre formação continuada para o uso de tecnologias digitais não diminui as tensões que o campo da formação continuada traz em si. Ao contrário, apenas o enquadra na dinâmica mesma das demandas da cultura digital que correspondem à “emergência de novos parâmetros comportamentais, ou seja, a redefinição cultural do modo como se manejam os instrumentos de interação social, bem como os mecanismos de autoconstituição” (NONATO, 2020, p. 540) dos sujeitos.

Isto está em consonância com a compreensão de docência do Conselho Nacional de Educação no parágrafo primeiro do artigo segundo da Resolução n° 02/20154:

compreende-se a docência como ação educativa e como processo pedagógico intencional e metódico, envolvendo conhecimentos específicos, interdisciplinares e pedagógicos, conceitos, princípios e objetivos da formação que se desenvolvem na construção e apropriação dos valores éticos, linguísticos, estéticos e políticos do conhecimento inerentes à sólida formação científica e cultural do ensinar/aprender, à socialização e construção de conhecimentos e sua inovação, em diálogo constante entre diferentes visões de mundo (BRASIL, 2015).

Essa compreensão, principalmente no que remete a uma sólida formação em diálogo com as diferentes visões de mundo, reforça as demandas contemporâneas das práticas coletivas e da inserção e uso das TDIC no processo educativo de modo geral. Essa visão do processo formativo é reforçada em seu no art. 5°, incisos V e VI, in verbis:

V - à elaboração de processos de formação do docente em consonância com as mudanças educacionais e sociais, acompanhando as transformações gnosiológicas e epistemológicas do conhecimento;

VI - ao uso competente das Tecnologias de In-formação e Comunicação (TIC) para o aprimoramento da prática pedagógica e a ampliação da formação cultural dos(das) professores(as) e estudantes (BRASIL, 2015).

Essa concepção de formação continuada de professores supõe um conhecimento contextualizado e diverso do potencial das TDIC e implica seu uso pedagógico consciente e prudente. Portanto, esses princípios permanecem inspirações válidas para uma formação adequada ao contexto da cultura digital. Há de se dizer, porém, que a tomada de consciência das demandas de formação de professores no contexto da pandemia da COVID-19 torna a opção pela superespecialização (MORIN, 2015) apontada pela Resolução CNE/CP n° 1/2019 (BRASIL, 2019) ainda mais criticável e ainda menos condizente com as reais necessidades formativas dos professores.

Assumindo essa perspectiva, a despeito da inflexão da normativa vigente que contribui para acentuar uma realidade na qual “os saberes que, ligados, permitiriam o conhecimento do conhecimento são separados e esfacelados” (MORIN, 2015, p 18), pensar em formação de professores para o uso pedagógico das tecnologias digitais implica articular, no processo formativo, o domínio operativo dos artefatos a partir da compreensão de sua funcionalidade pedagógica, isto é, conhecer o potencial das tecnologias digitais a partir do lugar de docente que lhe confere um saber próprio, único capaz de atribuir sentidos pedagógicos aos construtos tecnológicos. Isto demanda o conhecimento do conhecimento a que alude Morin (2015). No campo da Educação, isso se traduz também pelo conhecimento pedagógico que norteia a transposição didática e a articulação dos conteúdos em um todo gnosiologicamente coerente, tanto como proposta epistemológica válida quanto do ponto de vista do processo cognitivo ensejado, pois

quando o pensamento descobre o gigantesco problema dos erros e das ilusões que não cessaram (e não cessam) de impor-se como verdades ao longo da história humana, quando descobre correlativamente que carrega o risco permanente do erro, então ele deve procurar conhecer-se (MORIN, 2015, p. 15).

Nesse sentido, ao tomar como elemento de consideração as competências tecnopedagógicas para a inserção das TDIC nos processos educativos ou proceder a inculturação digital da escola, Sales, Moreira e Rangel (2019, p. 93) recordam que

ser competente tecnologicamente não significa apenas fazer uso das tecnologias, sejam elas de informação e comunicação e/ou digitais, mas inseri-las de modo significativo no processo formativo, dando sentido às práticas educativas que possam se fazer colaborativas e autônomas no contexto contemporâneo atual, no qual os sujeitos pertencentes a essa modernidade líquida (BAUMAN, 2001)5 possam mover-se, alterar suas realidades, dar sentido às suas aprendizagens de forma individual e coletiva, transformando-se e transformando seu espaço formativo e as relações de constituição de comunidades de aprendizagem e/ou de prática (LAVE; WENGER, 1991)6.

A inserção de TDIC na prática pedagógica per se faz sentido apenas se ultrapassa a dimensão simplista da adoção de processos ou implantação de sistemas digitais e se configura em verdadeira inculturação digital, processo pelo qual se dá “a inserção das tecnologias digitais na vida escolar, com a consequente inserção da escola no modo de ser e de fazer mediado pelas tecnologias digitais, com sua lógica procedimental e sua racionalidade próprias, o que chamamos cultura digital” (NONATO, 2020, p. 555).

Isto significa que a formação continuada para o uso pedagógico das TDIC ou, posto de melhor forma, a formação continuada de professores para a cultura digital implica o reconhecimento da escola como espaço formativo por excelência (NÓVOA, 2019), perspectiva pela qual cada formação precisa dialogar com as realidades autóctones, abandonando o modelo das formações gerais e descontextualizadas. Pressupõe-se, então, um movimento dialógico de formação que parte das realidades concretas (condições materiais, sociais e culturais), dialoga com o conhecimento aportado pelo processo formativo e ressignifica as práticas, ao tempo em que abandona modelos fechados de formação em prol de “[...] um currículo hipertextual que permita um design pedagógico que empodere os sujeitos na construção de suas trilhas de formação [...]” (SALES; NONATO, 2019, p. 636).

Gatti (2016, p. 164) baliza a importância da formação ao recordar que

os insumos, a infraestrutura são condições necessárias, mas não suficientes para a implementação de processos educacionais mais humanamente efetivos. A formação dos professores, suas formas de participação em sala de aula, em um programa educacional, sua inserção na instituição e no sistema são pontos vitais.

Esse movimento de inculturação digital é, de certo modo, a consequência natural da compreensão de que esse modo de operar material e simbolicamente é a expressão cultura da sociedade em rede na qual estamos inseridos, ou seja, “uma sociedade cuja estrutura social é constituída de redes alimentadas por tecnologias da informação e comunicação baseadas em microeletrônica” (CASTELLS, 2004, p. 3, tradução nossa)7.

Nesse sentido, a inculturação digital é apenas a materialização da assimilação cultural ínsita à própria natureza da escola, na medida em que “[...] a educação não pode ser pensada em dissonância do contexto cultural em que se insere e para cuja dinâmica prepara os sujeitos em interação constante com o ambiente sociocultural” (NONATO, 2020, p. 540), posto que “a educação - enquanto pensamento, ato e trabalho - está imersa na cultura, em estilos de vida, e não se acha apenas vinculada às ciências” (GATTI, 2016, p. 163). A escola, que ainda “[...] continua obstinadamente arraigada em seus métodos e linguagens analógicos” (SIBILIA, 2016, p. 181), é demandada a atender às exigências da sociedade do conhecimento, a articular-se com seu modo de produzir conhecimento, assumindo na vida escolar a cultura digital que já se naturalizou nas interações sociais.

