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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.65 Salvador ene./mar 2022  Epub 25-Oct-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n65.p302-317 

ESTUDOS

RELAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO DOCENTE E TECNOLOGIAS DIGITAIS: UM ESTUDO NA EDUCAÇÃO BÁSICA PORTUGUESA

RELATION BETWEEN TEACHER TRAINING AND DIGITAL TECHNOLOGIES: A STUDY IN PORTUGUESE SECONDARY EDUCATION

RELACIÓN ENTRE LA FORMACIÓN DOCENTE Y LAS TECNOLOGÍAS DIGITALES: UN ESTUDIO EN LA EDUCACIÓN SECUNDARIA PORTUGUESA

Sara Dias-Trindade*  Universidade de Coimbra
http://orcid.org/0000-0002-5927-3957

António Gomes Ferreira**  Universidade de Coimbra
http://orcid.org/0000-0002-3281-6819

*Doutorada em História - Didática pela Universidade de Coimbra. Docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Investigadora no Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal. E-mail: sara.trindade@uc.pt

**Doutorado em Ciências da Educação pela Universidade de Coimbra. Docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Investigador no Centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.E-mail: antonio@fpce.uc.pt


RESUMO

As competências digitais são fundamentais para uma cidadania plena e a Escola é o espaço onde estas competências se podem desenvolver. Para tal, é necessário que os docentes tenham formação adequada para poderem integrar pedagogicamente a tecnologia nas suas práticas. O estudo apresentado, de teor quantitativo, foca-se no cruzamento entre os resultados do questionário de autoavaliação de competências digitais docentes - DigCompEdu CheckIn - aplicado a 219 professores portugueses, que responderam a um segundo questionário sobre a sua formação inicial para o uso de tecnologia. Os resultados mostram a quase inexistência de preparação para a integração da tecnologia na escola e que é o interesse por mais formação que tem capacitado os docentes para aquele que ainda é um nível médio de competência digital - B1, Integrador - que caracteriza os docentes como tendo alguma experiência, mas precisando de mais formação para se sentirem mais capazes de integrar a tecnologia em práticas pedagógicas inovadoras.

Palavras-chave: Formação de Professores; Educação Básica; Portugal; Informática e Educação

ABSTRACT

Digital competences are essential for full citizenship and school is the place where these competences can be developed. Therefore, it is necessary that teachers have adequate training to be able to pedagogically integrate technology into their practices. The quantitative study presented here focuses on cross-referencing the results of the self-assessment questionnaire on teachers’ digital competences - DigCompEdu CheckIn - applied to 219 Portuguese teachers, who responded to a second questionnaire on their initial training in the use of technology. The results show that there is almost no preparation for the integration of technology in school and that it is the interest in further training that has empowered teachers to what is still an overall moderate level of digital proficiency - B1, Integrator -, which characterises teachers as having some experience but needing more training to feel better able to integrate technology into innovative teaching practices.

Keywords: Teacher Training; Secondary Education; Portugal; Informatics and Education

RESUMEN

Las competencias digitales son fundamentales para una ciudadanía plena y la escuela es el lugar donde se pueden desarrollar estas competencias. Para ello, es necesario que los profesores tengan una formación adecuada para poder integrar pedagógicamente la tecnología en sus prácticas. El estudio cuantitativo que aquí se presenta se centra en cruzar los resultados del cuestionario de autoevaluación de las competencias digitales de los profesores - DigCompEdu CheckIn - aplicado a 219 profesores portugueses, que respondieron a un segundo cuestionario sobre su formación inicial en el uso de la tecnología. Los resultados muestran que la preparación para la integración de la tecnología en la escuela es casi nula y que es el interés por la formación continua lo que ha llevado a los profesores a lo que todavía es un nivel medio de competencia digital - B1, Integrador -, que caracteriza a los profesores como con cierta experiencia, pero con necesidad de más formación para sentirse más capaces de integrar la tecnología en prácticas docentes innovadoras.

Palabras clave: Formación docente; Educación Secundaria; Portugal; Informática y Educación

Introdução: a importância da formação docente para o uso de tecnologias1

Ao longo dos últimos anos tem sido cada vez mais frequente a publicação de documentos, por parte de diversas instituições internacionais, que referem a importância de uma educação que aposta na integração do digital enquanto estratégia para potenciar as aprendizagens (WEF, 2015; UNESCO, 2013; COMISSÃO EUROPEIA, 2020). Para além disso, é quase consensual que a utilização da web social e das suas ferramentas em contexto educativo implica uma mudança de teorias pedagógicas centradas no professor para modelos mais participativos, colaborativos e sociais centrados nos diferentes atores educativos (DIAS-TRINDADE; MOREIRA, 2017).

Múltiplos autores referem, porém, que a rapidez da evolução tecnológica dificulta a preparação dos professores, sobretudo, para utilizar a tecnologia de forma a contribuir para a mudança das práticas e fazer uso dos diferentes recursos e tecnologias digitais para transformar a escola (ALBION; TONDEUR; FORKOSH-BARUCH; PEERAER, 2015; REDECKER, 2017; FELIZARDO, 2019). Nesse sentido, é importante lembrar que “embora a tecnologia possa ser apenas um monte de engenhocas, boa tecnologia é realmente uma boa oportunidade - boa tecnologia permite que as pessoas façam coisas que literalmente não podiam fazer antes” (NORRIS; SOLOWAY, 2013, p. 110).

