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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.66 Salvador abr./jun 2022  Epub 25-Oct-2022

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n66.p207-219 

EDUCAÇÃO BÁSICA E UNIVERSIDADE: REDES DE FORMAÇÃO DOCENTE NA AMÉRICA LATINA

LUTAS E FORMAÇÃO PARA PROFESSORXS OUTRXS

STRUGGLES AND TRAINING FOR OTHER TEACHERS

LUCHAS Y FORMACIÓN PARA OTROS PROFESORES

Sueli de Lima Moreira*  Universidade do Estado do Rio de Janeiro
http://orcid.org/0000-0002-3511-9007

Graciane de Souza Rocha**  Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo
http://orcid.org/0000-0002-3336-0753

Aldaléa Figueiredo dos Santos***  Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo
http://orcid.org/0000-0001-6912-5264

*Pós-doutorado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora na Faculdade Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: limamoreirasueli@gmail.com

**Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (PPGEDU/UFF). Mestra em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPed UERJ). Professora e Supervisora Educacional nas Secretarias Municipais de Educação de São Gonçalo e Búzios. Rio de Janeiro, Brasil. Pedagoga na Faculdade Maria Thereza (FAMATH). E-mail: gracianevolotao@hotmail.com

***Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora na Secretaria Municipal de São Gonçalo. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: aldaleafotos@gmail.com


RESUMO

Este artigo compartilha a trajetória, iniciada em 2016, do Grupo de Pesquisa-Ação Pedagógica Coletivo Investigador (FFP/UERJ), seus trabalhos e reflexões, nascidos sob a perspectiva das pedagogias latino-americanas. Com o objetivo de contribuir para a formulação de uma perspectiva epistemológica “outra” (DUSSEL, 1986) para a formação docente, o projeto investe na instauração de um “novo lugar institucional” (NÓVOA, 2017) e na vinculação entre as lutas docentes, o cotidiano escolar, os estágios supervisionados, o ensino e a pesquisa embasada em formulações de autores decoloniais, como Freire (1982), Fanon (2015) e Walsh (2009), e nas Epistemologias do Sul (SANTOS, 2007, 2020). A experiência indica caminhos para uma formação docente decolonial, contextualizada na luta de povos latinos, na pesquisa colaborativa, no trabalho coletivo, numa “outra cultura” para relações pedagógicas, saberes e lugares.

Palavras-chave: universidades; capacitação de professor; ensino

ABSTRACT

This article shares the trajectory, started in 2016, of the Research Group - Pedagogical Action Investigative Collective (FFP/UERJ), its works and reflections, born from the perspective of Latin American pedagogies. Aiming to contribute to the formulation of an “other” epistemological perspective (DUSSEL, 1986) for teacher education, the project invests in the establishment of a “new institutional place” (NÓVOA, 2017), promoting articulation between teachers' struggles, school daily life, supervised internships, teaching, research and the decolonial principles and authors, such as Freire (1982), Fanon (2015) and Walsh (2009), as well as the Epistemologies of the South (SANTOS, 2007, 2020). The experience indicates paths for a decolonial teacher education, contextualized in the struggle of Latin peoples, in collaborative research, in collective work, in an “other culture” for pedagogical relations, knowledges and places.

Keywords: universities; teacher training; teaching

RESUMEN

Este artículo comparte la trayectoria, iniciada en 2016, del Grupo de Investigación - Colectivo de Investigación de Acción Pedagógica (FFP/UERJ), sus trabajos y reflexiones, nacidos desde la perspectiva de las pedagogías latinoamericanas. Con el objetivo de contribuir a la formulación de una perspectiva epistemológica “otra” (DUSSEL, 1986) para la formación docente, el proyecto invierte en el establecimiento de un “nuevo lugar institucional” (NÓVOA, 2017), promoviendo la articulación entre las luchas de los profesores, la vida cotidiana de la escuela, las prácticas supervisadas, la enseñanza, la investigación y los principios y autores decoloniales, como Freire (1982), Fanon (2015) y Walsh (2009), así como las Epistemologías del Sur (SANTOS, 2007, 2020). La experiencia indica caminos para una formación docente descolonial, contextualizada en la lucha de los pueblos latinos, la investigación colaborativa, el trabajo colectivo, en una “cultura otra” para las relaciones pedagógicas, los saberes y los lugares.

Palabras clave: universidades; formación de profesores; enseñanza

1 Apresentação

O Grupo de Pesquisa-Ação Pedagógica Coletivo Investigador (FFP/UERJ), cujas pesquisas são relatadas neste texto, é constituído por professores de escolas públicas e estudantes da Faculdade de Formação de Professores (FFP). O projeto visa articular a formação inicial e continuada, a fim de contribuir para a formulação de uma perspectiva epistemológica “outra”1 para a formação docente, por meio da instauração de um “novo lugar institucional” (NÓVOA, 2017, p. 1106) e da vinculação entre as lutas docentes, o cotidiano escolar, os estágios supervisionados, o ensino e a pesquisa embasada em formulações de autores decoloniais, como Freire (1982), Fanon (2015), Walsh (2009), e nas Epistemologias do Sul (SANTOS, 2007, 2020).

As relações estabelecidas entre universidade e escolas, nas ações de formação docente, em especial a centralidade assumida pelas universidades em trabalho, muitas vezes desvinculado das escolas, são hoje objeto de reflexão. Os desafios são muitos, mas, ao longo dos últimos anos, nos foi possível investigar modelos e epistemologias para a formação de professores. Foi preciso conquistar espaços democráticos dentro de escolas e universidades, de forma a provocar nas instituições a instauração de práticas participativas.

