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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

Print version ISSN 0104-7043On-line version ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.67 Salvador July/Sept 2022  Epub Jan 13, 2023

 

Apresentação

APRESENTAÇÃO

Daniel Valério Martins*  Universidade Federal da Grande Dourados / Instituto Federal Goiano
http://orcid.org/0000-0003-0777-9750

Ángel Baldomero Espina Bárrio**  Universidad de Salamanca
http://orcid.org/0000-0003-0212-3701

*Pós-doutorado em História Indígena pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC). Doutor em Educação pela Universidad de Burgos, Espanha. Doutor em Antropologia pela Universidad de Salamanca, Espanha. Professor colaborador da Faculdade Intercultural Indígena (FAIND), da Universidade Federal da Grande Dourados. Professor visitante do PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA (PPG-ENEB) do Instituto Federal Goiano.

**Doutor Honoris Causa pela Universidad Mesoamericana de San Cristóbal de Las Casas (Chiapas-México). Professor Titular de Antropologia Social da Universidad de Salamanca, Espanha. Coordenador da linha de Antropologia do Doutorado de Ciências Sociais da Universidad de Salamanca. Membro da Real Academia Europeia de Doutores.


Educação, Etnogênese Indígena e Interculturalidade

O Dossiê Educação, Etnogênese Indígena e Interculturalidade visa compartilhar estudos, frutos de debates travados entre pesquisadoras(es) a fim de entender e difundir os impactos sociais voltados para o manejo da relação entre diferença e igualdade, com vistas a auxiliar na construção de um projeto intercultural crítico-inclusivo que passa pelo reconhecimento e pelo respeito étnico, cognitivo, político e sociocultural de grupos historicamente excluídos dos processos de constituição das Nações Modernas.

A exemplo dos povos do “velho” mundo, o “novo” mundo sempre foi pleno de trocas materiais e imateriais e imposições culturais, de modo que podemos afirmar que o contato com o outro, com o “diferente” sempre foi uma das variáveis da constituição das identidades grupais. Contudo, não menosprezamos o impacto que a chegada de europeus tenha causado nos povos originários, e propomos mostrar desde perspectivas decoloniais, mas há que se considerar que, embora recentes enquanto conceitos, os processos de etnogênese e de interculturalidade se fazem presentes desde os primórdios da humanidade. Contatos entre grupos culturais diferentes, com influências múltiplas impositivas ou recíprocas no seu modo de ser, sempre existiram e não podem ser creditados somente ao contato colonial acontecido a partir do século XV.

Entretanto, este suplemento propõe apresentar experiências de produção do conhecimento técnico-científico no contexto Latino e Ibero-americano por meio de análises de novas metodologias nos processos relacionados à educação intercultural como ferramenta para a reorientação da formação, do ressurgimento de novas culturas indígenas, da participação social, da atenção multicultural na perspectiva da integralidade e da valorização das reais necessidades dos grupos culturais como elemento central para a promoção do respeito, reconhecimento das diferenças, aceitação da diversidade e luta por equidade.

Portanto, a Revista FAEEBA e seus editores, preocupados com estudos sobre esses fenômenos de contato entre culturas distintas por meio da educação em culturas minoritárias e “minorizadas”, buscam, por meio deste dossiê, desenvolver e criar uma verdadeira antologia sobre a problemática em questão, no intuito de aprofundar e visibilizar trabalhos que abordam conceitos, teorias, metodologias e possíveis aplicações destes nos mesmos moldes adotados em estudos com culturas majoritárias. O dossiê procura mostrar adequações de aportes teórico-metodológicos entre essas culturas majoritárias com as culturas e línguas indígenas, de fronteiras, de imigração e de contextos interculturais.

Entre os textos apresentados neste dossiê elencamos estes, divididos em três blocos: Educação; Etnogênese Indígena; Interculturalidade. Assim temos no bloco Educação:

O texto Práticas investigativas em educação matemática na formação de professores indígenas, dos autores Gerson Ribeiro Pacury, Elisângela Melo e Rodrigo Castro, aborda elementos sobre as práticas formativas concernentes a futuros professores que cursam as disciplinas de Estágio Supervisionado do Curso de Licenciatura em Formação de Professores Indígenas, da Universidade Federal do Amazonas. Desde uma abordagem qualitativa e pautado na Pesquisa Participante, tem como objetivo principal conhecer as repercussões dos estudantes indígenas em processo formativo a partir das Práticas Investigativas em Educação Matemática, mobilizadas na disciplina de Estágio Supervisionado. Os resultados sinalizam o desejo dos estudantes, ao regressarem para suas escolas, de desenvolverem suas atividades pautadas nas relações entre as “Matemáticas do Cotidiano Indígena” e as “Matemáticas do Cotidiano Escolar Indígena”.