Assim, é essencial uma integração do digital nos processos pedagógicos para o desenvolvimento de uma educação que combine oportunidades de aprendizagem variadas, explorando o seu verdadeiro potencial no campo do desenvolvimento de competências transversais, e para criar cenários de aprendizagem construtivistas e colaborativos, mais maleáveis e adaptáveis às necessidades de cada aluno.

Nesse sentido, para além de uma visão de integração da tecnologia, é imprescindível que se equacionem mudanças de práticas e de mentalidades. Esta realidade implica uma alteração cultural, pois obriga a reexaminar os papéis dos professores e dos estudantes e a relação e os equilíbrios existentes entre eles, para além das implicações a nível da planificação de cursos e currículos, sistemas de avaliação, formas de ensinar e aprender. Para construir uma escola diferente é, por isso, necessário repensá-la, procurando desenvolver atividades e estratégias que promovam o desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e atitudes de uma forma integrada, contribuindo, deste modo, para que os estudantes adquiram competências importantes para ter sucesso no século XXI. A educação e o processo de ensino e de aprendizagem podem assim ser pensados enquanto mecanismos de crescimento conjunto e contínuo, a partir de experiências que podem ser potenciadas pelo uso do digital e de aprendizagens ativas, coletivas e em rede, exigindo “que a participação seja observada como modo de construir o sentido de pertença e identidade na rede de autores e mediadores das experiências, cenários e contextos de aprendizagem” (DIAS, 2012, p. 4).

De facto, as tecnologias digitais podem contribuir para a promoção de competências transversais, complementando-se as pedagogias e metodologias já existentes com novas estratégias focadas em projetos, pesquisas ou métodos de aprendizagem adaptativos.

Porém, para que estes ambientes digitais se desenvolvam, é indispensável que os docentes tenham as competências digitais necessárias para uma utilização eficaz das tecnologias. Mais ainda, na atualidade, isto se torna essencial. Como refere a Comissão Europeia (2020, p. 33),

in a rapidly changing world, teaching, learning and assessment face new challenges and demands. Teaching professionals in all sectors of education, from early years to adult learning, are at the fore of this change, and need to be equipped with the confidence and competence to use technology effectively.

Para que tal aconteça, a capacitação para o uso dessa mesma tecnologia tem de fazer parte integrante da formação docente, quer inicial, quer contínua (ET2020 Working Group on Digital Education).

É nesse sentido que argumentam diferentes autores, nomeadamente referindo a necessidade de articular a tecnologia com a pedagogia, uma vez que, por um lado, a formação inicial não chega para verdadeiramente capacitar os professores, sobretudo em termos tecnológicos, devido à sua constante evolução e, por outro, se a formação pedagógica para o uso da tecnologia não for corretamente desenvolvida, o uso da tecnologia ficará aquém do seu potencial (VRASIDAS; GLASS, 2007). É necessário, pois, uma combinação entre competências pedagógicas e competências tecnológicas, para as quais a experiência também terá um papel a desempenhar.

No relatório PISA 2021 (OECD, 2019) é indicado que existem evidências de que os professores mais jovens ainda têm alguma inexperiência relativa aos usos pedagógicos que podem ser dados a diferentes tecnologias, enquanto aos docentes mais velhos, por vezes, falha o conhecimento técnico para um uso da tecnologia para potenciar as aprendizagens.

Castells (2006, p. 19) destaca que “difundir a Internet ou colocar mais computadores nas escolas, por si só, não constituem necessariamente grandes mudanças sociais”. De facto, com a evolução social e os novos requisitos para a Educação, bem como a constante inovação da tecnologia, é essencial refletir criticamente sobre as novas formas de trabalho do professor (GOEMAN; ELEN; PYNOO; BRAAK, 2015; RODRIGUES, 2020), devendo sempre existir uma sólida articulação entre pedagogia e tecnologia, pois “a tecnologia pode amplificar o bom ensino, mas boa tecnologia não consegue substituir mau ensino” (OECD, 2015, p. 4). Por outro lado, quanto mais elevado for o nível de confiança digital docente, maior a capacidade de uma integração efetiva das tecnologias nos ambientes educativos (AREA-MOREIRA; HERNÁNDEZ-RIVERO; SOSA-ALONSO, 2016).

Estas questões levaram-nos a procurar compreender como é que tem sido a articulação entre a formação inicial e a experiência dos professores portugueses da Educação Básica, em particular qual a relação entre estas e a utilização da tecnologia em ambientes educativos, a partir das opiniões dos próprios professores, quer sobre a utilidade dessa formação para a sua vida profissional, quer da sua autoperceção de competência digital.

Metodologia

Este estudo segue uma metodologia de análise quantitativa a partir dos resultados obtidos tanto no instrumento de autoavaliação de competências digitais DigCompEdu CheckIn como nas seis questões criadas pelos autores do presente trabalho. Estes instrumentos serão adiante detalhadamente descritos.

