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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.66 Salvador abr./jun 2022  Epub 25-Oct-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n66.p133-149 

EDUCAÇÃO BÁSICA E UNIVERSIDADE: REDES DE FORMAÇÃO DOCENTE NA AMÉRICA LATINA

REDE NACIONAL DAS LICENCIATURAS EM ENSINO RELIGIOSO E O MOVIMENTO DE DECOLONIZAÇÃO RELIGIOSA DA ESCOLA

NATIONAL NETWORK OF LICENTIATE DEGREES IN RELIGIOUS EDUCATION AND THE SCHOOL RELIGIOUS DECOLONIZATION MOVEMENT

RED NACIONAL DE GRADOS EN EDUCACIÓN RELIGIOSA Y EL MOVIMIENTO DE DESCOLONIZACIÓN RELIGIOSA ESCOLAR

Elcio Cecchetti*  Universidade Comunitária da Região de Chapecó
http://orcid.org/0000-0002-0946-320X

Anderson Luiz Tedesco**  Universidade Comunitária da Região de Chapecó
http://orcid.org/0000-0002-7425-1748

*Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: elcio.educ@gmail.com

**Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Docente da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: anderson.tedesco@unochapeco.edu.br


RESUMO

O artigo objetiva contextualizar a criação e fortalecimento do movimento de transformação epistemológica e pedagógica do Ensino Religioso, com a finalidade de analisar as contribuições da Rede Nacional de Licenciaturas em Ensino Religioso (RELER) para a decolonização religiosa da escola. Trata-se de um estudo qualitativo, do tipo bibliográfico e documental. A coleta dos dados é proveniente do estudo da literatura científica produzida por diferentes autores de perspectiva decolonial, e de documentos que sustentam a proposta do Ensino Religioso não confessional. Os resultados indicam que: a colonialidade subsiste nos campos religioso e educativo; o Ensino Religoso confessional reproduz os processos históricos de imposição e homogeneização religiosa; o movimento de decolonização do Ensino Religoso alterou seus fundamentos epistemológicos e pedagógicos para contribuir no processo de reconhecimento da diversidade religiosa; a Rede Nacional de Licenciaturas em Ensino Religioso (RELER) vem atuando com protagonismo no campo da formação de docentes para o Ensino Religioso de perspectiva decolonial e, portanto, não confessional.

Palavras-chave: formação de professores; ensino religioso; decolonialidade

ABSTRACT

The article aims to contextualize the creation and strengthening of the movement for the epistemological and pedagogical transformation of Religious Education, in order to analyze the contributions of the National Network of Licentiate Degrees in Religious Education (RELER) to the religious decolonization of schools. This is a qualitative study, bibliographic and documentary type. Data collection comes from the study of scientific literature produced by different authors from a decolonial perspective, and documents that support the proposal of non-confessional Religious Education. The results indicate that: coloniality subsists in the religious and educational fields; confessional Religious Education reproduces the historical processes of religious imposition and homogenization; the Religious Education decolonization movement changed its epistemological and pedagogical foundations to contribute to the process of recognition of religious diversity; the National Network of Licentiate Degrees in Religious Education (RELER) has been playing a leading role in the field of teacher training for Religious Education from a decolonial and, therefore, non-confessional perspective.

Keywords: teacher training; religious education; decoloniality

RESUMEN

El artículo tiene como objetivo contextualizar la creación y fortalecimiento del movimiento de transformación epistemológica y pedagógica de la Educación Religiosa, con el objetivo de analizar los aportes de la Red Nacional de Licenciaturas en Educación Religiosa (RELER) a la descolonización religiosa de las escuelas. Se trata de un estudio cualitativo, de tipo bibliográfico y documental. La recolección de datos proviene del estudio de la literatura científica producida por diferentes autores desde una perspectiva decolonial, y documentos que sustentan la propuesta de Educación Religiosa no confesional. Los resultados indican que: la colonialidad subsiste en los campos religioso y educativo; La Educación Religiosa confesional reproduce los procesos históricos de imposición y homogeneización religiosa; el movimiento de descolonización de la Educación Religiosa cambió sus fundamentos epistemológicos y pedagógicos para contribuir al proceso de reconocimiento de la diversidad religiosa; La Red Nacional de Licenciaturas en Educación Religiosa (RELER) viene desempeñando un papel de liderazgo en el campo de la formación del profesorado de Educación Religiosa desde una perspectiva decolonial y, por tanto, no confesional.

Palabras clave: formación docente; educación religiosa; decolonialidad

1 Introdução

Historicamente, a escola brasileira foi instituída sob a aliança estabelecida entre Estado-Igreja, no âmbito do projeto colonizador eurocristocêntrico iniciado no século XVI. Por respaldar o poder da Coroa, por meio do regime do padroado,1 o catolicismo assegurou o controle de vários campos sociais, dentre eles o educativo, por meio da atuação de diferentes missionários e ordens religiosas. Neste contexto, os princípios da moral cristã e da doutrina católica entranharam-se ao ensino elementar, cabendo aos professores ensinar tanto os conteúdos sagrados quanto profanos. Assim, as expressões “ensino da religião” ou “instrução religiosa” correspondiam à prática da evangelização, catequização e doutrinação em espaços formais, como nas escolas, e não formais, como nas missões, pastorais e campanhas diversas (CECCHETTI; SANTOS, 2016).

Durante todo o Brasil Império (1822-1889), o ensino da doutrina católica foi parte integrante do currículo clássico humanístico (LORENZ; VECHIA, 2011). Contudo, especialmente a partir de 1860, quando maçons, liberais e positivistas difundiram ideais republicanos e passaram a defender a separação dos poderes civil e religioso, as sucessivas reformas de ensino foram progressivamente ampliando os estudos científicos nas escolas e faculdades, em detrimento do ensino da religião, que foi condensado em “uma” dentre um conjunto de disciplinas (CECCHETTI, 2016). Com isso, foi possível “liberar” os estudantes não católicos da obrigatoriedade de assistirem às aulas de instrução religiosa, que passaram a ser oferecidas em dias determinados da semana e sempre antes ou depois dos horários destinados às disciplinas científicas (BRASIL, 1879).