Organizado, inicialmente, como um curso de extensão, o grupo não consentia que a universidade coordenasse o trabalho. Por isso, ganhou o formato de um grupo de pesquisa que efetivou diversas parcerias no campo dos estágios e das pesquisas. O foco do trabalho recai sobre a dimensão coletiva da prática docente, que se realiza por meio da colaboração, reconhecendo a complexidade do trabalho pedagógico, que exige o desenvolvimento de outras diretrizes para a formação docente, orientadas pela pluralidade das vozes no enfrentamento dos desafios comuns no campo da educação pública.

2 Nosso lugar de formação: a luta docente

Os movimentos sociais - nos quais estão inseridas a Educação Popular e as pedagogias críticas no Brasil - trabalham por uma América Latina soberana e autônoma e têm enfrentado cenários políticos marcadamente instáveis, entre conquistas e graves recuos, desde os anos de 1960.

Desde o golpe parlamentar que destituiu a presidenta eleita Dilma Rousseff, o Brasil tem vivido uma dramática quebra das condições institucionais. Dois anos depois do golpe, a vereadora Marielle Franco é assassinada, e o ex-presidente Lula é preso (impedido, assim, de ser reeleito) por meio de uma operação realizada pela Polícia Federal, que condenou mais de cem pessoas. A crise política gerada por esses fatores rapidamente provocou o aumento da desigualdade social, a perseguição aos direitos e a ausência de diálogo com lideranças sociais de oposição. A educação pública se vê ameaçada pela implementação de diversas políticas autoritárias. O desmonte é acirrado com a Emenda Constitucional nº 95/2016 (BRASIL, 2016), que determinou que o orçamento para a educação (e outras áreas sociais) fosse congelado por 20 anos.

O contexto sociopolítico no Brasil e na América Latina é extremante desafiante. A disputa entre aqueles que buscam reescrever a história do continente na perspectiva descolonizadora e os que trabalham por sua recolonização se acirra. Diversos governos conservadores tomam o poder em condições controversas e implementam políticas de restrição de direitos, entre as quais está o ataque ao direito das populações à educação pública.

No entanto, o continente americano é marcado por muita resistência. E é desse lugar de resistência que fala nosso grupo de pesquisa. Nele, as lutas docentes ganham ainda mais destaque no centro da disputa entre os que perseguem condições justas para o mundo e os que desejam a manutenção das desigualdades sociais.

A experiência que trazemos neste artigo nasceu em 2016, na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ), em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Brasil), onde um grupo de docentes de 18 escolas e estudantes de distintas licenciaturas na UERJ, autointitulado Grupo de Pesquisa-Ação Pedagógica Coletivo Investigador (FFP/UERJ),2 reuniu-se com o objetivo de pesquisar as epistemologias para formação docente.

Desafiados a contribuir para a revisão das epistemologias, modelos e espaços, investimos na dimensão do trabalho coletivo de professores em luta e formação, o que nos possibilita atuar e nos formar como profissionais com base na relação ontológica (quem somos) e epistemológica (o que investigamos), pois, ao compreendermos quem somos, temos a chance de instituir novas práticas (novas condições epistêmicas), e estas nos permitem transformar as condições ontológicas de que dispomos a fim de que possamos ser de outras formas.

Aventuramo-nos no propósito de colaborar na construção de outras dimensões para a formação docente, estabelecendo conexões democráticas entre escolas e universidade, teorias e práticas, sujeitos e funções. Este trabalho apresenta algumas de nossas aprendizagens nesses anos em que investimos em pedagogias decoloniais3 desde o Sul. No entanto, manter esse processo vivo é mais que um desafio acadêmico, é político. Se a escola precisa da articulação com a universidade para compreender-se como campo de pesquisa, como campo de aventura do conhecimento para a educação, para enfrentar os ataques que sofre e, assim, se legitimar, a universidade precisa reconhecer que não é capaz de promover uma formação socialmente referenciada sem o trabalho em conjunto com escolas. Esse ponto, o da instauração de outro lugar institucional em que escolas e universidades se associem na formação docente, é o que queremos trazer ao debate em curso diante das pedagogias críticas, em especial a perspectiva das epistemologias decoloniais.

3 Pedagogias e as práticas sociais desde o Sul

Com Freire (2006) aprendemos que a educação é um lugar de conflito, onde o diálogo precisa ser conquistado. No entanto, Walsh (2009) afirma que é preciso compreender as razões e causas do não diálogo, e para isso há que se fazer a crítica social explicitando as condições educativas, políticas e econômicas em que o diálogo pretendido pode se dar. Nessa perspectiva, a educação é campo de disputas entre sujeitos e conhecimentos.

Nós nos perguntamos se a educação estaria situada na tensa fronteira abissal que divide o mundo contemporâneo em dois, em referência aqui ao pensamento de Santos (2007) quando divide a realidade social em dois universos distintos: de um lado, os colonizados (Novo Mundo/este lado da linha); de outro, os colonizadores (Velho Mundo/outro lado da linha).4 Trata-se de um modo de estruturar o conhecimento, tomando como inexistente todo e qualquer pensamento que não seja criado pelo outro lado da linha, ou seja, pelo Velho Mundo.