As demandas por uma assimilação de práticas culturais digitais na prática docente evocam a necessidade de uma formação continuada circunstanciada dos professores de modo a permitir que, para além da adoção de metodologias ou recursos didáticos que encarnem os princípios da cultura digital ou apenas utilizem artefatos digitais, os professores possam reelaborar sua prática pedagógica a partir desse cultural pedagogicamente assumido, visto que, conforme Tardif (2007, p. 83),

[...] um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir do significado que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta.

A formação continuada de professores para o uso de tecnologias digitais em sua prática pedagógica é, assim, um espaço dialógico de produção autoral de um saber-fazer docente encarnado e contextual e que, exatamente por isto, permitirá ao professor transpor o conhecimento didático-pedagógico construído nesse processo formativo para as mais diversas circunstâncias e contextos de sua prática: não se trata de treinar professores para o uso de plataformas, softwares ou aplicativos em sentido estrito, mas de, por meio desses artefatos, levar o professor a construir um verdadeiro saber pedagógico que lhe permita produzir metodologias, estratégias e procedimentos em ambiência digital ou híbrida autonomamente, conservando-se autor de sua própria prática pedagógica. Dentre os modos de ordenar esses conhecimentos para a prática pedagógica, merece destaque o Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK) (MISHRA; KOELHER, 2006; KOEHLER; MISHRA, 2009) como proposta de articulação dos conhecimentos científico, pedagógico e tecnológico demandados para a docência.

Neste ponto, estabelece-se o ponto de inflexão entre uma formação continuada para o uso de tecnologias digitais de natureza mecanicista e aquela outra formação ancorada no princípio da docência como saber-fazer autoral do sujeito. É por isso que não se pode pensar em uso de tecnologias digitais na educação dissociado da formação que o torna possível, pois “ao falar de tecnologia educacional nos referimos ao uso de recursos tecnológicos no processo de ensino-aprendizagem e ao desenvolvimento de outras capacidades humanas no contexto da formação” (SALES, 2018, p. 94). Sem formação, o uso de tecnologia digital em sala de aula, nos processos educativos mediados por tecnologia que enfrentamos atualmente, se traduz, no máximo, como replicação de procedimentos parametrizados no espaço/tempo pedagógico, nunca real prática pedagógica. Infelizmente, porém, conforme Sales, Moreira e Rangel (2019, p. 92),

nos últimos dez anos, as propostas de formação de professores para inserção e uso de tecnologias no contexto escolar, nas práticas educativas, são muitas, mas com o foco mais direto na usabilidade e não na eficiência e na exploração pedagógica dessas tecnologias.

Essa realidade desafia a todos a buscar uma formação continuada de professores para o uso pedagógico das tecnologias digitais que mobilize o docente no sentido da constituição de práticas inovadoras, entendendo-se que “inovação na educação implica uma invasão súbita e transformadora no processo ensino -aprendizagem, não no mercado” (SALES, 2018, p. 92)8. Para além de um viés mecanicista tanto dos artefatos tecnológicos quanto das abordagens pedagógicas9, importa formar o professor para ser capaz de integrar, de modo autônomo, criativo e inovador, as tecnologias em sua prática pedagógica de modo a potencializar o processo ensino-aprendizagem e maximizar os ganhos pedagógicos das tecnologias, pois “é em meio a essa multiplicidade de informações que o professor deve estar presente como agente de inovações” (KENSKI, 2001, p. 103). Assim, é interessante acompanhar dinâmicas de inovação que estão a acontecer em muitos lugares,

abrindo o modelo escolar a novas formas de trabalho e de pedagogia. É impossível ignorar o impacto da revolução digital, bem como a necessidade de diferenciar os percursos dos alunos, mas isso não implica que a escola abdique de ser um lugar de construção do comum (NÓVOA, 2019, p. 4).

Por seu turno, formar o professor para uma prática pedagógica na cultura digital tem uma dimensão muito mais profunda do que a atualização de suas estratégias pedagógicas, pois, antes, reflete o fato de que “a ligação entre escola e TIC na sociedade da informação, da era digital, constitui-se em um objetivo estratégico para o desenvolvimento da instituição escolar dentro da perspectiva político-social de formação que se quer na contemporaneidade” (SALES, 2018, p. 97). O que está em jogo é o papel que a escola quer ocupar no século XXI.

A cultura digital e o processo educativo

Ensinar e aprender não são processos culturalmente neutros, mas dão-se a partir dos condicionantes culturais que conformam esse processo. A cultura não tem influência apenas sobre o quê se aprende, tem-no também sobre o como se aprende. Embora haja algum grau de mutação daquilo que se aprende determinado pela cultura do tempo/espaço em que se aprende, há conteúdos que permanecem razoavelmente inalterados no tempo e no espaço, não obstante enormes mudanças culturais tenham ocorrido a sua volta. O mesmo não parece ser verdade em relação ao como se ensina e como se aprende: neste campo o impacto da cultura é avassalador.

Articular a cultura digital com os procedimentos didático-metodológicos, mas também com o modo como se concebe a mediação pedagógica na sociedade em rede em que estamos inseridos, não é uma possibilidade da contemporaneidade ou um caminho possível entre caminhos possíveis: é antes um imperativo da condição mesma da escola como aparato culturalmente determinado que opera na cultura do nosso tempo que é uma “cultura híbrida, prenhe de materialidades e imaterialidades cada vez mais indissociáveis” (NONATO; SALES, 2020, p. 137).

Deste ponto de vista, a intersecção entre os processos educativos e a cultura digital se dá pela dupla entrada (do ensino e da aprendizagem), mas o faz de modo diferente por cada uma dessas chaves categoriais: a) pela ‘porta da aprendizagem’, a cultura digital se imbrica com o processo pedagógico por meio do modo como os sujeitos constroem o conhecimento, o modo como aprendem, em uma cultura dada e através dos conteúdos que a cultura digital conforma (porque o conhecimento produzido não é culturalmente isento, antes é culturalmente implicado: ele é o conhecimento possível em um contexto dado, e a cultura é variável fulcral para se conceber o contexto); b) pela ‘porta do ensino’, a cultura digital se imbrica com o processo pedagógico pela adoção de meios e modos da cultura digital no fazer pedagógico: não toca aquilo que se ensina, mas o como se ensina.

Neste ponto, há que se recordar que, nos primeiros movimentos da inserção da cultura digital na escola, ainda sem uma noção clara de que se tratava de cultura digital como uma categoria pervasiva, julgou-se que a Informática Educacional seria um conteúdo, algo a ser ensinado como conhecimento escolarizado. Isto durou algum tempo, mas logo se percebeu que a inserção das TDIC na escola não significaria um conteúdo de Informática Educacional e sim a articulação profunda entre o modo de operar com as informações e o conhecimento na sociedade em rede e o fazer pedagógico no seio da escola.

Também se há de reconhecer que, em certa medida, a cultura digital cria processos que precisam ser aprendidos, pois a escola não ensina apenas conteúdos conceituais, mas também conteúdos processuais. Ademais, algumas áreas do conhecimento foram profundamente impactadas pela cultura digital, implicando alterações em sua conformação. Isto permanece um subproduto dessa inculturação digital, não seu cerne.

Embora se possa precisar esses modos pelos quais a cultura digital se integra à dinâmica do processo pedagógico, há que se ter sempre em mente que os processos educativos se dão em um movimento dialógico, interacional, dinâmico e intersubjetivo. Ensinar e aprender se completam e interdependem-se:

é que não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observado a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos (FREIRE, 2001, p. 259).

