SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31 número65DESIGUALDADES, MUDANÇAS E CONTINUIDADES NAS TRAJETÓRIAS EDUCACIONAIS EM SALTA (ARGENTINA) NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19DISCORD COMO PLATAFORMA VIRTUAL DE ENSINO ONLINE DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versão impressa ISSN 0104-7043versão On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.65 Salvador jan./mar 2022  Epub 25-Out-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n65.p88-105 

EDUCAÇÃO, ENSINO REMOTO EMERGENCIAL E TECNOLOGIAS

ENSINO REMOTO PARA QUEM? OS CAMPONESES NO (DES)CONTEXTO DAS POLÍTICAS DE INCLUSÃO DIGITAL

REMOTE LEARNING TO WHOM? THE PEASANTS IN THE (UN) CONTEXT OF THE INCLUSION POLICIES DIGITAL

ENSEÑANZA REMOTA PARA QUIÉN? LOS CAMPESINOS EN EL (DES) CONTEXTO DE LAS POLÍTICAS DE INCLUSIÓN DIGITAL

Maria do Socorro Pereira da Silva*  Universidade Federal do Piauí
http://orcid.org/0000-0003-3877-2420

Adriana Lima Monteiro Cunha**  Universidade Federal do Piauí
http://orcid.org/0000-0002-8718-4716

*Doutora e Mestra em Educação. Professora do Curso de Licenciatura em Educação do Campo, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Campus Professora Cinobelina Elvas(CPCE), Bom Jesus, Piauí, Brasil. E-mail:socorroprof@ufpi.edu.br

**Doutora e Mestra em Educação. Professora do Curso de Licenciatura em Educação do Campo, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Campus Professora Cinobelina Elvas (CPCE), Bom Jesus, Piauí, Brasil. E-mail:adrianamonteiro10@ufpi.edu.br


RESUMO

O presente artigo aborda a temática do ensino remoto e sua incidência no paradigma de educação do/no campo, evidenciando a política de inclusão digital para os estudantes camponeses, no contexto de pandemia Covid-19, como alternativa de inclusão ou exclusão educacional. O objetivo geral é de analisar como o ensino remoto incide na destituição do paradigma de educação no/do campo, diante do elevado nível de exclusão digital dos camponeses na Universidade. A investigação tem como base metodológica a abordagem qualitativa, a pesquisa participante, a partir da análise documental de resoluções, portarias, decisões lavradas pelos cursos. Os resultados apontam que as políticas de inclusão aos estudantes nas Universidades podem garantir condições materiais para a educação igualitária, quando considera como princípio as formas de acesso e permanência dos sujeitos do campo à Universidade.

Palavras-chave: Educação Rural; Educação Virtual; Processo Ensino-Aprendizagem; Políticas Públicas em Educação

ABSTRACT

The following article approaches the theme of remote learning and its incidence in the paradigm of education from/of the countryside, highlighting the digital inclusion policy for the peasant students in the context of the Pandemic Covid-19 as an alternative of educational inclusion or exclusion. The general objective is to analyze how remote teaching concerns the dismissal of the paradigm of education in/of the countryside, before the high level of digital exclusion of peasants in the University. The investigation has as methodological basis the qualitative research, the participatory research, from the documental analysis of resolutions, ordinances, established decisions by the courses and academic works guided. The results show that the inclusion policies for students in the universities may provide material conditions for the equal education when the access and permanence of the individual from the countryside in the university are considered a principle.

Keywords: Rural Education; Virtual Education; Teaching and Learning Process; Public Policies in Education

RESUMEN

Este artículo aborda el tema de la enseñanza remota y su impacto en el paradigma educativo del / en el campo, destacando la política de inclusión digital para los estudiantes campesinos, en el contexto de la pandemia Covid-19, como alternativa de inclusión o exclusión educacional. El objetivo general es de analizar como la enseñanza remota afecta la destitución del paradigma educativo en el/ del campo, dado el alto nivel de exclusión digital de los campesinos en la Universidad. La investigación tiene como base metodológica el enfoque cualitativo, la investigación participante, a partir del análisis documental de resoluciones, ordenanzas, decisiones elaboradas por los cursos. Los resultados muestran que las políticas de inclusión de los estudiantes en las Universidades pueden garantizar las condiciones materiales para la educación igualitaria cuando considera como principio las formas de acceso y permanencia de los sujetos del campo a la universidad.

Palabras-clave: Educación Rural; Educación Virtual; Proceso de enseñanza-aprendizaje; Políticas públicas en educación

INTRODUÇÃO1

Iniciamos a introdução do debate sobre a exclusão digital e educacional no contexto das Licenciaturas em Educação do Campo (LEdoCs), da Universidade Federal do Piauí (UFPI), procurando situar como o paradigma de educação do/no campo foi se construindo em oposição ao paradigma de educação rural para o campo, como possibilidade de superação das desigualdades sociais e educacionais impostas aos sujeitos camponeses. Assim, partimos da pergunta provocada no título deste artigo: “ensino remoto para quem”? Perguntar é condição para construção da dignidade do pensamento e para situar os elementos sócio-históricos da educação do/no campo. É evidente que ao indagarmos sobre que tipo de ensino, queremos problematizar “falsos consensos” sobre a oferta do calendário remoto e sua incidência no paradigma de educação do/no campo, enfatizando as condições sociais dos povos camponeses.

As perguntas e as respostas devem ser projetadas, não apenas olhando do nosso lugar como docente, mas ampliando nossa visão para perceber o lugar dos camponeses na luta pelo direito à educação, como projeto histórico. Questionar a realidade de exclusão digital dos povos do campo pode gerar incômodos, pela própria essência desafiadora da pergunta, como sugerem Freire e Faundez (1998, p. 25), quando nos propõem a Pedagogia da Pergunta, por se tratar de “[...] um jogo intelectual, mas viver a pergunta, viver a indagação, viver a curiosidade, testemunhá-la ao estudante. O problema que, na verdade se coloca ao professor é o de, na prática, ir criando com os alunos o hábito, como virtude, de perguntar, de ‘espantar-se’.” Por isso, é necessário perguntar considerando nosso lugar de fala - ensino remoto na educação do campo para quem?

Essa pergunta não se refere à questão do método propriamente dito, mas à posição ético-política, que é anterior ao ato de ensinar; trata sobre a capacidade dessa modalidade de ensino no aumento dos elevados níveis de exclusão, desigualdades e violações de direitos dos povos do campo. Nesse sentido, estamos a reproduzir as desigualdades ou verificando se é possível avançar na construção do paradigma do e no campo, como política de igualdade, como propõe Rancière (2002, p. 11), duas questões fundamentais:

[...] filosófica: saber se o ato mesmo de receber a palavra do mestre - a palavra do outro - é um testemunho de igualdade ou de desigualdade. É uma questão política: saber se o sistema de ensino tem por pressuposto uma desigualdade a ser "reduzida", ou uma igualdade a ser verificada.

É a partir dessas questões que procuramos compreender as mudanças provocadas pela pandemia, evitando endossar decisões e ações que, antecipadamente, corroboram o ensino remoto. Procuramos analisar criticamente opções políticas que impõem privações aos camponeses para o acesso e a permanência na educação superior, diante do contexto de pandemia.

A pandemia do novo coronavírus, conhecida também como Covid-19, surgiu no mundo em 2019 e, dessa data até os dias atuais, vem se alastrando e se agravando sobre a humanidade no mundo todo. Esse vírus, no ano de 2020, acometeu a população brasileira, provocando diariamente o aumento de casos de contaminação e de óbitos. Nesse momento, o Brasil está no centro do epicentro da pandemia, um laboratório de expansão e mutação do vírus. Para evidenciar a velocidade da contaminação, Caponi (2020, p. 209) afirma: “Nesse momento, dia 22 de abril, Brasil contava com 2.906 mortes confirmadas por Covid-19, um mês mais tarde o número de óbitos ascende a 21.048. Um aumento assustador que, no entanto, é desconsiderado por Bolsonaro e sua equipe.” Essa grave crise sanitária exigiu da população mundial adoção de medidas emergenciais para combater a Covid-19, como isolamento social, uso de álcool em gel ou líquido 70%, uso adequado de máscara cirúrgica ou de tecido e distanciamento entre as pessoas de aproximadamente 2m. É visível que mesmo diante de todas essas medidas, o novo Coronavírus acometeu drasticamente todos os setores da sociedade, mas principalmente as áreas da saúde, da economia e da educação.