O processo resultou na opressão e no silêncio de grande parte das experiências e saberes produzidos por princípios epistemológicos outros. Santos (2007) refere-se a um epistemicídio - o fim de todas as outras formas de conhecimento - e afirma que as universidades (e por extensão as escolas também) são centros de implantação das bases do pensamento abissal, porque reproduzem-no.

“A luta paradigmática é, no seu conjunto, altamente arriscada” (SANTOS, 2010, p. 17), o que nos induz a pensar que as inovações entendidas como rupturas paradigmáticas exigem de professores a reconfiguração de saberes e a necessidade de conviver com a transformação, com a energia emancipatória. Se pensarmos o problema da educação na sua complexidade, verificaremos que as condições para gerar as mudanças reclamadas e/ou sugeridas só se efetivam se conseguirmos realizar mudanças sistêmicas nos processos educacionais, não mudanças isoladas. Como atingir essa radicalidade? Para esse autor, tratar a inovação como ruptura paradigmática é dar-lhe uma dimensão emancipatória, o que, podemos supor, corresponde à superação do pensamento abissal (MOREIRA, 2018).

A tese defendida por Santos (2020) é de que as lutas contra as opressões continuarão a ter lugar no mundo e serão portadoras de alternativas capazes de responder aos desafios se conseguirmos inverter nossas condições epistemológicas. A transformação dar-se-á se investirmos na reinterpretação do paradigma dominante. Para transformar, e simultaneamente reinterpretar o mundo, é preciso investir em práticas coletivas, segundo esse autor. Práticas em luta (por isso, coletivas) que dependem das condições e contextos que as lutas requerem e que nos cobram diálogos com múltiplas áreas e conhecimentos múltiplos.

Em meio a complexas condições sociais e profissionais marcadas por relações tensas e marcadamente autoritárias, nós professores e estudantes sul-americanos conhecemos cotidianamente a necessidade de avançar na investigação de outros modelos e práticas para a produção de professores outros. Se querem nos manter em silêncio ou manipulados por complexas operações midiáticas que visam à nossa submissão a interesses alheios aos nossos, sabemos que nossa resistência terá de ser feita não só pela conquista do diálogo nos debates públicos, mas também por meio de outros modelos pedagógicos para as salas de aula, departamentos, grupos de pesquisa, bem como sistemas educativos da educação superior e básica.

Nós, cientistas que trabalhamos em comunidades - científicas e culturais -, aprendemos que o diálogo nos desafia (ele sempre nos desafiou) e que, para conquistá-lo, é preciso reconhecer a existência dos outros que também estão em nós. Reconhecendo os muitos outros que existem em nós (e que fomos obrigados a não ouvir), podemos promover a dúvida, aquela que nos leva a novas perguntas, pesquisas e produção de conhecimentos.

Desde os lugares onde atuamos, aprendemos com Freire (2006), Walsh (2009) e com Santos (2007, 2020) que as práticas de conhecimentos que nos interessam, por estarem socialmente referenciados, são aquelas que concebemos por meio de nossas lutas e vozes. As investigações coletivas por outros lugares institucionais nos têm possibilitado conseguir articular os conhecimentos científicos aos desafios sociais. E estamos certos de que é deste lugar que podemos nos formar para uma existência outra na formação docente em nosso país e continente.

A dimensão coletiva de professores em luta e formação nos possibilita atuar e nos formar como profissionais por meio das sucessivas revisões acerca de quem somos e como investigamos, pois, ao compreender quem somos, temos a chance de instituir novas práticas, novas condições epistêmicas, e estas nos possibilitam transformar as condições ontológicas de que dispomos a fim de que possamos ser de outras formas (MOREIRA, 2021).

4 Desterritorializar a formação docente

Nesse contexto crítico, nós - professores, estudantes e pesquisadores - questionamos a centralidade de universidades nos processos de formação de professores. Somos desafiados a transformar escolas em locais de práticas reflexivas e a transformar universidades em espaços abertos à sociedade. E, mais do que isso, temos de transformar ambas em comunidades epistêmicas ampliadas se queremos formar professores para os desafios que conhecemos na América Latina, em especial no Brasil. Para isso é preciso pesquisar caminhos que nos possibilitem, no enfrentamento dos desafios comuns, conquistar espaços e epistemologias de trabalhos em conjunto, com base numa cultura profissional que favoreça uma relação de uns pelos outros, como num “tecido profissional enriquecido” (NÓVOA, 2011, p. 205). No entanto, vivemos em meio a desafios cotidianos de resistência, atentos a manter direitos conquistados nas condições e espaços docentes e discentes onde atuamos. Diante de tanta instabilidade, a instauração de espaços participativos e democráticos é ainda mais desafiante, mas temos aprendido que a luta e a resistência por espaços, modelos e epistemologias outras para a formação docente têm sido em si a prática que nos possibilita a conquista que almejamos.

Tendo como ponto de partida a “posicionalidade” (WALSH, 2009), nós nos dedicamos ao nosso cotidiano: o lugar onde buscamos dar forma aos trabalhos desenvolvidos com base nas nossas lutas, projetos pedagógicos e reivindicação de mais participação no espaço acadêmico. Nesse sentido, criar um ambiente de investigação coletiva e democrática entre escolas e universidade corresponde a buscar compreender as práticas que nos levam a ser os profissionais que queremos ser (MOREIRA, 2021). A docência e a luta são aspectos articulados no Brasil. É o que nos possibilita transformar os espaços e nossos contextos de vida, formação e profissão.

Nossas lutas assumem distintos formatos e escalas. Às vezes manifestam-se de formas explícitas e organizadas (sindicatos, partidos, centros acadêmicos estudantis); às vezes são espontâneas nos movimentos sociais, salas de aula, departamentos universitários e grupos de pesquisa. Por serem os professores e estudantes também produtores de conhecimentos, quando se compreendem implicados em processos de luta/formação, instauram outras epistemologias para a formação. Os conhecimentos em luta produzidos por professores e estudantes em luta são conhecimentos que tanto nascem na luta quanto realimentam a luta.

Professores e estudantes reunidos em lutas democráticas e/ou em projetos de pesquisa com os mesmos valores operam por meio de construções coletivas, diferentes vozes e saberes a partir de relações e investigações conjuntas capazes de produzir práxis outras.

Os saberes experienciados por professores e estudantes em luta, na perspectiva das pedagogias decoloniais (WALSH, 2009) e das Epistemologias do Sul (SANTOS, 2007), produzem uma reação ao que o mundo eurocêntrico configurou entre nós. Por meio de investigações e práticas colaborativas, podemos superar as dicotomias Universidade/pensamento/ teorias versus Escolas/práticas/ação. O trabalho tem-nos permitido o desenvolvimento de outra postura, capaz de imprimir a solidariedade, a cooperação e a reciprocidade nos modelos e condições do trabalho formativo.

5 A pesquisa-ação pedagógica

A pesquisa-ação não é para nós uma estratégia de trabalho, mas uma forma de conceber a educação. No trabalho que desenvolvemos na universidade, a pesquisa-ação orienta as atividades desenvolvidas no campo do ensino, pesquisa e extensão. Nas escolas, a pesquisa-ação tem colaborado para a revisão de espaços e concepção pedagógica do cotidiano escolar.

Metodologicamente, trabalha-se com pesquisa-ação pedagógica conforme Franco (2016), ou seja, buscando articular pesquisa, ação e formação por meio de uma práxis científica contextualizada nas relações entre os distintos sujeitos, instituições e políticas que constituem o campo da formação docente. A pesquisa-ação destinada à formação contínua de professores foi denominada por Franco (2016) de pesquisa-ação pedagógica.

Os trabalhos desenvolvidos pelo grupo desta pesquisa são fundamentados nas experiências e saberes formulados por professores e estudantes de licenciaturas e vivenciados no cotidiano escolar, tanto em práticas pedagógicas quanto em estágios. Investigam a ressignificação da formação de professores por meio da compreensão e problematização coletiva dos desafios experimentados nos distintos contextos educacionais em que atuamos. Inspirados em Nóvoa (2017), interessa-nos a instauração de outras relações para a formação docente, relações baseadas na partilha, na diversidade de experiências e nos contextos de vida e ação profissional dos envolvidos.

Na perspectiva sul-americana (na qual nos situamos), há um enfrentamento epistemológico de duplo desafio: transcender a episteme eurocêntrica dominante e formular-se a si mesmo. Para nós sul-americanos, a pergunta “quem sou eu” foi, durante muito tempo, respondida por um terceiro e, nessa perspectiva, “a presença do outro me impede de ser eu mesmo” (FANON, 2015). Por isso, precisamos atualizar essa pergunta e procurar por respostas. Nesse sentido, a pesquisa-ação tem contribuído para superar a episteme eurocêntrica dominante e para dar voz à experiência sul-americana que nos constitui.

O trabalho aqui descrito é organizado em ciclos, constituídos de etapas, realizadas remotamente, desde o início da pandemia, mas sempre de forma participativa e democrática, conforme descrição a seguir.

1º ciclo: constituição coletiva da pesquisa-ação pedagógica

A legitimidade do processo depende da relação que o coordenador desenvolve com os sujeitos/comunidades/instituições. Importante considerar que sua coordenação é relativa, pois deverá se submeter a questionamentos todo o tempo. Em todas as fases da pesquisa, há o desafio de se manter como um coletivo investigador, o que exige uma contínua aprendizagem e autocrítica do coordenador. Embora com responsabilidade diferenciada, o coordenador deve evitar o uso do poder de direção na pesquisa, já que todas as etapas do trabalho devem ser realizadas coletivamente.

2º ciclo: mobilização para a partilha de conhecimentos num coletivo investigador

Ao darmos início a uma pesquisa-ação, procuramos, primeiramente, rever seus fundamentos em coletivo, considerando referências, história e finalidades. Em seguida, exploramos as compreensões dos muitos sentidos da ética na pesquisa: negociamos e esclarecemos o termo de consentimento. Em rodas de conversas, relacionamos os temas da pesquisa com os sentidos e experiências dos integrantes, buscando a convergência para a elaboração do trabalho conjunto. Utilizamos relatos autobiográficos sistematizando as palavras-chave nos discursos com base nos questionamentos: Quem sou? Por que estou aqui? Que experiências tenho para partilhar? Realizam-se, então, mapas conceituais coletivos, identificando a problemática comum aos integrantes.

3º ciclo: construção coletiva do objetivo da pesquisa

O objetivo da pesquisa é construído de acordo com experiências e interesses formulados na fase anterior. Com base no objetivo, construímos coletivamente a estratégia de pesquisa e seus instrumentos. Dessa forma, antes de ir a campo, selecionam-se conceitos e autores que possam fundamentar o trabalho. Busca-se o desenvolvimento de formulações criticamente referenciadas (segundo nível de compreensão do problema). Esse trabalho pode ser realizado por meio de diversas dinâmicas (leituras, escritas e debates), todas visando à revisão crítica do objetivo da pesquisa.

4º ciclo: trabalho de campo e análise de dados

O campo é imprevisível e, ao mesmo tempo, é a fase da pesquisa em que se busca “segurança” e o desejo de controle do processo. A aventura do conhecimento promove muita angústia e inquietação no grupo de pesquisa. Como podemos nos aventurar e fazer pesquisa? Como proceder nas irrupções no campo? Diante desses questionamentos, promovemos revisões constantes, retornando às referências bibliográficas de que dispomos.

A análise de dados também são experiências coletivas para nós. Os dados não são invenções, mas deduções de métodos; logo, devem ser interpretados coletivamente em diversas reuniões de trabalho. Trata-se de uma fase extensa, mas bastante estimulante se o que se busca é um saber partilhado, um saber que habita entre nós, uma reeducação do pensar: do singular para o plural.

5º ciclo: perspectiva de produção de rupturas em direção à transformação

Com base nesses princípios, a pesquisa em campo, a organização dos dados, a tarefa de sistematizar, de construir sínteses, articulá-las em novas formulações a ser apropriadas pela comunidade acadêmica - aquilo que Franco (2016, p. 522) chama de “produção de rupturas cognitivas” - são os momentos em que o pesquisador/professor/estudante muda sua concepção por meio do trabalho de pesquisa coletivo. Nessa fase, desenvolve-se a redação de textos em coletivo. Uma outra alfabetização acadêmica nos desafia, pois trabalhamos pouco sob bases dessa cultura coletiva.

A pesquisa-ação pedagógica é um campo de “sub-revoluções” (FANON 2015), um processo que nos prepara para as mudanças mais radicais que precisamos conquistar.

Levando em conta esse contexto epistemológico, o grupo de pesquisa vem, desde 2016, desenvolvendo diversas pesquisas e ações que visam colaborar com os desafios para uma formação docente outra, quanto a modelos, estratégias, políticas e reflexões sobre educação no Brasil, em especial na cidade de São Gonçalo,5 no estado do Rio de Janeiro.

6 Resumo de pesquisas realizadas

6.1 A Cultura Democrática nas escolas (2016)

A pesquisa nasceu com o objetivo de investigar as condições de que dispunham os professores para atuar em suas escolas no que se refere à cultura democrática no ambiente escolar. Inspirados em Ghanem (2004), recorremos ao artigo 205 da Constituição Brasileira de 1988, que determina que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Com base nesse artigo, estruturamos equipes que, conforme o plano de pesquisa desenvolvido previamente em coletivo, buscaram identificar as práticas pedagógicas nas 12 escolas do ensino fundamental, com IDEB variando entre 2,8 e 4,5. Queríamos identificar o que se oferecia para o pleno desenvolvimento da pessoa, para a sua formação cidadã e para qualificá-la para o trabalho. Também investigávamos se havia condições para o debate livre e democrático nas comunidades escolares (COLETIVO INVESTIGADOR, 2022).

6.2 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nas escolas de São Gonçalo-RJ (2017 e 2018)

Prevista na Constituição de 1988, na LDB de 1996 e no Plano Nacional de Educação, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é resultado de um longo debate da sociedade brasileira. Entretanto, observávamos que havia por parte dos professores muitas críticas em relação à condução desse debate, bem como no que se refere às condições de sua implementação. Se, por um lado, a BNCC era um documento normativo que buscava definir o conjunto das aprendizagens essenciais que todos os estudantes brasileiros deveriam ter para que seus direitos fossem assegurados, por outro havia, entre os professores, uma preocupação com a diminuição de suas autonomias docentes, bem como um sentimento comum em defesa da pluralidade cultural. Nessa perspectiva, tratar o Brasil como um país homogêneo de condições iguais, com um currículo oficial capaz de atender a todos, exige, no mínimo, o debate sobre o que seria esse todo.

Fundamentados na ideia de que currículos são campos de disputas, afirmamos a urgência na valorização da escola pública diante dos violentos ataques que vem sofrendo. Por meio da instauração de um espaço de pesquisa coletiva, reagimos perante as forças que insistem em gestar a escola pública sempre de fora para dentro e tomamos o cotidiano escolar como campo de pesquisa, apoiados nos conhecimentos científicos atualizados da educação. Nesse contexto, a pesquisa teve o objetivo geral de investigar práticas pedagógicas em desenvolvimento nas escolas que, antes mesmo da implementação da BNCC, estivessem articuladas a ela. A pesquisa foi realizada em 12 escolas do ensino fundamental, com IDEB variando entre 2,8 e 4,5, por meio de distintas ferramentas de pesquisa: rodas de conversas, entrevistas semiestruturadas e análises de documentos das escolas (COLETIVO INVESTIGADOR, 2022).

6.3 Formação Docente: outros espaços e práticas (realizada desde 2016)

Considerando que a formação de professores é uma área do conhecimento constituída de investigação teórica e prática, busca-se explorar as relações entre universidade e escolas, suas práticas, epistemologias e modelos (COLETIVO INVESTIGADOR, 2022).

6.4 Educação em tempos de pandemia - o que dizem professores, estudantes e responsáveis? (2020 e 2021)

Com o objetivo de compreender os desafios que professores, estudantes e responsáveis da Rede Municipal de São Gonçalo estão enfrentando em razão da pandemia da Covid-19, foram ouvidos professores, estudantes e responsáveis entre 15 de junho e 13 de julho de 2020. Os formulários foram encaminhados virtualmente por meio de diversos grupos a que tivemos acesso, obedecendo às condições exigidas não somente pela Comissão de Ética da Universidade, assim como pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Obtivemos 161 respostas de professores da Rede Municipal de São Gonçalo, 114 respostas dos alunos e 205 de responsáveis.

Em junho de 2020, publica-se o Relatório Técnico de Pesquisa - Educação e pandemia na cidade de São Gonçalo: o que dizem professores, estudantes e responsáveis (COLETIVO INVESTIGADOR, 2020). Com base no relatório sobre as condições da educação no contexto pandêmico, foi criado o Laboratório de Aprendizagens Remotas, fruto de esforço de professores da escola básica e graduandos em licenciaturas para colaborar com os desafios da educação pública durante a pandemia da Covid-19. As ações são desenvolvidas inteiramente em plataformas virtuais, seguindo as orientações da OMS quanto à necessidade de distanciamento social.

Com base em pesquisa recente realizada pelo grupo, observou-se a necessidade de investimento em práticas que auxiliem a conquista do diálogo democrático nas escolas e nas universidades, no tocante aos desafios que envolvem os estágios supervisionados. Nesse período de pandemia, poucas estratégias foram negociadas com comunidades nas quais as escolas estavam inseridas. Muito foi arbitrado por instâncias distintas às instituições de ensino. Nos cursos de formação de professores, como lidar com o campo dos estágios e, simultaneamente, apoiar a luta docente pelo não retorno presencial das aulas?

Nesse contexto, surge a necessidade de criar um espaço virtual que possibilite experiências dialógicas de trabalho pedagógico entre escolas básicas e ensino superior, integrando agentes/sujeitos, tempos/espaços e, se possível, políticas, de forma a recriar os sentidos das escolas com base nas novas condições de trabalho disponíveis, assumindo de forma mais enfática a dimensão pública, cidadã e cultural nas instituições de ensino.

Importante destacar que a proposta não tem a pretensão de interferir no trabalho da escola nem de substituí-lo, mas, sim, de mitigar os efeitos colaterais que o distanciamento impôs, colaborando para a ampliação do diálogo e da cultura democrática entre professores e estudantes de escolas e universidades, de forma a ampliar a voz desses atores diante dos desafios impostos no campo da educação.

Tínhamos a intenção de, diante das condições virtuais para a realização de trabalhos pedagógicos, desenvolver diversas experiências dialógicas, democráticas e solidárias entre escolas e universidades públicas para professores, seus alunos do ensino fundamental e estudantes de licenciaturas.

7 Considerações para o debate

Buscou-se, neste texto, apresentar as contribuições que o Grupo Pesquisa Ação Pedagógica Coletivo Investigador (FFP/UERJ) tem buscado trazer para a formação docente, resultantes especialmente do seu interesse e compromisso em colaborar com perspectivas outras nesse campo de formação. O objetivo tem sido o de também colaborar com as epistemologias decoloniais por meio da instauração de outros modelos formativos sustentados pelas lutas docentes e discentes e inspirados em Freire (1982), Fanon (2015) e Walsh (2009), assim como nas Epistemologias do Sul (SANTOS, 2007, 2020).

Em nossas experiências, aprendemos que o trabalho de formação de professores, quando concebido em rede, escolas/universidade, levando em conta vozes e saberes de professoras de escolas e estudantes universitários, constitui prática descolonizadora de modelos e epistemologias que marcam essas instituições porque concebe a educação como ato político à criação de alternativas críticas desenvolvidas em pesquisas participativas.

Na perspectiva da universidade, reconhecemos que sem as escolas não é possível recriar os modelos formativos. Esse reconhecimento pressupõe a revisão dos debates sobre as condições epistêmicas e políticas que sustentam as licenciaturas e suas relações na produção de conhecimento para a formação de professores. A universidade pública nos parece desafiada a aprender a pensar “com”, não só para ampliar sua legitimidade respondendo aos desafios que enfrenta no contexto das lutas latinas, como também para colaborar nas respostas aos sucessivos ataques que o campo da educação vem sofrendo.

Aprendendo a trabalhar com a escola, em redes formativas, ampliamos o poder de resistência docente, bem como as condições de construção de conhecimentos para a reinterpretação de práticas, contextos e desafios a partir da pluralidade de nossas vozes. Estamos aprendendo que investindo em comunidades epistêmicas plurais, constituídas de docentes e discentes de escolas e universidades, avançamos na construção de um espaço formativo formulado em ambiente epistemológico outro, capaz de nos fortalecer nas nossas lutas políticas e teóricas. Transformando escolas em locais de práticas reflexivas, e universidades em espaços abertos à sociedade, experimentamos a construção de um campo ampliado de aprendizagem escolar e universitário, em que a formação docente é formulada por meio de um trabalho cooperativado.

Por outro lado, buscamos, também, trazer para dentro da universidade o que Santos (2010) denominou de “extensão às avessas”, quando se constrói condições para outros saberes e atores atuarem no interior da universidade em espaços de formação continuada, que é a proposta desse projeto.

Para superar as estruturas preestabelecidas que marcam as relações ensino-aprendizagem, é preciso, conforme Santos (2010), que nos perguntemos por que não conseguimos nos reinventar. Não estaríamos precisando nos abrir para novos paradigmas de conhecimento, para outras formas de conhecer o mundo?

Concordamos que são cinco as áreas de ação que podem auxiliar a universidade a reconquistar sua legitimidade diante da crise contemporânea: acesso, extensão, pesquisa-ação, ecologia de saberes, universidade e escola pública em trabalho conjunto, conforme sugere Santos (2010). Nessa perspectiva, não há como ignorar, hoje, que os contextos de trabalho carregam em si um alto potencial formativo. Por isso, procuramos articular formação universitária e investigação teórica e prática. E destacamos o campo dos estágios como central nas relações entre universidade e escolas, bem como nas relações ensino-pesquisa-extensão, pois o campo traz em si oportunidades de articulação entre teorias e práticas, estudantes e professores, escolas e universidade, ensino, pesquisa e extensão.

Acreditamos na potência de explorar o saber da experiência, ou seja, numa formação que se faça “dentro” dos contextos de trabalho por meio do diálogo com outros profissionais. Acreditamos na instauração de políticas de aproximação entre escolas e universidade que busquem desenvolver, nas escolas, a cultura de analisar suas práticas com apoio da universidade. E que torne possível, nas universidades, uma formação ancorada nos desafios das escolas, constituindo-se, assim, num lugar outro para a formação. As licenciaturas precisam rever continuamente seus discursos críticos acerca da formação docente e para isso interessa o investimento em condições horizontais, participativas e democráticas com as escolas, seja nos estágios, seja nas pesquisas. A experiência da formação em redes colaborativas escolas/universidade tem sido capaz de contribuir para o alcance dessa finalidade, o que nos tem exigido uma formação docente articulada com as lutas políticas descolonizadoras.

Nóvoa (2011) ressalta a dimensão coletiva da prática docente como uma ação que se realiza também por meio da colaboração. Afirma que a complexidade do trabalho pedagógico exige que possamos desenvolver equipes pedagógicas com competência coletiva - mais do que equipes que somem competências individuais -, que possam crescer mutuamente como um “tecido profissional enriquecido” para o enfrentamento dos desafios comuns (MOREIRA, 2018, p. 206).

No Brasil, os estudos científicos sobre educação utilizaram instrumental baseado numa racionalidade eurocentrada. Ao separarem sujeito de objeto de pesquisa, pesquisadores de pesquisados, desconsideraram as subjetividades inerentes às ações humanas, recortaram arbitrariamente contextos de pesquisa, congelando interpretações e afastando-se das possibilidades de compreender as dimensões da prática e da pluralidade de vozes que sustentam uma educação descolonizada. Isso porque todo o referencial teórico existente não revela preocupação em:

[...] abranger o contexto educacional latino-americano: a participa ção como um processo político-pedagógico; o conhecimento da história de nossa pedagogia em sua vertente crítica; a compreensão das culturas de participação e suas formas de expressão social e política; a reflexão sobre utopias democraticamente transformadoras. (STRECK, 2017, p. 189).

Talvez, para avançarmos na perspectiva da descolonização de nossas pedagogias, tenhamos que aceitar a provocação de Santos (2007, p. 84) quando desafia a universidade a colaborar na estruturação do pensamento pós-abissal por meio de “uma amplificação simbólica de sinais, pistas e tendências latentes que, embora dispersas, embrionárias e fragmentadas, apontam novas constelações de sentido referentes tanto à compreensão quanto à transformação do mundo”.

Na mesma direção, sob uma outra perspectiva, Walsh (2009, p. 24) afirma:

De esta manera la sociogenía se puede entender como una pedagogía propia de autodeterminación y auto-liberación, con cuatro enfoques o componentes medulares: hacer despertar, alentar la auto-agencia y acción, facilitar la formación de subjetividad y autorreflexión, y fomentar y revitalizar racionalidades política-éticas ‘otras’ que se distancien de la razón moderno-occidental-colonial, se enraízan y apuntan un actuar hacia la libertad, hacia la transformación y la creación de estructuras sociales y condiciones de existencia radicalmente distintas. Conjuntados estos componentes construyen una pedagogía y praxis de liberación, y un humanismo nuevo fundado em una razón ‘otra’: en la razón, esperanza, posibilidad e imaginario/imaginación decolonial.6

Na perspectiva de Walsh (2009), no que diz respeito às pedagogias decoloniais, o trabalho a ser feito é o de politizar a práxis pedagógica contrapondo-a à geopolítica hegemônica e monocultural, transformando estruturas e instituições estruturadas sob a episteme dominante ocidental de forma marcadamente vertical, excessivamente controladora e competitiva. Isso significa que a ação decolonial no campo da pedagogia deve não somente “descravizar mentes” (WALSH, 2009, p. 24), mas também desaprender o aprendido para voltar a aprender, de forma que o pedagógico e o decolonial constituam um único projeto político a ser construído nas escolas, nas universidades (WALSH; OLIVEIRA; CANDAU, 2018).

Para concluir, queremos destacar a diversidade pedagógica da América Latina (STRECK, 2017) e observar que sempre estivemos sob fortes influências totalizantes que nos impuseram interpretações homogêneas sobre os processos pedagógicos que empreendemos, o que parece indicar que precisamos rever o sentido de nossas participações nos processos educacionais que promovemos. Como concebemos a participação? Ela de fato constitui nossas políticas e práticas educacionais no campo democrático? E nossas pesquisas? É possível promover outras epistemologias sem que possamos alterar as condições de que dispomos para realizar nossas pesquisas? Por que não somos formados para as pesquisas colaborativas, democráticas e coletivas? Problematizando e ressignificando os sentidos da educação e o papel de suas instituições, bem como suas relações com os conhecimentos produzidos contemporaneamente, pode-se, talvez, na perspectiva da universidade, rever as relações ensino/pesquisa/extensão. E, no que se refere às escolas, repensar sua voz diante da universidade. Reafirmamos o desafio de conquistar e sustentar a construção dialógica e crítica dos conhecimentos por meio de modelos de trabalhos horizontais e solidários no campo da formação docente.

Nesse sentido, quando universidade e escolas, em trabalho conjunto, promovem o diálogo e estruturam-se por meio da participação, podemos exercitar a cultura democrática capaz de promover o sentimento de pertencimento e compromisso nas comunidades educadoras, bem como a justiça, a pluralidade, a solidariedade entre formas de existir, desde os povos latino-americanos. Enquanto os espaços dominantes movem-se por lógicas competitivas e exclusivas, experiências formativas outras se constituem na justa tensão das lutas por solidariedade, coexistência, valorização do comum e da vida plural - experiências que, em processo de amadurecimento, nos cobram debates continuados como o que buscamos promover neste trabalho.

REFERÊNCIAS

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1A perspectiva decolonial privilegia o outro como distinto, que, segundo Dussel (1986), caracteriza-se como o não habitual, cotidiano. O “outro” é o extraordinário, o que está fora da norma. Esse autor associa-o ao que é próprio da indeterminação dos processos culturais e históricos dos distintos povos e suas essências.

2O Coletivo Investigador, em 2016, era formado por um grupo de professores e estudantes, atuantes nas cidades de São Gonçalo, Itaboraí, Niterói, Maricá e Rio de Janeiro. Na ocasião, 67% eram professores, 22%, estudantes, e 11%, estudantes e professores. O grupo sempre foi bastante diverso em relação às experiências docentes: 8,9% têm de 1 a 5 anos de docência; 13,3%, de 5 a 10 anos; 8,9%, de 10 a 15 anos; 8,9%, entre 15 e 20; 6, 7%, entre 20 e 25; 24%, entre 25 e 30 anos de experiência; 8,9% têm mais de 30 anos; 20% atuam em cargos da gestão municipal. Entre os que estavam nas escolas, 74% atuavam no Ensino Fundamental, 20% na Educação Infantil, 5,7 no Ensino Superior. Em relação à formação, 2% tinham doutorado; 8,9%, mestrado; 49%, cursos de pós-graduação; 29% são graduados e 11% têm graduações não concluídas. Atualmente integram o grupo: Aldaléa Figueiredo dos Santos; Ana Claudia Carvalho Teixeira; Beatriz Gonçalves Azevedo; Carla Marcelle Silva Gonçalves; Claudia Fernanda Assis Saldanha; Evelin Mariana Claro Barbosa; Graciane de Souza Rocha Volotão; Júlio César de Almeida Vidal; Jussara Soares dos Reis; Larissa Lopes de Oliveira; Lorena Rodrigues Areas; Lúcia Angélica Monteiro Lobo; Maria Vitória Ferreira Gonçalves Lopes ; Marluci de Oliveira Consuli Moraes ; Michele Barreto Nunes ; Monique Suelem Vaz dos Santos; Patrícia Pereira Do Prado; Rafael do Patrocínio Dias; Rejane Baptista do Nascimento; Regina Marinho Falcão e Ruth Bandeira Ramiro.

3Baseada no pensamento decolonial, trata de uma abordagem epistêmica em desenvolvimento principalmente entre estudiosos latino-americanos como o Grupo Modernidade/Colonialidade, entre os quais destacamos Aníbal Quijano, Catherine Walsh, Edgard Lander, Enrique Dussel, entre outros.

4Não se utiliza aqui como referência o ponto de vista do autor, mas o nosso, de país colonizado.

5O município de São Gonçalo fica no leste metropolitano. É considerada a segunda maior cidade entre os 92 municípios do estado do Rio de Janeiro. Tendo em vista sua estimativa populacional acima de um milhão de habitantes, é o 16º município mais populoso no Brasil. O município foi noticiado em outubro de 2021 no site do G1 como a região mais violenta do estado, com 68 tiroteios nesse ano (ALVES, 2021).

6“Dessa forma, a sociogenia pode ser entendida como uma pedagogia da autodeterminação e da autoliberação, com quatro abordagens ou componentes essenciais: despertar, encorajar a autoagência e a ação, facilitar a formação da subjectividade e da autorreflexão e fomentar e revitalizar ‘outras’ racionalidades político-éticas que se distanciam da razão moderna-colonial ocidental e que estão enraizadas e visam agir no sentido da liberdade, da transformação e da criação de estruturas sociais e condições de existência radicalmente diferentes para a liberdade, para a transformação e para a criação de estruturas sociais e condições de existência radicalmente diferentes. Juntos, esses componentes constroem uma pedagogia e uma práxis de libertação e um novo humanismo fundado numa ‘outra’ razão: na razão descolonial, esperança, possibilidade e imaginária/imaginação.” (WALSH, 2009, p. 24, tradução nossa).

Recebido: 05 de Janeiro de 2022; Aceito: 31 de Março de 2022

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