O estudo denominado Pesquisa-formação em etnocomunicação no contexto contemporâneo: saberes e fazeres indígenas na relação comunicação/educação, dos autores Leonardo Zenha, Beleni Saléte Grando e Cristiane Ribeiro Barbosa da Silva, faz parte de uma pesquisa de Pós-Doutorado em diálogo com parceiras do Projeto Ação Saberes Indígenas na Escola (ASIE). Resulta de experiências de ensino, pesquisa, extensão e atuação na pós-graduação, tendo como método a pesquisa-formação multirreferencial no campo da educação e comunicação com os povos indígenas do Brasil. A metodologia utilizada pelos autores é a pes quisa-formação, com imersão nos movimentos assumidos pelos povos originários, e tem como objetivo discutir questões envolvendo a Etnocomunicação como dispositivo de luta identitária, ancestral e decolonial e os diferentes usos das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). O texto traz uma reflexão sobre as tecnologias digitais contemporâneas que são apropriadas para comunicação, mas ainda pouco inseridas nas práticas educativas no contexto da educação escolar indígena.

O artigo Práticas pedagógicas na educação de jovens e adultos potiguara da Paraíba, de Maria Alda Tranquelino da Silva e Eduardo Jorge Lopes da Silva, apresenta uma abordagem qualitativa com dados gerados por meio de entrevistas semiestruturadas com professores indígenas da etnia Potiguara e tem como objetivo dialogar acerca das práticas pedagógicas dos professores da etnia Potiguara que atuam na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), no estado da Paraíba, e identificar como essas práticas contribuem para o fortalecimento da cultura indígena. Para tanto, os autores realizam uma verdadeira antologia sobre a Educação de Jovens e Adultos e suas discussões no campo das práticas pedagógicas. Apontam como resultados que a educação contextualizada, o protagonismo indígena, a participação, a criticidade, a organização e o diálogo são elementos presentes e potentes nas práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores indígenas nos territórios Potiguara, e concluem que tais práticas precisam ser assumidas por todos os professores dos demais componentes curriculares, como dispositivo para o fortalecimento da cultura Potiguara.

No texto Identidade, diversidade e cultura dos povos indígenas: pesquisa-ação com estudantes do ensino fundamental, de Eliane Saravali e Ivana Aparecida de Araújo Rocha, as autoras apresentam parte dos resultados de uma pesquisa-ação realizada com 27 alunos do quinto ano, de uma escola da rede particular localizada no interior paulista. O artigo tem como objetivos analisar as noções que alunos do Ensino Fundamental possuem acerca da identidade, da diversidade e da cultura dos povos indígenas, bem como promover uma intervenção pedagógica sobre o tema. De acordo com as autoras, o estudo foi dividido em três fases: na fase diagnóstica, os estudantes, submetidos a uma entrevista semiestruturada, apresentaram ideias em que os indígenas são reconhecidos somente por aspectos aparentes e caricatos, alicerçadas em estereótipos. Na fase de ação, foram desenvolvidas com a turma dezenove atividades planejadas, com o intuito de fornecer informações e promover os debates e trocas que possibilitaram a valorização dos povos originários do nosso País. Os resultados da fase de avaliação demonstraram avanços nas crenças dos participantes, que se desprenderam de estigmas e passaram a valorizar a diversidade e a cultura desses povos.

No artigo Racismo contra povos indígenas e educação, de Marta Coelho Castro Troquez, a autora traz a discussão sobre o racismo contra indígenas no Brasil num contexto de colonialidade. Faz uso de pesquisa bibliográfica e de técnicas de análise documental. Trata das origens históricas deste racismo; apresenta suas manifestações atuais; e discute maneiras pelas quais a educação pode enfrentá-lo. A autora situa as origens do racismo contra indígenas no início do processo de colonização europeia; enfatiza que este manifesta-se através de ações, omissões e/ou restrições de direitos; e discute o potencial da educação a fim de evidenciar as formas do racismo e de combatê-las, na busca por descolonizar currículos através de rupturas epistemológicas, da construção de novos paradigmas, da realização de uma educação intercultural e de práticas pedagógicas diferenciadoras.