No contexto educacional, a pandemia de Covid-19 trouxe uma série de complicações, como: fechamento das escolas; suspensão das aulas; mudanças no processo de ensino-aprendizagem; com adoção das aulas remotas, dentre outros. As instituições superiores de ensino (IES) também ficaram inseridas nessas mudanças. Especificamente, a UFPI comunicou à comunidade acadêmica no dia 16 de março de 2020, por meio de uma nota informativa2, acerca da suspensão das aulas presenciais do dia 17 de março até o dia 15 de abril de 2020 (UFPI, 2020f). No entanto, o agravamento da pandemia não propiciou o retorno do ensino presencial nas instituições de ensino, mas provocou que as IES e as escolas tomassem medidas para conter a propagação do vírus, adotando o isolamento social e a implantação do ensino remoto, vindo a dar conta de reverter a não continuidade do ano letivo.

Segundo Saviani e Galvão (2021), o ensino remoto passou a ser usado como alternativa para recuperar as aulas não realizadas no ensino presencial. Entretanto, os autores alertam que o ensino remoto vem sendo trabalhado como alternativa à educação a distância (EaD), cabendo, assim, diferenciar que “[...] o “ensino” remoto é posto como um substituto excepcionalmente adotado neste período de pandemia, em que a educação presencial se encontra interditada” (SAVIANI; GALVÃO, 2021, p. 3). Portanto, é uma medida em situação de emergência extrema.

Nessa direção, quando situamos nossa análise sobre a realidade do meio rural e as condições dos camponeses na universidade, pois a maioria dos camponeses compõe elevados índices de exclusão social, não tem acesso às novas tecnologias e sequer educação escolar voltada para a realidade camponesa. Vale frisar que uma das bandeiras de luta dos camponeses e dos movimentos sociais é a garantia do direito à educação escolar no lugar onde se vive - no campo -, no entanto, nem todos eles têm esse direito assegurado, muito menos acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs).

As teorias educacionais, que discutem o paradigma de educação do/no campo como educação contextualizada na afirmação dos conhecimentos não disciplinares presentes nas comunidades, enfrentam um dilema contraditório: a oferta do ensino remoto, diante da pandemia, como realidade concreta e as condições estruturais e materiais dos camponeses no acesso e uso das tecnologias de comunicação e informação (TICs). Os dilemas entre o contexto mais amplo da pandemia e o da exclusão digital no meio rural, como realidade concreta, têm provocado educadores, professores, discentes, movimentos sociais do campo na luta pelo direito à educação e às políticas de educação inclusiva. Assim, considerando a presente realidade, é necessário provocarmos alguns questionamentos: afinal, diante da pandemia, o ensino remoto é uma modalidade de educação para o meio rural, diante do contexto de exclusão digital dos camponeses? Como equacionar políticas de inclusão durante a pandemia, sem desconsiderar os contextos específicos de exclusão que afetam gravemente os camponeses no meio rural? Diante do exposto, temos por objetivo analisar como o ensino remoto incide na destituição do paradigma de educação no/do campo, diante do elevado nível de exclusão digital dos camponeses na Universidade. A investigação, em andamento, tem como base metodológica a abordagem qualitativa e a pesquisa participante. Para coleta de dados consideramos a análise documental de resoluções, portarias, decisões lavradas dos colegiados do Curso de Licenciatura em Educação do Campo.

O artigo está organizado em três seções, além desta introdução - na qual apresentamos a temática de estudo - e da conclusão. Na segunda seção, evidenciamos o paradigma de educação do/no campo como campo epistemológico construído pelos camponeses; na terceira seção, tratamos do campo metodológico, explicitando a pesquisa participante e a produção dos dados; na quarta seção, apresentamos os resultados da pesquisa, enfatizando a discussão e a implantação do ensino remoto nas LEdoCs, evidenciando tensões, contradições e desafios dos sujeitos do curso de Licenciatura em Educação do Campo na Universidade. Na conclusão, apontamos algumas alternativas possíveis, na defesa do paradigma de educação do/no campo como resposta política e pedagógica para a questão proposta inicialmente, deixando em aberto a pergunta para novas formulações sobre a educação do campo no contexto da pandemia, do ensino remoto e sua relação com as desigualdades socioeconômicas e educacionais vivenciadas no meio rural.

PARADIGMA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO ENSINO REMOTO NA PANDEMIA: TENSÕES, CONTRADIÇÕES E DESAFIOS

A implantação do ensino remoto nas LEdoCs, em 2021, para conclusão do calendário 2019.2, foi sendo constituído sob a necessidade em manter os alunos em atividade acadêmica no sentindo de evitar perda do vínculo com a Universidade, de evitar a evasão escolar e a necessidade de professores atenderem às exigências impostas pelo Governo Bolsonaro, plenamente justificado pela pandemia.

Esse processo ocorreu sem debate amplo com os discentes sobre suas condições sociais, sem diálogo com o Fórum Estadual de Educação do Campo e sem discussão com os movimentos sociais do campo no Piauí. Não colocaram em questão os impactos do ensino remoto nas escolas básicas do campo, desconsiderando as estatísticas nacionais que confirmam o avanço no processo de fechamento das escolas camponesas. Essa posição atribui às LEdoCs responsabilidades e deveres que cabem ao Estado, para a promoção da educação do campo em condição de igualdade e equidade, como consta no Decreto Nº 7.352/ 2010 do Governo Federal:

Art. 1º A política de educação do campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação e o disposto neste Decreto. (BRASIL, 2012, p. 81)

O paradigma de educação do/no campo tem como princípio central que o Estado assuma a implantação de políticas e programas educacionais que considerem a participação ativa dos povos camponeses na formulação, cabendo ao Estado a execução da política de educação do campo. As consequências dessa ausência do Estado passam pela opção política de adesão ao ensino remoto sem diálogo com a administração superior sobre as condições sociais dos estudantes camponeses das LEdoCs. Ao mesmo tempo, há falta de abertura das gestões das LEdoCs para discutir e decidir, com os estudantes, formas de auxílios emergenciais com recursos próprios dos convênios do Programa Nacional de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo), pois todas contam com saldo positivo, exceto a LEdoC de Teresina.

Essa condição, impôs às LEdoCs o isolamento, no contexto acadêmico, quanto à capacidade de negociação junto à administração superior, pois a força inovadora historicamente se concentra no poder de mobilização dos estudantes, com baixa incidência do corpo docente. O resultado foi o enfraquecimento do poder coletivo e reivindicatório dos discentes. Nesse contexto, os discentes debatem entre si sobre quem pode e quem não pode cursar o calendário 2019.2, desconsiderando a análise crítica da realidade dos camponeses, conhecida por todos que assumem a gestão das LEdoCs, inclusive com vasta produção de pesquisas que apontam a realidade de exclusão educacional e as desigualdades sociais, sobretudo privações no acesso à inclusão digital.

Vale ressaltar, ainda, que esse processo tem desarticulado as poucas iniciativas de organização dos professores e de fortalecimento institucional das LEdoCs na UFPI, que se notabilizou por discursos sobre a necessidade de garantir a “autonomia financeira” e administrativa da gestão das LEdoCs para decisão sobre o uso dos recursos financeiros dos convênios do Procampo e da oferta de calendário no ensino remoto. A gestão financeira, nesse contexto de ensino remoto, não passa pela decisão dos beneficiários diretos, mas pelos gestores, que, em muitos casos, desconhecem as necessidades dos estudantes.

A tensão e a contradição contribuíram para a desmobilização dos processos de auto-organização das lutas estudantis, um auto número de discentes excluídos do ensino remoto, que não tiveram as condições de cursar o tempo comunidade “online-offline” - docentes online e discentes offline - se veem obrigados a solicitar trancamento de disciplinas, cujo prejuízo foi a perda de todo o Tempo Universidade cursado anteriormente, que aconteceu de janeiro a março de 2020. Isso revela graves violações aos direitos dos estudantes, que assumem a responsabilidade de decisões impostas a sua vida acadêmica sob o falso discursos de “falta de alternativas”.

