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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.65 Salvador ene./mar 2022  Epub 25-Oct-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n65.p188-200 

EDUCAÇÃO, ENSINO REMOTO EMERGENCIAL E TECNOLOGIAS

ENSINO REMOTO EMERGENCIAL, JUVENTUDE E BNCC: PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NO ENSINO MÉDIO

EMERGENCY REMOTE TEACHING, YOUTH AND BNCC: TEACHING AND LEARNING PROCESS AT HIGH SCHOOL

ENSEÑANZA REMOTA DE EMERGENCIA, JÓVENES Y BNCC: PROCESO DE ENSEÑANZA-APRENDIZAJE EN LA ESCUELA SECUNDARIA

Ana Lara Casagrande*  Universidade Federal de Mato Grosso
http://orcid.org/0000-0002-6912-6424

Katia Morosov Alonso**  Universidade Federal de Mato Grosso
http://orcid.org/0000-0002-7125-664X

*Pós-doutora em Educação, Mestre e Doutora em Educação. Licenciada em Pedagogia e Letras. Professora Adjunta II do Departamento de Ensino e Organização Escolar, Instituto de Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Membro do Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos Sobre as Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação na Educação - LêTECE. Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. E-mail: anacasagrande@ufmt.br

**Doutora em Educação e Mestre em Educação. Licenciada em Pedagogia. Professora Titular do Departamento de Ensino e Organização Escolar, Instituto de Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Líder do Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos Sobre as Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação na Educação - LêTECE. Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. E-mail: katia.ufmt@gmail.com


RESUMO

Este artigo problematiza o processo de ensino-aprendizagem no Ensino Médio, em face da construção do Documento de Referência Curricular para Mato Grosso para a etapa e do ensino remoto, estratégia frente à recomendação de distanciamento social por conta da pandemia da Covid-19. Por meio da abordagem qualitativa do método pesquisa documental, com triangulação de fontes, aborda-se a conectividade da juventude, público-alvo do Ensino Médio, em contraposição às dificuldades observadas no ensino remoto e o percurso de construção do referencial curricular do Ensino Médio no estado de Mato Grosso, situando-o como parte dos desafios do período pós-pandemia, dadas as alterações que congrega. Constatamos a necessidade de debater investimento em educação pública, situar a aprendizagem do jovem como foco das preocupações curriculares no período pós-pandemia, na ótica de priorizar seu aprendizado e não retroceder quanto às metas fundamentais postas no Plano Nacional de Educação.

Palavras-chave: Ensino remoto; Juventude; Ensino Médio; Referência curricular

ABSTRACT

This article problematizes the teaching-learning process in High School, considering the construction of the Curriculum Reference Document for Mato Grosso and remote education, a strategy adopted by the recommendation of social distance due to the Covid-19 pandemic. Through the qualitative approach of the documentary research method, with triangulation of sources, the connectivity of youth, the target audience of High School, is approached, in contrast to the difficulties observed in remote education and the path of construction of the curriculum framework of High School in state of Mato Grosso, understanding as part of the challenges of the post-pandemic period, due to the proposed changes. We note the need to debate investment in public education, to place youth learning as the focus of curricular concerns in the post-pandemic period, with a view to prioritizing their learning and not to fall back on the fundamental goals set out in the National Plan Education.

Keywords: Remote teaching; Youth; High school; Curricular reference

RESUMEN

Este artículo problematiza el proceso de enseñanza-aprendizaje en el Bachillerato, delante de la construcción del Documento de Referencia Curricular para Mato Grosso para la etapa y de la enseñanza remota, una estratégia conforme la recomendación de la distancia social por la pandemia Covid-19. A través del abordaje cualitativo del método de investigación documental, con triangulación de fuentes, se aborda la conectividad de los jóvenes, público-objetivo del Bachillerato, en contraste con las dificultades observadas en la educación remota y el camino de construcción del marco curricular del Bachillerato en Mato Grosso, considerándolo como parte de los desafíos de la pospandémica, con los cambios que trae. Señalamos la necesidad de discutir la inversión en educación pública, que posicione el aprendizaje de los jóvenes como foco de inquietudes curriculares en el período pospandémico, mirando su aprendizaje y no retroceder en las metas fundamentales del Plan Nacional de Educación.

Palabras clave: Educación a distancia; Juventud; Bachillerato; Referencia curricular

Introdução

As escolas foram confrontadas a se reinventarem para manterem o processo de ensino-aprendizagem, diante da crise sanitária ocasionada pela pandemia da Covid-19 (SARS-CoV-2), no ano de 2020. O distanciamento social (lockdown, quarentena em domicílio) foi a estratégia adotada pelos países acometidos pelo fenômeno epidêmico dessa nova manifestação do vírus, para reagir ao rápido contágio, suas particularidades e superlotação dos hospitais, dado o desconhecimento sobre como ele afeta as pessoas de diferentes maneiras. Com isso, as discussões em torno dos termos EaD, ensino remoto, ensino a distância e ensino híbrido, exponencializaram-se. Inicialmente, de modo geral, sem muita clareza quanto às especificidades do significado de cada um deles.