A amostra deste estudo, selecionada de forma aleatória, é constituída por um conjunto de 219 professores do Ensino Básico e Secundário de Portugal Continental e Ilhas, cuja caracterização por idade, sexo e departamento se encontra sistematizada na Tabela 1.

Considera-se a existência de representatividade estatística, uma vez que esta amostra inclui docentes de todos os grupos departamentais existentes na Educação Básica e Secundária portuguesa, de ambos os géneros e faixas etárias variadas (numa distribuição geográfica que cobre todas as zonas de Portugal).

Tabela 1 Caracterização dos participantes 

Variáveis pessoais e profissionais
Idade (anos)
Média [mínimo - máximo] Intervalo Interquartil
51 [26 - 65] [46 - 56]
Sexo Departamento
Masculino Feminino 1C CSH E L MCE
N
%
47
21,5
172
78,5
56
25,6
32
14,6
23
10,5
59
26,9
49
22,4

Legenda: 1C-1º Ciclo, Pré-Escolar e Educação Especial; CSH-Ciências Sociais e Humanas; E-Expressões; L-Línguas; MCE-Matemática e Ciências Experimentais

Fonte: Autores

Na Tabela 2 apresenta-se em maior detalhe a idade dos participantes.

Tabela 2 Detalhe das idades dos participantes 

Faixas etárias Participantes
N %
26-30 1 0,46
31-35 1 0,46
36-40 10 4,57
41-45 38 17,35
46-50 43 19,63
51-55 66 30,14
56-60 37 16,89
61-65 23 10,50
TOTAL 219 100

A grande maioria dos professores participantes são do sexo feminino (78,5%), com idades concentradas entre os 46 e os 56 anos (representando 49,77% da amostra, conforme se pode verificar na Tabela 2) e distribuídos de forma relativamente homogénea pelos diferentes Departamentos, sendo os de Línguas e os do 1º Ciclo, Pré-Escolar e Educação Especial os mais representativos, respetivamente com 26,9% e 25,6%, e o Departamento com menor representação sendo o de Expressões, com 10,5%.

O instrumento utilizado foi o DigCompEdu CheckIn, validado para a população portuguesa por Dias-Trindade, Moreira e Nunes (2019), ao qual foram acrescentadas seis questões, cada uma com cinco níveis de resposta (em semelhança ao instrumento referido), com o objetivo de aferir a relação entre a formação inicial docente, a utilização das tecnologias em ambiente pessoal e profissional antes e depois da formação inicial, e os resultados obtidos no DigCompEdu CheckIn.

O referencial DigCompEdu integra-se numa estratégia europeia de promoção das competências digitais não só em ambiente educativo como em geral na sociedade. Fruto de uma consciência de que os sistemas educativos não têm conseguido acompanhar as mudanças que as tecnologias digitais têm operado na sociedade, bem como a consciência de que a escola tem de preparar os jovens para uma cidadania digital plena, o DigCompEdu foi preparado para auxiliar os professores a compreender que competências digitais precisam desenvolver para integrar de forma efetiva as tecnologias na escola e auxiliar os alunos a adquirir as suas próprias competências digitais (CAENA; REDECKER, 2019).

Este referencial elenca, de forma muito completa e articulada, seis áreas de competências digitais que associam todo o trabalho que se desenvolve em qualquer espaço escolar, assumindo-se hoje como a base de trabalho para formação docente tanto em Portugal como também em vários outros países europeus (Tabela 3).

A aplicação do questionário foi realizada ainda antes da pandemia de COVID-19, ao longo do segundo semestre de 2019.

Tabela 3 Áreas do DigCompEdu 

Área 1 Envolvimento Profissional procura identificar as competências do professor no que diz respeito ao uso de tecnologias digitais para comunicar, colaborar e evoluir profissionalmente
Área 2 Tecnologias e Recursos Digitais diz respeito à utilização de tecnologias e recursos digitais, especificamente, à capacidade de as usar, partilhar e proteger
Área 3 Ensino e Aprendizagem refere-se à capacidade de os docentes identificarem as suas capacidades para gerirem e organizarem o uso de tecnologias digitais no processo de ensino e de aprendizagem
Área 4 Avaliação refere-se às competências na avaliação, concretamente na forma como são usadas as tecnologias digitais para melhorar o processo de avaliação dos estudantes
Área 5 Capacitação dos Estudantes remete para a capacidade de utilizar as tecnologias digitais para aumentar a inclusão, personalização e o envolvimento ativo dos estudantes no ensino
Área 6 Promoção da Competência Digital dos Estudantes diz respeito às competências docentes para auxiliar os estudantes a usar tecnologias digitais de forma criativa e responsável

Fonte: DIAS-TRINDADE; MOREIRA; NUNES, 2019, p. 155-157

As seis questões preparadas para este estudo foram estruturadas de forma a interligar tanto a utilização das tecnologias digitais em ambientes educativos como as tecnologias em geral (como o retroprojetor, os diapositivos, ou o vídeo, mais habituais nas escolas portuguesas desde os anos 80), procurando obter uma panorâmica sobre a articulação entre a formação inicial de professores e a preparação pedagógica para o uso de diferentes tecnologias em espaço escolar (Tabela 4).