Essa realidade vem se agravando com o anúncio do calendário 2020.1, totalmente remoto - Tempo Universidade e Tempo Comunidade, sem fazer um balanço político e pedagógico, com a participação dos estudantes sobre o calendário 2019.2, sem apresentar uma pauta política junto à reitoria sobre a inclusão digital e educacional, evidenciando as especificidades dos povos do campo presentes na Universidade. Apesar de figurar um cenário trágico, esse é apenas um momento dos graves problemas, das contradições e tensões que as LEdoCs enfrentam. Contexto que se avoluma com os ataques sistemáticos do Governo Bolsonaro, ao impor cortes orçamentários, extinção de órgãos governamentais vinculados à política de educação do campo, e, principalmente, na educação básica, com a desinstitucionalização do Pronera3.

O resultado da desorganização e da desarticulação das LEdoCs na UFPI contribui para maior invisibilidade dos camponeses e ocultação dos graves problemas que afetam os cursos de Licenciatura em Educação do Campo, com reflexos nas escolas básicas, na política de formação de professores e na desconstrução do paradigma de educação do e no campo. Nesse itinerário da política de inclusão na Universidade, os camponeses continuam invisíveis, a exemplo de editais de inclusão digital, cuja edições revelam uma paralisia cognitiva da universidade quanto ao reconhecimento das especificidades dos camponeses e da realidade do meio rural. As formas de invisibilidade decorrem, nesse contexto de ensino remoto, em grande medida, tanto pela incompreensão dos sujeitos que atuam na educação do campo na UFPI, quanto pela efetivação prática dos princípios do paradigma de educação do/no campo. Santos e Garcia (2020, p. 287) apontam:

Outro desafio identificado com a pesquisa diz respeito à falta de compreensão do significado do Projeto da Licenciatura em Educação do Campo, da dinâmica da Pedagogia da Alternância e das especificidades do curso, no ambiente universitário, inclusive por parte de sujeitos vinculados ao próprio curso[...].

Essa incompreensão revela certa arrogância epistemológica, em que prevalece o conhecimento acadêmico e científico como único e verdadeiro, que tem, em sua base, estudos de teorias eurocêntricas, predominando a colonização epistêmica do paradigma tradicional de educação na Universidade. Esse percurso vem promovendo a descaracterização do paradigma de educação do/no campo, quase como uma lógica naturalizada, ou seja, imposta pela natureza do vírus da pandemia e não por uma opção política de projeto de educação.

Essa lógica de adesão ao ensino remoto foi se constituindo sob o paradigma de educação para meio rural que desconsidera as condições estruturantes de acesso e uso das TICs pelos camponeses, a realidade socioeducacional do meio rural e das escolas básicas do campo. Esse quadro agrava as desigualdades educacionais, pois:

Frente a essa emergência, a escola e os projetos educacionais enfrentam tempos tenebrosos, movidos pela inépcia, indefinições, conflitos, tensões e equívocos, em meio às tentativas para viabilizar a manutenção e/ou complementação das aulas. Os corredores, antes vicejantes e repletos de crianças e adolescentes, cedem espaço ao vazio e ao silêncio tácito e, a escola se constitui, talvez, como o maior palco de incertezas à possível normalidade. (HETKOWSKI; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2020, p. 225).

Esse quadro na educação do campo se agrava pela ausência de luta coletiva entre professores e discentes pelo direito à educação em igualdade e dignidade de condições; pela desvinculação entre o Tempo Universidade e o Tempo Comunidade, predominando alternância apenas entre o docente online e o aluno off-line e alternância entre tempo virtual e tempo comunidade, sem haver debate sobre as implicações pedagógicas do ensino remoto no processo de evasão escolar, no baixo índice de rendimento acadêmico, na desistência e no trancamento do curso.

A “falta de alternativas” é a ausência de processos coletivos de decisão, de responsabilização do Estado no cumprimento de ações que são deveres da gestão pública e na oferta de políticas de inclusão. Mas aponta para a necessária ressignificação de alternativas de lutas pelo direito à educação do e no campo, mesmo no contexto de pandemia. As classes populares aprenderam cedo que sempre há saídas dos labirintos da exclusão e das desigualdades impostas pela perversidade da elite brasileira, mas as saídas são uma construção epistemológica e social dos próprios camponeses pelo direito de ser e estar no mundo. Sobre esse potencial, Freire (2000, p. 28) enfatiza:

O importante, porém, é reconhecer que os quilombos tanto quanto os camponeses das Ligas e os sem-terra de hoje todos em seu tempo, anteontem, ontem e agora sonharam e sonham o mesmo sonho, acreditaram e acreditam na imperiosa necessidade da luta na feitura da história como “façanha da liberdade”.

A partir dessa potência, é necessário não apenas a pedagogia da pergunta, mas fundamentalmente a pedagogia da indignação como condição para manter ativa a pedagogia da esperança que coloque em movimento a educação como prática liberdade. É essa construção que desafia os sujeitos da Educação do Campo na Universidade, cujo protagonismo à frente de seu tempo pode superar a invisibilidade dos camponeses, retomando com força o direito de dizer sua palavra na leitura das condições de permanência na Universidade. Por isso, é sempre importante dizer que o ensino remoto, tal como está em execução, reduz o paradigma de educação do/no campo apenas ao ensino mecânico das plataformas virtuais e em aulas “online-offline” que não alcançam os camponeses. Para a compreensão do sentido original do paradigma de educação do/no campo, enfatizamos que:

O paradigma da Educação do Campo[...] tem como orientação o cumprimento do direito de acesso universal à educação e a legitimidade dos processos didáticos localmente significados, somados à defesa de um projeto de desenvolvimento social, economicamente justo e ecologicamente sustentável. Neste projeto de desenvolvimento, a escola do campo tem um papel estratégico. (BRASIL, 2007, p. 13)

Considerando essa perspectiva, a realidade do meio rural e as condições materiais e estruturais dos camponeses constituem realidades que interroga intelectuais, educadores, discentes e lideranças dos movimentos sociais do campo, situados no contexto da Universidade e fora do ambiente acadêmico. Por isso, hoje é fundamental uma ética da prática que pressupõe lutar e esperançar com o caminhar daqueles que sofrem os processos de exclusão, e que, em tempos de governos ultraconservadores, como no caso brasileiro, se aprofundam com a naturalização das desigualdades sociais.

FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA INVESTIGAÇÃO-AÇÃO PARTICIPANTE

A metodologia da pesquisa tem como base a experiência histórica dos pesquisadores, como possibilidade de autocrítica sobre sua prática, por meio da qual surgem lacunas para questões emergentes diante do contexto de pandemia, de ensino remoto e das questões das desigualdades sociais e educacionais, que perseguem séculos sem fim as classes populares e os camponeses. A investigação como instrumento educativo, nos ensina que “[...] a qualidade de uma pesquisa se mede pela capacidade de enfrentar os problemas científicos, humanísticos e filosóficos postos pelas dificuldades da experiência de seu próprio tempo” (CHAUI, 2021, p. 10). A pesquisa é campo de formação, reflexão e ação prática, como propõe Medeiros (2020, p. 21):

Essa perspectiva também afirma o conhecimento no processo de transformação social, derivado, nesse caso, da prática. Nele se expressa a exigência de superação da relação sujeito - objeto e a instituição da prática investigativa como vivência, de sorte que a intervenção e inserção do pesquisador nos processos concretos da luta social tem em vista ultrapassar a realidade dominante, no contexto de um projeto histórico.

Sem dúvidas, é com base no projeto histórico e nos princípios fundacionais da educação do campo, que escolhemos a abordagem qualitativa e a pesquisa Investigação-Ação Participante (IAP) como metodologias, tendo como concepção que os pesquisadores são do mesmo campo de observação dos sujeitos pesquisados, com parte e totalidade do movimento de sua própria prática social e educativa no contexto da educação do campo. Problematizar as questões do tempo presente das LEdoCs, no contexto do ensino remoto, significa reconstruir a trajetória histórica da ação participante vivida na experiência concreta como possibilidade de atualização da leitura da realidade no meio rural.