Nesse sentido, os condicionantes culturais que operam sobre e com os processos educativos agem no ato de ensinar e no ato de aprender. Do mesmo modo, como não se pode falar de relação humana fora da cultura, não se pode falar de processos educativos isentos das marcas da cultura que os contém. Assim, uma escola que se queira adequada para atender às demandas da contemporaneidade assume necessariamente as condições nas quais se produz a existência humana hoje, a cultura digital entre elas.

A vinculação de crianças e jovens à escola como instituição social voltada por excelência para sua formação torna a cultura juvenil um fator preponderante da equação cultural a ser operacionalizada na condução dos processos educativos. Importa recordar que, não obstante equivocadamente, a cultura digital foi inicialmente associada à cultura juvenil. Neste ponto, Freire Filho e Lemos (2008, p. 18) avaliam que “a identificação da ‘cultura tecnológica’ como uma ‘cultura juvenil’ remonta à década de 1980, quando surgiram os computadores pes soa is, os videogames e a internet”.

Contudo, as condições objetivas da sociedade da informação impõem o uso de tecnologias digitais no processo pedagógico. Mesmo mantendo uma forte crítica a certa euforia que campeia entre os defensores do uso das tecnologias digitais na educação, Buckingham (2010, p. 38-39) reconhece que “a primeira relação deles [dos alunos] com a tecnologia digital já não ocorre hoje no contexto escolar - como fora nos anos 1980 e mesmo no início dos 1990 -, pois ela se tornou do domínio da cultura popular”.

Isto não quer dizer que se tenha desfeito a ideia, formulada por Prensky (2001), de nativos e imigrantes digitais. Ao contrário “ainda hoje, passada a fase inicial da “revolução” dos computadores pessoais, a imagem do jovem que detém uma espécie de talento natural para o computador prevalece, e novos mitos alimentam este imaginário” (FREIRE FILHO; LEMOS, 2008, p. 19). A esse respeito Prensky (2001, p. 1-2) define que

[...] a designação mais adequada que encontrei para eles é Nativos Digitais. Nossos alunos hoje são todos ‘falantes nativos’ da linguagem digital dos computadores, videogames e da internet. Então, o que isto faz do resto de nós? Aqueles de nós que não nasceram no mundo digital, mas foram fascinados, em algum momento de nossas vidas, e adotaram muitos ou a maioria dos aspectos da nova tecnologia são, e em relação a eles sempre serão, Imigrantes Digitais10.

Esta conceituação de Prensky (2001) deu forma à compreensão de não poucos pesquisadores no campo das Ciências Humanas e alimentou o mito de que os jovens são naturalmente digitais como sinalizaram Freire Filho e Lemos (2008) precedentemente. Contudo, a equiparação da cultura digital à cultura juvenil, como denuncia Buckingham (2008), é imprecisa e tal reducionismo teve graves implicações quanto aos pressupostos educacionais equivocados ao longo dos anos.

Isto posto, um primeiro ponto é reconhecer o equívoco da ideia de que todo jovem é naturalmente nativo digital e, como tal, é naturalmente fluente na cultura digital. O próprio Prensky (2009, p. 1) parece fazê-lo11 ao afirmar que,

ao tempo em que penetramos no séc. XXI no qual todos terão crescido na era da tecnologia digital, a distinção entre nativos digitais e imigrantes digitais se tornará menos relevante. Claramente, ao trabalharmos para criar e aperfeiçoar o futuro, precisamos imaginar um novo conjunto de distinções. Sugiro pensarmos em termos de sabedoria digital12.

A centralidade do computador ‒ entendido como toda e qualquer máquina capaz de processar e armazenar dados ‒ na cultura digital é inegável e expressa a realidade de que

a sociedade em rede, em termos simples, é uma estrutura social baseada em redes operadas por tecnologias de comunicação e informação fundamentadas na microelectrónica e em redes digitais de computadores que geram, processam e distribuem informação a partir de conhecimento acumulado nos nós dessas redes (CASTELLS, 2005, p. 20).

Esse fenômeno sociopolítico denominado sociedade em rede, ao qual a cultura digital está ligada, materializa-se mediante as redes telemáticas que operacionalizam essa rede planetária através da utilização do sistema digital binário tanto para o processamento quanto para o armazenamento de dados em computadores (GERE, 2008), não obstante tecnologia digital e computação não significarem originalmente a mesma coisa.

É patente que a cultura digital campeia em meio aos jovens com grande liberdade. Contudo, as dimensões sociais, econômicas e culturais estabelecem balizas que fazem adultos citadinos, de classe média, com nível superior e de países centrais do Capitalismo, por exemplo, muito mais aptos à inserção na cultura digital do que jovens das periferias urbanas ou da zona rural, com educação básica incompleta, pertencentes aos estratos mais baixos da sociedade e habitantes de países periféricos, pois não se pode desconhecer que a cultura digital não está dissociada das condições sociais, políticas e econômicas em que estão implicadas relações humanas. Ao contrário, a cultura digital é expressão da sociedade em rede e “todas as sociedades são construtos culturais, se entendemos cultura como um conjunto de valores e crenças que subsidiam e motivam o comportamento das pessoas” (CASTELLS, 2004, p. 38, tradução nossa)13.

Há, portanto, uma relação simbiótica entre a cultura digital e a sociedade em rede. Essa relação se dá pelo papel central que as redes digitais têm na construção da sociedade em rede: “as redes de comunicação digital são a coluna vertebral da sociedade em rede, tal como as redes de potência (ou redes energéticas) eram as infra-estruturas (SIC!) sobre as quais a sociedade industrial foi construída [...]” (CASTELLS, 2005, p. 18).

Gere (2008) identifica a cultura digital, a partir do conceito de cultura de Raymond Williams (1985), com os modos produção da existência interagindo com e a partir de interfaces digitais, não obstante isso não signifique um padrão global de substituição das várias culturas social e geograficamente localizáveis. Assim, como um “[...] modo particular de vida, seja de um povo, um período, um grupo ou de toda a humanidade [...]” (WILLIAMS, 1985, p. 90)14, a cultura digital se enquadra como a expressão cultural da sociedade em rede sem negar as culturas locais. Antes, ela “dialoga e avança progressivamente na integração com alguns aspectos da cultura popular, mas sem extingui-la integralmente” (KENSKI, 2018, p. 140). Nesse sentido, importa recordar que a cultura da sociedade em rede global é uma cultura de protocolos de comunicação que permitem a comunicação entre diferentes culturas baseada não necessariamente em valores compartilhados, mas no compartilhamento do valor da comunicação. Isto quer dizer que a nova cultura não é composta por conteúdo, mas por processos. É uma cultura de comunicação pela comunicação. É uma rede aberta de significados culturais que podem não apenas coexistir, mas também interagir e modificar-se uns aos outros com base nessa troca (CASTELLS, 2004, p. 39-40, tradução nossa)15.

É bem verdade que não é nova a compreensão de que as relações humanas na contemporaneidade se dão em meio a matizes de cultura, dentro dos quais insere a cultura digital, não em uma realidade culturalmente homogênea no tempo e no espaço. Rojo (2012, p. 14) nos recorda que “vivemos, já pelo menos desde o início do século XX (senão desde sempre), em sociedades de híbridos impuros, fronteiriços”. Assim, a cultura digital atua como uma referência transversalizada que opera em interação com outros matizes culturais. Mas,

e a educação? Vamos finalmente aceitar que vivemos em um mundo de comunicação híbrida, em que o presencial continua sendo essencial, especialmente em idades mais jovens, mas que pode ser complementado de forma criativa pela interação digital com redes cada vez mais rápidas e de maior capacidade, em que a virtualidade real e a interação simultânea ampliam o campo de aprendizagem e experimentação? Claro que, nesse sentido, será necessário formar os professores (os alunos já sabem e aprendem rapidamente) e potencializar a infraestrutura digital das escolas. Mas foi assim quando tivemos que produzir milhões de livros didáticos para expandir a educação para além das elites que a recebiam (CASTELLS, 2020, tradução nossa)16.