A reflexão trazida pelos autores Noé Cardoso Silva e Genivaldo Frois Scaramuzza em ‘É complicado, eles são muito fechados’: docência e cultura indígena na escola, mostra as percepções de docentes a respeito da cultura indígena e seu ingresso em uma escola pública urbana amazônica com abordagem para as identidades e diferenças culturais desses povos originários. Como metodologia, articula entrevistas semiestruturadas, grupos de discussão on-line através de ferramentas digitais, além de análise documental, e evidencia, a partir das narrativas e discursos que os/as professores(as) representam, a cultura e a identidade dos povos indígenas numa visão construída historicamente por meio do discurso colonial eurocêntrico, que busca sua invisibilidade e/ ou marginalização na sociedade.

Por fim, encerrando o bloco Educação, o artigo Mitos e educação na ancestralidade Tentehar, das autoras Maria José Ribeiro de Sá e Maria Conceição de Almeida, trata de pedagogias da Educação do povo Tentehar. Com método etnográfico, o estudo foi desenvolvido junto aos Tentehar que vivem no território indígena Arariboia. Os interlocutores do estudo foram intelectuais da tradição, anciãos, lideranças indígenas e professores da aldeia Juçaral. O enredo foi produzido por homens e mulheres que compartilharam saberes, modos de vida e problemas do seu cotidiano. De acordo com as autoras, na cultura ancestral Tentehar, narrativas míticas alimentam o processo formativo entre este povo, e por seu intermédio são transmitidos valores que educam na sua cosmologia. A repetição oral é um dos métodos para se aprender e ensinar nessa cultura. Entre os resultados obtidos as autoras destacam que as narrativas irrigam a memória individual e coletiva, alimentam pedagogias da resistência, do bem viver e do cuidado com a vida.

No bloco Etnogênese indígena elencamos os textos que mostram desde perspectivas históricas o ressurgir de novas culturas indígenas que, por meio do processo de educação, encontram ferramentas de adaptação, resiliência e transformação. Assim apresentamos:

O artigo A questão indigenista a partir da perspectiva de diferentes escritores(as) na virada do século XIX e início do século XX: projetos educativos e civilizacionais (1893-1910), das autoras Alexandra Padilha Bueno e Caroline Marach, analisa os jogos linguísticos presentes em fontes de diferentes naturezas no projeto educativo e civilizacional orientado para os indígenas brasileiros, manifesto por um grupo de escritores(as) da virada do século XIX e início do XX. O texto delimita-se entre 1890 e 1905 e considera a ambiência intelectual que elegeu a temática indigenista como cerne de um dos projetos educacionais deste período. As autoras mostram escritores(as) elencados(as) com posicionamentos diferentes sobre questões relativas aos indígenas brasileiros, mas ao mesmo tempo apresentam um consenso de que a educação seria o condão que viabilizaria o processo de inserção desses povos no processo civilizador, cujo viés se fundamenta na ideia de construção de uma identidade brasileira, segundo a qual os indígenas ocupam um lugar primordial.

Em as Reflexões sobre os direitos indígenas no Brasil: breve histórico e a legislação atual, texto de Maria Veirislene Lavor Sousa, temse como objetivo promover uma reflexão e discussão sobre os direitos indígenas, seu histórico, os principais marcos legais nacionais, internacionais, além de apontar as referidas instituições responsáveis no Brasil, buscando dar mais visibilidade aos debates atuais do cenário brasileiro sobre a temática e promover conhecimento coletivo. A metodologia utilizada pela autora se constitui sobre uma pesquisa bibliográfica e documental. Nos resultados deu-se destaque à discussão sobre os principais pontos da legislação vigente e demais questões ligadas ao tema. As considerações revelam os grandes desafios impostos numa luta constante desses povos por seus direitos; apesar das conquistas desde a colonização, esses direitos estão constantemente sob ataque, através de vários processos de violações, pelo descumprimento da legislação vigente, em seus aspectos culturais, ambientais, territoriais, de saúde, educação, dentre outros.