Desse modo, a IAP fundamenta-se nas questões reais dos sujeitos da pesquisa, explicitando suas dimensões social, política e pedagógica, pois não se trata de “[...] uma simples busca por conhecimento. Ele também carrega uma transformação nas atitudes e valores individuais, na personalidade e na cultura[...]. Esse pode ser o sentido mais profundo da I(A)P como um projeto histórico” (BORDA, 1999, p. 83). A IAP é uma ruptura epistemológica que implica movimentar o pensamento sobre a realidade concreta e vivida, investigando suas contradições e possibilidades para um projeto educativo emancipatório, a partir de uma ciência própria. Tem sua origem na América Latina, no contexto das lutas anticoloniais e anticapitalistas, que visam à superação da neutralidade do conhecimento e à superação do colonialismo epistêmico, e é baseada na concepção de Educação Popular. Streck e Adams (2012, p. 491) apontam:

Foi com o movimento da educação popular e pesquisa participante que, na América Latina, a suposta neutralidade científica passou a ser denunciada não apenas como impossível, mas como um posicionamento velado a favor dos dominantes. Parte-se do pressuposto de que na sociedade existem interesses diferentes, alguns deles antagônicos, e que o discurso da neutralidade mascara essa realidade.

Então, situados nesse paradigma epistemológico e metodológico, fundamentamos a pesquisa que tem como referência os paradigmas emergentes de educação e as teorias decoloniais de Aníbal Quijano (2014), Catherine Walsh (2017), Edgard Lander (2005), Enrique Dussel (2016), entre outros; e os diálogos com as Epistemologias do Sul (SANTOS, 2010). Situamos nosso estudo no conceito de ciência própria ou ciência popular, segundo os pressupostos de Borda (1981, p. 81-82), ao conceituar:

Por ciência popular - folclore, saber ou saber popular - entende-se o saber empírico, prático, de senso comum, que tem sido a ancestral posse cultural e ideológica de pessoas de bases sociais. [...] Mas o saber popular folclórico também tem sua racionalidade e sua própria estrutura de causalidade, ou seja, pode-se demonstrar que possui mérito e validade cinética em si.4

É considerando os pressupostos epistemológicos da educação do campo, que somos interpeladas sobre as questões que envolvem o ensino remoto, por isso, resolvemos desenvolver um estudo, ainda que parcial, no contexto das LEdoCs da UFPI, a partir do que tem significado o paradigma de educação do/no campo. Para coleta e produção de dados, consideramos as fontes bibliográficas, o levantamento documental, por meio da organização de documentos oficiais, como resoluções, portarias, atas de reuniões dos órgãos colegiados das LEdoCs, que situam o processo de discussão, aprovação e implantação do calendário 2019.25. Incluímos, ainda, notas públicas do movimento estudantil e dos fóruns de educação do campo, bem como dados de pesquisa realizada pelos estudantes sobre o ensino remoto, sistematizados em trabalhos acadêmicos, entre outros documentos necessários à pesquisa.

Consideramos, também, a observação participante como principal instrumento de síntese deste estudo, registrando os discursos e as narrativas por discentes, docentes e pela administração superior da Universidade; e como as forças analisam as condições socioeducacionais dos camponeses no acesso à inclusão digital e à necessidade de pensar política mais ampla de inclusão que garanta a permanência dos povos do campo na Licenciatura em Educação do Campo.

Essa observação participante rejeita a neutralidade do pensamento, possibilitando a autocrítica para pensar nossa própria prática educativa. Medeiros (2010, p. 19) enfatiza: “Desse modo, optou-se por uma construção metodológica que tanto recusa determinismos quanto a suposta neutralidade científica, sendo tal opção parte de uma intencionalidade pedagógica e ético-política”. A observação participante é a dimensão da pesquisa que investiga as forças em disputas, a construção de acordos, parcerias e dissensos em torno da oferta do ensino remoto nas Licenciaturas em Educação do Campo da UFPI. Nesse caso, como sujeitos participantes da pesquisa, somos da mesma essência dos sujeitos pesquisados, ressaltando as diferenças em relação ao acesso e uso das TICs e às condições socioeconômicas que distinguem a realidade social de professores e de discentes.

Para análise dos dados, escolhemos o método dialético como necessário para leitura do processo sócio-histórico das forças em disputas, evidenciando o movimento e as contradições da oferta do ensino remoto para os camponeses que vivem no e do campo. A análise dialética, significa: “a) Dirigir-se à própria coisa; b) Apreender o conjunto das conexões internas da coisa, de seus aspectos; c) Apreender os aspectos e momentos contraditórios, a coisa como totalidade e unidade dos contrários; [...]” (LEFEBVRE, 1983, p. 241). Desse modo, o método dialético nos possibilita revelar os silenciamentos, as questões ocultas e as experiências esquecidas dos camponeses que historicamente ousam construir um projeto de educação do e no campo.

POLÍTICAS DE INCLUSÃO PARA O ENSINO REMOTO: CAMPONESES ENTRE VISIBILIDADES E INVISIBILIDADES NA UNIVERSIDADE

A política de educação do campo, no Brasil, tem seu marco normativo inicial com a criação do Pronera, em 1998, no Governo FHC; e, posteriormente com a implantação do Procampo, em 2009, no Governo Lula, sendo este programa vinculado à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), atualmente extinta no Governo Bolsonaro. Diante do exposto, questionamos: por que o tema da educação do campo tem vínculos com a política de inclusão? Qual a relação entre ensino remoto, política de inclusão e povos do campo? No nosso entendimento, antes de tratarmos das políticas de inclusão, especificamente a digital, é preciso retomarmos o debate sobre as desigualdades sociais. Segundo Souza (2012, p. 746),

[...] concentração da terra e da riqueza; cultura patrimonialista com fortes marcas na sociedade civil e no Estado; ideologia conservadora no que se refere ao trato da questão social pelos poderes legislativo e judiciário, especialmente − são responsáveis pelas contradições que conformam o quadro atual de desigualdades sociais.

As desigualdades sociais afirmam a apropriação, por pequena parcela da sociedade, de grandes bens, como a posse de terra e de riquezas, além do investimento do capital cultural e intelectual, enquanto as classes sociais excluídas são desapropriadas de vários direitos constituídos como essenciais para a humanidade, como a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho e outros.

Essa realidade atinge com mais impacto os povos do campo, em que “[...] o cenário de concentração da propriedade, somado à migração campo-cidade desencadeada pelos processos de expropriação no campo e de atração para o trabalho nas cidades, emerge o fenômeno político de fechamento e nucleação de escolas[...]”. (SOUZA, 2012, p. 751). Portanto, os povos camponeses são renegados do direito à educação escolar no campo, além do direito à terra e às condições de dignas de vida.

Desse modo, o debate sobre as desigualdades educacionais e sociais adentram outra discussão, no atual contexto de pandemia, tão necessário quanto emergente, que consiste na política de inclusão digital a todos. Moraes (2020, p. 3) adverte que “[...] o termo exclusão digital surgiu devido à ampla disseminação de forma desigual das tecnologias na sociedade. Logo, a necessidade da inclusão digital partiu da existência da exclusão [...]”. Ao tempo em que a implantação do ensino remoto pressupõe o retorno das atividades nas IES e nas escolas do campo, na contramão, é desvelado o contexto de exclusão social, em que muitos se veem obrigados a desistir do curso ou a aceitar o retorno sem as condições mínimas de acesso e uso das plataformas digitais. Nessa direção, Moraes (2020, p. 03) enfatiza: “[...] o que se discute em relação à inclusão digital é a inserção para além do fornecimento de aparatos tecnológicos à população, mas também a possibilidade de sua apropriação crítica”. Então, pensar no ensino remoto para a educação do campo provoca sobretudo pensar no paradigma da educação do/no campo que se anuncia como um campo epistemológico que reconhece o espaço de luta e de direito dos sujeitos camponeses.