O ponto de inflexão reside no equilíbrio entre o investimento em formação e infraestrutura tecnológica. Um sem o outro redunda ineficaz. Enquanto a infraestrutura tem natureza generalista, isto é, trata-se muito mais de assimilação de tecnologia na educação e não de tecnologia educacional em sentido estrito17, a formação é necessariamente enfocada no contexto e nas necessidades dos sujeitos dos processos educativos. Isto não significa uma diminuição do papel do professor: ao contrário, “na cultura digital, o papel dos professores se amplia, ao invés de se extinguir” (KENSKI, 2001, p. 105).

O desenvolvimento de ferramentas que tornam o acesso à informação mais fácil e rápido não deslegitima o professor como mediador do processo ensino-aprendizagem. Antes, ao desresponsabilizá-lo da função de único provedor de informações, o professor fica liberado para aprofundar seu papel de mediador no processo de construção do conhecimento. A questão é que isto supõe uma compreensão do processo pedagógico como mediação da construção do conhecimento e não como sua transmissão. No limite, há que se recordar que as TDIC são assumidas na educação como meios, que aportam perspectivas singulares, é certo, mas que continuam como meios, pelo que

[...] mediar e mediatizar a educação nem sempre implica o uso do computador, do vídeo projetor, do jornal ou de qualquer outro meio de comunicação que conheçamos hoje. Na educação o livro, o quadro e o caderno de apontamentos também são meios (MARÍN OSSA, 2015, p. 47, tradução nossa)18.

Contudo, isto não impede certa tendência à fetichização da tecnologia na educação como reflexo do mesmo processo de fetichização espraiado pela sociedade. Porém,

não obstante alguns insistam em ver nas Tecnologias da Comunicação e Informação um algo novo que transmuda o ser humano - o que Adorno19 classifica de fetiche - e o determina, uma abordagem mais coerente com o princípio grego da teckné implica uma compreensão da tecnologia enquanto desdobramento natural das possibilidades criativas do homem em todos os tempos, determinada pelas necessidades e demandas da práxis dos sujeitos, como argumenta Lima Júnior (2003, p. 5)20 (NONATO, 2006, p. 83).

Para além do fetiche, a ilusão de que as tecnologias digitais poderiam ser substitutivas da mediação pedagógica desenvolvida por um profissional habilitado, embora não resista a uma análise minimamente séria e teóricometodologicamente consistente, continua a assombrar setores importantes do magistério. Nesse contexto, a emergência de experiências de utilização de Inteligência Artificial na mediação pedagógica21, em atendimento a critérios muito mais financeiros que pedagógicos, é um perigoso alerta do quanto o abandono de padrões rigorosos de qualidade do processo pedagógico como ação crítico-reflexiva socialmente construída pode implicar em risco para a educação como processo dialógico de construção do conhecimento.

Não obstante os vários modos e níveis de integração das TDIC aos processos educativos possíveis na cultura digital, o contexto da pandemia da COVID-19 e as restrições às atividades letivas conexas impuseram um movimento massivo em direção à mediação tecnológica digital dos processos pedagógico a que se convencionou chamar Ensino Remoto Emergencial, não obstante essa categoria encarne também modos analógicos, por assim dizer, de produção de alternativas pedagógicas no contexto de fechamento das escolas na pandemia da COVID-19. Neste ponto, importa destacar que a

aprendizagem eletrônica é menos apropriada para estudantes imaturos, para estudantes incapazes ou não preparados para aprender de modo independente e para estudantes necessitados de interação íntima e pessoal com outros estudantes (embora uma introdução ao e-learning em condições controladas seja provavelmente benéfica mesmo para tais grupos discentes) (BATES, 2004, p. 289-290, tradução nossa)22.

Contudo, é preciso ter em mente que “Educação online não é um modelo monolítico de educação nem mesmo uma abordagem homogênea” (HARISIM, 2015, p. 27). Falar de Educação on-line como um subproduto da inculturação digital na escola implica entender que no bojo da Educação on-line se inserem os mesmos desafios que estão fora dela, isto é, a busca da Educação de qualidade contém em si o diálogo produtivo com as tecnologias de nosso tempo, como em qualquer outro tempo, ao lado de todas as outras dimensões que implicam uma Educação de qualidade. A visão simplista de que “Educação é meramente uma questão tecnológica, uma questão de transmissão de conteúdo” (HARISIM, 2015, p. 27) é um desafio tão grande para a Educação quanto o negacionismo tecnológico que, para defender o valor da interação humana na Educação, descarta a importância da tecnologia no processo ensino-aprendizagem, como se a educação escolar pudesse ser uma ilha analógica em uma sociedade digital. Ao contrário,

à medida que a prática pedagógica incorpora as TDIC em seu dia a dia, o caldo de cultura que chamamos de cultura digital se naturaliza na vida escolar, diminuindo a distância entre a vida vivida nas dinâmicas da sociedade conectada e o microcosmos da sala de aula (NONATO, 2020, p. 556).

Em outros termos, cuida-se de balizar os processos educativos em sintonia com os modos de produzir conhecimento na sociedade em rede, em chave de cultura digital que não se limita à Educação a Distância como modalidade ou à Educação On-line como categoria23. É verdade que “[...] e-learning tem sofrido muito tanto pelo exagero de seus benefícios quanto pelo medo e resistência à mudança [...]” (BATES, 2004, p. 290)24. Do ponto de vista pedagógico, o desafio de articulação das TDIC não se trata da redução de todas as experiências pedagógicas à dimensão da Educação Online, até porque,

os efeitos do presencial não podem ser recuperados pela tela, porque existe algo que só ocorre na relação direta e os aparelhos em momento algum conseguirão captar, que é a percepção da energia pessoal, da força interna de cada um, de seu élan próprio, que só pode ser sentido pela percepção através da sua emanação direta (MARCONDES FILHO, 2013, p. 33).

A emergência da COVID-19 colocou em evidência, no formato de Ensino Remoto Emergencial, a possibilidade de utilizar as redes telemáticas como espaço de produção do conhecimento escolar sistematizado. Essa realidade, por um lado, reverbera metodologias e procedimentos que a Educação a Distância em sua quarta e quinta gerações já pusera em prática. Por outro lado, não deixa de ser uma realidade parcial na qual toda a complexa rede de possibilidades abertas pela inserção das TDIC na Educação fica inviabilizada pelas restrições mesmas que deram causa à adoção do ERE. Os desdobramentos futuros desvelarão as consequências dessa contradição.

Paradoxalmente, o contexto da pandemia da COVID-19 visibilizou de modo nunca antes experimentado as TDIC como mediadoras dos processos educativos, ao tempo em que impediu que as complexas relações entre o presencial e o virtual, entre o analógico e o digital, na linha do que se tem anunciado como hibridismo, pudesse ser experienciado. Contudo, mesmo com a hipertrofia de um certo formato de uso de TDIC para a mediação pedagógica, este contexto testemunha o potencial das TDIC na Educação e a possibilidade, ainda que assimétrica, de implementá-las, inobstante o fato de que essa experiência também pintou com cores bastante nítidas as gravíssimas assimetrias de acesso e domínio das TDIC na educação, bem como a imprescindibilidade da formação continuada para que as TDIC possam ser efetivas na mediação dos processos educativos.