Foi um momento em que as lives explodiram, o termo corresponde às transmissões síncronas de conteúdo em forma vídeo, tanto para a realização de eventos científicos, que envolvem palestras, apresentações de resultados de pesquisas acadêmicas, entre outros, quanto culturais (muitos artistas incorporaram essa forma de manter-se em contato com seu público). Inclusive, Santaellla aposta no termo live como uma das palavras do ano, visto que simboliza algo recorrente para a população, principalmente em referência ao processo de ensino-aprendizagem. A autora considera essa a palavra-chave adequada pelos sentidos que podem ser explorados, como o milagre de viver e o tsunami de vídeos nas diferentes plataformas digitais (SANTAELLA apud SANTOS, 2020 [online]).

Os jovens do Ensino Médio não ficaram alheios às consequências de uma adaptação abrupta nesse ano letivo. Claro que eles sentiram de maneiras diferentes, pois a “conta”, em um sistema econômico profundamente desigual, é “paga” de modo desequilibrado. A peste veio para expor feridas da sociedade brasileira, próprias do sistema neoliberal, ou como Gentili e MacCowan (2010) considerarão: pós-neoliberal. Nesse sentido, cumpre enfatizar que, neste texto, tratamos sempre de juventudes (no plural) ao considerar o público da etapa final da Educação Básica, compreendendo que não há uma unidade social, mas multiplicidades e heterogeneidades juvenis que estão na sala de aula, presencial/remota, ou que, realmente não estão, mas deveriam estar, considerando que o percentual de abandono na faixa etária dos 15 aos 17 anos é indesejável. Nesse período, há parte significativa dos jovens no não-lugar da aprendizagem institucionalizada, por muitos motivos, dentre os quais: dificuldade de conexão para acompanhamento de atividades que requeiram pacotes de dados mais potentes e dificuldade em estabelecer sentido para essa experiência remota como espaço de experiência e aprendizagem significativas.

Objetivando discutir o Ensino Médio em meio ao contexto da adaptação das escolas ao período pandêmico contemporâneo, ao tempo da peste atual, este texto adota uma abordagem qualitativa do método da pesquisa documental, segundo a qual as informações são geradas a partir de um olhar cuidadoso e crítico das fontes documentais, envolvendo a triangulação dessas fontes, assim, o trabalho “permite a investigação de determinada problemática não em sua interação imediata, mas de forma indireta, por meio do estudo dos documentos que são produzidos pelo homem e por isso revelam o seu modo de ser, viver e compreender um fato social” (SILVA et al., 2009, p.4557). Toma-se como documental central de análise a Lei nº 13.415/2017, a Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base -Ensino Médio (BRASIL, 2018), Memorial de Elaboração do Documento de Referência Curricular para Mato Grosso- Novo Ensino Médio (SEDUC, 2020a) e Documento de Referência Curricular para Mato Grosso - etapa Ensino Médio (SEDUC, 2020b). Inicialmente foi realizado um levantamento e organização dos materiais disponíveis, realizada a leitura dos documentos e selecionados aqueles fundamentais para a investigação. Complementarmente, foram realizadas análises bibliográficas sobre o contexto abordado.

O presente texto está dividido em três partes fundamentais, quais sejam: Ensino Médio, ensino remoto e juventude conectada, na qual se problematiza a conectividade dos jovens do Ensino Médio e as estratégias traçadas para o período de manutenção do distanciamento social na rede estadual mato-grossense, isto é, no contexto de suspensão das atividades que antes se realizavam presencialmente nas escolas; Ensino-aprendizagem, BNCC do Ensino Médio no estado de Mato Grosso, em que se abordará o percurso de construção do documento, posicionando-o como um elemento-chave para o período pós-pandemia; e, as Considerações finais, espaço no qual são tecidas observações quanto aos desafios por vir e os riscos de retrocedermos em relação às metas postas no Plano Nacional de Educação sobre o Ensino Médio brasileiro, sobretudo público, quanto à ampliação do acesso, permanência e estabelecimento da educação de qualidade, o que envolve outros tantos eixos, como adequado financiamento.

Ensino Médio, ensino remoto e juventude conectada

No caso específico do Ensino Médio, as preocupações com o impacto da interrupção das aulas presenciais foram ainda maiores, por conta da insegurança com o desempenho nos exames vestibulares (não é possível negar a relação entre os exames vestibulares e a etapa final da Educação Básica), entre os quais o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que se consolidou menos como um exame para aferir os dados do Ensino Médio e mais como maior exame vestibular do Brasil e o segundo maior do mundo, cuja nota é utilizada como critério de seleção em universidades públicas e privadas.