Tabela 4 Questões colocadas aos professores 

A. A minha formação inicial docente incluiu disciplinas de formação para o uso de tecnologias não digitais em geral.
B. A minha formação inicial docente incluiu disciplinas de formação para o uso de tecnologias digitais.
C. Tenho oportunidade de experimentar tecnologias digitais.
D. Tenho interesse pelas tecnologias não digitais em geral (por ex., retroprojetor, diapositivos, vídeo…).
E. Tenho facilidade em me adaptar a diferentes usos das tecnologias não digitais (por ex., retroprojetor, diapositivos, vídeo…).
F. Tenho facilidade em me adaptar a diferentes usos das tecnologias digitais.

Fonte: Autores

A organização destas seis questões pretendeu, como foi já referido, seguir a mesma organização do questionário DigCompEdu CheckIn, com cinco níveis de resposta que vão da total discordância da afirmação apresentada até à total concordância. Assim, a cada um desses níveis de resposta foi atribuído um valor (entre 1 e 5 pontos), à semelhança da escala de Likert, sendo a classificação mais próxima de 1 a mais negativa e a classificação mais próxima de 5 a mais positiva. Desta forma, considerou-se que os participantes revelavam uma atitude negativa quando a média dos resultados fosse abaixo de 2,5; teriam atitude indefinida se a média fosse igual ou maior que 2,5 e menor que 3,5; e, finalmente, positiva se superior a 3,5.

Resultados e Discussão

Analisados os resultados obtidos pelos professores participantes no questionário de autoperceção de competências digitais (DigCompEdu CheckIn) verifica-se que este grupo de participantes se encontra no nível B1 - Integrador, com uma média de 43 pontos em 84 possíveis, numa dispersão de resultados entre os níveis A1 e C1 e onde os níveis mais baixos (A1 e A2) agregam 20,5% dos resultados (Tabela 5).

Tabela 5 Resultados por níveis 

Níveis Frequência %
A1 6 2,7
A2 39 17,8
B1 95 43,4
B2 61 27,9
C1 18 8,2
C2 0 0,0

Fonte: Autores

Este resultado (nível B1) reflete um nível de competências digitais no qual os docentes experimentam o uso das tecnologias digitais em diferentes contextos, porém ainda sentindo a necessidade de compreender como melhor integrar essas tecnologias nas suas práticas pedagógicas.

Estes resultados vão ao encontro de outros estudos, como o de Almeida (2018), que referiu que os professores usam as tecnologias com um foco no ensino e não tanto nas aprendizagens, ou, como Area-Moreira, Hernández-Rivero e Sosa-Alonso (2016) referiam, apenas enquanto recurso para transferência de conhecimento.

Em linha com este panorama, os resultados médios com os resultados mais fracos entre as seis áreas de competências do questionário (Tabela 6), e de acordo com a distribuição por níveis de proficiência (DIAS-TRINDADE; FERREIRA, 2020), são os da Área 2 - Tecnologias e Recursos Digitais, Área 4 - Avaliação e Área 6 - Capacitação digital dos estudantes. Estas áreas focam-se em aspetos bastante práticos das competências digitais docentes, nomeadamente a nível da criação de conteúdos, da capacidade de usar o digital para melhorar o processo de avaliação dos alunos e da capacitação dos alunos para o uso de recursos digitais de forma responsável.

Tabela 6 Resultados médios por áreas e níveis 

Área Média Nível
A1 9,1 B1
A2 4,2 B1-
A3 10,3 B1
A4 5,3 A2+
A5 4,8 B1
A6 9,3 B1-

Fonte: Autores

Sendo este grupo de participantes constituído por professores com alguma experiência pedagógica, os resultados acompanham aquilo que a OCDE (2019) referia sobre professores com maior experiência terem maiores dificuldades no uso das tecnologias digitais para a aprendizagem (apesar de, por outro lado, estudos como os de Briggs e Makice [2012] ou de Dias-Trindade e Moreira [2020] indicarem que não há uma correlação direta entre idade e competências digitais docentes). Com a constante evolução tecnológica e digital, tal como indicam Vrasidas e Glass (2007), a aposta em formação docente tem de ser uma realidade.

A Tabela 7 mostra uma ligeira correlação entre os resultados no questionário de autoavaliação das competências digitais e a existência, ou não, de formação inicial para o uso de tecnologias, sobretudo no que diz respeito às digitais. Quando estes docentes são questionados sobre a existência de formação para o uso das tecnologias em geral, as respostas demonstram uma certa indefinição (com exceção dos docentes cujos resultados no questionário DigCompEdu CheckIn obtiveram nível A2, cuja preponderância é negativa).

Tabela 7 Resultados do questionário sobre formação docente e experiência profissional 

TOTAL Formação Inicial com Tecnologias Não Digitais Formação Inicial com Tecnologias Digitais
A1 2,83 1,67
A2 2,38 1,95
B1 2,81 1,82
B2 2,67 2,30
C1 3,17 2,33

Fonte: Autores

Já a Tabela 8 mostra que, para quase 40% dos participantes, não houve sequer essa formação, enquanto para 8,2% esta ou não tem sido útil nas suas práticas pedagógicas ou a sua utilidade tem sido reduzida (13,7%). Quando questionados sobre se essa formação teria incluído formação pedagógica para o uso de tecnologias digitais, as médias de respostas apresentam uma atitude negativa, dividindo-se, sobretudo, entre a inexistência desta preparação (64,8%) ou a inutilidade da mesma (5%).