Metodologia

Dentro do projeto “Observatório Educacional das Redes e da Cultura Digital” que mapeia e avalia a inculturação digital na Educação Básica e Superior, o projeto de pesquisa “Mediação Tecnológica na Docência on-line em Tempos de Pandemia da COVID-19” (Medtec/ COVID-19) propôs-se a investigar o fenômeno da docência on-line durante a pandemia mediante um Survey, dado que o “Método de Pesquisa Survey é provavelmente o melhor método disponível para o pesquisador em Ciências Sociais que está interessado em coletar dados originais para descrever uma população grande demais para ser observada diretamente” (BABBIE, 2010, p. 254, tradução nossa)24. No recorte aqui analisado, tomam-se os respondentes que são docentes da Educação Básica e para analisar as relações entre a formação em tecnologias educacionais e o Ensino Remoto Emergencial proposto no contexto da pandemia da COVID-19.

Quadro 1 Questões do instrumento de pesquisa  

Questão 1 Está desenvolvendo atividades de aulas com mediação tecnológica na quarentena?
Questão 2 A rede ou instituição em que trabalha promoveu formação para o uso das tecnologias digitais na educação antes da pandemia?
Questão 2 Caso tenha promovido, como você avalia essa formação no sentido de prepará-lo para o uso das tecnologias digitais neste momento da quarentena?
Questão 3 A rede de ensino ou a instituição disponibilizou alguma orientação pedagógica para o desenvolvimento do trabalho pedagógico on-line?
Questão 4 Você tem suporte pedagógico da rede de ensino ou instituição para a concepção e desenvolvimento das ações pedagógicas durante a pandemia?
Questão 5 Você já havia utilizado algum recurso pedagógico digital (equipamento, aplicativo, ambiente virtual de aprendizagem...) em sala de aula antes da pandemia?
Questão 6 Caso tenha respondido positivamente à questão acima, informe qual(is) recurso(s) utilizou.

Fonte: Os autores, 2022.

O Survey que conformou a Pesquisa Medtec/ COVID-19 abrangeu diversos aspectos do fenômeno em comento. O instrumento foi aplicado entre oito de maio e dezesseis de junho de 2020 por meio de formulário digital na plataforma Google Forms. Neste artigo, analisa-se o recorte de seis (06) das quarentas (40) questões que compõem o questionário da pesquisa MedTec/ COVID-19, notadamente aquelas que tematizam a relação da formação continuada em tecnologias digitais e os processos educativos implementados no contexto da pandemia da COVID-19. A seguir, são apresentadas as questões que subsidiam esta pesquisa:

A escolha do Survey para este estudo se deu por entendê-lo capaz de prover dados aptos a desvelar a relação entre a formação continuada em tecnologias digitais, no bojo da inserção da cultura digital na vida escolar, e o enfrentamento das novas condições pedagógicas advindas da suspensão das atividades escolares presenciais durante a pandemia da COVID-19 no Brasil, à luz da compreensão de que “a observação deve informar a teoria, não o contrário” (CASTELLS, 2004, p.39, tradução nossa)25. Isto, não obstante o fato de que “o uso de dados quantitativos na pesquisa educacional no Brasil nunca teve, pois, uma tradição sólida, ou uma utilização mais ampla” (GATTI, 2004, p. 14).

As profundas alterações na rotina dos professores e estudantes de todos os níveis e sistemas de ensino com a suspensão das atividades presenciais suscitou nos pesquisadores a seguinte questão de pesquisa: qual a relação das experiências de formação continuada em tecnologias educacionais com o modo como os professores reposicionaram suas práticas para o Ensino Remoto Emergencial frente às restrições às atividades letivas presenciais na pandemia da COVID-19?

Esta pesquisa é amostral interseccional de caráter explicativo. “Survey amostrais quase nunca são realizados para descrever a amostra particular estudada. São realizados para entender a população maior da qual a amostra foi inicialmente selecionada” (BABBIE, 2003, p. 83). Nesse sentido, o que se quer aqui analisar, a partir da amostra, é o comportamento dos docentes no âmbito da pandemia COVID-19, pois “os Survey são frequentemente realizados para permitir enunciados descritivos sobre alguma população, isto é, descobrir a distribuição de certos traços e atributos” (BABBIE, 2003, p. 96). O Survey é “um método sistemático de coleta de informações de indivíduos para a construção de descritores quantitativos dos atributos de uma população maior da qual os indivíduos são membros” (GROVES et al., 2004, p. 2, tradução nossa)26.

No caso deste estudo, trata-se de uma amostra não probabilística do tipo amostra de voluntários, pelo que “a generalização das conclusões mostra-se delicada, principalmente porque é impossível medir o erro de amostragem” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 170). A pesquisa foi realizada no período de quarenta (40) dias, de 8 de maio a 16 de junho de 2020. Compuseram a amostra trezentos e setenta e cinco (375) sujeitos, docentes da Educação Básica, sendo: cinquenta e cinco (55) docentes da Educação Infantil; cento e nove (109) docentes do Ensino Fundamental I; cento e trinta e nove (139) docentes do Ensino Fundamental II e cento e noventa e seis (196) docentes do Ensino Médio. Desconsideradas as repetições de papéis docentes dos mesmos sujeitos, trata-se de trezentos e setenta e cinco (375) docentes que implicam quatrocentos e noventa e nove (499) posições de docência na Educação Básica. Em todo caso, o fato de não se poder fazer generalizações estatísticas diretas não descarta a importância dos dados recolhidos, pois “os métodos de análise de dados que se traduzem por números podem ser muito úteis na compreensão de diversos problemas educacionais” (GATTI, 2004, p. 13).

Resultados

A emergência da COVID-19, com o que ela significou de reordenamento emergencial das práticas pedagógicas no sentido de suprimir instantaneamente por mecanismos outros ‒ na maioria dos casos com mediação de artefatos tecnológicos digitais no formato de Ensino Remoto Emergencial ‒ a falta das interações físicas presenciais, representou um movimento singular de busca por alternativas pedagógicas que implicavam um repertório pedagógico que, não raro, não se configurava em práticas às quais os docentes estavam habituados.

Do público investigado, 12,5% são docentes da rede privada de ensino, 77,6% são docentes de redes públicas de ensino (Federal, Estadual e Municipal) e 9,9% pertencem ao serviço público e à rede privada. Partindo-se da premissa de que formação continuada é essencial para a construção de uma práxis pedagógica capaz de garantir a qualidade dos processos educativos, 32% dos investigados afirmam que a rede ou instituição em que trabalham promoveu formação para o uso das TDIC na educação antes da pandemia27, contra 68% que informam não ter participado de processo formativo com essa temática. Este é o ponto de inflexão a partir do qual os dados são analisados neste estudo.