A realização do Enem em meio à pandemia foi tema judicial, a Defensoria Pública da União (DPU) entrou com recurso no Tribunal Regional Federal da 3ª região, solicitando que a decisão de manter o exame em meio às circunstâncias da suspensão das aulas nas escolas fosse reconsiderada. Liminares concedidas e revogadas denotam as controversas. Houve, também, pressões de organizações estudantis, como a União Nacional dos Estudantes e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), em relação à manutenção do calendário de aplicação do Enem. O Ministério da Educação optou por adiá-lo para o início do ano seguinte (inicialmente estava previsto para outubro de 2020 na versão digital1 e novembro presencialmente), contando com a realização da prova digital, inicialmente será feito por 50 mil candidatos em algumas regiões do país, além das avaliações presenciais no modelo impresso. O tempo de prova permanecerá o mesmo nos dois formatos. A ideia é a de, conforme anunciado pelo Ministério da Educação (MEC), progressivamente mudar totalmente para a versão digital, até 2026, com maior número de datas para aplicação ao longo do ano.

Os jovens usam amplamente as tecnologias digitais atualmente, mas devemos entender qual a posição das atividades pedagógicas nesse uso. Kenski (2003, p.05) alertou há algum tempo que o “uso inadequado dessas tecnologias compromete o ensino e cria um sentimento aversivo em relação à sua utilização em outras atividades educacionais, difícil de ser superado”, bem como é essencial considerar as dificuldades no acesso às ferramentas tecnológicas, pacotes de dados suficientes para acompanhar as atividades pedagógicas e obstáculos diversificados na manutenção da rotina de estudos, principalmente por parte dos estudantes da rede pública. Vivemos uma cultura ligada ao digital, à medida em que ele influencia todos os âmbitos da vida social, transformando a civilização. O documentário O dilema das redes (Netflix, 2020) aborda essa dimensão do quanto as tecnologias digitais afetam a cognição humana. Nesse documentário, cuja direção é de Jeff Orlowski, ex-executivos especialistas em tecnologia e profissionais dessa área discorrem sobre como as redes sociais podem impactar a democracia e a humanidade, com as estratégias para manter usuários (inclusive se problematiza o termo fazendo referência à indústria de drogas) conectados, manipular seus sentimentos e deixar seus dados a mercê dos anunciantes. O documentário traz uma dimensão crítica da cooptação pela rede por meio de diversas estratégias, mas o fato é que vivemos em rede e na rede hoje, somos produtores de conteúdo na web 2.0, momento em que todos são influenciadores digitais em potencial.

Com uma leitura da juventude conectada, no estado de São Paulo, os youtubers especializados em educação, chamados edutubers, compuseram a tentativa de engajar os estudantes da rede pública, com aulas exibidas por um aplicativo lançado pela Secretaria de Educação e através de dois canais digitais abertos de televisão, ligados à Fundação Padre Anchieta. Em reportagem da FOLHAPRES, atribui-se à Fundação Lemann, uma das entidades que apoia o Centro de Mídias paulista, a curadoria dos youtubers da educação que participaram da programação da rede pública, entre eles Patrick Gomes, do canal Biolodúvidas, e Victor Rysovas, do Dez de História (MATTOS, 2020 [online]). Não entraremos, neste texto, no mérito da invasão do setor privado com e sem fins lucrativos (mas principalmente grandes grupos empresariais), no período de crise sanitária mundial, no ambiente educacional, embora marquemos isso como um fato.

O ensino remoto - e as agruras que tem apresentado2 -, estratégia para “manter” o ano letivo de 2020 em muitos estados e municípios, ajuda a problematizar a questão e a traçar as dimensões da questão da continuidade das aulas de modo não-presencial. Não é exclusividade do corrente ano a confusão terminológica entre EaD, e-learning, formação on-line, e, mais recentemente, ensino remoto. Neste texto enfatizamos o termo ensino remoto, adequado para a opção da maior parte dos estados e municípios para a Educação Básica, sejam escolas da rede pública ou privada. Ele remete ao uso das diversas plataformas educacionais on-line e internet, “solução que se mostrou, na situação, acessível a muitas redes, escolas e seus estudantes, mas não para todos. Em outras circunstâncias também se recorreu ao envio de material impresso aos alunos, com possibilidade de retorno à escola de atividades e tarefas propostas” (GATTI, 2020, p.31/32).

Alonso e Silva (2018) identificaram uma pluralidade terminológica e de diferentes usos de tecnologias, sinalizando processos de formação consolidados em utilização mais intensa das TIC, o que leva a compreensões de que o uso mais intenso das tecnologias digitais em rede seria EaD. Ao olharem para as pesquisas em EaD3, notam que as palavras-chave revelam entendimentos que retratam a estreita relação entre educação e tecnologias como EaD, sugerindo que a EaD seja um campo de experimentação de tecnologias, âmbito estereotipado de uso de tecnologias ou de uso intensivo de tecnologias. Os autores consideram, então, que “a sobreposição entre educação, comunicação e tecnologias sugere problematizações que transcendem, em muito, um modo de organizar os processos de ensino e aprendizagem, bem como das relações que se estabelecem nesse âmbito” (ALONSO; SILVA, 2018, p.512).