Tabela 8 Item do questionário sobre a formação inicial docente ter incluído disciplinas de tecnologias 

A minha formação inicial docente incluiu disciplinas de formação para o uso de tecnologias não digitais em geral N %
Não incluiu nenhuma disciplina na área da tecnologia não digital/digital. 87 39,7
Incluiu, mas não tem sido útil minha prática pedagógica. 18 8,2
Incluiu, mas a sua aplicabilidade pedagógica tem sido muito reduzida. 30 13,7
Incluiu, e tem tido uma utilidade esporádica na minha prática pedagógica. 36 16,4
Incluiu, e tem sido muito útil minha prática pedagógica. 48 21,9
A minha formação inicial docente incluiu disciplinas de formação para o uso de tecnologias digitais N %
Não incluiu nenhuma disciplina na área da tecnologia digital. 142 64,8
Incluiu, mas não tem sido útil minha prática pedagógica. 11 5,0
Incluiu, mas a sua aplicabilidade pedagógica tem sido muito reduzida. 18 8,2
Incluiu, e tem tido uma utilidade esporádica na minha prática pedagógica. 17 7,8
Incluiu, e tem sido muito útil minha prática pedagógica. 31 14,2

Fonte: Autores

Tendo em conta a média das idades dos docentes que responderam ao questionário (51 anos), é possível que muitos tenham feito a sua formação há mais de vinte anos, período durante o qual o digital ainda era profundamente residual nas escolas portuguesas e, naturalmente, quase inexistente na formação inicial dos professores.

Associada a esta ausência de formação para um uso pedagógico das tecnologias digitais no Ensino Superior está a oportunidade de experimentar as tecnologias digitais antes da própria formação inicial. Os resultados obtidos mostram que este contacto também foi raro, mostrando que a grande maioria destes docentes pouco haviam contactado com as tecnologias digitais, quer de forma pessoal, quer académica, antes de iniciarem as suas carreiras profissionais. Entre os participantes, apenas 44,3% terão começado a aprender a utilizar tecnologias digitais durante o exercício da sua profissão e a estes acrescem mais 19,6% que raramente haviam contactado com as tecnologias digitais, o que perfaz quase dois terços da totalidade das respostas dadas (Tabela 9).

Tabela 9 Respostas sobre a experiência com tecnologias digitais antes da frequência do Ensino Superior 

Tenho oportunidade de experimentar tecnologias digitais N %
Nunca tive oportunidade de experimentar tecnologias digitais antes da frequência do Ensino Superior. 97 44,3
Raramente tive oportunidade de experimentar tecnologias digitais antes da frequência do Ensino Superior. 43 19,6
Ocasionalmente tive oportunidade de experimentar tecnologias digitais antes da frequência do Ensino Superior. 34 15,5
Experimentei, muitas vezes, soluções tecnológicas digitais para problemas antes da frequência do Ensino Superior. 28 12,8
Utilizei, sistematicamente, diferentes estratégias com tecnologias digitais para resolução criativa de problemas, mesmo antes da frequência do Ensino Superior. 17 7,8

Fonte: Autores

Uma vez mais, esta situação parece ter reflexos nos resultados obtidos no questionário sobre as competências digitais, uma vez que também aqui se encontra uma progressão, sendo os professores dos níveis mais baixos os que indicaram ter tido menos oportunidade de experimentar tecnologias digitais antes da frequência do Ensino Superior (Tabela 10). Os valores médios que revela a Tabela 10 são de facto muito baixos e contribuem para justificar, mais uma vez, a importância da formação contínua para suprir esta falta de preparação inicial.

Tabela 10 Oportunidade de experimentar tecnologias digitais 

TOTAL Oportunidade de Uso de Tecnologias Digitais Antes da Frequência do Ensino Superior
A1 1,83
A2 1,90
B1 2,04
B2 2,72
C1 2,06

Fonte: Autores

O interesse pelo uso, já num contexto pessoal e profissional, das tecnologias não digitais é bastante maior, revelando assim que sempre houve motivação para usar as tecnologias em contexto educativo (Tabela 11), bem como a presença mais frequente destes equipamentos nas escolas portuguesas. De facto, retroprojetores, diapositivos e vídeo são equipamentos que vulgarmente eram encontrados nos espaços escolares, sobretudo nos anos 80 e 90, e que durante algum tempo ainda continuaram a ser mais utilizados nas escolas portuguesas do que os projetores digitais e os computadores. Quase 50% dos docentes indica uma utilização frequente (28,8%) ou mesmo sistemática (19,6%) deste tipo de recursos, quer em ambiente pessoal, quer profissional. Apenas 5% dos participantes indicaram nunca ter experimentado estas tecnologias, percentagem que ainda assim parece elevada.