A autonomia e a singularidade das várias redes de ensino determina per se uma grande assimetria na oferta de formação continuada nos mais diversos temas. Tomando em consideração a formação continuada em TDIC, é de grande relevo que 68% dos investigados não tenha passado por formação em TDIC. Contudo, uma análise mais detida desse dado revela-se ainda mais instigante, conforme a tabela a seguir:

Tabela 1: Ações formativas ofertadas em TDIC  

DOCENTES FORMAÇÃO EM TDIC ANTES DA PANDEMIA SUPORTE PEDAGÓGICO PARA O USO DE TDIC DURANTE A PANDEMIA
Sim Não Sim Não
Rede Privada 38,1% 61,9% 70,4% 29,6%
Redes Municipais 25,0% 75,0% 50,4% 49,6%
Rede Estadual 63,3% 36,7% 57,5% 42,5%
Rede Federal 20,8% 79,2% 27,2% 72,9%
Conjunto das Redes Públicas 32,6% 67,4% 50,2% 49,8%
Todas as redes 32,0% 68,0% 46,9% 53,1%

Fonte: Os autores, 2022.

O claro crescimento de 32% antes da pandemia para 46,9% durante a pandemia na oferta de ações formativas em Tecnologias Educacionais demonstra a compreensão de que havia um déficit na oferta de formação aos docentes: a necessidade urgente de ofertar ERE surpreendeu as instituições escolares sem professores com formação e experiência no uso de TDIC nos processos educativos. Embora destes dados não possam aduzir generalizações em virtude de não se ter constituído uma amostra probabilística neste estudo, a tabela supra demonstra que os docentes, em sua maioria, não tinham uma formação consistente em TDIC que permitisse uma migração pedagogicamente madura do ensino presencial para o Ensino Remoto Emergencial concebido durante a pandemia. Em todos os extratos, exceto na rede estadual, os índices giram em torno de trinta por cento (30%) do quadro com formação em TDIC. Na verdade, o índice do conjunto das redes públicas chega a trinta e dois vírgula seis por cento (32,6 %) em virtude das recentes ações de formação da Rede Estadual da Bahia28 como requisitos para a promoção na carreira docente. Essas ações do Estado da Bahia explicam o índice de sessenta e três vírgula três por cento (63,3%) de docentes com formação no uso de TDIC. Este índice está fora da curva registrada no conjunto das redes públicas, em cada rede individualmente e no conjunto de todas as redes de ensino.

Por outro lado, o crescimento da oferta de formação no contexto da pandemia sinaliza para uma formação aligeirada e circunstancial, como ademais impõe o próprio contexto emergencial, não configurando verdadeira formação sistemática e reflexiva. Embora isto não tenha sido objeto deste estudo, uma formação em TDIC ofertada no contexto da pandemia, não obstante necessária pelas circunstâncias dadas, não dará conta das necessidades formativas dos docentes: trata-se antes de um suporte a ação dos professores e não um processo formativo sistemático.

É de se destacar a rede estadual como única a demonstrar um investimento mais consistente na formação de professores para o uso de TDIC, apresentando sessenta e três vírgula três por cento (63,3%) de professores que participaram de processos formativos sobre TDIC. Isto significa que a dificuldade da rede estadual para oferta de ERE, o que não é objeto deste estudo, não está na formação de professores, mas em outras variáveis.

A Rede Privada apresenta um quadro melhor que o conjunto das redes públicas com trinta e oito vírgula um por cento (38,1%) de professores com formação para uso de TDIC. Contudo, quando são subtraídos os professores com duplo vínculo (estadual e privado) uma análise mais detida dos dados revela que, entre os professores que só trabalham na rede privada, o índice chega a vinte e seis vírgula sete por cento (26,7%) de docentes com formação para uso de TDIC. Há claramente aqui o impacto da formação promovida pelo Estado da Bahia para a sua rede própria. Assim, em se tratando de qualificação promovida pela rede privada para seus professores, o índice de 26,7% está em linha com as demais redes, excetuando-se a rede estadual.

A análise dos índices de formação em uso de TDIC revela uma falta de investimento sistêmica do poder público e da iniciativa privada na formação continuada em TDIC. Não obstante o avanço da cultura digital, não foram implementadas ações de formação continuada de professores em uso de TDIC na Educação nas várias redes de ensino. O processo de inculturação digital ainda não alcançou a formação do professor.

Este é um dado extremamente impactante porque a apropriação e o uso das TDIC na Educação não podem ser promovidos de modo voluntário, impressionista e descolado da construção articulada de saberes pedagógicos e tecnológicos. Sem formação, dificilmente se pode falar da construção desses saberes. Embora cada professor possa conduzir autonomamente sua formação, é fundamental que haja processos formativos sistêmicos que possam promover a construção de conhecimentos pedagógicos articulados com conhecimentos tecnológicos, tornando a prática pedagógica digitalmente inculturada, seja para potencializar a construção do conhecimento mediante o uso das TDIC e de tudo o que elas aportam ao processo ensino-aprendizagem, seja para tornar os processos educativos mais compatíveis com o modo como são promovidos os demais processos sociais, isto é, para adequá-los à cultura digital vigente.

É à luz desses dados em relação à formação continuada para o uso de TDIC na Educação que são analisados os dados do uso de TDIC durante a pandemia no formato de Ensino Emergencial Remoto indicados a seguir:

Tabela 2: Uso de TDIC na Educação antes e durante a pandemia  

DOCENTES DESENVOLVEU ERE NA PANDEMIA* JÁ UTILIZAVA TDIC NA EDUCAÇÃO JÁ UTILIZAVA AVA E/OU WEBCONF
Sim Não Sim Não Sim Não
Rede Privada 96,4% 3,6% 78,6% 21,4% 23,9% 76,1%
Redes Municipais 50,9% 49,1% 62,3% 37,7% 15,5% 85,5%
Rede Estadual 65,9% 34,1% 72,5% 27,5% 44,0% 66,0%
Rede Federal 56,3% 42,7% 62,3% 37,7% 41,4% 58,6%
Conjunto das Redes Públicas 57,6% 42,4% 69,8% 30,2% 29,6% 71,4%
Todas as redes 37,2% 62,8% 70,6% 29,4% 30,0% 70,0%

Fonte: Os autores, 2022.

*O dado aborda ERE em sua dimensão mais alargada, sem necessariamente excluir estratégias analógicas de Ensino Remoto Emergencial.

O primeiro elemento a se considerar é o descompasso entre formação para o uso de TDIC na Educação e o uso de TDIC na Educação a indicar que a inserção das TDIC não se lastreia em processos formativos consistentes. O gráfico 1 ilustra o comportamento das variáveis formação, uso de TDIC e ERE apresentado nas tabelas precedentes:

Fonte: Os autores, 2022.

Gráfico 1 Comparativo das condições de uso de TDIC 

Os dados são reveladores de que os processos formativos em TDIC estão aquém do movimento de uso das TDIC nos processos educativos pelos docentes pesquisados. Tanto a formação quanto o suporte pedagógico para uso de TDIC durante a pandemia estão aquém do uso de TDIC e do desenvolvimento de ERE na pandemia. De modo bastante consistente, o uso de TDIC na Educação se comporta de modo independente da formação em todos os cenários e permanece estável com uma variação de dez pontos nas redes públicas, entre sessenta e dois (62) e setenta e dois por cento (72%) dos investigados, variando positivamente na rede privada para cerca de setenta e oito por cento (78%), enquanto a formação gira em torno de trinta por cento (30%) com um pico de sessenta e três por cento (63%) na rede estadual, fenômeno já aludido anteriormente.

Fonte: Os autores, 2022.

Gráfico 2 Comparativo das experiências de uso das TDIC 

O mesmo padrão se revela na relação entre o suporte pedagógico e a oferta de ERE durante a pandemia. Disto depreendemos que o descolamento entre formação e prática valida a experiência como vetor que sustenta o uso de TDIC nos processos educativos no ERE durante a pandemia. Contudo, qual a natureza dessa experiência? De que uso de TDIC se cuida ao se aludir à experiência com TDIC em Educação? O gráfico 2, a seguir, ilustra o descompasso entre a experiência com TDIC relatada e a realidade surgida na pandemia que modulou o ERE com mediação tecnológica digital a partir do uso de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) e ferramentas de webconferência integradas ou não aos AVA:

Dentro da categoria experiência, destacou-se o uso de AVA e de webconferência como significativos para determinar uma experiência relevante para, ao largo da ausência de uma formação continuada sistemática em TDIC, garantir o mínimo de conhecimento experiencial para fundamentar as práticas docentes que emergiram no ERE na pandemia. Ao cotejar a realidade do ERE ofertado durante a pandemia com a experiência relatada pelos sujeitos no instrumento de pesquisa, identifica-se que a experiência relevante para o uso das TDIC feito no ERE, qual seja o uso de ambiente virtuais de aprendizagem e de plataformas de webconferência, não sustenta uma prática docente fundamentada. Para além do valor intrínseco dos processos de formação continuada em TDIC como elementos necessários à construção das competências tecnopedagógicas indispensáveis à docência na cultura digital, é bastante problemático sustentar as competências pedagógicas para a promoção do ERE como mediação tecnológica digital na experiência docente prévia com tecnologias desconexas daquelas usadas no processo em tela.

Embora a experiência com uso de TDIC seja maior do que as experiências de ERE, exceto na iniciativa privada, a experiência com AVA e webconferência apresenta percentuais muito distantes daqueles alcançados pelo ERE nos cenários construídos. Por seu turno, a rede privada apresenta os dados mais discrepantes: a mais destacada experiência de ERE com noventa e seis vírgula quatro por cento (96,4%) vis-à-vis uma experiência de uso de AVA e webconferência entre docentes de apenas vinte e três vírgula nove por cento (23,9%).

Embora os dados da rede municipal mostrem números inferiores, o contraste com a oferta de ERE é menos destacado que na rede privada. A isto se aduz o fato de que os números relacionados ao suporte pedagógico indicado nos dados, embora indiquem a consciência do imperativo da formação, precisa ser modulado pelo próprio contexto de precariedade que atinge toda a estrutura da Educação na pandemia da COVID-19: tal suporte pedagógico, assim entendido, não tem o condão de dar conta da complexidade demandada por tal formação, seja pela exiguidade do tempo e extemporaneidade do processo, seja pelas condições mesmas da oferta de qualquer formação ou suporte pedagógico no contexto das restrições de contato social e fechamento das instituições educacionais em todo o país.

Essa realidade destaca o paradoxo da experiência docente em TDIC como suporte para o ERE. Os dados revelam que ao ERE careceram os fundamentos tanto teórico-conceituais e metodológicos formalmente constituídos em processos formativos quanto fundamentos experienciais das ferramentas que foram utilizados no ERE em formato digital. Se, por um lado, é verdade que as circunstâncias excepcionais do ERE justificam a adoção de toda e qualquer alternativa que viabilize a oferta da educação possível no contexto extremo da pandemia da COVID-19, por outro lado a experiência do ERE acentua a necessidade da formação em TDIC para garantir uma inserção qualificada dos processos educativos na cultura digital. Não obstante a importância da experiência como fonte de conhecimento, a ausência de formação sistemática dificulta a construção de abordagens das TDIC na educação para além da instrumentalização.

É no processo de formação que a reflexão metodologicamente conduzida permite que as teorias e os conceitos sejam articulados com as práticas, ressignificando-as e desvelando todo o seu potencial inovador. A formação permite que o uso instrumental seja substituído por um uso propositivo-conceitual no qual toda a potência de novos sentidos possíveis emerja no contexto de uma práxis renovada. Esta experiência do ERE no contexto da pandemia da COVID-19 demonstra o alto preço que a falta de formação continuada em TDIC cobra em relação à capacidade de efetiva inculturação digital nos processos educativos no que isto tem de mais inovador, disruptivo e potencial mobilizador de formas mais dialógicas e autônomas de promoção dos processos educativos.

Conclusão

A tomada de consciência de que a necessidade de oferta do Ensino Remoto Emergencial encontrou, mais uma vez, a Educação Básica despreparada para o movimento de migração do ensino presencial para formatos diversos de mediação tecnológica digital, ante o fechamento das escolas em março de 2020, demanda dos sujeitos da Educação uma profunda reflexão sobre as lacunas na estrutura da Educação Nacional, na consolidação de ações de políticas públicas de formação de professores.

Embora as fissuras no edifício da Educação Brasileira postas às claras pelas condições extremas impostas pela pandemia não se limitem às questões de formação para o uso de TDIC, este estudo recorta o problema da formação para demonstrar como, sem um processo sistemático de formação continuada para o uso das TDIC na Educação, não se pode pensar em um processo de inserção das TDIC na Educação apto a promover o potencial dialógico inerente à mediação tecnológica e a potencializar a autonomia e a colaboração na construção do conhecimento no diversos contextos educacionais. Ao contrário, tende-se a transpor práticas presenciais. Isto, longe de representar inculturação digital, representa a colonização do digital pelas piores práticas do presencial.

Os resultados apresentados neste estudo revelam que a falta de formação continuada em TDIC, ou os números insuficientes da formação ofertada, levou grande parte dos docentes que empreenderam a oferta de ERE a recorrer à própria experiência com o uso em TDIC como referência para as práticas pedagógicas no ERE. Importa destacar que tal experiência revelou-se desconexa com as demandas de formação para o uso daqueles recursos que se revelaram os pontos centrais da construção do Ensino Remoto Emergencial com mediação tecnológica digital.

As discrepâncias entre os percentuais de formação e experiência no uso de TDIC e entre formação e oferta de ERE explicitam que as TDIC têm grande potencial de assimilação entre os docentes. Embora esse seja um elemento alentador, isto não minimiza a necessidade de formação continuada, ao contrário: é pela formação continuada que as práticas são ressignificadas e o potencial disruptivo da cultura digital se entranha na cultura escolar, constituindo a escola do século XXI.

Formar professores para a cultura digital precisa se constituir em um objetivo de primeira grandeza para as políticas de formação docentes. Se isto já era algo patente antes da pandemia, as experiências de Ensino Remoto Emergencial na Educação Básica no Brasil, e os dados que desvelam o modo como essas experiências foram gestadas a partir do ângulo de análise da formação dos docentes para as TDIC, tornam a formação continuada de professores para a inculturação digital uma necessidade premente. Ao lado de outras graves assimetrias que aprofundaram o fosso da desigualdade no acesso à Educação Básica de qualidade na pandemia da COVID-19, as deficiências de formação continuada para o uso das TDIC se constituíram em um desafio para uma educação pós-pandemia que seja capaz de recolher as duras lições de 2020 e construir, a partir de 2021, uma Educação do século XXI.

REFERÊNCIAS

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1Texto revisado e normalizado por Mônica Gama.

2Embora o Ensino Remoto Emergencial possa se conformar de diversos modos em virtude das condições objetivas de cada contexto, este estudo se debruça sobre o Ensino Remoto Emergencial no formato de utilização de mediação tecnológica digital mediante plataformas de webconferência e/ou Ambientes Virtuais de Aprendizagem.

3Grupo de Pesquisa vinculado à LPq 04 - Educação, Currículo e Processos Tecnológicos do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade do Departamento de Educação I da Universidade do Estado da Bahia.