Diante desse cenário, o calendário da LEdoC e dos demais cursos da UFPI foram suspensos no dia 16 de março de 2020, data em que a comunidade acadêmica foi notificada sobre a suspensão das aulas que, em tese, duraria até dia 15 de abril de 2020. Até a data anunciada, pensávamos que o retorno aconteceria rapidamente, no entanto, estávamos vivenciando uma das maiores crises sanitárias registrada no mundo. As atividades nas IES e nas escolas pararam. Com o avanço da Covid-19, o retorno do ensino presencial passou a ser analisado pelas instituições, que avaliavam, sobretudo, a proliferação do vírus e, consequentemente, o aumento de pessoas contaminadas, o que ocasionou o adiamento do calendário acadêmico. Como opção para substituição do ensino presencial, emergiu, na comunidade educacional, a proposta do ensino remoto. Nessa direção, Saviani e Galvão (2021, p. 04) apontam que:

[...] redes de ensino estaduais e municipais, assim como diversas instituições públicas de ensino superior, lançaram mão do “ensino” remoto para cumprir o calendário escolar e o que se observou de maneira geral foi que as condições mínimas não foram preenchidas para a grande maioria dos alunos e também para uma parcela significativa dos professores, que, no mais das vezes, acabaram arcando com os custos e prejuízos de saúde física e mental decorrentes da intensificação e precarização do trabalho.

O retorno do calendário escolar por meio do ensino remoto condiciona grande parcela dos alunos a não continuarem os estudos, mesmo aqueles que têm condições de acesso a celulares, mas não possuem internet de qualidade, ficando impossibilitados de acompanhar as aulas remotas. Essa realidade agrava muito mais os alunos oriundos do campo, pois a grande maioria sequer tem as condições mínimas de manter-se economicamente e, menos ainda, não têm acesso a celulares, computadores, internet e plataformas digitais.

O debate sobre o retorno do ensino na LEdoC, remotamente, passou a acontecer no primeiro semestre de 2020, por meio de reuniões de órgãos colegiados. Dentre uma das reuniões, especificamente, a de abril de 2020, de interesse dos órgãos colegiados, foi provocado o seguinte ponto de pauta: “Deliberação sobre a proposta de período letivo especial 2020.3, proposta pela PREG, no memorando eletrônico nº 142/2020 - PREG”. (UFPI, 2020, p. 1). A discussão desse ponto de pauta residia principalmente em criar um período especial paralelo ao período atual, vindo a ser enfatizado no trecho da Ata de abril de 2020, em que foi explicado sobre a:

[...] proposta encaminhada pela PREG que consiste em deixar o calendário atual suspenso e criar um período letivo especial paralelo ao atual, ofertando um período especial, que seria um novo semestre 2020.3, lembrando que as aulas seriam de forma remota, ressaltando que os alunos que não pudessem participar não seriam prejudicados, uma vez que esse não seria um período letivo regular, logo não acarretaria em atrasos no curso para quem não o cursasse.

A partir desse registro oficial lavrado em Ata, fica evidenciado que o ensino remoto é uma proposta de ensino excludente, que condiciona o coletivo de professores a optarem por um período especial, ofertado para estudantes que têm as condições de acesso à internet e às plataformas digitais, sem apresentar alternativas inclusivas para os demais estudantes. Além disso, a proposta de período especial exclui grande parte dos estudantes da LEdoCs, levando os que não possuem as condições de acesso às aulas remotas a não continuarem a formação acadêmica. Diante desse cenário, a pergunta central desse artigo “ensino remoto para quem?” provoca outros questionamentos: que educação estamos tratando? Educação emancipatória ou educação compensatória? Política de inclusão ou de exclusão?

Considerando a discussão do período especial, a posição que assumimos, como docentes e pesquisadoras da Educação do Campo, é verificar que discurso permeia a formação dos estudantes camponeses e que decisões são tomadas a fim de concretizar a educação do/no campo. Nesse sentido, Rancière (2002, p. 11) afirma que “Os amigos da igualdade não têm que instruir o povo, para aproximá-lo da igualdade, eles têm que emancipar as inteligências, têm que obrigar a quem quer que seja a verificar a igualdade de inteligências”. Por isso, este estudo demonstra interesse em problematizar e discutir políticas de inclusão específicas para os estudantes da LEdoC, oriundos do campo, que vivenciam um longo processo histórico-social de negação de direitos e de exclusão educacional.

Destacamos que, durante o período presencial na Universidade, os estudantes camponeses dependem de política de inclusão, garantida anteriormente pelo Procampo, que viabiliza auxílios para alimentação, para deslocamento, para alojamento, para aquisição de material didático e participação em atividades acadêmicas e científicas, entre outras. Quando analisamos o contexto da educação remota e seus agravantes - oferta de calendário remoto, quadro alarmante de pandemia, condições socioeconômicas de privações em que vivem os camponeses, condições estruturais das comunidades rurais no acesso à internet, dependência dos auxílios do Procampo - se multiplicam.

Essa posição revela as tensões e contradições diante da oferta do ensino remoto na LEdoC. Paralelo a essa discussão do período especial para a LEdoCs, nos órgãos colegiados, foi instituída pela UFPI a Resolução 048/2020 que “[...] dispõe sobre a regulamentação, em caráter excepcional, da oferta de componentes curriculares e de outras atividades acadêmicas, no formato remoto, em função da suspensão das aulas e atividades presenciais em decorrência da pandemia do novo coronavírus - COVID-19”. Esse Resolução não institui, em seus artigos, as especificidades do curso de Licenciatura em Educação do Campo. Cabe frisar que as LEdoCs trabalham, em sua matriz curricular, a pedagogia da alternância, que congrega tempos específicos, como o tempo universidade e o tempo comunidade, requerendo dos órgãos colegiados um direcionamento diante dessa especificidade.

Ainda sobre o período especial, na reunião de maio de 2020, o mesmo ponto de pauta motivado pelos Órgãos Colegiados foi colocado em discussão, qual seja: “Deliberação sobre a proposta de período letivo especial 2020.3, proposta pela PREG no memorando eletrônico nº 142/2020 - PREG” (UFPI, 2020). Diante do balanço da situação dos estudantes da LEdoCs, explicitado em ata, ficam destacadas as dificuldades para adesão ao período especial:

[...] outras dificuldades, por exemplo: para que os alunos pudessem se matricular em um número pequeno de disciplinas, como uma ou duas, teria-se que trabalhar com o DAA no sentido de quebrar a necessidade da matrícula em bloco e, se a LEDOC fosse ofertar esse período especial, isso teria que ser feito logo e não haveria tempo para tal. [...] existe o fato de que boa parte dos docentes estarão de férias nesse período, e, assim, levando em consideração todas essas questões[...]. [...]o encaminhamento da não adesão do colegiado da LEDOC [...], ao período especial 2020.3. (UFPI, 2020).

Desse modo, considerando as demandas do coletivo de professores e dos estudantes vinculados às LEdoCs, tendo em vista o bem comum, que é garantir as condições dignas de oferta do período para todos e, sobretudo, manter vivos os princípios da educação do/no campo, ficou acertada, em órgão colegiado, a não adesão ao período especial 2020.3.

As discussões acerca do retorno do ensino remoto na LEdoCs foram objeto de análise ao longo do ano de 2020. Na reunião de setembro daquele ano, foi motivado pelo Coletivo Acadêmico da LEdoC e pelos órgãos colegiados o seguinte ponto de pauta: “Deliberação acerca de possibilidade de período letivo especial específico para a LEdoC”. (UFPI, 2020?, p. 01). Na verdade, o que de fato levou à retomada da discussão sobre o período especial para as LEdoCs se refere à necessidade de alguns estudantes terminarem o período letivo e sobretudo garantir aos discentes bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) a continuidade do benefício. Na fala do representante do CA fica evidenciada essa demanda:

A LEDOC já teve a contemplação dos programas RP e PIBID, hoje contamos apenas com o PIBID. É de conhecimento de todos, assim esperamos, de que a CAPES condicionou a garantia das bolsas à ativação do calendário, seja ele o retorno do calendário 2019.2 ou de um novo calendário, 2019.3, digamos assim. O nosso público estudantil é como pode ser comprovado no ingresso ao curso via vestibular específico, muito vulnerável socioeconomicamente, por isso, temos a necessidade de garantir essas bolsas a esses estudantes que estão passando por uma situação muito mais vulnerável ainda com essa pandemia que nos corrói dia a dia. (Centro Acadêmico, 2020).