A efervescência dos debates em prol da separação Estado-Igreja, que demarcou as últimas décadas do regime imperial, ganhou lugar no arcabouço jurídico nacional com a implantação da República. O Governo Provisório logo tratou de instituir em seus primeiros decretos a separação entre os poderes civil e religioso, a plena liberdade de cultos, o casamento civil e a secularização dos cemitérios (BRASIL, 1890a, 1890b, 1890c, 1890d). Sob a égide do Estado laico, a primeira Constituição da República declarou, no artigo 72, que seria “leigo” o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos (BRASIL, 1891).

Contudo, a laicização2 do Estado avançou mais em nível jurídico do que propriamente no âmbito das mentalidades e práticas sociais, e o amálgama político-religioso continuou a se reproduzir a despeito dos decretos e dispositivos constitucionais. Por outra parte, a Igreja Católica logo tratou de reformar suas estruturas visando adaptar o novo regime aos seus interesses, sendo que, no conjunto de ações capitaneadas pelo Episcopado brasileiro, a reintrodução da instrução religiosa era o primeiro tópico da sua lista das prioridades (CURY, 1988).

Tal feito se concretizou em 1934, quando a Igreja conseguiu a retirada do dispositivo que instituiu o ensino leigo, reintroduzindo o Ensino Religioso na Constituição Federal, embora de matrícula facultativa (BRASIL, 1934). Foi neste período que se cunhou o termo “Ensino Religioso” para designar a prática sistemática do ensino confessional nos estabelecimentos de ensino com o caráter de “disciplina” (CECCHETTI, 2016).

Desde então, o percurso dessa disciplina nas escolas públicas brasileiras é caracterizado por alianças e disputas diversas, devido às diferentes finalidades e perspectivas defendidas pelos distintos grupos em atuação, que resultaram em diversos dispositivos de regulamentação jurídica, em sua maioria ambíguos e contraditórios, o que contribuiu para a perpetuação dos embates até nossos dias. Muitos autores já se dedicaram a analisar os desdobramentos desta controversa, tais como Cury (1988, 1993, 2004), Cunha (2013, 2014), Figueiredo (1995, 2007), Cecchetti e Santos (2016), Santos e Cecchetti (2021), entre outros.

Fato é que, ao longo do tempo, o Ensino Religioso confessional, sinônimo de aula de religião, produziu mais negação do que reconhecimento da diversidade religiosa, justamente por subalternizar tanto as crenças dos grupos não cristãos, quanto as pessoas ateias, agnósticas ou sem religião.

Por consequência, até o início da década de 1990, era praticamente inexistente a preocupação pela formação de docentes para a diversidade religiosa. Ancorados em argumentos confessionais ou interconfessionais, os processos formativos mantinham-se diretamente atrelados à dinâmica de preparação de agentes pastorais, segundo as diretrizes de cada igreja cristã, desenvolvido, às vezes, em parceria com as próprias secretarias de educação. Assim, a única modalidade de formação existente era aquela própria do campo religioso, obtida através de cursos de Teologia, Ciências Religiosas, Catequese, Educação Cristã e outros similares (OLIVEIRA; CECCHETTI, 2010).

Outras perspectivas começaram a ser gestadas e implementadas a partir de 1995, com a criação do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER), com a alteração do Art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e com a criação dos primeiros cursos de licenciatura em Ciências da Religião. O que conectou estes três acontecimentos foi o desejo de superar o confessionalismo na escola e, em específico, no Ensino Religioso. Para tal, era necessário assentar novas bases epistemológicas e pedagógicas, de modo a decolonizar a maneira como historicamente foram tratadas as culturas, crenças, movimentos e tradições religiosas que se distinguiam das que foram impostas pelo processo colonizador.

Nesse contexto, destaca-se a atuação da Rede Nacional das Licenciaturas de Ensino Religioso (RELER), cuja articulação de seus membros resultou, dentre outras ações, na construção das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para as licenciaturas de Ciências de Religião, curso oficialmente reconhecido como habilitação em nível de formação inicial para o exercício da docência do Ensino Religioso não confessional.

Em vista disso, este trabalho objetiva contextualizar a criação e fortalecimento do movimento de transformação epistemológica e pedagógica do Ensino Religioso, com a finalidade de analisar as contribuições da RELER para a decolonização religiosa da escola.

Partimos do pressuposto de que a constituição de redes de colaboração entre cursos, profissionais e instituições das distintas regiões do país é um meio eficaz para enfrentar relações de poder que procuram monopolizar o campo político, religioso e educacional, obstaculizando o reconhecimento dos diferentes e das diferenças.

Trata-se de um estudo qualitativo, do tipo bibliográfico e documental. A coleta dos dados, de um lado, é proveniente do estudo da literatura científica produzida por diferentes autores de perspectiva decolonial, os quais problematizam a manutenção da colonialidade, do racismo epistêmico e do confessionalismo no campo religioso e educativo. De outro lado, estuda documentos que sustentam a proposta do Ensino Religioso não confessional, tal como o texto presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e as DCN de Ciências da Religião, cuja análise é consubstanciada por autores de referência nesta área de conhecimento em nível nacional.

O trabalho estrutura-se em duas partes principais: na primeira, problematiza a presença colonialidade nos campos religioso e educativo. Na segunda parte, apresenta e analisa os fundamentos epistemológicos e pedagógicos que alicerçam o currículo do Ensino Religioso não confessional, evidenciando sua função social face à demanda premente de reconhecimento da diversidade religiosa. Por fim, destaca a atuação da RELER em prol da formação de docentes para o Ensino Religioso de perspectiva decolonial e, portanto, não confessional.