Tabela 11 Oportunidade de uso de tecnologias não digitais 

Tenho interesse pelas tecnologias não digitais em geral (por ex., retroprojetor, diapositivos, vídeo…) N %
Nunca tive oportunidade de experimentar tecnologias não digitais em casa ou no estabelecimento de ensino. 11 5,0
Raramente tive oportunidade de experimentar tecnologias não digitais em casa ou no estabelecimento de ensino. 27 12,3
Ocasionalmente tenho oportunidade de experimentar tecnologias não digitais em casa ou no estabelecimento de ensino. 75 34,2
Experimento, muitas vezes, soluções tecnológicas não digitais para problemas em casa ou no estabelecimento de ensino. 63 28,8
Utilizo, sistematicamente, oportunidades não digitais para resolução criativa de problemas em casa ou no estabelecimento de ensino. 43 19,6

Fonte: Autores

Quando verificamos a relação entre estas respostas e os níveis de competência digital (Tabela 12), encontramos valores entre o indefinido (níveis A2, B1 e B2) e o positivo (níveis A1 e C1). Refletindo um uso entre o ocasional e o regular de tecnologias, quer em ambiente pessoal, quer profissional, sobressai o facto de que os professores com o mais fraco nível de competências digitais são os que referem, em média, experimentar muitas vezes diferentes tecnologias quer pessoal, quer profissionalmente. Associando estes resultados com os trabalhos já anteriormente referidos de Almeida (2018) e de Area-Moreira, Hernández-Rivero e Sosa-Alonso (2016), acreditamos que estas experiências, provavelmente, se focam apenas num uso mais conservador da tecnologia para transposição de conhecimento.

Tabela 12 Oportunidade de uso de tecnologias não digitais 

TOTAL Oportunidade de Uso de Tecnologias Não Digitais
A1 4,00
A2 3,26
B1 3,37
B2 3,44
C1 4,22

Fonte: Autores

A Tabela 13 apresenta o grau de adaptação dos professores ao uso quer das tecnologias não digitais quer, especificamente, das digitais. As respostas são todas bastante positivas, com 84,4% e 78,5% dos docentes a indicarem ter razoável ou muita facilidade em se adaptar, respetivamente, às tecnologias não digitais ou às tecnologias digitais. Apenas 3,7% referiram não se conseguir adaptar às primeiras e 1,8% às segundas.

Tabela 13 Adaptação ao uso de tecnologias não digitais e digitais 

Tenho facilidade em me adaptar a diferentes usos das tecnologias não digitais (por ex., retroprojetor, diapositivos, vídeo…) N %
Não me consigo adaptar ao uso de tecnologias não digitais. 8 3,7
Tenho muita dificuldade de adaptação ao uso de tecnologias não digitais. 4 1,8
Algumas vezes vou conseguindo adaptar-me ao uso de tecnologias não digitais. 22 10,0
Tenho razoável facilidade de adaptação às tecnologias não digitais mais comuns. 89 40,6
Consigo adaptar-me com muita facilidade ao uso de diferentes tecnologias não digitais. 96 43,8
Tenho facilidade em me adaptar a diferentes usos das tecnologias digitais N %
Não me consigo adaptar ao uso de tecnologias digitais. 4 1,8
Tenho muita dificuldade de adaptação ao uso de tecnologias digitais. 4 1,8
Algumas vezes vou conseguindo adaptar-me ao uso de tecnologias digitais. 39 17,8
Tenho razoável facilidade de adaptação às tecnologias digitais mais comuns. 105 47,9
Consigo adaptar-me com muita facilidade ao uso de diferentes tecnologias digitais. 67 30,6

Fonte: Autores

Observando a Tabela 14, verifica-se que apenas a média dos docentes de nível de competências digitais A2 está ligeiramente abaixo dos 4 pontos, ainda que ligeiramente, e são os docentes de nível C1 que se sentem mais confortáveis no uso da tecnologia em ambientes educativos.

Tabela 14 Resultados do questionário sobre facilidade de adaptação ao uso de tecnologias não digitais e digitais 

TOTAL Facilidade de Adaptação às Tecnologias Não Digitais Facilidade de Adaptação às Tecnologias Digitais
A1 4,50 4,17
A2 3,97 3,72
B1 4,15 4,05
B2 4,23 4,03
C1 4,67 4,61

Fonte: Autores

Estes resultados vão ao encontro dos índices de confiança num uso operacional das tecnologias digitais (consideradas competências fundamentais para um uso genérico de recursos digitais) apresentado no relatório da Comissão Europeia de 2013, que colocava os professores portugueses com níveis de confiança elevados e sempre acima da própria média europeia e que destacava a importância da formação no aumento destes mesmos níveis, referindo que existem correlações positivas entre confiança nas competências operacionais para o uso das tecnologias digitais e participação em formação para desenvolvimento profissional (COMISSÃO EUROPEIA, 2013).

Também Gorozidis e Papaioannou (2014) explicavam, através de um estudo realizado com professores gregos, a relação positiva entre a motivação docente, a realização de formação e a vontade para implementar inovações no futuro.

Estes resultados demonstram que tem existido, por parte dos professores, um elevado interesse em aprender a utilizar pedagogicamente as tecnologias, sobretudo as digitais, e que a grande maioria dos professores não teve essa formação durante a sua preparação inicial para a profissão docente e sabe que precisa dessa mesma formação.