Diante do contexto de desvalorização da ciência e da pesquisa, com cortes orçamentários na CAPES e no CNPq por parte do atual Governo, visualizamos um cenário de retrocesso nas políticas educacionais. Assim, em um exercício de vigilância epistemológica, retomamos a questão problematizada deste artigo: “ensino remoto para quem”? Como possibilidade de alcançar repostas ou mais inquietações, durante todo o percurso profissional e de investigação, apoiamo-nos no debate feito por Rancière (2002, p. 14, grifo do autor), de que “[...] a igualdade é fundamental e ausente, ela é atual e intempestiva, sempre dependendo da iniciativa de indivíduos e grupos que, contra o curso natural das coisas, assumem o risco de verifìcá-la, de inventar as formas, individuais ou coletivas, de sua verificação”. Portanto, as condições de acesso à internet e às plataformas digitais podem garantir o retorno minimamente do ensino remoto, mas, de fato, vale insistir, cada vez mais, na problematização e na garantia de que todos tenham igual condições e possibilidades de alcançar a educação emancipatória.

A oferta do calendário 2019.4 (Conclusão e defesas de TCCs), para as LEdoCs, possibilitou a oferta de ensino remoto com o retorno do calendário 2019.2 das LEdoCs na UFPI para conclusão do Tempo Comunidade, uma vez que o Tempo Universidade foi concluído no ensino presencial, como consta na Resolução Nº 03/2021, no Art. 1º: “Fica instituída a retomada do Período Letivo 2019.2, que consiste na conclusão do tempo comunidade e, quando for o caso, na oferta de componentes curriculares em formato remoto emergencial para estudantes dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC).” (UFPI, 2021). A excepcionalidade à qual a Resolução se refere textualmente diz respeito à pandemia de Covid-19, não sobre as condições excepcionais estruturantes que marcam historicamente e socialmente os níveis de exclusão dos camponeses em relação ao acesso e ao uso das TICs.

Para a execução do calendário 2019.2, a Universidade delegou aos colegiados dos cursos a decisão sobre as formas de ensino-aprendizagem, em razão do regime de alternância, em seu Art. 2º: “Os colegiados dos Cursos de Licenciatura em Educação do Campo, que adotam a Pedagogia da Alternância, escolherão formas de ensino-aprendizagem adequadas às especificidades do corpo discente, para a conclusão do tempo comunidade e ofertas do Período Letivo 2019.2.” (UFPI, 2021, grifo nosso). Destacamos “formas de ensino-aprendizagem adequadas às especificidades do corpo discente”, porque a realidade concreta das especificidades dos discentes camponeses é que suas comunidades rurais não têm acesso a internet e os camponeses não dispõem de equipamentos de comunicação e tecnologia para acesso às plataformas de ensino remoto, tampouco possuem renda para esse tipo de aquisição. Segundo dados do IBGE-PNAD-TIC (2018), o Piauí é o estado com menor acesso à internet do Brasil:

Em 2018, nas Unidades da Federação, o percentual de domicílios em que havia utilização da Internet foi menor nos domicílios do Maranhão e Piauí, ambos com 61,4%, e consideravelmente distante do seguinte, que foi o do Acre (66,8%). No outro extremo, ficou o resultado do Distrito Federal (94,1%), com diferença expressiva em relação ao segundo mais elevado, que foi o de São Paulo (87,1%)6.

Essa situação de vulnerabilidade socioeconômica se aprofunda. Segundo o IBGE (2010), atualmente, 25% da população rural do Brasil vive em situação de pobreza extrema. Isso significa um em cada quatro moradores do campo. A maior parte deles se concentra no norte e, principalmente, no nordeste do país. Se consideramos que a população rural do Piauí é de 34%, podemos dizer que o Estado tem elevado nível de pessoas vivendo em extrema pobreza na zona rural. Foi a partir dessa realidade e do longo processo histórico de exclusão e desigualdades educacionais, que foram instituídos o Pronera e o Procampo, como políticas sociais do Governo Federal para o enfrentamento dos graves problemas sociais que afetam o meio rural no Brasil.

O Procampo tem, em sua origem, a matriz formativa da Educação do Campo e considera os conhecimentos não disciplinares na ressignificação da identidade camponesa para a construção de um projeto de campo menos excludente e com estratégia de fortalecimento da auto-organização da comunidade na luta pelo direito à terra. Nessa perspectiva, as LEdoCs se organizam pela pedagogia da alternância, como consta no Projeto Pedagógico do Curso aprovado pelo MEC:

O curso tem caráter regular e apoia-se em duas dimensões de alternância formativa integradas: o tempo-escola e o tempo comunidade. As atividades que configuram a dimensão tempo-comunidade serão realizadas no espaço socioprofissional do aluno, para que ele possa refletir sobre os problemas, discutir com a comunidade e colegas e levantar hipóteses acerca das soluções possíveis. Esta dimensão se concretizará em sala de aula, a cada retorno para as atividades de tempo-escola, mediante discussões e socializações. (PROCAMPO, 2013, p. 7, grifo nosso).

De algum modo, era consenso entre estudantes e professores a necessidade do retorno do calendário 2019.2 remotamente para sua conclusão, mas com condições de acesso a auxílios emergenciais com recursos do Procampo e com edital específico de inclusão digital, ofertado com recursos da UFPI. As divergências se davam no campo da formulação da dignidade do pensamento quanto às condições dos alunos para realização plena do ensino remoto. Diante dessa realidade, enfatizamos a necessidade de replanejamento dos recursos do convênio do Procampo para o ensino remoto, uma vez que já foram ofertados dois calendários - 2019.4 (Conclusão e Defesa dos TCCs) e a conclusão do 2019.2 (Conclusão do tempo comunidade) - sem nenhum tipo de auxílio aos estudantes com recursos próprios da LEdoC. Isso revela que a escolha mais fácil realça cada vez mais o estigma de que qualquer educação serve para os povos do campo, como relatam os discentes do Coletivo Acadêmico:

Nos entristecemos muito, sabermos que estamos a mais de 1 mês lançando propostas e alternativas que são “desconsideradas” e ilegitimadas por essa coordenação de curso. Portanto, mais uma vez, não queremos um ensino excludente, não queremos um ensino defasado, não queremos o ensino que não diz nada com nada com as nossas especificidades e que não nos enxerga como sujeito. Voltamos a afirmar: se as atividades remotas não são possíveis junto à alteração do plano de trabalho, então, não queremos um calendário que os complete de forma superficial e que nos exclui de forma desumana. Vocês podem até aprovar, mas nós não vamos aderir. (ATA, 2020, grifo nosso).

As condições de ensino remoto para os camponeses se concretizam na atualidade das LEdoCs da UFPI: sem auxílio estudantil, sem auxílio digital, sem bolsa alimentação, sem auxílio para condições sanitárias, sem auxílio deslocamento, apesar de as LEdoCs contarem com significativo percentual de recursos financeiros dos convênios do Procampo, e de o perfil dos estudantes dessas Licenciaturas ser resultado dessa política de inclusão. As ofertas de editais de ampla concorrência não contemplam os camponeses. O exemplo foi lançamento pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários (PRAEC) do edital Nº 07/2020 - PRAEC/UFPI para seleção de candidatos ao auxílio inclusão digital - Modalidade I: Internet. O recurso financeiro destinado a atender este Edital é proveniente do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), regulamentado pelo Decreto n° 7.234, de 19 de julho de 2010.7

Embora haja um edital que garanta a inclusão digital de estudantes que se encontram em vulnerabilidade socioeconômica, é visível que os alunos do campo, em sua grande maioria, não têm acesso às redes de internet, logo, a informação veiculada no site da UFPI não chega para todos os estudantes camponeses. Sabe-se que, no meio rural, os camponeses não têm acesso à internet e quando conseguem conexão, não é de qualidade, o que torna um desafio a realização de qualquer atividade acadêmica ou de receber informações de editais ofertados pela UFPI. A maioria das comunidades de origem dos estudantes não tem acesso a internet; e quando precisam realizar suas atividades acadêmicas do tempo comunidade deslocam-se para comunidades circunvizinhas, dependendo ainda do precário sistema de transporte para deslocamento até a cidade.