2 A colonialidade no campo religioso e educativo brasileiro

A luta pela afirmação do direito à liberdade de pensamento e crença mobilizou distintos grupos e coletividades ao longo da história. Contudo, apesar de juridicamente assegurados em tratados, convenções e normatizações internacionais e nacionais, este direito não é usufruído por grande parte da população brasileira, sobretudo os povos indígenas e afrodescendentes, que ainda têm sua dignidade cotidianamente afrontada, seja pela falta das condições mínimas de sobrevivência (água, alimento, moradia, trabalho, saúde, educação, segurança etc.), seja pela subalternização de suas culturas e usurpação de suas memórias, seja pela “demonização” de suas crenças.

A permanência de relações de colonialidade, segundo Quijano (2014, p. 783), é responsável pelo ocultamento histórico e seletivo dos conhecimentos, saberes cosmologias presentes nas comunidades originárias, deixando marcas profundas que perduram e caracterizam a “[...] expressão máxima do domínio cultural, histórico e global do eurocentrismo”. Por esse motivo, defende a ideia de que a colonização foi um projeto que determinou quais identidades e culturas poderiam permanecer ou não, legitimando o monoculturalismo criado pelo colonizador como único modelo universal de cultura, história e sociedade.

Na atualidade, subsistem estratégias e práticas de colonialidade em todos os setores da esfera pública, em especial no campo religioso, gerando processos de discriminação e subalternização de culturas, crenças e identidades distintas do padrão civilizatório eurocristocêntrico. Também em escolas e universidades, currículos e práticas pedagógicas monoculturais têm contribuído para a (re)produção de processos de inferiorização das culturas, histórias, literaturas, expressões artísticas e religiosidades de origem indígena e africana. Isso indica que, cotidianamente, estudantes identificados com as matrizes indígenas e afro-brasileiras ainda enfrentam processos de imposição cultural e religiosa, em razão de práticas educativas monoculturais, que desconsideram a legitimidade de suas cosmovisões, crenças e saberes diversos.

Nesse contexto, a disciplina de Ensino Religioso, muitas vezes, se constitui em espaço e lugar para imposição de símbolos e práticas religiosas dos grupos socialmente hegemônicos, notadamente cristãs - católicas ou evangélicas -, sendo que as demais religiões e religiosidades são vistas como “crendices” ou “folclore”, o que contribui para a discriminação e a exclusão (SANTOS; SANTOS; GRANDO, 2021).

E muito embora haja a obrigatoriedade legal para inclusão no currículo oficial das redes de ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, conforme estabelecido pelas Leis nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003) e 11.645/2008 (BRASIL, 2008), essas temáticas tendem a não ser incorporadas de maneira satisfatória nos projetos político-pedagógicos e nas práticas pedagógicas da maioria das escolas (CARREIRA; ANDRADE, 2015; MARQUES; BILHÃO, 2020; SILVA FILHO, 2016). Isso porque, normalmente, as poucas ações efetivadas assumem um caráter mais comemorativo em tom de efemérides do que propriamente de inclusão no rol dos conhecimentos curriculares, especialmente quando se trata das religiões de matriz indígena e africana, que ainda são considerados temas interditos em grande parte das instituições educativas.

Isso indica que toda a riqueza cultural da cosmovisão afro e indígena - a concepção circular do tempo, a reverência aos ancestrais, a existência coletiva, as expressões rítmicas, artísticas e corporais, os ideais de solidariedade e partilha, a relação de cooperação com a natureza, as formas específicas de pensar, tratar e conviver com as diferenças, entre tantos outros ensinamentos cultivados, preservados e transmitidos de geração em geração - é relegada a um não-lugar histórico, social, científico e pedagógico. Isso evidencia que a colonialidade segue ancorando práticas e currículos monoculturais que desconsideram e excluem epistemes, saberes, ritmos, tempos e formas de relacionamento que divergem do instituído, limitando e restringindo possibilidades de construção de práticas pedagógicas diferenciadas.

Desde uma perspectiva decolonial,3 podemos considerar que a produção desta não-existência está ancorada em um racismo epistêmico (GROSFOGUEL, 2016), mecanismo de poder utilizado pelos grupos socialmente hegemônicos para difundir a tese de que os únicos conhecimentos, crenças, valores e práticas legítimas e verdadeiras são justamente as suas. Deste modo, perpetua-se a colonialidade do saber, que consiste na deslegitimação e repressão histórica dos modos de produção de conhecimentos que se diferenciam da epistemologia eurocristocêntrica dominante. A violência desta colonialidade, que se manifesta no sistema escolar por meio da imposição de uma hierarquia de saberes, contribuiu para que muitas crianças, adolescentes e jovens se reconheçam como inferiores, atrasados, incultos e incivilizados.

A colonialidade do saber desarticula a consciência crítica identitária e impulsiona os sujeitos a criarem autorrepresentações negativas de si mesmos, para que neguem suas próprias raízes étnicas e incorporem as crenças e valores dos dominantes. Desconhecendo e até envergonhando-se de seu passado, estes sujeitos não visualizam horizontes e acabam por ocupar posições sociais previamente delimitadas pelo opressor. Ou, como alertava Fanon (2008, p. 28), na introdução da obra Pele negra, máscaras brancas: “[...] para o negro, há apenas um destino. E ele é branco.” Assim, opera-se a naturalização da ideologia dos donos do poder e a subalternização cultural, epistêmica, histórica e simbólica do(a) outro(a).

Não é preciso lentes muito apuradas para identificar o racismo epistêmico e a colonialidade do saber no cotidiano escolar, sobretudo no que se refere ao tratamento das histórias, culturas e religiosidades afro-brasileiras e indígenas. Com isso, tenta-se deslegitimar elementos basilares da identidade destes grupos, uma vez que servem de resistência aos processos históricos de exclusão e desigualdade a que foram submetidos. Não por acaso, de um lado, os terreiros seguem invadidos e vilipendiados por uma nova cruzada colonial cristã, empreendida em grande parte por membros de igrejas neopentecostais, que classificam suas práticas religiosas como demoníacas (BALLOUSSIER, 2021; RIOS, 2019). De outro lado, os povos indígenas seguem sofrendo perseguições e invasões de seus territórios, em um contexto no qual os próprios direitos constitucionalmente previstos são questionados e atacados (MARTINS, 2021).