Porém, o que o cruzamento dos resultados do questionário de autoavaliação das competências digitais docentes com as questões que foram colocadas aos participantes deste estudo vem também sugerir é que muitos destes professores precisam pensar a tecnologia em articulação com a dimensão pedagógica, pois se encontram muitas vezes a fazer um uso conservador da tecnologia, replicando modelos pedagógicos mais clássicos.

Tabela 15 Resultados médios por Área no DigCompEdu CheckIn 

nível Área 1 Área 2 Área 3 Área 4 Área 5 Área 6
A1 4,7 A1+ 2,8 A1+ 3,7 A1 0,8 A1- 0,8 A1- 1,8 A1-
A2 6,5 A2 2,7 A1+ 6,4 A1+ 2,9 A1+ 2,8 A1+ 4,9 A1
B1 8,6 B1- 4,0 B1- 9,7 B1- 4,8 A2- 4,8 B1 8,3 A2+
B2 10,6 B1+ 5,0 B1+ 12,6 B1+ 7,0 B1+ 5,8 B1+ 12,3 B1+
C1 13,4 B2+ 6,1 B2 16,0 B2+ 9,2 B2+ 6,9 B2+ 16,3 B2+

Fonte: Autores

Por último, e tendo em conta a análise já realizada sobre as questões preparadas para este estudo e os resultados médios obtidos por áreas do DigCompEdu CheckIn (Tabela 15), verifica-se a importância de uma sólida formação pedagógica para o uso das tecnologias digitais. Na verdade, são os docentes com valores médios mais baixos no questionário que também são os que reportam ter tido menos contacto com as tecnologias digitais, tanto antes como durante a sua passagem pelo Ensino Superior (83,3% dos professores com resultados do nível A1 e 61,5% dos docentes de nível A2 responderam que não tiveram qualquer formação pedagógica para o uso de tecnologias digitais durante a sua passagem pelo Ensino Superior).

Como já atrás foi referido, estes resultados por áreas do DigCompEdu CheckIn deixam antever uma perceção mais conservadora do uso das tecnologias digitais para ensinar e para aprender, pois, como Almeida (2018) refere, as tecnologias digitais estão mais ao serviço do professor para ensinar do que do aluno para aprender. Para além disso, não terá ainda existido uma inovação ou reconfiguração do processo educativo, sendo instrumentalizadas apenas pelo professor para o desenvolvimento do ato de ensino, perpetuando aquilo que já era uma prática apontada por Moran, quando referia que as tecnologias são colocadas nas escolas e nas universidades

em geral, para continuar fazendo o de sempre - o professor falando e o aluno ouvindo - com um verniz de modernidade. As tecnologias são utilizadas mais para ilustrar o conteúdo do professor do que para criar novos desafios didáticos (MORAN, 2004, p. 246).

São importantes, por isso, projetos de formação docente que se dirijam para “mudanças culturais e práticas pedagógicas de um mundo dominado pelas tecnologias e em rápida mudança” (FIGUEIREDO, 2017, p. 345), contribuindo para um modelo de uso intensivo das tecnologias (AREA-MOREIRA; HERNÁNDEZ-RIVERO; SOSA-ALONSO, 2016), integrando estratégias e recursos “tradicionais” com outros “inovadores” e promovendo aprendizagens ativas; em suma, projetos onde os estudantes desenvolvam experiências significativas de aprendizagem perfeitamente integradas naquilo que as mudanças tecnológicas cada vez mais exigem. Para além disso, como sugerem Vrasidas e Glass (2007), os professores tendem a seguir os modelos dos seus próprios professores, pelo que precisam de encontrar outros modelos pedagógicos que integrem as tecnologias nas suas práticas.

Conclusões

Num mundo onde as experiências são partilhadas e tudo circula sideralmente, num contexto cada vez mais ubíquo, multimodal e híbrido e no qual tudo está em contínuo movimento através da interação com diferentes dispositivos digitais, são múltiplas as abordagens que podem enriquecer a educação deste século XXI. Com efeito, atualmente, é difícil falar apenas de uma educação de certezas e de valores estáveis. Parece-nos mais apropriado falar em “educações” múltiplas que considerem e valorizem tecnologias, metodologias e, especialmente, pedagogias diferenciadas: da explicação, da pesquisa, da prática, da emancipação, do projeto ou da socialização.

É por isso muito importante que os avanços tecnológicos aplicados à educação façam parte da formação de professores e que sejam articulados com uma componente pedagógica. Não se pode pensar em mudar as práticas e os recursos sem contribuir formativamente para o desenvolvimento de novas estratégias pedagógicas focadas em diferentes realidades educativas e sociais. Para isso, é necessário que quem faz as políticas educativas desenvolva “estratégias para ajudar os professores a compreender melhor as complexas relações entre tecnologia móvel, pedagogia, projeção e implementação” (UNESCO, 2014, p. 51). Neste contexto, é fundamental que os próprios professores saibam apropriar-se das vantagens destas tecnologias e as usem na criação de novos ambientes de aprendizagem, mais motivadores, mais estimulantes e, sobretudo, que sejam capazes de desenvolver, nos seus estudantes, as competências essenciais para a sua integração nesta nova era.

Assim, e com o digital cada vez mais presente na sociedade, torna-se não só importante a integração da tecnologia nas práticas escolares, mas também que essa mesma integração vise auxiliar os próprios estudantes a capacitar-se digitalmente.