Isso posto, cabe uma distinção conceitual importante sobre ensino remoto (em algumas redes de ensino adjetivado de ensino remoto emergencial) e EaD. O ensino remoto foi a nomenclatura considerada mais adequada a ser dada ao recurso de cumprimento da carga horária letiva exigida por lei por meio das aulas com mediação das tecnologias digitais em rede, realizadas não presencialmente conforme a organização de cada estado e município, não há uma coordenação nacional. Desse modo, a reorganização dos calendários também ficou a cargo de cada sistema de ensino.

A EaD, por sua vez, é definida na LDB como uma modalidade da Educação, organizada com abertura e regime especiais, oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União (BRASIL, art. 80, § 1º). Na EaD estão previstas atividades síncronas (com polos de apoio para o desenvolvimento de atividades pedagógicas presenciais) e assíncronas, Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), regime de tutoria, entre outras especificidades, como flexibilidade no tempo de realização das atividades. O programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) foi responsável por fomentar os cursos EaD no país, como forma de ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior. A prioridade, segundo o MEC, consiste na oferta de formação inicial a professores em efetivo exercício na educação básica pública, mas sem graduação, além de formação continuada aos graduados, cursos a dirigentes, gestores e outros profissionais da educação básica da rede pública. Além de ser objetivo, ainda, reduzir as desigualdades na oferta de ensino superior e desenvolver um amplo sistema nacional de EaD na Educação superior (BRASIL, 2020 [online]).

O ensino remoto no Ensino Médio, dado o cenário pandêmico, expõe, então, problemas que a juventude já enfrentava (desinteresse pela escola), potencializa-os (evasão) e traz novos (dificuldade de adaptação à rotina das aulas mediadas pelas tecnologias digitais em rede, apesar dos usos que os jovens fazem na Sociedade 4.0, a da informação e que ruma à Sociedade 5.0). O primeiro aspecto apontado, desinteresse pela escola, pretende ser atacado com a reforma do Ensino Médio (Lei n°13.415/2017) e constituição de uma escola preocupada em auxiliar o jovem a construir o seu projeto de vida, por meio, principalmente da nova organização curricular, mais flexível: “§ 7º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais” (BRASIL, 2017, art. 3°, § 7º). Freitas (2013, p.102), ao refletir sobre o ensino de Sociologia no Ensino Médio, chamará a atenção para a necessidade de estabelecer um encontro do que chamará de “horizontes semânticos” junto ao público juvenil com relação à escola.

Agora será necessário traçar um novo projeto político pedagógico e abordagem curricular, repensar o papel da escola, possivelmente refunda-la, repensar a base do processo de ensino-aprendizagem. A Secretaria Estadual da Educação do estado de São Paulo, por meio de seu secretário Rossieli Soares, aventou (no mês de junho de 2020) a criação do quarto ano do Ensino Médio, optativo para os estudantes, para aplacar os efeitos para o que estudiosos da Educação tem denominado “geração Covid-19”, em referência aos estudantes prejudicados por uma escola que se adaptou às pressas para um ensino não-presencial.

É preciso que reconheçamos que haverá uma luta longa e difícil no sentido de garantir os compromissos assumidos de universalizar o acesso à escola, como o Plano Nacional de Educação indica como meta para o Ensino Médio: universalizar o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, até o final do período de vigência do Plano (BRASIL, 2014) e não segregar ainda mais. Lévy (2000) vai usar a imagem do dilúvio bíblico para referir-se à explosão de informações oriundas do amplo avanço das telecomunicações, aproveitamos a imagem para trazer a ideia de que o que não estava/entrou na barca deixou de existir. Como vamos lidar com a invisibilidade dos estudantes que não estão dentro da barca tecnológica escolar, que se sentem à deriva?

Especificamente quanto a rede estadual de Mato Grosso as escolas traçaram o Plano Pedagógico Estratégico de atendimento ao estudante. Nele, cada escola faz o diagnóstico e identifica quantos estudantes assistirão às aulas via Microsoft Teams e os que não terão conectividade, para os quais os materiais são disponibilizados. Há também a plataforma Aprendizagem conectada, disponível no site da Seduc, as escolas podem imprimir materiais a partir de lá para entrega. Essas são estratégias similares às adotadas por outros estados brasileiros e que estão dentro do possível. Traremos uma fala de Gentili (2010) apropriada para interpretar este momento com as inseguranças e fragilidades impostas à Educação pela peste, embora ele estivesse abordando outro período histórico do Brasil. Estamos em tempos de fazer o possível, “tempos sem possibilidades para que o impossível alimente sonhos, inspire lutas, construa projetos, edifique utopias” (GENTILI, 2010, p.255).

A escola, enquanto espaço institucionalizado de acesso ao saber historicamente construído pela humanidade, cumpre um importante papel, mesmo frente ao olhar de desconfiança e cobranças a ela direcionadas, como apropriadamente afirmará Gentili (2010), as sociedades não parecem dispostas a ceder às virtudes de um providencial processo de desescolarização que transfira aos chips a responsabilidade social de educar as novas gerações. “Se isso acontecerá no futuro é mero exercício de especulação” (GENTILI, 2010, p.257).