O estudo O povo Tembé Tenetehara: história de resistência, (re)existência, luta e poder na Amazônia Paraense, de autoria de Henrique de Moraes Junior, Kôkôixumti Tembé Jathiati Par katejê e Ivanilde Apoluceno de Oliveira, trata de um recorrido histórico no qual a história Tembé perpassa pela colonização até o fortalecimento cultural-educacional. Os autores trazem como objetivo analisar a resistência, a (re)existência, a luta e o poder na construção histórica do Povo Tembé Tenetehara na Amazônia Paraense. A metodologia do estudo caracteriza-se em uma pesquisa de campo com abordagem qualitativa de método analítico com procedimento bibliográfico, fontes documentais, entrevista dialógica freireana. Os autores apresentam como inferências que a construção histórica do Povo Tembé de poder, de luta, de (re)existência e de resistência deuse com o Movimento Indígena Tenetehara na (re)conquista do seu território na Amazônia Paraense e que o processo de educação tem seu papel primordial.

O texto Exposições colaborativas com os povos indígenas: possibilidades e desafios para a educação socioambiental no Museu de História Natural, dos autores Iván Borroto Rodriguez, Ana Claudia dos Santos da Silva e Adriele de Fatima de Lima Barbosa, discute as limitações e as possibilidades de exposições colaborativas e etnográficas para o desenvolvimento de um discurso de caráter educativo e socioambiental nos museus de história natural. Para tal, os autores analisam uma exposição com participação indígena desenvolvida no Museu Paraense Emílio Goeldi. A metodologia aplicada foi do tipo qualitativa e os dados foram levantados mediante a análise de documentos e de entrevistas semiestruturadas. A análise apresentada pelos autores revela a presença de modelos antagônicos da comunicação, se pensada a exposição em relação ao público indígena ou ao público ocidental. Por outro lado, identificaram emergências socioambientais na exposição. Os autores concluem que é possível afirmar que exposições colaborativas realizadas com a participação indígena oferecem grandes possibilidades para o desenvolvimento de um discurso expositivo de caráter educativo e socioambiental nos museus de história natural.

No artigo de Maria Gorete Neto denominado Reflexões sobre o português falado por povos indígenas: resistência e ressignificação, a autora afirma que a entrada dos povos indígenas na universidade tem visibilizado suas culturas, cosmovisões, epistemologias e o uso que fazem de suas línguas, dentre elas a língua portuguesa. No texto a autora segue afirmando que os estudos sobre o português falado por povos indígenas são ainda poucos e necessitam de aprofundamento, mostra como objetivo contribuir com a discussão sobre algumas características do Português indígena e analisa duas dissertações de mestrado escritas por mulheres indígenas, com o intuito de compreender como essa variedade aparece em textos acadêmicos. A autora utiliza uma metodologia qualitativa e busca evidenciar pistas de indigenização do Português, tais como: uso de vocábulos da língua indígena, ressignificação de conceitos, organização textual, dentre outros. A pesquisa mostra que mesmo textos fortemente monitorados, como dissertação de mestrado, não impedem a utilização do português indígena. Como inferências, a autora espera que a discussão contribua para uma maior compreensão do significado desta língua para os povos indígenas e para a sua valorização, principalmente nas universidades.

O estudo El contexto histórico-real del idioma Tz’utujil y sus desafíos en Santa Maria Visitación, Guatemala, do autor Francisco Efraim Dionísio Pérez, mostra um recorrido histórico sobre a perda do idioma Tz’utujil no povoado de Santa María Visitación de Guatemala com a chegada dos espanhóis. Para a compreensão, o autor traz uma reflexão sobre o passado da realidade idiomática, levando em consideração tópicos como a visão dos missionários, a territorialidade e o surgimento de novos grupos falantes, a realidade escolar desde a questão linguística e a possibilidade de novos desafios. O autor conclui reforçando o interesse sobre a chamada de atenção para que a situação idiomática do povoado de Santa María Visitación não caia no esquecimento.

As autoras Luciana Nogueira Nóbrega e Lia Pinheiro Barbosa trazem o texto Uma pedagogia das retomadas: ensinamentos e aprendizagens a partir do povo indígena Anacé, no qual contam um pouco sobre a história do povo indígena Anacé que ocupa tradicionalmente um território localizado a oeste da capital cearense, e que vem sendo, desde meados da década de 1990, impactado com as construções do Complexo Industrial e Portuário do Pecém. Em contraponto, as autoras mostram que parte dos Anacé tem realizado retomadas para recuperar parcelas do território e assim garantir seus direitos de existir. As autoras utilizam uma metodologia de caráter qualitativa com pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Apresentam como objetivo a possibilidade de falar em pedagogias das retomadas, compreendendo-as como potenciais espaços de aprendizagem compartilhada e de construção de pessoas Anacé, o que passa pela mediação dos encantados. As autoras concluem, de acordo com suas observações, que as retomadas possibilitam acessar conhecimentos múltiplos a partir de contextos pedagógicos de formação e de aprendizagens produzidos nas práticas políticas de reaver territórios e memórias.