Muitas vezes se refere que existe uma escola do século XIX, com professores do século XX, para formar estudantes do século XXI. Esta realidade fez com que muitos docentes, perante a evolução tecnológica que nos últimos vinte anos fez entrar na escola novos equipamentos, novos recursos e, sobretudo, novas possibilidades, num mundo hiperconectado e multimodal, tivessem necessidade de procurar formação que lhes desse confiança para inovar.

Daí que, para além da formação inicial, seja essencial o desenvolvimento de modelos de formação contínua que ajudem os docentes a sentir-se confiantes num uso integrado da tecnologia com a pedagogia. Riel e colegas (2005) salientam que pode ser uma mais-valia que a formação dê atenção àquilo que consideram ser três importantes dimensões da aprendizagem: dirigida pelo estudante, construída socialmente e contínua, as quais, quando combinadas, conseguem tornar-se numa visão poderosa do ensino e da aprendizagem com tecnologia.

Nesse sentido, conseguirá certamente passar-se de um uso das tecnologias apenas como forma de transmissão de conhecimento para um modelo em que essas mesmas tecnologias são utilizadas quotidianamente, em tarefas variadas, individuais ou de grupo, tanto pelos professores como pelos estudantes.

Esta formação vai contribuindo para uma sensação de maior confiança e motivação para a integração de diferentes tecnologias nas práticas educativas. Este estudo mostra que, apesar da parca preparação durante a formação inicial, os docentes se sentem motivados e interessados em utilizar tecnologias para ensinar, referindo mesmo que sentem bastante facilidade em se adaptar a essa mesma utilização.

O que este estudo também identifica, ao relacionar os resultados obtidos no questionário de autoavaliação de competências digitais docentes com os resultados do questionário por nós elaborado, é que, apesar das mínimas diferenças, quanto menor a preparação inicial para o uso pedagógico da tecnologia, menor o nível de proficiência digital.

Os resultados do referido questionário de autoavaliação apresentaram um nível médio de competências digitais no nível B1 - Integrador, ou seja, docentes que, apesar das fragilidades que ainda apresentam, têm vontade de progredir, de aprender e de conhecer mais sobre as tecnologias digitais para evoluir e se sentirem cada vez mais capazes de as integrar na sua prática letiva. Este resultado associa-se plenamente aos resultados do segundo inquérito, que identificam profissionais que, apesar das dificuldades, se sentem empenhados em se atualizar e se preparar para acompanhar a evolução tecnológica.

Os resultados obtidos demonstram também que as áreas de competências mais frágeis são aquelas onde é necessária uma articulação entre ensino e aprendizagem, criação de conteúdo digital e preparação de atividades e estratégias que auxiliem os alunos a controlar os seus processos de aprendizagem e a sua própria capacitação para áreas transversais, em particular de cidadania digital responsável. É por isso que se entende a importância de uma preparação inicial e contínua para um uso pedagógico da tecnologia, em particular da tecnologia digital, de uma formação que auxilie o professor a identificar a natureza do conhecimento exigido para a integração da tecnologia no ensino, sem negligenciar a natureza complexa, multifacetada e situada de conhecimento dos professores (KOEHLER; MISHRA, 2009). É nesse sentido que se reitera a necessidade de pensar em formação docente que, ao se focar na importância da ligação entre a pedagogia e a tecnologia, contribua para que os docentes transformem, efetivamente, as suas práticas e consigam fazer um uso da tecnologia para criar ambientes de aprendizagem adequados aos requisitos da sociedade atual.

Em 2020, perante a necessidade de fazer transitar a educação para um formato completamente digital, confirmaram-se estas fragilidades de uma classe docente relativamente envelhecida, que durante a sua formação inicial pouca ou mesmo nenhuma preparação pedagógica teve para a utilização das tecnologias (menos ainda das tecnologias digitais em particular) e que, ao longo da sua carreira, tem vindo a fazer alguma formação e, porque reconhece o seu valor, tem tentado compreender de que forma a pode integrar nas suas práticas.

Porém, tal como referido por Dias-Trindade, Correia e Henriques (2020), esta situação promoveu uma “aprendizagem pela prática” por parte dos professores. Pode, por isso mesmo, servir como momento em que se perspetivam passado e futuro e se dão novos e assertivos passos no sentido da mudança e da inovação.

O próprio plano governamental português para a capacitação digital da escola, que tinha já começado a ser colocado em prática antes do desenrolar da pandemia, aposta em formação desenhada a partir do referencial DigCompEdu. Conscientes de que esta mudança não deve ser vista só do ponto de vista tecnológico, mas deve ser equacionada, sobretudo, em termos de mentalidade e de prática (FIGUEIREDO, 2017), esta formação foi, assim, perspetivada para dar tempo aos docentes de aprender e começar aos poucos a incorporar os recursos digitais nas suas práticas.

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1A revisão textual e normalização é da responsabilidade de Sónia Gabriel (Licenciada em Línguas e Estudos Editoriais e Mestre em Estudos Editoriais (Universidade de Aveiro).

Recebido: 30 de Abril de 2021; Aceito: 14 de Outubro de 2021

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