Ensino-aprendizagem, BNCC e Ensino Médio no estado de Mato Grosso

Ao falarmos em ensino-aprendizagem, estamos nos referindo a um processo, que se desenvolve no ambiente escolar por meio da ação intencional e sistematizada. Diferencia-se, assim, de outras formas de aprendizagem, estabelecidas em espaços diversificados. Desse modo, na sociedade contemporânea o processo dinâmico de interações cotidianas com novas e múltiplas informações coloca as pessoas em estado de permanentes aprendizagens, abertas, não lineares e mutáveis (KENSKI, 2003). Esse princípio posto, estamos em acordo com Libâneo (2013, p.32), ao falar sobre o cumprimento de responsabilidades sociais e políticas por parte da escolas e dos professores que nelas atuam: “Ao possibilitar aos alunos o domínio dos conhecimentos culturais e científicos, a educação escolar socializa o saber sistematizado e desenvolve capacidades cognitivas operativas para a atuação no trabalho e nas lutas sociais pela conquista dos direitos de cidadania”. Não se pode perder de vista esse processo ao discutir currículo ou suporte para a construção de currículos, por meio de orientações voltadas a isso.

Compreender que o processo de ensino-aprendizagem é do que deve ocupar-se a escola, implica considerar que a seleção dos conteúdos, dentre outras ações, como avaliação e organização dos tempos e espaços, conecta-se à democratização do ensino ou manutenção da exclusão do saber sistematizado, que garanta uma compreensão mais ampla dos problemas observados localmente. Essa exclusão significa a manutenção do status quo, pois o que se observa em larga escala é uma discrepância se não de acesso, de permanência na escola por parte da população pobre, um retrato da organização do desigual sistema socioeconômico, cuja distribuição desigual da riqueza faz com que a maior parte da população viva em situações precárias. As tecnologias digitais, mobilizadas como estratégia didática em um período pandêmico, podem intensificar essa desigualdade, nesse sentido, recuperamos a ideia de Kenski (2003) ao considerar o potencial de novos tempos e espaços educacionais desde que se foque no alinhamento entre os objetivos de ensino com os suportes tecnológicos que melhor atendam a tais objetivos.

Novamente citamos a ideia desenvolvida por Libâneo (2013, p.38) para enfatizar que a escolarização, em extensão, a seleção curricular, deve estar ligada à luta pela democratização da sociedade, pois a “participação efetiva do povo nas lutas sociais e nas instâncias de decisão econômica e política requer que se agregue nelas um número cada vez maior de pessoas e isto depende do grau de difusão do conhecimento”.

O estabelecimento de uma Base Nacional Comum (BNCC) para os currículos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), com a complementação de “uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos” (BRASIL, 1996, art. 26). Com o estabelecimento do Novo Ensino Médio, fincado com a aprovação Lei 13.415, de 16 de fevereiro de 20174, as orientações curriculares direcionadas à etapa deveriam reestruturar-se, de modo que sua homologação se deu em 14 de dezembro de 2018, quando as orientações da BNCC da Educação Infantil e do Ensino Fundamental estavam encaminhadas. De modo que foi publicada pelo Ministério da Educação, em 10 de julho de 2018, a Portaria nº 649, que instituiu o Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio, no qual os parâmetros e critérios para a participação das secretarias estaduais e do Distrito Federal estavam convencionados.

A BNCC é tão referencial que a Portaria nº 882, de 23 de outubro de 2020 homologou o Parecer CNE/CP nº 14/2020, do Conselho Pleno, do Conselho Nacional de Educação, definindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação Continuada de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica - BNC-Formação Continuada. A Portaria n° 882, publicada no D.O.U. de 26 de outubro de 2020, define como fundamental para a formação inicial docente o desenvolvimento das competências gerais da BNCC Educação Básica, bem como das aprendizagens essenciais a serem garantidas aos estudantes nos aspectos intelectual, físico, cultural, social e emocional, visando seu desenvolvimento pleno, na concepção de uma educação integral (BRASIL, 2020, Introdução e Contextualização).

Diante desse documento curricular norteador, então, o Ensino Médio, bem como em função das determinações da Lei nº 13.415/2017, passará por alterações importantes, que envolvem: a reelaboração dos currículos estaduais a partir da BNCC, cujas decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências; o estabelecimento de Itinerários Formativos (IFs), eles podem ser definidos como o percurso formado pelo conjunto de disciplinas, oficinas, projetos e afins que aprofundam uma ou mais áreas de conhecimento: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (deverão ser oferecidas, pelo menos, duas opções de itinerários); a inserção da Formação Técnica e Profissional, por meio do qual será possível fazer, dentro das possibilidades oferecidas pelas redes de ensino, um curso técnico junto com estudos do Ensino Médio; ampliação e redistribuição da carga horária de 2.400 horas para, pelo menos, 3.000 horas anuais, distribuídas em até 1.800 horas para a Formação Geral Básica (FGB) e, no mínimo, 1.200 horas para os IFs (até 2022).

A Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base - Ensino Médio define a BNCC como um documento de caráter normativo, que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais a serem desenvolvidas, de modo a assegurar direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). O conceito de competência deve ser destacado como eixo central do fundamento pedagógico central deste documento. Nele, afirma-se que há um compromisso com a educação integral e são trazidos elementos que foram identificados no documento mato-grossense: “superação da fragmentação radicalmente disciplinar do conhecimento, o estímulo à sua aplicação na vida real, a importância do contexto para dar sentido ao que se aprende e o protagonismo do estudante em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida” (BRASIL, 2018, p.15). Destacamos como pontos comuns entre o documento nacional e o de Documento de Referência Curricular para Mato Grosso - Etapa Ensino Médio, pois identificamos efetivamente que eles estão alinhados quanto aos princípios de incentivo à educação integral, inserção da flexibilização curricular por meio dos itinerários formativos (disciplinas eletivas e trilhas de aprofundamento), que seriam capazes de atender às distintas trajetórias e valorização do protagonismo juvenil, e o vislumbre ao protagonismo juvenil. O ponto referencial, de fato, é a BNCC, aprovada e homologada pelo Conselho Nacional.

Tendo em vista a necessidade dos estados construírem esse eixo curricular balizador, contextualizado pela realidade local, conforme determina a LDB alterada por força da Lei nº 13.415/2017: “O currículo do Ensino Médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino” (BRASIL, 1996, art. 36, grifos nossos), pretendemos aqui analisar o percurso de construção do documento de referência curricular para o Ensino Médio no estado de Mato Grosso.

Ao fazer isso, evidenciaremos o quanto foram acrescidos desafios, com o contexto da pandemia da Covid-19, ao debate sobre as mudanças pelas quais a etapa passará, curriculares, estruturais e correlatas, com a implementação do Novo Ensino Médio, apesar de haver recomendação de abordagem das tecnologias nas discussões e na efetivação dos trabalhos por parte da versão preliminar do Documento de Referência Curricular para Mato Grosso - etapa Ensino Médio, entregue ao Conselho Estadual de Educação (CEE) em setembro de 2020 (como exemplos de disciplinas eletivas são apresentadas no documento: Juventude Conectada em Ação, Mercado Digital e Comunicação e Explorando o Mundo da TecMat - Matemática associada à Tecnologia) (SEDUC, 2020). Usamos a adversativa para evidenciar que o uso ampliado das tecnologias digitais e aparatos a elas relacionados trouxe uma ótica diferente para a apropriação nas práticas pedagógicas, pelo menos da maneira como a suspensão total das atividades presenciais impôs.

Os desafios impostos pela transmissão do novo coronavírus, identificado inicialmente em Wuhan na China, para o Ensino Médio, devem ser entendidos no contexto de reorganização curricular, em que se pretende que os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa sejam organizados nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on-line , de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna e conhecimento das formas contemporâneas de linguagem (BRASIL, 2017, art. 3°, § 8º).

Assim, apresentaremos o percurso de construção do documento de referência curricular direcionado à referida etapa no estado de Mato Grosso, que teve o seu gérmen com a instituição da Portaria n.721/2018/GS/SEDUC/MT, que gerou a Comissão Estadual para o Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio. Foi instituído também o Grupo de Trabalho (GT) responsável por coordenar a ação de implantação das escolas-piloto, por meio da Portaria nº 507, de 17 de julho de 2019.

Em 2018, quando a Portaria nº 649, de 10 de julho, que trata do Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio, estabelecendo diretrizes, parâmetros e critérios para a participação das secretarias estaduais e do Distrito Federal ao referido Programa, foi instituída pelo Ministério da Educação, ofereceu-se apoio técnico (para a elaboração e execução do Plano de Implementação do Novo Ensino Médio e para a implantação de escolas-piloto do Novo Ensino Médio), apoio financeiro (conforme disponibilidade orçamentária a ser atestada previamente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, em um dos programas que tenham aderência com o Novo Ensino Médio) e formação continuada (dos membros da equipe técnica de currículo e gestão de cada estado e do Distrito Federal, por meio do Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular - ProBNCC) para as secretarias de educação estaduais e do Distrito Federal. Nessa Portaria, afirma-se (BRASIL, 2018, art 3º) que a adesão das secretarias de educação estaduais e do Distrito Federal ao Programa deva formalizar-se por meio da assinatura de Termo de Compromisso.

Para participar do Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio, as unidades escolares deveriam estar em situação de adimplência junto aos programas federais, ter o aceite da comunidade escolar e atender aos critérios, definidos pela Portaria nº 649/2018: possuir, no mínimo, trinta por cento das unidades escolares participantes do Programa de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral; e, ter unidades escolares enquadradas em uma ou mais das categorias: 1. participantes do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI); 2. unidades escolares de ensino médio em tempo integral, de iniciativa estadual ou distrital, não participantes do Programa de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral; e 3. unidades escolares que já possuíssem jornada diária de cinco horas.