Nesse contexto de exigências da Universidade para cumprimento das atividades acadêmicas e o elevado risco de contaminação pelo coronavírus, os camponeses enfrentam graves privações quanto às suas condições sanitárias e à falta de recursos financeiros para alimentação digna de suas famílias, visto que uma das fontes de renda é a agricultura familiar, e que muitos agricultores e camponeses não podem realizar o deslocamento para participação nas feiras de comercialização nos municípios em decorrência do isolamento e do distanciamento social. Os camponeses ainda passam por graves problemas de saúde mental, diante do medo de contaminação, aumentando doenças psicológicas.

Como garantir educação humanitária, justa e igualitária diante de privações de direitos e condições desumanizadoras dos povos do campo? Por isso, é fundamental a pergunta ética sobre os princípios do paradigma de educação do/no campo que estamos a defender: ensino remoto para quem? Perguntar como ato pedagógico e educativo necessário ao estudo aprofundado da realidade, como nos dizem Freire e Faundez (1998, p. 28):

Acho, então, que é profundamente democrático começar a aprender a perguntar. No ensino esqueceram-se das perguntas, tanto o professor como o aluno esqueceram-nas, e no meu entender todo conhecimento começa pela pergunta. Começa pelo que você, Paulo, chama de curiosidade. Mas a curiosidade é uma pergunta!

Por isso, o pensamento de Molina (2017) é tão atual e necessário para retomar nossa memória histórica, quando afirma que a LEdoC é uma política de formação docente que foi conquistada a partir da luta dos movimentos sociais e do conjunto de trabalhadores e trabalhadoras do campo, portanto

[...] conseguir manter o precioso patrimônio construído na concepção e na prática das políticas de formação de educadores que respeitem as especificidades dos sujeitos a educar, entre elas as políticas de formação dos educadores do campo, fortemente ameaçadas neste momento. (MOLINA, 2017, p. 590).

Por isso é que o ingresso dos camponeses do campo à educação superior ocorre de forma diferenciada, a partir de vestibular específico; e a importância das políticas de inclusão nas Universidades, pois podem garantir condições materiais para a educação igualitária, que considere como princípio as formas de acesso e permanência na Universidade: entre os discentes que entraram na Universidade pelos exames nacionais e os que a acessaram por meio das políticas afirmativas, dos vestibulares específicos, como os camponeses, os negros, os indígenas.

Desse modo, acrescentamos a necessidade de editais específicos para acesso às TICs, em razão das políticas de inclusão para permanência; levantamos a necessidade de cursos específicos para uso das TICs, auxílio emergencial específico para os camponeses, negros, indígenas garantirem as condições de acesso à internet - considerando seus programas e convênios de origem; direito ao auxílio alimentação, uma vez que essas populações enfrentam níveis elevados de vulnerabilidade social e elevados índices de exclusão educacional.

CONCLUSÃO

O fortalecimento do paradigma de educação do/no campo como ciência própria que foi se formulando pela dignidade do pensamento dos camponeses, centrada na prática social como cerne da luta pelo direito à educação, é uma questão urgente. Apontamos algumas indagações epistemológicas iniciais que tentam responder à questão-problema deste estudo: educação remota para quem? Educação remota na educação do campo para quem?

A primeira questão epistemológica está relacionada à necessidade de cada sujeito presente na Licenciatura em Educação do Campo - educadores dos movimentos sociais, docentes, discentes e intelectuais - assumir a dimensão da prática, como condição para defesa da educação libertadora, que não se realiza plenamente sem a construção do paradigma de educação do/no campo. Assim, devemos insistir na viabilidade desse paradigma, assim como fizeram e fazem os camponeses na luta pelo direito à educação e ao reconhecimento das especificidades dos povos camponeses. Aqui reside a necessidade da construção da dignidade do pensamento na Universidade diante do desmonte das LEdoCs e a necessidade de ressignificar o lugar da educação na emancipação das inteligências na superação das desigualdades educacionais.

A segunda questão epistemológica enfatiza a defesa intransigente da prática política e pedagógica contextualizada com a realidade do campo e com as condições socioeconômicas dos camponeses, afirmando a educação pública, gratuita e de qualidade. Portanto, a dimensão da qualidade deve ser evocada para garantir a equidade de direitos no acesso à inclusão digital. Nesse sentido, é urgente retomar o papel do Estado como principal responsável pela execução de políticas públicas de educação, ou seja, é fundamental que o Estado assuma seus deveres na promoção de condições de igualdade no acesso às políticas de inclusão educacional, sendo essa responsabilidade das instâncias superiores da Universidade.

A terceira questão epistemológica está centrada nos valores ético e político dos educadores do campo, como atitude prática na construção de alternativas políticas e pedagógicas, rejeitando as “narrativas falaciosas” de que o ensino remoto, sem inclusão digital e educacional, é a única opção viável. Para essa construção, é fundamental a unidade de ação na mobilização dos sujeitos presentes nas LEdoCs, enfatizando os consensos, valorizando os dissensos como campo de potência para formulação de alternativas que, certamente, passam pela participação ativa dos estudantes na definição das questões pedagógicas e educativas, como público afetado diretamente pelas decisões no ensino remoto.

Devemos rejeitar o pensamento único e as verdades absolutas, valorizando as experiências dos camponeses na luta pelo direito à educação, evitando fragmentação das formas de organização nas LEdoCs, retomando o processo de auto-organização dos docentes, discentes e educadores em seus espaços específicos e em torno do Fórum Piauiense de Educação do Campo (FOPEC), que é a seara política de fortalecimento das LEdoCs na Universidade.

A quarta questão epistemológica é a necessidade de formulação da concepção de políticas de inclusão dos povos do campo no contexto de pandemia e do ensino remoto com os próprios sujeitos das políticas, pois isso é necessário e urgente. As políticas de inclusão que garantam a instalação de comitê específico de gestão da Educação do Campo na UFPI, que tenham como objetivos: realizar diagnóstico das condições de acesso e uso das TICs; formular a matriz pedagógica comum para o ensino remoto; garantir editais específicos, assim como os vestibulares, considerando a forma de ingresso dos camponeses na Universidade e os marcos legais de aprovação dos cursos de Licenciaturas em Educação do Campo, quando foram autorizados pelo MEC; realizar o replanejamento financeiro comum de todas as LEdoCs dos recursos do Procampo, visando garantir auxílios emergenciais a todos os camponeses presentes nessa licenciatura, e não apenas as LEdoCs, que têm recursos; fortalecer a rede de organização dos estudantes pela articulação da multicampia e de seus espaços educativos de luta e pertencimento na educação do campo.

Diante desse contexto, precisamos construir a dignidade do pensamento a partir da concepção filosófica de afirmação dos direitos dos camponeses à educação e da prática educativa que rompa com o imaginário naturalizador das desigualdades educacionais e de exclusão digital dos camponeses no campo, imaginando a educação remota em condições de igualdade e equidade. A implantação de uma política de inclusão que possa superar a invisibilidade e o esquecimento dos camponeses. Ensino remoto para quem? Essa questão continua aberta, interrogando os sistemas excludentes de educação e as forças que hegemonizam o poder de decidir sobre quem entra e quem fica na Universidade, pois há os que são privados do direito de entrar e, entrando, não podem permanecer em razão de suas condições socioeconômicas. Mais que uma questão simples, é necessário trazer para o campo da política de inclusão o Estado como provedor do direito à educação, e reconhecer que as respostas para essa questão passam pelo protagonismo histórico dos camponeses na construção do paradigma de educação do/no campo, como um projeto político, como uma construção epistemológica, ética e política pelo direito de ser e estar no mundo, que não se realiza plenamente sem a educação igualitária.