O fato de a escola ter se estruturado historicamente sob uma lógica monocultural contribui para o acirramento da disputa epistêmica e religiosa entre as distintas identidades. Além de subestimar as diferentes maneiras encontradas por inúmeras culturas para explicar e compreender a existência, a adoção de uma única perspectiva dá margem ao entendimento das diferenças como desvio, anormalidade, deficiência e inferioridade.

Os amálgamas históricos e atuais envolvendo as Igrejas e o Estado têm perpetuado práticas prosélitas, seja na disciplina de Ensino Religioso, seja em outros componentes curriculares e atividades escolares, tais como festas e comemorações cristãs previstas no calendário escolar.

De outra parte, o não reconhecimento da diversidade religiosa que se traduz na ausência de estudos escolares sobre as diversas manifestações religiosas presentes na sociedade é terreno fértil para a difusão de preconceitos, discriminações, suposições, rotulações e violências de cunho religioso, praticados geralmente às religiões submetidas à colonialidade do saber, como as de origem indígena e africana.

Com isso, abre-se espaço para a prática proselitista no espaço escolar, que atua na propagação de uma única verdade, que coincide com a doutrina cristã, quando muito, com as religiões monoteístas. A retórica proselitista opera na tentativa de silenciamento e repressão de outras formas de religiosidades, no intuito de caracterizá-las como inferiores, subalternas, anormais ou demoníacas.

Diante desse quadro, é fundamental decolonizar o campo religioso e reconhecer a diversidade religiosa presente e constituinte da sociedade brasileira, por meio da utilização de outros métodos pedagógicos e o desenvolvimento de outra formação docente, de perspectiva decolonial, que abarque a complexidade das culturas, religiões e religiosidades. (CECCHETTI; POZZER; TEDESCO, 2020). Faz-se necessário ressignificar currículos e práticas pedagógicas, para que sejam fomentadores de relações dialógicas e problematizadoras de cosmovisões etnocêntricas e intolerantes, que sustentam processos de colonialidade, exclusão e desigualdade.

Mas como fazer isso? Seria possível transformar o Ensino Religioso, disciplina historicamente utilizada para homogeneizar, doutrinar e converter, em um componente curricular que promova o reconhecimento da diversidade religiosa e combata a discriminação, a intolerância e a colonialidade na escola?

3 O movimento de decolonização do Ensino Religioso

Como vimos, o Ensino Religioso confessional, aliado a outros fatores, contribuiu para a manutenção da colonialidade no campo religioso e educativo. Isso indica que, ao longo de aproximadamente cinco séculos, milhares de pessoas vivenciaram processos violentos de subjugação do corpo e da alma decorrentes das práticas de doutrinação, imposição e intolerância religiosa.

Foi somente em meados da década de 1990 que efetivamente foram criados mecanismos institucionais para enfrentamento dessa problemática. De um lado, o processo de redemocratização do país provocou um movimento de repensar a educação com base nos pressupostos da liberdade, democracia e cidadania. O Art. 206 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) traduziu estes anseios ao estabelecer que o ensino deve ser ministrado com base nos seguintes princípios: “I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino [...]”

No contexto internacional, vários marcos normativos induziram a gestação de outras concepções e práticas educativas. A Declaração mundial sobre educação para todos, aprovada por uma Conferência Mundial reunida em Jomtien/Tailândia, em março de 1990, reafirmou que “toda pessoa tem direito à educação” e que cada criança, jovem ou adulto tem o direito de “satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 1990). De igual importância, a Declaração de Salamanca sobre princípios, política e práticas na área das necessidades educativas especiais cobrou dos governos maior prioridade no processo de inclusão de todas as crianças, independentemente das diferenças ou dificuldades individuais (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 1994).

Estes e outros documentos internacionais pressionaram o Brasil a criar políticas para enfrentamento do analfabetismo, universalização das matrículas para crianças de 7 a 14 anos, redução dos índices de repetência e evasão, inclusão de pessoas com deficiência, melhoria das condições estruturais das escolas e universidades, entre outras, com vistas a garantir uma educação inclusiva, democrática, laica e de qualidade.

Tal movimento incidiu na promulgação da LDB nº 9.394/1996, que definiu a educação como um dever da família e do Estado, a ser oferecida com base nos princípios de “liberdade e nos ideais de solidariedade humana”, tendo por finalidade o “pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996).

Nesse contexto de efervescência cultural e de novas definições acerca dos princípios e fins da educação pública, seria uma verdadeira contradição oferecer Ensino Religioso de forma confessional ou interconfessional, sem preocupação alguma com o processo de reconhecimento da diversidade religiosa.

Herança da histórica aliança entre Igreja-Estado, o caráter eminentemente confessional do Ensino Religioso somente começou a ser questionado a partir dos anos 1970, quando coletivos de educadores, líderes religiosos e pesquisadores de diferentes áreas buscaram superar o modelo catequético-doutrinário, tomando o ecumenismo como modelo referencial (FIGUEIREDO, 1995). Por conseguinte, em algumas regiões do país, por cerca de duas décadas, o desenvolvimento de propostas curriculares ecumênicas gerou novas reflexões que fizeram repensar a natureza epistemológica e pedagógica do Ensino Religioso. Buscava-se uma proposta que pudesse acolher integralmente a diversidade religiosa brasileira e não apenas as denominações cristãs.

Um dos resultados desse movimento resultou na instalação, em 1995, do Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (FONAPER).4 Esta instituição, com o passar do tempo, tornou-se um espaço de discussão e ponto aglutinador de ideias e propostas de operacionalização de um Ensino Religioso que supere seu histórico enfoque confessional e prosélito.5

No entanto, contradizendo essas intenções, a LDB nº 9.394 (BRASIL, 1996) originalmente manteve o caráter confessional e interconfessional do Ensino Religioso. Insatisfeitos com essa medida, no início de 1997, uma forte mobilização social capitaneada pelo FONAPER reivindicou a superação do proselitismo e a adoção de uma proposta inter-religiosa. A ação coletiva resultou na aprovação da Lei nº 9.475/1997, que alterou a concepção da disciplina:

Art. 33 - O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas do ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo (BRASIL, 1997, grifo nosso).