Quanto ao estado de Mato Grosso, conforme está descrito no documento Memorial de Elaboração do Documento de Referência Curricular para Mato Grosso - Novo Ensino Médio (SEDUC, 2020a), foram pré-selecionadas unidades escolares que ofertam Ensino Médio em tempo parcial, dos municípios de Cuiabá e Várzea Grande e de municípios do entorno. Foram realizadas reuniões com a equipe gestora e do Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar (CDCE), com o propósito de apresentar o Programa, dirimir possíveis dúvidas e obter a adesão para a participação como Escola-Piloto, bem como assinar o termo de adesão. Desse modo, a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso aderiu ao Programa por meio da assinatura do Termo de Compromisso. A Portaria nº 721/2018/GS/SEDUC/MT “institui a Comissão Estadual para Implementação do Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio” e cria Grupo de Trabalho para a elaboração do currículo considerando os Itinerários Formativos.

A efetiva elaboração do Documento de Referência Curricular para o Estado de Mato Grosso - Etapa Ensino Médio (DRC/MT) teve início com a publicação do edital nº 003/2019/GS/SEDUC/MT, o qual regulamentava o Processo Seletivo Simplificado de bolsistas para atuarem no Programa de Apoio à Implementação da BNCC, instituído pela Portaria MEC nº 331, de 05 de abril de 2018, alterada pela Portaria MEC nº 756, de 03 de abril de 2019, em atendimento à Lei Federal nº 11.273/2006. No âmbito deste edital, os bolsistas selecionados atenderam aos perfis: Coordenador de Etapa, Redator Formador de Currículo - Ensino Médio/Área Componente, Coordenadores de Área/Ensino Médio, Articuladores de Itinerários Formativos/Área e Educação Profissional e Técnica (EPT) e Articulador entre Etapas. Tal processo seletivo foi constituído de três etapas: análise de currículo, prova escrita e entrevista. Os selecionados começaram as atividades de redação em maio de 2019 e, desde então, uma agenda periódica de encontros entre os redatores/coordenadores e articuladores foi estabelecida, bem como os encontros em cada área para o processo de produção e socialização do DRC/MT - Etapa Ensino Médio.

Definiu-se que as Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral localizadas em Cuiabá e Várzea Grande seriam piloto do Programa no estado, devido à proximidade da sede, facilitando, assim, o acompanhamento da implementação. Até o momento de escrita deste texto, o Documento de Referência Curricular para Mato Grosso - Etapa Ensino Médio (DRC/MT- EM) foi enviado para aprovação do Conselho Estadual de Educação (CEE) no mês de setembro de 2020, isto é, ainda não finalizou sua trajetória, mas já foi disponibilizado no endereço eletrônico da SEDUC. O documento encaminhado estabelece orientações para o bloco da BNCC - Formação Geral Básica (1.800h) - e para os Itinerários Formativos (1.200h), indicando a flexibilização na definição anual dos currículos em face das propostas pedagógicas, Projeto Político Pedagógico, das unidades escolares. Os Itinerários Formativos seriam o conjunto de unidades curriculares (Trilhas de Aprofundamento, Projeto de Vida e Componentes Curriculares Eletivos) que dão ao estudante opções de escolha, estando esta, grifos, submetida à possibilidade de oferta por parte da escola.

No documento em tese, há o reconhecimento de que há pluralidades juvenis em Mato Grosso, de maneira que na seção do contexto do Ensino Médio, são mencionados o jovem indígena, o jovem do Campo, o jovem quilombola e os sujeitos Jovens e Adultos e se aponta a necessidade de articulação da intencionalidade pedagógica aos interesses formativos do estudante, com vistas ao desenvolvimento do protagonismo juvenil (SEDUC, 2020a). Retomamos a ênfase à noção de protagonismo e a construção de projeto de vida do jovem como bases referenciais do documento e que estão em acordo com os postulados para a etapa em âmbito nacional. Ao apontar a construção do projeto de vida, o Documento de Referência Curricular para Mato Grosso - Etapa Ensino Médio (DRC/MT- EM) afirma incluir na base teórica: “os apontamentos de Moran (2017), que considera a inclusão do projeto de vida como eixo integrador dos valores, competências socioemocionais, cognitivas, de forma personalizada” (SEDUC, 2020a, p.26). José Manoel Moran é citado em outros momentos do texto, mas especificamente esta referência da obra de 2017 não aparece referenciada no final do documento. Em relação à educação inclusiva, na Seção intitulada Educação Especial segundo a perspectiva da Educação Inclusiva, afirma-se que o intuito é o de ultrapassar o conceito de escola especial, focando no aprendizado em “uma só escola para todos” (SEDUC, 2020a, p.101, grifos originais do documento).