4Revogada pela Resolução CNE/CP nº 2 de 20 de dezembro de 2020.

5BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzein. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

6LAVE, J.; WENGER, E. Situated learning: legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

7No original, “a society whose social structure is made of networks powered by microelectronics-based information and communication technologies”.

8Aqui a proposta evidente de libertar o conceito de inovação da matriz schumpteriana se sustenta na busca por balizar o processo ensino-aprendizagem como o locus no qual se dá o fenômeno da inovação na educação: permanece subjacente a ideia de ‘destruição criativa’, mas deslocada do ambiente do mercado e da produção de riquezas. Cf. Joseph A. SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia . Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.

9Uma abordagem mecanicista das tecnologias digitais na educação é, na verdade, reflexo de uma deformação originária na compreensão do processo ensino-aprendizagem como movimento linear de transmissão de conhecimento. A consciência da natureza dialógica do processo pedagógico conduz necessariamente à compreensão de que os recursos didáticos se integram nessa dinâmica interacional que caracteriza a prática pedagógica, mas não têm o condão de operar a aprendizagem que se dá no sujeito aprendiz e a partir das condições que esse sujeito for capaz de produzir.

10No original “[...] the most useful designation I have found for them is Digital Natives. Our students today are all “native speakers” of the digital language of computers, video games and the Internet. So what does that make the rest of us? Those of us who were not born into the digital world but have, at some later point in our lives, become fascinated by and adopted many or most aspects of the new technology are, and always will be compared to them, Digital Immigrants”.

11No texto em questão, Marc Prensky (2009) não reconhece a categorização de nativo digital e imigrante digital como imprecisa, mas considera-a obsoleta no estágio de então. Treze anos depois, isto é ainda mais válido. De toda sorte, a categoria nativo digital é problemática em sentidos muito mais profundos do que sua utilidade como referencial para o estudo do fenômeno da cultura digital na atualidade. Embora este não seja um objeto deste texto, importa pontuar que essa categoria tem rebatimentos não apenas geracionais, mas também socioculturais e geopolíticos. Ao pressupor uma habilidade inata em seres humanos diretamente condicionada pelas tecnologias digitais cuja inserção social é flagrantemente assimétrica, arrisca-se em um terreno pantanoso que toca a condição comum de todo ser humano de ser portador do mesmo potencial de desenvolvimento humano. E tudo isso sem a corroboração de uma prova científica robusta, construída de modo multidisciplinar, por tocar campos diversos de conhecimento sobre o homem. Por tudo isto, parece-nos mais adequado abandonar essa categoria.

12No original, “[...] as we move further into the 21st century when all will have grown up in the era of digital technology, the distinction between digital natives and digital immigrants will become less relevant. Clearly, as we work to create and improve the future, we need to imagine a new set of distinctions. I suggest we think in terms of digital wisdom”.

13 No original, “all societies are cultural constructs, if we understand culture as the set of values and beliefs that inform and motivate people’s behavior”.

14No original, “[...] particular way of life, whether of a people, a period, a group, or humanity in general [...]”.

15No original, “the culture of the global network society is a culture of protocols of communication enabling communication between different cultures on the basis, not necessarily of shared values, but of sharing the value of communication. This is to say: the new culture is not made of content but of process. It is a culture of communication for the sake of communication. It is an open-ended network of cultural meanings that can not only coexist, but also interact and modify each other on the basis of this exchange”.

16No original, “¿Y la educación? ¿Vamos por fin a aceptar que vivimos en un mundo de comunicación híbrida en que lo presencial sigue siendo esencial, sobre todo en las edades más jóvenes, pero que se puede complementar creativamente con una interacción digital con redes cada vez más veloces y de mayor capacidad en que la virtualidad real y la interacción sincrónica amplían el campo de aprendizaje y experimentación? Claro que será necesario formar en ese sentido a los enseñantes (los alumnos ya saben o aprenden rápido) y potenciar la infraestructura digital de los centros educativos. Pero así fue cuando hubo que producir millones de libros de texto para expandir la educación más allá de las élites que la recibían”.

17Tecnologias educacionais sãos desenvolvidas para os processos educativos e respondem a suas necessidades específicas, ao tempo em que tecnologias na educação dizem respeito à adaptação em maior ou menor escala de tecnologias originalmente produzidas para outros fins e que se adequam ao uso pedagógico, seja em sua formatação original, seja por meio da adaptação de suas funcionalidades originais.

18No original, “[...] mediar y mediatizar la educación no siempre implica el uso del ordenador, del video proyector, del periódico o de cualquier otro medio de comunicación que hoy conocemos. En la educación el libro, el tablero y el cuaderno de apuntes también son medios”.

19ADORNO, Theodor. Educação após Auschwitz . Disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br/art_ educacao_apos_auschwitz.asp?f_id_artigo=529. Acessado em: 30 nov. 2004.

20LIMA JR., Arnaud Soares de. Tecnologização do Currículo Escolar: um possível significado proposicional e hipertextual do currículo contemporâneo. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia. Salvador: UFBA, 2003.

21O uso de Inteligência Artificial na educação é um tema demasiado complexo para ser tratado lateralmente. Contudo, importa salientar que a utilização de robôs para substituir professores não condiz em nada com o uso ético e pedagogicamente apropriado de tecnologias digitais na educação. Se a utilização de robôs para produção de respostas automáticas para perguntas de caráter instrumental em sites comerciais parece dar um resultado comercialmente satisfatório, a partir de uma lógica na qual “a informação passou ao status quo de uma commodity, de todas a mais valiosa” (NONATO, 2006, p. 85), o mesmo não se pode dizer na Educação. Por definição, Educação trata mais de formação do que de informação. Os alunos não precisam de respostas conceitualmente corretas apenas, precisam de interação humana verdadeira, capaz de engajar-se em um processo dialógico de construção do conhecimento, precisam de incentivo à criticidade e capacidade problematizadora contextual, o que só um professor humano pode proporcionar.

22No original, “electronic learning is less appropriate for immature students, for students unable or unready to learn independently, and for students in need of close and personal interaction with other students (although an introduction to e-learning under controlled conditions is probably beneficial even for this group of students)”.

23Esse problema conceitual não é objeto deste estudo. Contudo, importa dizer que a EaD, como modalidade de educação legitimada pela legislação, encerra em si todas as categorias de Educação On-line. Por outro lado, embora haja autores que dissintam desta posição, uma compreensão da Educação On-line como manifestação da quinta geração da EaD alinha ambas as categorias conceitualmente.

24No original, “[...] e-learning has suffered as much from over-exaggeration of its benefits as it has from fear and resistance to change [...]”. 24 No original, “Survey research is probably the best method available to the social researcher who is interested in collecting original data for describing a population too large to observe directly”.

25No original, “observation must inform theory, not the other way around”.

26No original, “a systematic method for gathering information from entities for the purpose of constructing quantitative descriptors of the attributes of a larger population of which the entities are members”.

27Questão 2 do instrumento de pesquisa.

28Curso de Aperfeiçoamento em Tecnologias Educacionais (CATE) ofertado em 2014 e o Curso de Uso Pedagógico de Tecnologias Educacionais (UPTE) ofertado em 2018. A Secretaria da Educação do Estado da Bahia ofertou esses cursos para os professores da Rede Estadual: o CATE foi realizado pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e o UPTE foi realizado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Recebido: 18 de Agosto de 2021; Aceito: 19 de Janeiro de 2022

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