A alteração da LDB foi determinante para a constituição de um outro modelo de Ensino Religioso, agora sem afrontar o princípio constitucional da laicidade. Isso porque, no sentido dado pela Lei, cabe a este componente disponibilizar conteúdos científicos acerca da diversidade religiosa no currículo escolar, com a finalidade de promover e exercitar a liberdade de consciência e de crença (BRASIL, 1988).

Portanto, se até meados da década de 1990, em decorrência da linha confessional e/ou interconfessional adotada, a formação dos docentes ocorria mediante cursos organizados pelas próprias instituições religiosas, tornava-se urgente superar este quadro e oferecer uma habilitação específica com este novo enfoque.

O conjunto de esforços empreendidos em busca da consolidação desse modelo de Ensino Religioso resultou na configuração de um movimento em prol da decolonização religiosa da escola. Trata-se da tarefa de superar sua natureza confessional para assegurar o respeito à diversidade religiosa no cotidiano escolar, por meio do exercício do diálogo e do fomento de relações interculturais e inter-religiosas. Ou seja, na formulação proposta pelo FONAPER e seus associados, o Ensino Religioso não mais busca colonizar os imaginários e nem difundir uma única verdade, mas contribuir na convivência democrática entre pessoas e grupos que assumem convicções religiosas diferentes.

Não foi por acaso que, em meados de 2013, quando se deram os primeiros movimentos em prol da construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC),6 o FONAPER foi convidado a indicar especialistas para essa área de conhecimento. Homologada ao final 2017, a BNCC demarcou que o Ensino Religioso possui natureza e finalidades pedagógicas distintas da “confessionalidade”. O documento também estabeleceu que “cabe ao Ensino Religioso tratar os conhecimentos religiosos a partir de pressupostos éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma crença ou convicção” (BRASIL, 2017, p. 432, grifo nosso). Isso implica em não conceder vantagens ou supervalorizar um determinado credo e excluir ou menosprezar outros. Trata-se de considerar todas as tradições e movimentos religiosos com mesmo grau de valor.

O reconhecimento das identidades religiosas e não religiosas, por meio do estudo das diferentes culturas, religiosidades e filosofias de vida na escola, contribui para a promoção dos direitos humanos e para o exercício do direito à liberdade de pensamento, crença e convicção. A dinâmica do reconhecimento mobiliza a ressignificação de concepções e práticas etnocêntricas e fundamentalistas, ao mesmo tempo em que instiga e problematiza relações de saberes e poderes de caráter religioso, tanto nos espaços educativos como na sociedade em geral.

O processo de reconhecimento das identidades e alteridades inclui o exercício do diálogo intercultural. Isso significa que as diferentes perspectivas religiosas e filosofias de vida devem ser reconhecidas como legítimas e tratadas com igual respeito e dignidade. O diálogo intercultural tem como objetivo a superação de processos de exclusão, desigualdade, intolerância e discriminação. Trata-se de produzir concepções e práticas que respeitem e valorizem as identidades, buscando desenvolver a autopercepção de que cada sujeito é um ser singular, flagrando-se também como diferentes num universo de diferentes (OLIVEIRA et al., 2007).

O documento explicitou que o “conhecimento religioso” é o objeto da área de Ensino Religioso, entendido como um bem simbólico produzido no âmbito de diferentes culturas e sociedades. Assim, o estudo dos conhecimentos religiosos visa subsidiar a compreensão e valorização do conjunto de aspectos constituintes da diversidade religiosa e de suas conexões com outras instâncias socioculturais. Este saber, contudo, não possuiu um fim em si mesmo, porque almeja o desenvolvimento de atitudes de reconhecimento dos diferentes e das diferenças.

De outro lado, o pressuposto científico corresponde à abordagem dos conhecimentos religiosos a partir da ciência e não de uma opinião ou doutrina particular. Como a ciência busca elucidar e interpretar os fatos com a maior imparcialidade possível, os conhecimentos científicos acerca dos fenômenos religiosos são apresentados sem pretensões prosélitas.

A adoção dos pressupostos éticos e científicos objetivam superar práticas pedagógicas que partem de convicções religiosas particulares ou dos grupos religiosamente hegemônicos. Nas aulas de Ensino Religioso, o reconhecimento da alteridade requer a abordagem qualificada de todas as culturas e tradições religiosas sem proselitismos e discriminações.

Com essa abordagem, a BNCC posiciona-se explicitamente contra o proselitismo religioso na escola, ao mesmo tempo em que procura definir o objeto, objetivos e unidades temáticas do Ensino Religioso, bem como aponta um conjunto de competências e habilidades a serem desenvolvidas pelos estudantes ao longo dos nove anos do Ensino Fundamental. Nela está contida, portanto, a perspectiva de um Ensino Religioso decolonial, cuja função social reside na busca de superação do confessionalismo e laicismo escolar, para que o cotidiano escolar seja lugar do exercício de diálogo e do reconhecimento das múltiplas formas de ser, pensar, crer e viver do humano.

Nesse sentido, como indicam Borges e Baptista (2020, p. 35), a inclusão do Ensino Religioso na BNCC fortalece a mudança epistemológica e pedagógica deste componente, favorecendo o movimento de superação da discriminação e do preconceito, “produzindo atitudes de respeito às diferenças e às diversidades”. Contudo, como bem alertam esses autores, isso depende da ação qualificada de seus docentes. Daí emerge um grande desafio: qual licenciatura habilitará os professores para atuarem com o Ensino Religioso decolonial na escola pública? Que experiências e práticas em rede podem contribuir nesta tarefa?

4 A formação de docentes para o Ensino Religioso não confessional

Para que o Ensino Religioso efetivamente contribua para o reconhecimento da diversidade religiosa é imprescindível a formação de docentes conhecedores da complexa dinâmica dos fenômenos religiosos e didaticamente preparados para o tratamento das diversas culturas, religiões e religiosidades. Logo, esta formação necessita ocorrer em cursos de graduação, na modalidade de licenciatura plena, de modo a atender às especificidades curriculares e pedagógicas deste componente curricular.

A partir do estabelecido no artigo 62 da LDB nº 9.394 (BRASIL, 1996), de que “a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena”, historicamente, diferentes iniciativas surgiram na perspectiva de assegurar a formação específica aos profissionais do Ensino Religioso.

Inicialmente surgiram cursos de Ciências da Religião-Licenciatura em Ensino Religioso em três universidades comunitárias de Santa Catarina no ano de 1996, a saber: Universidade Regional de Blumenau (FURB), Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) e Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). De acordo com Oliveira, Riske-Koch, Wickert (2008), os pressupostos e a organização curricular destes cursos foram construídos em consonância com o Art. 33 da LDB (BRASIL, 1996) e a partir das orientações emanadas do FONAPER. O termo “Ciências da Religião” foi escolhido por razões epistemológicas, uma vez que o estudo dos fenômenos religiosos vinha sendo realizado por diversas disciplinas científicas, cada qual fazendo uso de um conjunto de procedimentos teórico-metodológicos específicos. Daí adveio o emprego de “ciências” (referindo-se à pluralidade metodológica) da “religião” (objeto de estudo), reunindo de forma interdisciplinar as diferentes ciências humanas que se ocupam do estudo da diversidade religiosa (FILORAMO; PRANDI, 1999).

Desde o surgimento dessas experiências pioneiras, muitos outros cursos de licenciatura em Ciências da Religião foram criados por Instituições de Educação Superior (IES) em várias regiões do país.7 Ao longo do tempo, cada um a seu modo buscou assegurar aos egressos os conhecimentos e habilidades necessárias ao estudo da diversidade religiosa no cotidiano escolar, a partir de uma sólida formação no campo da Educação e das Ciências da Religião.

Isso ocorreu porque, por mais de duas décadas, esses cursos funcionaram sem a existência de diretrizes curriculares nacionais (DCN) para balizar o processo de formação. A ausência de DCN, portanto, não impediu que muitos cursos fossem criados em várias regiões do país, contribuindo na habilitação de profissionais a partir de uma perspectiva inter-religiosa, intercultural e decolonial.

O FONAPER, ao mesmo tempo, realizou várias tratativas com o Ministério da Educação (MEC) e com o próprio Conselho Nacional de Educação (CNE) para o estabelecimento de DCN para esses cursos de formação inicial, encaminhando, inclusive, propostas formais ao CNE nos anos de 1998, 2004 e 2008.

Para fortalecer o movimento em prol das licenciaturas, o FONAPER, em 2012, articulou os cursos existentes e fundou a Rede Nacional de Licenciaturas em Ensino Religioso (RELER). Desde então, a Rede tem se constituído como um espaço de diálogo entre os cursos de Ciência(s) da(s) Religião(ões),8 com os objetivos de:

  • I - Implantar e implementar uma rede de diálogo e cooperação entre as Instituições de Ensino Superior (IES) que ofertam ou que pretendam ofertar Cursos de Ciência(s) da(s) Religião(ões) - Licenciatura em Ensino Religioso;

  • II - Articular ações e parcerias com os órgãos governamentais responsáveis pelas políticas públicas educacionais da área;

  • III - Promover ações e parcerias com as organizações não governamentais representativas dos segmentos envolvidos com a área;

  • IV - Desenvolver estratégias e ações visando à formação docente em Ensino Religioso com base nas Políticas Públicas de Educação advindas da Legislação e Diretrizes Nacionais vigentes;

  • V - Fomentar e incentivar a produção acadêmica e materiais pedagógicos de apoio à formação inicial e continuada na área do Ensino Religioso;

  • VI - Realizar e/ou apoiar eventos referentes ao Ensino Religioso;

  • VII - Articular e apoiar Grupos de Pesquisas na área de Ensino Religioso;

  • VIII - Incentivar e apoiar cursos de pós-graduação (lato sensu e stricto sensu) com atuação na área de Ensino Religioso. (FÓRUM NACIONAL PERMANENTE DO ENSINO RELIGIOSO, 2012, p. 1).

Para consecução desses objetivos, a RELER tem promovido anualmente os Seminários Nacionais das Licenciaturas em Ensino Religioso (SENALER), tanto para congregar os integrantes da Rede (coordenadores, professores e acadêmicos das licenciaturas) quanto para debater e aprofundar temáticas relacionadas à formação docente, tal como o evento realizado em 2018 nas dependências da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), cujo tema central foi a “BNCC e a identidade pedagógica dos professores de Ensino Religioso”.

Com a intenção de valorizar os percursos e experiências dos cursos de licenciatura, em 2017, a RELER publicou a obra Formação inicial em ensino religioso: experiências em cursos de ciência(s) da(s) religião(ões) no Brasil (RISKE-KOCH; OLIVEIRA; POZZER, 2017). Esta apresenta registros históricos, concepções pedagógicas, currículos, conquistas e desafios decorrentes do processo de implementação destes cursos em nove universidades de seis estados brasileiros: Amazonas, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Norte, Sergipe e Santa Catarina.

Entretanto, uma das mais expressivas contribuições da RELER à formação de docentes ocorreu em 2018. Com a homologação da BNCC ao final de 2017 (BRASIL, 2017), tanto o MEC quanto o CNE comprometeram-se em produzir diretrizes para a formação de professores de Ensino Religioso. Afinal, que profissionais estariam aptos a colocar em prática a proposta de Ensino Religioso não confessional estabelecido pela BNCC?

Foi então que o CNE instituiu uma Comissão interna para elaborar a minuta de DCN para as licenciaturas em Ciências da Religião. Para auxiliar o trabalho, foi instituída uma subcomissão de especialistas formada por três representantes da RELER e outros três representantes indicados pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião (ANPTECRE). Esta Comissão produziu o texto referência Minuta de Parecer e Projeto de Resolução (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018), que foi alvo de Audiência Pública no dia 18 de setembro de 2018. Mais de 30 pessoas de várias instituições participaram da sessão e apresentaram suas contribuições para o documento.

Acolhendo as contribuições dos participantes da Audiência, a Comissão produziu nova versão do documento, o qual deu origem ao Parecer CNE/CP nº 12, aprovado em 02 de outubro de 2018 (BRASIL, 2018a). Posteriormente, este foi homologado pelo MEC em 28 de dezembro do mesmo ano, dando origem à Resolução CNE nº 5 (BRASIL, 2018b), a qual instituiu as DCN para o curso de licenciatura em Ciências da Religião.

O Parecer e a Resolução fixaram princípios epistemológicos e pedagógicos para a regulamentação e avaliação dos cursos existentes, além de fornecer parâmetros curriculares comuns para projetos futuros, tendo em vista a histórica demanda por sólida formação docente que assegure a formação aberta à diversidade cultural e religiosa e atendam às especificidades do exercício da profissão nas diferentes etapas e modalidades da Educação Básica (BRASIL, 2018a).

Especificamente, o Parecer CNE/CEP nº 5/2018 indicou que a formação inicial em Ciências da Religião deve assegurar o

[...] desenvolvimento de processos de reconhecimento das identidades religiosas e não religiosas, de forma que as diferentes culturas, religiosidades e filosofias de vida sejam estudadas a partir de pressupostos científicos, éticos e estéticos, salvaguardando os direitos humanos, a liberdade de pensamento, crença, culto e organização nos termos da lei. (BRASIL, 2018a, p. 8).

Isso significa que as diferentes perspectivas religiosas e filosofias de vida devem ser reconhecidas como legítimas e tratadas com igual respeito e cientificidade. Isso implica em construir concepções e práticas que respeitem e valorizem as identidades, buscando superar a colonialidade ainda presente no campo religioso e educacional.

A formação docente de perspectiva não confessional pressupõe que a licenciatura em Ciências da Religião assuma o reconhecimento, o diálogo intercultural e a cidadania enquanto princípios orientadores do percurso formativo oferecido a seus egressos. Desse modo, o curso deverá propiciar:

  • I - Sólida formação teórico, metodológica e pedagógica no campo das Ciências da Religião e da Educação, promovendo a compreensão crítica e interativa do contexto, a estrutura e a diversidade dos fenômenos religiosos e o desenvolvimento de competências e habilidades adequadas ao exercício da docência do Ensino Religioso na Educação Básica;

  • II - Sólida formação acadêmico-científica, com vistas à investigação e à análise dos fenômenos religiosos em suas diversas manifestações no tempo, no espaço e nas culturas;

  • III - O desenvolvimento da ética profissional nas relações com a diversidade cultural e religiosa;

  • IV - O aprendizado do diálogo inter-religioso e intercultural, visando o reconhecimento das identidades, religiosas ou não, na perspectiva dos direitos humanos e da cultura da paz. (BRASIL, 2018b, p. 1).

Como é possível concluir, a atuação histórica dos cursos de licenciatura em Ciências da Religião e/ou Ensino Religioso, reunidos e representados pela RELER, conseguiram instituir no plano normativo vários elementos e abordagens favoráveis ao reconhecimento da diversidade religiosa no Brasil, superando o paradigma secular do confessionalismo. Tal conquista é resultado do esforço contextual de muitos professores, pesquisadores e instituições engajadas e comprometidas com o movimento de decolonialidade religiosa no ambiente social e escolar.

O crescente número de iniciativas de formação inicial e continuada, eventos e publicações relacionadas ao Ensino Religioso não confessional vêm consolidando outra perspectiva de trabalho educativo na escola pública, que contribua para a convivência democrática entre pessoas e grupos que assumem distintas convicções religiosas e não religiosas.

A atuação e protagonismo da RELER favoreceu sobremaneira o alcance desses com a publicação de DCN para os cursos formadores de docentes de Ensino Religioso. É a primeira vez que o Estado reconhece a função social e pedagógica deste componente na formação integral dos estudantes, o que exige uma verdadeira reinvenção das práticas pedagógicas historicamente estabelecidas.

Considerações Finais

Diante da persistência da colonialidade nas relações sociorreligiosas e do aumento dos casos de discriminação e da intolerância praticada contra pessoas em razão de suas crenças ou convicções, neste trabalho retratamos alguns dos esforços empreendidos nas últimas décadas em prol da decolonização do Ensino Religioso e da habilitação de docentes que atuem em favor do reconhecimento da diversidade religiosa. Por isso, destacamos a atuação da RELER na articulação de um coletivo de cursos, docentes e instituições universitárias que desenvolvem experiências formativas acerca dos fenômenos religiosos desde a perspectiva decolonial e não confessional.

Especificamente, abordamos o problema da função social da disciplina de Ensino Religioso, que desde a época colonial esteve a serviço da difusão da cosmovisão eurocristocêntrica como referência para a homogeneização da diversidade religiosa. Consequentemente, até o início dos anos 1990, as iniciativas de formação de docentes eram calcadas em princípios confessionais e diretamente ligados às denominações religiosas cristãs.

Ainda assim, em alguns lugares e regiões do país, experiências ecumênicas buscaram romper com o modelo confessional. Após duas a três décadas, tais experiências apontaram para a necessidade de se repensar a natureza do Ensino Religioso, com o propósito de acolher a diversidade religiosa brasileira. Um dos resultados desse movimento foi a instalação, em 1995, do FONAPER, entidade cujas ações colaboraram para a aprovação da Lei nº 9.475 de 1997, que alterou a concepção e metodologia vigente até então (BRASIL, 1997).

Com a nova lei, o Ensino Religioso passou a ter o dever de respeitar a diversidade religiosa na escola, o que gerou a demanda de criação de licenciaturas específicas para a formação adequada dos seus professores. Foi então que surgiram os primeiros cursos de Ciências da Religião para formar docentes de Ensino Religioso em uma perspectiva decolonial e não confessional.

Por mais de duas décadas, esses cursos funcionaram sem DCN, uma vez que somente em 2018 o MEC publicou os marcos normativos com princípios epistemológicos e pedagógicos para a regulamentação e avaliação dos cursos existentes, além de disponibilizar os parâmetros curriculares comuns para projetos futuros.

Nesse contexto, retratamos o papel da RELER na articulação das iniciativas empreendidas no campo da formação inicial de professores de Ensino Religioso, seja por meio de eventos anuais e publicações científicas, seja na representação política junto ao MEC e ao CNE.

Apesar do progresso alcançado, muitos desafios persistem para o tratamento adequado da diversidade religiosa nas escolas. Na atualidade, cada vez mais, a influência religiosa na esfera da educação pública faz parte de um conjunto de estratégias empreendidas por algumas confissões religiosas que disputam a hegemonia na sociedade. O resultado é a configuração de uma nova “cruzada”, altamente danosa à comunidade escolar, uma vez que a disseminação do preconceito, as práticas de intolerância religiosa e a disseminação de imagens negativas e discriminatórias continuam a confrontar os direitos humanos.

A multiplicação das hostilidades, discursos de ódio, práticas discriminatórias e intolerantes no campo religioso, requer do Estado brasileiro a criação de uma política pública capaz de gerar ações sistêmicas de longo alcance e duração, que abarque a totalidade das instituições escolares de norte a sul do país. Tais políticas necessariamente precisam investir e apostar na função social do Ensino Religioso não confessional, subsidiando-o com programas para formação inicial de seus docentes, com incentivo e fomento para elaboração e distribuição de materiais didáticos e paradidáticos.

A concretização dos objetivos do Ensino Religioso contidos no BNCC dependerá da formação de professores abertos à diversidade cultural e religiosa, conscientes da complexa dinâmica dos fenômenos religiosos e didaticamente preparados para o tratamento das culturas e religiosidades em sala de aula a partir de pressupostos éticos e científicos. Se a diversidade religiosa continuar a não ser reconhecida em seus saberes, valores, concepções e práticas; e se as unidades escolares não modificarem ritos, ritmos e processos que privilegiam determinados sujeitos e grupos, ou não estimularem diálogos entre diferentes identidades religiosas e não religiosas, dificilmente o direito à liberdade de pensamento, consciência, religião ou de qualquer convicção será assegurado para todos.

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SANTOS, Ademir Valdir dos; CECCHETTI, Elcio. “A grita endiabrada”: o ensino religioso no decurso entre o Império e os primórdios da República. Revista Pistis Praxis, Teologia e Pastoral, Curitiba, v. 13, n. 1, p. 537-552, jan./abr. 2021. [ Links ]

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1Por este acordo, as Coroas católicas detinham o direito de administrar os assuntos religiosos em seus domínios ultramarinos, responsabilizando-se pelo financiamento e controle da atividade missionária.

2É importante precisar o sentido dado ao termo “laicização” neste trabalho. Desde a origem do Cristianismo, o termo laicus passou a designar aquele que não era clérigo. Contudo, registros de 1487 indicam que na língua francesa, laicus deu origem a laïque, com sentido de oposição a “clero”. A partir do século XIX, laïque começou a indicar um espaço que estava para além do controle religioso. Foi aí que os termos como “laicidade”, “laicizar” e “laicização” começaram a ser empregados, principalmente nos países de língua latina, onde a separação do poder político ocorreu em meio a uma disputa direta contra a Igreja Católica. Para aprofundamento, consultar Cecchetti (2016).

3Aqui fazemos referência ao “giro decolonial”, movimento social-intelectual latino-americano que, a partir dos anos 1990, vem problematizando criticamente a dinâmica sociopolítica colonial ainda presente nas sociedades contemporâneas por meio da seguinte tríade: colonialidade do ser, colonialidade do poder e colonialidade do saber (CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007; QUIJANO, 2011).

4O FONAPER é uma associação civil de direito privado, de âmbito nacional, sem vínculo político-partidário, confessional e sindical, sem fins econômicos, que congrega, conforme seu Estatuto, pessoas jurídicas e pessoas naturais identificadas com o Ensino Religioso, constituindo-se num organismo que trata de questões pertinentes a esta área de conhecimento, sem discriminação de qualquer natureza (FÓRUM NACIONAL PERMANENTE DE ENSINO RELIGIOSO, 1996).

5Sobre o legado do FONAPER na proposição de um Ensino Religioso não confessional, consultar Pozzer e outros (2010), Pozzer e outros (2015) e Maria, Pazza e Cecchetti (2019).

6Embora não constitua objeto do presente trabalho, é importante registrar que o processo de elaboração, o teor e a estrutura da BNCC são temas controversos na atualidade brasileira. O dossiê “BNCC e a formação de professores: concepções, tensões, atores e estratégias” (AGUIAR; DOURADO, 2019) apresenta diferentes análises sobre o documento.

7De acordo com o Parecer CNE/CP nº 12 (BRASIL, 2018a), cursos de licenciatura em Ciências da Religião foram oferecidos pela FURB (Blumenau/SC), UNIVILLE (Joinville/SC), UNISUL (Tubarão/SC), Unochapecó (Chapecó/SC), UNOESC (São Miguel do Oeste/SC), UnC (Canoinhas/SC), USJ (São José/SC), UEPA (Belém/PA), UEMA (São Luís/MA), UFPB (João Pessoa/PB), UFJF (Juiz de Fora/MG), Unimontes (Montes Claros/MG), PUC-MG (Belo Horizonte/MG), UERN (Natal/RN), UFS (São Cristóvão/SE), UEA (Manaus/AM), UFSM (Santa Maria/RS) e UNICAP (Recife/PE).

8Usamos o termo no plural para incluir a diversidade de nomenclatura utilizada pelas diferentes instituições de educação superior.

Recebido: 06 de Janeiro de 2022; Aceito: 11 de Março de 2022

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