REFERÊNCIAS

BORDA, Orlando Fals. Algunos ingredientes básicos. In: Selección de Lecturas sobreInvestigaçión Acción Participativa. CIE Graciela Bustillos, Asociación de Pedagogos de Cuba, Habana, 1999. [ Links ]

BORDA, Orlando Fals. La ciência y el Pueblo: nuevas reflexiones sobre la investigación-acción. In: La sociologia em Colombia: balance y perspectivas. Asciación Colombiana de Sociologia. III Congresso Nacional de Sociologia, Bogotá, 1981. Disponível em: http://upedagogica.edu.bo/wp-content/uploads/2015/12/D.-Fals-Borda-la-ciencia-y-el-pueblo.pdf. Acesso em: 10 mar. 2021. [ Links ]

BRASIL. Decreto Nº 7.352, de 4 de novembro de 2010. Dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária -PRONERA. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7352.htm Acesso: 12 mar. 2021. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas. Caderno Secad 2. Brasília, DF: 2007. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI. Educação do Campo: marcos normativos. Brasília: SECADI, 2012. [ Links ]

CAPONI, Sandra. Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. Estudos Avançados, v. 34, n. 99, 2020. [ Links ]

CHAUÍ, Marilena. O exercício e a dignidade do pensamento: o lugar da Universidade brasileira. Universidade em Movimento. Congresso Virtual da UFBA, Bahia, 2021. [ Links ]

DUSSEL, Enrique. Transmodernidade e interculturalidade: interpretação a partir da filosofia da libertação. Revista Sociedade e Estado. v. 31, n. 1, jan./abr. 2016. p. 51-73. [ Links ]

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000. [ Links ]

FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antônio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. [ Links ]

HETKOWSK, Tânia Maria; NASCIMENTO, Fabiana dos Santos; ARAÚJO, Katia Soane Santos. Emergency Remote Teaching (Ert): Reflexões Sobre Trabalho Pedagógico e Uso das TIC na Rede Pública Municipal. Revista Linguagens, Educação e Sociedade, Teresina, ano 25, n. 46, set./dez. 2020. Disponível em: https://ufpi.br/arquivos_download/arquivos/00_LES_46_revisada_e_correta.pdf. Acesso: 12 mar. 2020. [ Links ]

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: Resultados da Amostra. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default_resultados_amostra.shtm . Acesso em: 25 mar. 2020. [ Links ]

LANDER, Edgardo et al. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. [ Links ]

LEFEBVRE, Henri. Lógica Formal/Lógica Dialética. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1983. [ Links ]

MOLINA, Mônica Castagna. Contribuições das Licenciaturas em Educação do Campo para as políticas de formação de educadores. Educ. Soc., Campinas, v. 38, n. 140, p. 587-609, jul./set. 2017. [ Links ]

MORAES, Gleison Araujo. Refletindo inclusão digital no ensino superior em tempos de pandemia: ações que tranformam exclusão na inclusão no ensino remoto emergencial. Encontro Virtual de Documentação em Software Livre, 14; Congresso Internacional de Linguagem e Tecnologia Online, v. 9, n. 1, 2020. Anais... Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/anais_linguagem_tecnologia/article/view/17701/1125613690. Acesso em: 23 mar. 2021. [ Links ]

QUIJANO, Aníbal (Ed.). Des/colonialidad y bien vivir: un nuevo debate en America Latina. Lima: Editorial Universitaria, 2014. [ Links ]

RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante - cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lilian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. [ Links ]

SANTOS, Boaventura de Souza; MENESES, Maria Paula. (Org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010. [ Links ]

SANTOS, Jucélia Oliveira; GARCIA, Rosineide Pereira Mubarack. A política de formação em licenciatura em educação do campo na Universidade federal do recôncavo da bahia: desafios e potencialidades. Revista Linguagens, Educação e Sociedade (LES), Teresina, ano 25, n. 46, set./dez. 2020, p. 264-295. Disponivel em: https://ufpi.br/arquivos_download/arquivos/00_LES_46_revisada_e_correta.pdf. Acesso em: 12 mar. 2021. [ Links ]

SAVIANI, Demerval; GALVÃO, Ana Caroline. Educação na Pandemia: a falácia do “ensino” remoto. Caderno Universidade & Sociedade, ANDES-SN. Rio de Janeiro, Ano XXXI, n. 67, 2021. [ Links ]

SOUZA, Maria Antônia de. Educação do campo, desigualdades sociais e educacionais. Educ. Soc., Campinas, v. 33, n. 120, p. 745-763, jul./set. 2012 Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/es/v33n120/06.pdf. Acesso em: 23 mar. 2021. [ Links ]

STRECK, Danilo R.; ADAMS, Telmo. Uma prática de pesquisa participante: análise da dimensão social, política e pedagógica. Revista de Educação Pública, [S. l.], v. 20, n. 44, p. 481-497, 2012. DOI: 10.29286/rep.v20i44.319. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/319. Acesso em: 28 mar. 2021. [ Links ]

UFPI. Universidade Federal do Piauí. Ata da Décima Primeira Reunião Extraordinária do Ano de 2020 do Colegiado do Curso de Licenciatura em Educação do Campo. 2020a. [ Links ]

UFPI. Universidade Federal do Piauí. Ata da Quarta Reunião Extraordinária do Ano de 2020 do Colegiado do Curso de Licenciatura em Educação do Campo. 2020b. [ Links ]

UFPI. Universidade Federal do Piauí. Ata da Quinta Reunião Extraordinária do Ano de 2020 do Colegiado do Curso de Licenciatura em Educação do Campo. 2020c. [ Links ]

UFPI. Universidade Federal do Piauí. Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. Resolução Nº 048/2020. Dispõe sobre a regulamentação, em caráter excepcional, da oferta de componentes curriculares e de outras atividades acadêmicas, no formato remoto, em função da suspensão das aulas e atividades presenciais em decorrência da pandemia do novo coronavírus - COVID-19. 2020d. Disponível em: https://www.ufpi.br/arquios_download/arquivos/Res_048-2020_CalendarioAcademicoGraduacao2020.3_pandemia_covid-19_120200715201857.pdf. Acesso em: 24 mar. 2021. [ Links ]

UFPI. Universidade Federal do Piauí. Edital Nº 07/2020 - PRAEC/UFPI. Edital de Seleção de Estudantes de Graduação Presencial da UFPI para receber o auxílio inclusão digital Modalidade I: Internet. 2020e. Disponível em: https://www.ufpi.br/ultimas-noticias-praec/37042-praec-divulga-edital-para-selecao-de-recebimento-do-auxilio-de-inclusao-digital-na-modalidade-i-internet. Acesso em: 27 mar. 2021. [ Links ]

UFPI. Universidade Federal do Piauí. Nota Informativa 1: suspensão das aulas presenciais em razão do COVID-19. 2020f. Disónível em: https://www.ufpi.br/noticias-coronavirus/35697-comunicado-sobre-a-reuniao-sobre-o-novo-coronavirus. Acesso em: 20 fev. 2021. [ Links ]

WALSH, Catherine. Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo II. Quito, Ecuador: Ediciones Abya-Yala, 2017. [ Links ]

1Texto revisado e normalizado por Maria da Conceição de Souza Santos

2Nota informativa da UFPI apresenta como conteúdo a suspensão das aulas presenciais em razão da Covid-19.

3O Programa Nacional de Educação em Reforma Agrária (Pronera) consolida o marco inicial da política de educação do campo, articulado pelas lutas dos movimentos sociais camponeses em parcerias com ações de Universidades, Governos e organismos internacionais de direitos humanos.

4“Por ciencia popular - folclor, saber ou sabiduría popular - se entiende el conocimiento empírico, prático, de sentido común, que há sido posesión cultural e ideologica ancestral de las gentes de bases sociales.[...] Pero el saber popular folclórico tiene tanbiém su propia racionalidade y su propia estrutura de causalidade, es decir, puede demostrarse que tiene mérito y validez cinetífica em sí mismo.” (BORDA, 1981, p. 81-82).

5Considerando que não foi ofertado edital de vestibular para a Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal do Piauí no ano de 2020, estamos com a entrada de estudantes netse curso atrasada.

6https://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Anual/Acesso_Internet_Televisao_e_Posse_Telefone_Movel_2018/Analise_dos_resultados_TIC_2018.pdf

7Edital divulgado no site da Universidade Federal do Piauí, no dia 07 de agosto de 2020.

Recebido: 21 de Abril de 2021; Aceito: 14 de Outubro de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons