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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.66 Salvador abr./jun 2022  Epub 25-Oct-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n66.p74-87 

EDUCAÇÃO BÁSICA E UNIVERSIDADE: REDES DE FORMAÇÃO DOCENTE NA AMÉRICA LATINA

PROCESSO FORMATIVO COLETIVO EM REDES DE DOCENTES INVESTIGADORES DESDE E NA ESCOLA

COLLECTIVE TRAINING PROCESS IN RESEARCH PROFESSORS NETWORKS SINCE AND AT SCHOOL

PROCESO DE FORMACIÓN COLECTIVA EM REDES DE PROFESORES INVESTIGADORES DESDE Y EN LA ESCUELA

Maria Cristina Pansera de Araújo*  Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
http://orcid.org/0000-0002-2380-6934

Sandra Elisabet Bazana Nonenmacher**  Instituto Federal Farroupilha
http://orcid.org/0000-0003-2735-5154

*Licenciada em Ciências Biológicas. Mestre e Doutora em Genética e Biologia Molecular. E-mail: pansera@unijui.edu.br

**Licenciada em Licenciatura Plena em Fisica pela UNIJUI. Mestre em educação nas Ciências-UNIJUI. Doutora em Educação em Ciências Química da Vida e Saúde. E-mail: sandra.nonenmacher@iffarroupilha.edu.br


RESUMO

Esta narrativa, elaborada por duas professoras do Rio Grande do Sul, que vivenciam processos interativos em diferentes grupos de redes formativas e aprendentes, é uma maneira de sistematizar e homenagear aqueles que constituíram e constituem esses espaços. Os múltiplos sujeitos participantes são representados por fios, que se articulam e são tecidos, num processo de cooperação solidária, registrada na caminhada profissional e pessoal. A narrativa, como proposta epistêmico-metodológica, discorre sobre redes tecidas em diálogos e interações formativas sobre ensinar e aprender, com destaque para a Rede de Investigação na Escola (RIE) e sua influência na construção identitária de professores. As reflexões geradas, a partir dos encontros coletivos, ao mesmo tempo em que são autorreforçadas e espiraladas, produzem transformações, nas práticas educativas e nas concepções teóricas, em processos de libertação e emancipação de professores em formação inicial e continuada.

Palavras-chave: Formação de professores; professor colaborativo investigativo; narrativa

RESUMEN

Esta narrativa, elaborada por dos docentes, que vivencian procesos interactivos en diferentes grupos de redes de formación y educandos, es una forma de sistematizar y homenajear a quienes constituyeron y constituyen estos espacios. Los múltiples sujetos participantes están representados por hilos, que se articulan y son tejidos, en un proceso de cooperación solidaria, registrada en el trayecto profesional y personal. Redes tejidas en diálogos e interacciones formativas sobre la enseñanza y el aprendizaje, como práctica de libertad y emancipación social. Las reflexiones generadas, a partir de las acciones, son al mismo tiempo autoreforzadas y espiraladas, produciendo transformaciones, en las prácticas educativas y en las concepciones teóricas, en procesos de liberación y emancipación de los docentes en educación inicial y continua.

Palabras clave: Formación de profesores; profesor colaborativo investigador; narrativa

ABSTRACT

This narrative, prepared by two teachers from Rio Grande do Sul, who experience interactive processes in different groups of training networks and learners, is a way of systematizing and honoring those who constituted and constitute these spaces. The multiple participating subjects are represented by threads, which are articulated and woven, in a process of solidary cooperation, registered in the professional and personal journey. The narrative, as an epistemic-methodological proposal, discusses networks woven in dialogues and formative interactions about teaching and learning, with emphasis on the Research Network at School (RIE) and its influence on teachers' identity construction. The reflections generated from the collective meetings, at the same time that they are self-reinforced and spiraled, produce transformations, in educational practices and in theoretical conceptions, in processes of liberation and emancipation of teachers in initial and continuing education

Keywords: Teacher training; investigative collaborative teacher; narrative

O início

A história, talvez, possa ser contada desde o segundo semestre de 1982, quando uma professora graduada pela Unisinos em História Natural e mestre em Genética e Biologia Molecular, pela UFRGS, vinda de Porto Alegre, inicia sua trajetória profissional na Fidene, em Ijuí (RS) e encontra, em uma de suas classes, uma jovem estudante, vinda de Augusto Pestana, matriculada na Licenciatura Curta em Ciências Naturais e Matemática, desde 1981.

As preocupações dessa recém-mestra em ser professora na Educação Superior e auxiliar no processo de formação de docentes, motivaram-na a incorporar-se ao grupo de professores da área de Ciências Naturais e Matemática, contratados em tempo integral, para constituir o projeto de organização da Fidene. Esta jovem professora, ao longo de 39 anos de atuação na Fidene, reconhecida pelo Ministério de Educação em Cultura, em 1985, como universidade - Unijuí -, fez de sua participação no processo formativo momentos de estudo, escuta, interação e interlocução dialógica, que repercutem na sua atuação atual e nas orientações como professora do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências (PPGEC) da Unijuí, desde 1997, com um total de 37 mestres e 10 doutores orientados. O PPGEC Unijuí teve início em 1995, a nível de Mestrado, e a partir de 2010, passou a ofertar Doutorado.

Por sua vez, a jovem estudante tinha uma grande preocupação com o ensino, pois sonhava em ser professora de Ciências. Participou, desde o início, deste processo formativo, primeiramente como licencianda, de 1981 a 1987, e, posteriormente, desde 1982, como professora contratada da Educação Básica na rede pública estadual, depois nomeada, em cargo exercido até 2008. Sempre aceitou novos desafios e, quando foi convidada, em 1995, para atuar como professora da Educação Superior na Unijuí não exitou em aceitar e permanecer vinculada por treze anos. No início dos anos 2000, realiza o curso de Mestrado em Educação nas Ciências, na mesma universidade e, ao final de 2008, assumiu a nomeação como professora do Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia Catarinense (IFC) - Campus Concórdia. Em 2010, como professora conseguiu a transferência para o IF Farroupilha, campus Panambi, onde permaneceu até se aposentar. Cursou o Doutorado em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, de 2011 a 2014, e, como recém-doutora, inseriu-se no Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica em Rede (ProfPET). Ao longo da sua formação inicial e atuação profissional, participou de vários projetos e eventos produzidos pelo grupo formativo descrito, reflexivamente, neste artigo, que constitui a Rede de Investigação na Escola (RIE).

Entre os pressupostos, que balizaram os recortes destas duas trajetórias profissionais, está Freire (1999, p. 29), ao asseverar que “[...] nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo”. Além disso, Nonenmacher (2014, p. 157) afirma que todas as experiências contribuem para a formação do profissional da educação, e que o novo não significa abandonar o anterior, mas “ampliar as dimensões epistemológicas, afetivas e cognitivas da sua ação docente, pela integração curricular, pelas relações e parcerias estabelecidas no seu cotidiano e pela pesquisa como processo constitutivo do seu fazer pedagógico”.

No desenvolvimento profissional, constituímos e fomos constituídas por instituições e interações interpessoais socioculturais, que nos enredaram, em cada etapa de nossas vidas, como fios caracterizados por conhecimentos, saberes, fazeres e intencionalidades, como marcas que identificam o processo formativo, nos diferentes espaços, ao longo do tempo. São 39 anos de intervenções na formação inicial e continuada, que imprimem um movimento plenamente reconhecido pelos participantes em seus novos espaços de atuação.

Nas escolas de cada município do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, ainda reconhecemos e somos reconhecidas pelos graduados em licenciaturas, que atuam como professores, nestes espaços, incentivando seus alunos a aprenderem e significarem os conceitos em contexto, na continuidade dos estudos na formação acadêmico-profissional universitária. É possível identificar uma relação genealógica no processo formativo científico, em que os professores formadores da década de 1980 constituem a geração parental, e os licenciandos da época, representados pela jovem estudante, a filial (F1), ao atuar na escola, onde ensinou muitos estudantes da Educação Básica. Vários de seus estudantes vieram para a universidade, graduaram-se, tiveram alunos e foram constituindo outras gerações, num processo formativo espiralado, que mobilizou e continua mobilizando conhecimentos científicos e sociais nesta região, no Brasil e no mundo.

Para que não fiquemos perdidas na narrativa das trajetórias individuais e coletivas de cada uma e das interações em redes que construímos e/ou nos inserimos, optamos por direcionar, nesta narrativa, o foco para a Rede de Investigação na Escola (RIE), entre outros recortes que julgamos pertinentes para a compreensão histórica.

Neste processo de construção da identidade profissional das duas protagonistas da narrativa, dirigir o foco para a RIE não significa abandonar a importância de cada um dos momentos/espaços/grupos/redes tecidos ao longo do caminhar, mas sim reconhecer a RIE como “um lugar - espaço e tempo-” no qual as duas professoras extrapolam a relação inicial de professora formadora e professora em formação inicial e da educação básica para viverem, coletiva e colaborativamente, suas transformações em educadoras comprometidas com processos educativos como práticas de liberdade e emancipação. Por meio da RIE ampliam-se os horizontes geográficos, conhecendo e vivenciando experiências pedagógicas com educadores e redes latino-americanas que conduzem à compreensão da educação como ato político comprometido com a transformação e a justiça social.

Optamos pelo relato narrativo, pois, assim como Nóvoa (1995, p. 25), defendemos que a nossa formação docente não ocorre apenas pela acumulação de saberes e técnicas, mas também “através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal”. As narrativas têm sido usadas no campo da educação para a construção de conhecimentos, no desenvolvimento pessoal e profissional de professores e, ainda, na investigação educativa (GALVÃO, 2005; CHAVES, 2004/2005; ROLDÃO, 1995). Por este motivo, o momento de narrar e escrever faz com que percebamos as professoras pesquisadoras em formação (REIS, 2008) e “pensar a educação a partir do par experiência/sentido” (LARROSA, 2002, p. 20), visto que a experiência é algo “que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação” (Ibidem, p. 25).

Esta é uma transformação que exige escuta e interlocução, abertura para outras aprendizagens e ensinamentos, sem que fiquemos presas à visão de um mundo reducionista, mas que possamos perceber a complexidade da vida no ambiente. É preciso significar nossas experiências pela escrita reflexiva e sistemática das vivências pessoais que permeiam os contextos e os espaços de atuação, seja na escola, na universidade ou na formação continuada de professores, num diálogo sempre aberto; por isso, concordamos com Larrosa, quando este pontua que

Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). Por isso, também o saber da experiência não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria (LARROSA, 2002, p. 27).

Neste artigo, a narrativa escrita, materializada em um memorial de experiências relacionais, distintas da ordem temporal, com ponderações sobre si, sobre o outro, do ser e do se fazer docente, constitui, no conjunto, a opção metodológica de pesquisa da construção dos dados na formação de professores.

Na Sequência

Retomamos esta história desde o subprograma Educação para a Ciência (Projeto Melhoria do Ensino de Ciências - SPEC/PADCT), realizado de 1983 e 1997, com o apoio da Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação (MEC) e do Banco Mundial (Bird) (GURGEL, 2002), que tinha por objetivo melhorar e consolidar a competência pedagógica e técnica nacional, no âmbito de universidades, para qualificar a educação básica do país. Em 1982, os professores formadores da Unijuí foram convidados a participar e desenvolver este projeto, o que ampliou as discussões, com a inclusão de licenciandos e professores das escolas de Ijuí e região, bem como de outras instituições do Rio Grande do Sul (UFRGS e PUCRS - Porto Alegre; UCS - Caxias do Sul; Univates - Lajeado; UFSM - Santa Maria; Furg - Rio Grande; UPF - Passo Fundo). Os profissionais destas instituições constituíram os primórdios de uma rede de formação docente, na interação universidade-escola, comprometida com a emancipação social.

O projeto “Melhoria” propunha a reorganização curricular da área de Ciências e Matemática, acompanhada pela produção de textos didáticos, fundamentados em experimentações, com material alternativo e de fácil manipulação, para execução na sala de aula, visando a aprendizagens contextualizadas e desfragmentadas, com uma formação crítica. Ao mesmo tempo, os professores formadores e os licenciandos, junto a professores das escolas de educação básica de cada uma das regiões de abrangência das instituições de Educação Superior, foram constituindo suas próprias redes de formação docente, buscando a melhoria do ensino de Ciências e Matemática. Na região da Unijuí, conseguimos espaço e tempo para reunir semanalmente os professores da Educação Básica das redes municipal e estadual.

Como resultado destas reuniões, que tematizavam as experiências e dificuldades de envolvimento e de aprendizagem dos alunos nas aulas, um conteúdo extremamente teórico e sem relação com o cotidiano, como se o conhecimento científico escolar fosse propriedade de alguns iluminados, tornaram-se questões do coletivo local bem como das outras instituições do Estado do Rio Grande do Sul e do Brasil.

Começamos com escuta e interações em diálogos formativos, que ampliaram as compreensões e as possibilidades de mudança, nas salas de aula das escolas. De 1982 a 1990, os professores de Biologia, Física, Matemática e Química da Unijuí, responsáveis pelo desenvolvimento do projeto “Melhoria”, juntamente com os professores da Educação Básica e licenciandos, instituíram encontros de estudos e produção de textos didáticos diferenciados, com propostas de atividades de laboratório com baixo custo e exequíveis na sala de aula. Desse modo, criamos as primeiras experiências dos professores em um processo formativo e colaborativo que evidenciou a incompletude e a importância do reconhecimento da constituição do conhecimento do professor.

Para Shulman (1987), o processo formativo deve proporcionar ao professor a possibilidade de raciocinar sobre o que pretende ensinar, produzindo um conhecimento alicerçado na reflexão sobre a prática, fundado nos campos ético, empírico, teórico e prático, e respaldado na comunidade profissional dos professores. Nonenmacher, Pansera-de-Araújo e Del Pino (2020), ao pesquisarem a formação de professores de Ciência em um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, defendem os processos formativos colaborativos investigativos na formação inicial de professores como uma alternativa para a superação do modelo com base na racionalidade técnica, que ainda está presente em muitos cursos de Graduação. Complementamos esta defesa, neste artigo, ao narrarmos as trajetórias experienciadas de formação colaborativa e investigativa, na formação continuada e principalmente nas Redes.

Entre 1983 e 1989, foram publicados, pelo grupo de formadores e licenciandos da universidade, juntamente com os professores de escolas públicas, livros didáticos que organizavam o contexto, as atividades e os conceitos a serem ensinados e aprendidos pelos sujeitos envolvidos. As atividades escolhidas abrangeram o Ensino de Ciências no Ensino Fundamental, com ênfase nos seres vivos, plantas, animais, corpo humano (aspectos morfofisiológicos) e na física e química. Da mesma forma, os formadores responsáveis pelo Ensino de Matemática organizaram grupos de estudos e produção de atividades, em livros, para o Ensino Fundamental. Quatro exemplos de livros produzidos são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1 Livros didáticos produzidos na interação universidade-escola no projeto “Melhoria do Ensino de Ciências” 

PANSERA-DE-ARAÚJO, M. C.; KUHN, E. Z.; NASCIMENTO, E. B.; PRETTO, M. J. G.; CUNHA, N. R. L. S. Animais no meio ambiente - integração/interação. Ijuí: Livraria Unijuí Editora, 1989. 144 p.
ARMANDO, M.; PANSERA-DE-ARAÚJO, M. C. Práticas de Biologia para uma Ciência Viva. 1. ed. Ijui, RS: Editora Unijuí, 1988. V. 1. 189 p.
ZANON, L. B.; MALDANER, O. A.; BONADIMAN, H. Ciências na Oitava Série: uma proposta alternativa de ensino. Ijuí: Unilivros, 1986. 183 p.
BONADIMAN, H.; ZANON, L. B.; MALDANER, O. A. Ciências na Oitava Série: uma proposta alternativa de ensino - orientações ao professor. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 1988. V. 1. 62 p.

Fonte: Autoras, 2022.

Desde 1984, o processo formativo é acompanhado pela pesquisa, com a publicação de resumos expandidos ou textos completos em Anais do Encontro de Investigação na Escola, no Simpósio Sulbrasileiro de Ensino de Ciências, nos encontros de Ensino de Biologia, de Física e de Química, em periódicos, Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), dissertações e teses. As pesquisas sobre as práticas e os conceitos aprendidos e vivenciados foram marcadas por uma escrita reflexiva e submetidas ao diálogo com os pares, de modo que houvesse o reconhecimento de validação da importância destas atividades formativas.

Ao longo deste processo formativo e de interações entre a recém-mestra e a jovem estudante, muitos caminhos foram trilhados, desbravados e construídos, na medida em que também foram percorridos de maneira que outras compreensões sistematizaram a diversidade cultural encontrada. Estas interações, como já expresso em parágrafos anteriores, derivaram de problemáticas reais, vivenciadas pela atuação na escola de educação básica e que se constituem em investigações coletivas. Arias, Flores e Porlán (2001), ao narrarem o primeiro encontro de Redes de Maestros Iberoamericanos1, em 1992, na Espanha, já afirmaram que investigar na escola significava uma nova forma de teorizar e praticar no espaço-tempo processos concretos de ensino e aprendizagem, não sendo possível pensar mudanças para a escola, mas desde a escola. Esta concepção, mesmo sem estar expressa nos documentos produzidos na época, já fora vivenciada nas formações que se constituíram, também aqui no Brasil, mesmo que ainda não intituladas de “Redes”.

Em 2005 foi proposto, também, um projeto para obtenção de financiamento junto à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, denominado “Articulação entre Desenvolvimento Curricular e Formação de Professores: Constituição de Coletivos de Aprendizagem”, elaborado pelas instituições parceiras Unijuí, PUCRS e Furg.

Em decorrência deste projeto, foram consolidadas propostas de reorganização curricular, denominadas Situação de Estudo (Gipec-Unijuí) e Unidades de Aprendizagem (PUCRS e Furg). A elaboração destas propostas orientava as discussões formativas inicial e continuada nos diversos grupos de docentes de interação entre universidade e escola. “Tendo como pressupostos as teorias histórico-sociais, defende-se que nos diferentes grupos se desenvolvam interações sociais constitutivas de todos os sujeitos envolvidos” (MORAES; MANCUSO, 2004, p. 13). Este processo constitui uma espiral reflexiva, como Carr e Kemmis (1988) propõem, pois envolve os sujeitos no planejamento e na organização das atividades, com posterior desenvolvimento em cada sala de aula, acompanhadas de reflexões sobre a prática e reunião para discutir sobre as vivências e novas elaborações. É importante frisar que temas específicos de interesse social, estudados sob o ponto de vista das Ciências Naturais, fundamentavam as proposições que pretendiam superar a fragmentação e a descontextualização do ensino.

Neste contexto, Shulman (1987) contribui com as discussões apresentadas, ao reconhecer que o professor é constituído por um conjunto de conhecimentos identificados como de Conteúdo; Didático Geral; Currículo; Didático do Conteúdo; dos Alunos e suas Caraterísticas; dos Contextos Educativos; dos Objetivos, Finalidades e Valores Educativos e dos Fundamentos Filosóficos e Históricos. Ademais, complementa que, para ensinar, o professor tem quatro fontes principais que o auxiliam a sistematizar estes conhecimentos, quais sejam: formação acadêmica na disciplina ou área do conhecimento; estruturas e materiais didáticos; literatura educativa especializada e a sabedoria adquirida na atuação em sala de aula. Assinalar estes conhecimentos e fontes propicia a compreensão dos propósitos educacionais, explicitados como a transformação das ideias a serem ensinadas e a organização das atividades numa instrução caracterizada pelo manejo, explicações e argumentações, que identificam o professor como promotor das atividades de estudo e ensino escolar e que asseguram aprendizagens aos estudantes.

Por fim, para Shulman (1987), outra questão relevante no desenvolvimento profissional do professor está relacionada à avaliação sobre os entendimentos construídos por ele no processo de ensino e na aprendizagem dos estudantes. Pela avaliação desse processo, é possível a revisão constante, a reconstrução, a reformulação e o replanejamento das ações realizadas, marcadas pelo aprender com a experiência, além da possibilidade de compatibilizar os objetivos pretendidos e os executados. O professor alcança nova compreensão, por meio das ações de ensino refletidas sobre os propósitos, as matérias, os estudantes, os processos pedagógicos em si e de si mesmo, consolidados no novo entendimento e na aprendizagem da experiência vivida. Se estas novas compreensões são compartilhadas com seus pares, em espaços coletivos de formação continuada, novas aprendizagens também podem ser produzidas de forma individual e coletiva.

Numa relação, não necessariamente temporal, algumas destas interações locais e estaduais propiciaram a ressignificação das práticas instituídas e organizadas em novos projetos, que articularam os professores formadores da Univates, da PUCRS, da Unijuí e da Furg. Os professores formadores da Univates criaram o espaço e tempo denominado Encontros de Investigação na Escola (EIE), iniciados no ano de 2000, que congregava professores, em formação inicial e continuada, desde escolas, universidades, licenciandos e pós-graduandos em nível de Especialização, Mestrado ou Doutorado. Os docentes de Ciências Naturais da Unijuí organizaram o Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educação em Ciências (Gipec), que agregava estudantes da universidade e professores das escolas, para a elaboração de alternativas ao ensino de Ciências linear, fragmentado e descontextualizado.

Os EIEs (Quadro 2) objetivam, anualmente, apresentar, problematizar, refletir, discutir dialogicamente e sistematizar as práticas docentes de sala de aula, em pequenos grupos, para posterior explanação ao grande grupo. Ceolin (2012), sobre essa questão, reforça que a condição de participação dos envolvidos está vinculada à escrita reflexiva sobre suas vivências e experiências de sala de aula, seja na escola ou na universidade. Logo, os professores podem descrever as atividades de aula, organização de conteúdos, práticas, experimentos, saberes, ao mesmo tempo que ouvem as vivências dos colegas e são ouvidos, num processo formativo colaborativo, que reconhece a importância da investigação e reflexão de sua própria prática. Os participantes dos eventos são os leitores privilegiados destas escritas e, portanto, formados pelo novo conhecimento produzido quando da reflexão sobre o texto do outro e do seu, estabelecendo relações e compreensões diferenciadas, numa participação autoral e autônoma.

Quadro 2 Edições do Encontro sobre Investigação na Escola (EIE) 

Edição Ano Instituição Cidade Edição Ano Instituição Cidade
I 2000 Univates Lajeado X 2010 Furg Rio Grande
II 2001 Univates Lajeado XI 2012 Unipampa Bagé
III 2002 Univates Lajeado XII 2013 UFSM Santa Maria
IV 2003 Univates Lajeado XIII 2015 UFFS Erechim
V 2004 Univates Lajeado XIV 2016 Unipampa Uruguaiana
VI 2006 Furg Rio Grande XV 2018 UFRGS Porto Alegre
VII 2007 PUCRS Porto Alegre XVI 2020 Furg Santo Antônio da Patrulha
VIII 2008 Unijuí Ijuí XVII 2021 UFFS Cerro Largo
IX 2009 Univates Lajeado

Fonte: https://xvieie.furg.br/oevento; https://portaleventos.uffs.edu.br/index.php/EIEI.

Em relação ao Quadro 2, cabe destacar que nos anos de 2005, 2011, 2014 e 2017 não houve a realização do EIE em virtude da realização dos Encontros Iberoamericanos, cujas informações são apresentadas, no Quadro 3. Além disso, mesmo que não esteja apresentado no Quadro, destacamos que nos XI e XII EIEs, com a Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação (Pibid/MEC) em expansão, houve uma participação expressiva de pibidianos e supervisores de escolas de diferentes áreas do conhecimento, que se integraram ao encontro e participaram ativamente dos espaços de discussão coletivos. Ao possibilitarmos voz aos parceiros participantes, em seus diferentes espaços e tempos, promovemos a “educação como prática de liberdade”, em que

Não há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio. O esforço educativo que desenvolveu o Autor e que pretende expor neste ensaio, ainda que tenha validade em outros espaços e em outro tempo, foi todo marcado pelas condições especiais da sociedade brasileira. Sociedade intensamente cambiante e dramaticamente contraditória (FREIRE, 1999, p. 43).

Dessa forma, vamos sempre refletindo sobre nossas práticas e conhecimentos, trazendo a formação inicial de professores em diálogo com a continuada, valorizando os saberes do professor da escola no seu fazer e contribuindo sobremaneira com os licenciados na compreensão da realidade escolar. A importância do conhecimento do professor da escola recebeu um olhar especial com o projeto “Adote uma Escola” (FRIZZO, 1998), numa parceria entre os formadores, os licenciandos e os professores da escola. Nas disciplinas de formação docente (Estrutura e Funcionamento do Ensino, Didática, Psicologia da Educação e Estágio de Ensino de Ciências), os licenciandos e os formadores escolhiam uma escola, de acordo com a direção e os professores de Ciências, e construíam uma parceria em que, a cada semestre, a escola real era analisada em detalhes na comparação com a legislação vigente e regulatória do funcionamento da mesma. Esta parceria foi crucial para uma formação mais contextualizada dos licenciandos, além do reconhecimento sobre a relevância do conhecimento do professor. Em consequência desse processo interativo, foi ampliada a participação dos professores da educação básica nos EIEs.

A reconstrução dos conhecimentos profissionais do professor é propiciada por interações sistemáticas em processos de desenvolvimento de novas práticas escolares. Maldaner (2000, p. 25) aponta características relevantes de processos de formação continuada que podem dar respostas positivas, quais sejam:

[...] os grupos de professores que decidem “tomar nas próprias mãos” o tipo de aula e o conteúdo que irão ensinar, tendo a orientação maior - parâmetros curriculares, por exemplo - como referência e não como fim; a prevalência dos coletivos organizados sobre indivíduos isolados, como forma de ação; a interação com professores universitários, envolvidos e comprometidos com a formação de novos professores; o compromisso das escolas com a formação continuada de seus professores e com a formação de novos professores compartilhando os seus espaços e conquistas.

Em 2005, os participantes dos EIEs compuseram a Rede de Investigação na Escola (RIE), que congrega os diferentes grupos em interação a partir da preocupação com o desenvolvimento profissional de professores pesquisadores reflexivos, autores de suas práticas, na perspectiva emancipatória de seus alunos, com respeito, solidariedade e empatia.

A RIE, como rede convocante, iniciou sua participação no II Encontro Iberoamericano de Maestros y Maestras que hacen Investigación desde y en la Escuela (Encontros Iberoamericanos), que articula redes convocantes de países como Espanha, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Peru, Venezuela e Uruguai. As redes convocantes responsabilizam-se pela participação dos professores de cada país. Os encontros Iberoamericanos propõem tecer sentido e realidade para visibilizar práticas e saberes pedagógicos construídos desde as redes que fazem a escola e comunidade, de modo a repensar o contexto de vida dos países da América Latina e Espanha, para superar os modelos educativos colonizantes eurocêntricos, que amordaçam e aprisionam os sujeitos em seus lugares de origem. O Quadro 3, a seguir, mostra a lista destes encontros por ano e país. Desde o VI Encontro Iberoamericano, realizado na Argentina, em 2011, o Brasil participa com duas redes convocantes: a RIE e a Formad.

Quadro 3 Lista dos Encuentros Iberoamericanos de redes de investigación desde la escuela y su comunidad, realizados desde 1992 

1992 I Encuentro Iberoamericano de redes de investigación desde la escuela y su comunidade. La Rábida, Huelva, España, de 29/6 a 4/7
1999 II Encuentro Iberoamericano. Oaxtepec, México, de 18 a 22/7
2002 III Encuentro Iberoamericano, organizado pela Universidad Pedagógica Nacional y la Red CEE, de Colombia, en Santa Marta, de 21 a 26/7
2005 IV Encuentro Iberoamericano. Lajeado, Brasil, de 24 a 29/7
2008 V Encuentro Iberoamericano, Red Cires. Venezuela, de 13 a 20/7
2011 VI Encuentro Iberoamericano de colectivos escolares y redes de maestros que hacen investigación desde su escuela. Córdoba, Argentina, no final de julho
2014 VII Encuentro Iberoamericano de colectivos escolares y redes de maestros que hacen investigación desde su escuela. Cajamarca, Peru, 20 a 27/7
2017 VIII Encuentro Iberoamericano de colectivos y redes de maestros y maestras, educadores y educadoras que hacen investigación e innovación desde su escuela y comunidad. Morelia, Michoacán, México, 10 al 21/7
2021 IX Encuentro Iberoamericano de colectivos y redes de maestros y maestras, educadores y educadoras que hacen investigación e innovación desde su escuela y comunidad

Fonte: http://relace.org/Eventos/ix-encuentro-iberoamericano-de-colectivos-y-redes-de-maestros-maestras-educadores-y-educadoras-que-hacen-investigacion-transformacion-e-innovacion-desde-su-escuela-y-comunidad-colombia/

A cada Encontro Iberoamericano são redigidas premissas norteadoras para a educação. Como síntese das premissas destes eventos, que balizam as ações nacionais e internacionais, desenvolvidas ao longo do tempo, citamos:

O conhecimento é construído desde cedo a partir da exploração do que nos rodeia, o que caracteriza os estudantes que chegam à escola, carregados de experiências e saberes significados, na interação com o meio. Por isso, queremos uma escola onde eles se sintam ouvidos, amados e respeitados, ansiosos para conhecer, investigar e compartilhar esses interesses e experiências. Uma escola para a vida, onde meninos e meninas são felizes como pessoas que colaboram no desenvolvimento de sua comunidade.

Para construir esta escola, que queremos, precisamos de professores com interesse e preparação numa educação de qualidade, reconhecida e significada socialmente, pois promover aprendizagem em todos os alunos é uma tarefa complexa. Ser um bom professor não se aprende memorizando teorias sem conexão com a realidade escolar, nem repetindo formas de ação baseadas exclusivamente na tradição, mas desenvolvendo um conhecimento prático rigoroso que serve para tomar decisões informadas sobre o que ensinar, o que ensinar, com qual metodologia agir e como avaliar.

Uma escola preocupada com a forma como os alunos aprendem para lhes oferecer os meios mais adequados (tendo em conta os contributos da investigação educacional). Uma escola aberta à diversidade, na qual a singularidade é considerada e reconhecida como valor e a diferença como oportunidade. Compensando as desigualdades, em que cada menino e cada menina têm a oportunidade de desenvolver suas próprias habilidades. Uma escola que é uma colmeia de criatividade, arte e conhecimento (REDIRES, 2022, s.p., tradução nossa).

De acordo com as próprias Redes convocantes, o Encontro Iberoamericano é uma das ações da Rede Iberoamerica, que se articula às demais previstas em agendas das Redes, incluindo Expedições e “Rutas” Pedagógicas, nos países-sede dos eventos, frentes de solidariedade e alianças com outras organizações, estratégias de organização e comunicação para consolidar e viabilizar a participação de todas as Redes. Destaca-se, como um dos desafios da Rede Iberamericana, a integração de forma democrática horizontal das diversas redes e coletivos de professores e educadores, nos diferentes países. Como cada país se encontra em diferentes momentos históricos e políticos, com formas distintas de colonização, há entre eles algumas distinções, mas também grandes aproximações na perspectiva de lutar por rupturas nos modos de organização vertical impulsionadas pelos governos neoliberais. Por este motivo, o Encontro é marcado pela abertura de espaços dialógicos nos quais se escutam as vozes de protagonistas de práticas pedagógicas inovadoras e investigadoras com bases pedagógicas próprias, de caráter decolonial, contra-hegemônico e emancipador (REDIRES, 2022).

O IX Encuentro Iberoamericano de colectivos y redes de maestros, maestras, educadores y educadoras que hacen investigación, transformación e innovación desde su escuela y comunidad, agendado para julho de 2020, na Colômbia, foi adiado para 2021, em razão da pandemia ocasionada pela Covid-19. Tivemos que nos reinventar, visto que havíamos escrito, em 2019, as vivências a serem compartilhadas com os coletivos iberoamericanos, que buscam mudar o mundo desde suas práticas. As intervenções e perspectivas emancipatórias produzidas autorizaram as falas e oportunidades aos povos originais, invisibilizados e excluídos do acesso ao conhecimento escolar, que respeita a diversidade e a alteridade. Quando iniciamos a organização final do IX Ibero, em março de 2020, nos deparamos com o lockdown causado pela Covid-19 e, a partir deste momento, iniciamos uma maratona de reuniões remotas, para garantir a execução do evento em 2020. No entanto, a expectativa de que a pandemia não fosse tão longa e, que as questões sociais na Ibero América estivessem melhor resolvidas, contingenciou o adiamento do evento para 2021, na esperança da realização de um encontro presencial.

Esta perspectiva não foi concretizada, pela impossibilidade de atravessar as fronteiras, que foram fechadas devido ao grande número de pessoas infectadas ou que perderam a vida em cada um dos países. A rede de coletivos, entretanto, não abriu mão desta discussão entre os pares ibero-americanos, culminando com a realização do evento de forma remota síncrona, nos dias 4, 5 e 6 de dezembro de 2021. Este acontecimento promoveu o encontro dos vários olhares e aprendizagens, com novos significados às relações políticas e sociais, que marcam o ser professor preocupado em ouvir, dar vez e voz aos estudantes e minorias invisibilizadas e excluídas das oportunidades da sociedade atual.

Olhar nossas práticas e elaborar novas proposições de ensino e de oportunidades de aprendizagem repercutem nos registros de projetos da época em que as

Experiências anteriores ensinaram-nos que a elaboração de um novo modelo pedagógico só terá êxito se for instaurado na forma de produção coletiva de professores e estudiosos de currículos e propostas escolares em Ciências e nos demais componentes. É nesse âmbito que podemos compartilhar, conforme Freire (1997), maneiras de pensar os conteúdos, não como valor em si, mas como meio de raciocinar e ler a realidade (PANSERA-DE-ARAÚJO; AUTH; MALDANER, 2007, p. 243).

A partir da espiral autorreflexiva em que planejamos, elaboramos e desenvolvemos as propostas em sala de aula, observamos as ações e as reflexões sobre as ações, promovemos mudanças e (re)organizamos o nosso fazer. Para Schön (2000), o conhecimento que emerge nestas situações, de um modo espontâneo e que não se é capaz de explicitar verbalmente, pode ser descrito, em alguns casos, mediante a observação e a reflexão sobre as ações. E, ao serem descritas pelas observações e procedimentos realizados, vão se constituindo em regras, estratégias, valores e princípios, e podem ser convertidas em teorias de ação. Neste ir e vir, reconhecemos o professor da escola pela sua formação inicial, valorizado pela sua voz e experiência no cotidiano da escola real.

A jovem estudante em formação guindou todos os espaços profissionais possibilitados pela sua condição de conhecimento específico de Física, de Pedagogia e de Didática. Possui as características de manter-se aberta a novas interações em outros grupos, que podem ou não constituir redes. O desafio que ela se colocou foi promover interações entre os diferentes grupos, de modo que a colaboração e a solidariedade marcassem o processo formativo docente. A cooperação e o respeito pelo outro e pelo ambiente fundamentam a busca de um ensino contextualizado e desfragmentado, que permita a alfabetização científica dos sujeitos envolvidos, uma alfabetização científica crítica que é capaz de garantir um ambiente preservado. Para Chassot (2003, p. 94), “seria desejável que os alfabetizados cientificamente não apenas tivessem facilidade da leitura do mundo em que vivem, mas entendessem as necessidades de transformá-lo, e preferencialmente, transformá-lo em algo melhor”.