Após esse percurso realizado para a definição das orientações curriculares no estado de Mato Grosso, ainda haverá, como em todo o país, que enfrentar-se os problemas decorrentes do período de suspensão das atividades presenciais para o Ensino Médio. Gatti (2020) constatou, no período pandêmico pelo qual estamos passando, disparidades entre estados e municípios nas tomadas de decisões políticas relativas à saúde pública, com a ausência de articulação mais geral de governo, que culminou em certo desencontro de ações, o que não deixou de causar agravantes para a situação educacional. Há uma preocupação grande com a questão da base curricular e dos conteúdos nela implicados? Sim, no entanto, há a questão da sensibilidade humana que a precede. Gatti (2020) alerta, quanto ao retorno às aulas presencialmente ou de modo híbrido (parcialmente realizado de modo presencial e parcialmente de modo remoto), que será necessário um esforço de gestão para a preparação de toda a equipe escolar para o recebimento dos estudantes, que podem ter tido experiências com a doença, perdas de pessoas importantes e estejam enfrentando os efeitos pessoais disso. Assim, a autora considera necessário criar estímulo entre os educadores para se engajarem no processo de recuperação das condições de aprendizagem do alunado, bem como considera um aspecto fundamental “as escolhas sobre o que é essencial que os alunos aprendam e por quais caminhos de aprendizagem. Esse ponto será desafio para redes, escolas e professores” (GATTI, 2020, p.36).

Efetivamente, passado o impacto do isolamento social e do estabelecimento do ensino realizado de maneira totalmente remota, haverá que considerar-se, como nunca, a articulação da (re)construção do currículo voltado ao Ensino Médio, articulado com a intencionalidade pedagógica das escolas no sentido da democratização do conhecimento e condições emocionais da juventude, dentro do melhor possível diante das perspectivas de futuro.

Considerações finais

O momento de escrita deste texto é delicado, pois ainda estamos vivendo os efeitos da pandemia, isto é, ainda estamos no “olho do furacão”, ao mesmo tempo em que buscamos vislumbrar os inúmeros desafios a serem enfrentados no período pós-pandemia e isso é uma afirmação a ser grifada: haverá inúmeros desafios no período pós-pandemia, não será uma tarefa fácil, principalmente, quando abordamos a reconstrução do currículo nessa dinâmica. No entanto, pensamos ser importante sublinhar a necessidade de mitigar os riscos de retrocedermos em relação às metas postas no Plano Nacional de Educação sobre o Ensino Médio brasileiro, sobretudo público, quanto à ampliação do acesso e permanência do jovem na escola e consolidação das competências e habilidades da formação geral, estabelecidas pela BNCC, aprovada e homologada pelo Conselho Nacional de Educação em dezembro de 2018. Vale destacar que na análise realizada neste trabalho, identificamos um alinhamento, esperado, entre o Documento de Referência Curricular para Mato Grosso - etapa Ensino Médio com os princípios do documento nacional Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base - Ensino Médio, em relação aos princípios de incentivo à educação integral, ruptura com o ensino fragmentado com a flexibilização curricular e valorização do protagonismo juvenil, por meio do estímulo à construção de perspectivas de futuro e projetos de vida por parte dos jovens.

Temos uma juventude conectada, com ampla apropriação tecnológica, que interage como produtora de conteúdo na web, no entanto, a realidade do ano de 2020 evidenciou que os usos das tecnologias digitais e o estabelecimento das relações em rede e na rede não alcançaram o que se requeria em relação ao processo de ensino-aprendizagem. Reconhecer isso significa não apenas pontuar no referencial curricular, como aparece no documento estadual mato-grossense etapa Ensino Médio (DRC/MT-EM), que ele contempla a dimensão da tecnologia, implica em, antes, relacionar currículo, processo de ensino-aprendizagem e tecnologia, tendo em vista os limites e as perspectivas futuras da escola em face do seu público e, no pós-pandemia, envolvendo um cauteloso e adequado plano de retomada das aulas presencialmente.

Não podemos deixar de destacar a necessidade do investimento massivo e sistemático em Educação, o financiamento deve permear o debate do Ensino Médio, pois sem recursos não é possível materializar a flexibilização indicada na BNCC em relação às possibilidades de disciplinas eletivas e trilhas de aprofundamento, principalmente da Formação Profissional e Técnica, subjugadas à estrutura física e humana das escolas. Bem como o financiamento impacta nas ações que mitiguem a desigualdade e mirem a consolidação do processo de ensino-aprendizagem na sociedade futura, a chamada sociedade 5.0, na qual se prevê a emergência crescente da Inteligência Artificial e da interação humano-máquinas, tampouco se viabiliza uma abordagem curricular capaz de atender as distintas trajetórias e projetos de vida da plural e heterogênea juventude presente nas escolas brasileiras.

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1O formato digital envolve a realização on-line da prova em instituições selecionadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

2Como a falta de suportes tecnológicos que suprissem a aula ministrada de modo presencial.

3O corpus que subsidia o trabalho apoia-se nas pesquisas de Zawacki-Richter (2009), Zawacki-Richter, Bäcker e Vogt (2009), Barreto (2006), Araújo (2008) e Moraes (2016) (ALONSO; SILVA, 2018).

4Altera a LDB, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o Decreto-Lei nº 236/1967; revoga a Lei nº 11.161/2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.

Recebido: 11 de Dezembro de 2020; Aceito: 14 de Dezembro de 2021

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