A participação nestas redes de Investigação na Escola, de Ensino de Ciências, de Biologia ou de Física, de redes de Cooperação Internacional, como a Rede Iberoamericana de Maestros e Maestras e Educadoras e Educadores, impõe diálogos articuladores de nossas aprendizagens. As vivências nestes diferentes grupos formativos, que formam redes ou não, marcaram de tal forma que, em novos espaços profissionais (por exemplo, nos IFs) ocorreram movimentos e mobilizações para a formação de novas interações e Redes.

Um desses movimentos marca o Ciclo de Estudos de Currículo Integrado (Ceci), na Educação Profissional e Tecnológica, que articula seis campi do Instituto Federal Farroupilha, o ProfEPT e o PPGEC - Unijuí desde 2012, com quatro encontros anuais, para discussão e estudo dos fundamentos de currículo integrado e elaboração de atividades e abordagens de ensino que propiciam aprendizagens dos estudados. Estes Cecis são marcados por processos de articulação teoria e prática, num construto da práxis. “A práxis não é uma prática. Convém não se enganar a esse respeito. A práxis é elaboração coletiva, num grupo, das práticas vividas no quotidiano. A prática pode se situar no plano das elaborações primárias do pensamento, a práxis não. Ela pressupõe um coletivo: um coletivo articulado, nunca massificado ou aglutinado” (IMBERT, 2003, p. 74).

Esta Rede/grupo também tem se fortalecido por leituras que se aproximam das premissas defendidas pela Red Iberamericana de Maestros e Maestras, principalmente porque conceber o Currículo Integrado como proposta de uma educação transformadora significa um posicionamento político contra-hegemônico que tem, em essência, o propósito de compreender e explicar a realidade a partir dos seus condicionamentos históricos. Sendo assim, é bem mais que dar significado concreto ao conhecimento acumulado pela ciência; é, sobretudo, possibilitar “a compreensão do real como totalidade” (RAMOS, 2005, p. 115). Para isso, “os saberes sistematizados dialogam entre si e com a realidade vivida, num movimento que não cessa e não os dicotomiza. Ao contrário, realiza um mutualismo que os revigora na interminável relação de práxis” (LOTTERMANN; SILVA, 2016, p. 28).

Até 2021, foram realizados 36 Cecis e 3 Encontros de Debate sobre Trabalho, Educação e Currículo Integrado (Enteci), que resultaram em livros, tais como Hames, Zanon e Pansera-de-Araújo (2016) e Ferreira et al. (2021), artigos e um dossiê intitulado Trabalho, Currículo Integrado e Educação, organizado por Cambraia, Pansera-de-Araújo e Nonenmacher (2020). Neste ínterim, mais uma Rede se fortalece em tempos de pandemia, a Rede Gaúcha de Estudos e Pesquisas sobre Educação Profissional e Tecnológica (EPT), que integra pesquisadores da UFSM, da Unijuí e dos 3 Institutos Federais do Rio Grande do Sul. Novos processos estão em construção nestas redes, de modo que os novos fios são entrelaçados e tecidos, criando nós e entrenós que reforçam e ampliam as interlocuções dialógicas estabelecidas por todos.

À guisa de considerações

A escrita e as reflexões acabam articulando, aproximando e compondo as relações profissionais e afetivas produzidas ao longo desses 39 anos de parceria colaborativa, em que participamos não como sujeitos isolados, mas como constituintes de um coletivo formativo que alicerça as discussões sobre um ensino de qualidade para todos.

Em cada lugar, em cada rede, chegamos não apenas como aquela professora recém-mestra ou aquela jovem estudante em formação inicial, mas como pessoas colaborativa e coletivamente formadas, carregadas de vivências em diferentes espaços, preocupadas com a formação docente em espaços formais e informais, em que o conhecimento científico possibilita o desenvolvimento cognitivo vinculado à intervenção crítica na realidade. Desse modo, respaldadas por esses diferentes grupos em interação, podemos modificar o mundo respeitosamente, para que todos os seres vivos possam nele viver. Somos indivíduos e coletivos que semeiam as escutas, as ações e as paradas para pensar, planejar, refletir e agir. Não estamos sós, mas sim em cooperação e solidariedade, visando a autonomia, a autoria e o respeito pela diversidade que nos constitui humanos.

São as nossas ações, como humanas e como professoras, que, permeadas pelas reflexões e diálogos constantes entre nós e com os outros, pois além dos espaços profissionais compartilhados ao longo destes anos, construímos uma grande amizade e afeição, que permitiram essa escrita coletiva, colaborativa e indagativa. Esperamos que esta narrativa seja a primeira de muitas outras, que rememorem as vivências e constituam lembranças de uma docência significada na atuação.

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1O I Encontro de Rede de Maestros Iberoamericanos pode ser considerado o marco para a criação da Rede de Investigação na Escola (RIE) no Brasil, em 2005. Na sequência da narrativa, esta articulação vai sendo descrita.

Recebido: 01 de Fevereiro de 2022; Aceito: 20 de Março de 2022

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