Encerrando o bloco sobre Etnogênese indígena, apresentamos o artigo Território Mitã Kuera: o cenário multiétnico do ser criança indígena, dos autores Adrieli Caroline Marques Lopes, Cássio Knapp e Andréia Sangalli, que traz como objetivo central a caracterização do universo das crianças indígenas Guarani e Kaiowá na Reserva Indígena de Dourados (RID), elencando as mudanças no modo de viver individual e familiar das crianças indígenas em situação de isolamento social durante a pandemia da Covid-19. O desenvolvimento da pesquisa pautou-se em diferentes estratégias que se inserem na abordagem qualitativa, dentre elas a revisão bibliográfica, a pesquisa etnográfica e a pesquisa de campo (restrita a visitas in locu nas escolas indígenas municipais da Reserva Indígena de Dourados). De acordo com os autores, a investigação traz contribuições no sentido de reafirmar que as crianças indígenas experienciam, vivenciam e transmitem suas culturas e também seus saberes entre si e com os adultos que convivem e eles inferem que, no atual cenário, as crianças indígenas buscaram adaptar-se às condições de isolamento social, sem perder a essência do brincar e do ser criança. Os autores concluem que, quanto ao processo de educação escolar, as práticas educativas tradicionais constituem movimentos pedagógicos que vão se desenvolvendo ao longo das fases de crescimento das crianças indígenas e revelam saberes necessários para a formação da cultura e da identidade.

No bloco Interculturalidade elencamos os textos que mostram desde perspectivas de contato entre culturas distintas a possibilidade de enriquecimento mútuo, e que encontram na educação as ferramentas de sobrevivência de culturas vulnerabilizadas desde uma perspectiva crítica e não funcional. Assim apresentamos:

O texto Muxes en la interculturalidad y territorialidad de la comunidad Zapoteca en Oaxaca-México, dos autores Aní Dario Hernandes Chávez e Ivani Ferreira de Faria, se trata de um estudo que busca compreender a territorialidade dos Muxes (não binários) e como as políticas interculturais podem potencializar sua identidade na comunidade Zapoteca em Oaxaca, no México. Os autores utilizaram uma metodologia participativa com o desenvolvimento de um trabalho de campo e de reconhecimento territorial, respeitando as cosmologias e a autonomia desse povo. Os autores concluem que existe mais de uma história de gênero, fixa e linear na inter-relação homens, mulheres e muxes para o sustento cultural, social e econômico.

No artigo Interculturalidade e cultura popular: debatendo a folclorização dentro da educação escolar, o autor Alberto Alan de Sousa Cordeiro debate os processos históricos e de produção intelectual que contribuíram para a marginalização da cultura popular dentro do espaço escolar. Em seguida, apresenta como as perspectivas interculturais de educação têm auxiliado na construção de práticas pedagógi cas que valorizam a diversidade cultural, abrindo espaço para os conhecimentos e formas de sociabilidade presentes nas culturas populares. Como metodologia, o autor utiliza uma extensa pesquisa bibliográfica que mapeou diferentes contribuições da teoria cultural e a interface entre a escola e a cultura, e conclui que certas práticas culturais são abordadas, ainda hoje, de forma pitoresca e estereotipada dentro do calendário “folclórico” das escolas.

No estudo da autora Jéssica da Silva Gaudêncio intitulado Interculturalidade no ensino de ciências: uma revisão sistemática de literatura observa-se um estudo de natureza teórica e que tem por objetivo fazer uma reflexão acerca da importância da implementação da Lei nº 11.645/08 e da perspectiva intercultural no ensino de ciências. Para isso, a autora segue os argumentos centrais do pluralismo epistemológico e a metodologia de revisão sistemática de literatura, para selecionar os artigos mais recentes sobre a temática, além de contemplar os demais trabalhos presentes na literatura sobre a temática. Assim, o artigo apresenta-se como um portfólio bibliográfico que versa sobre importantes trabalhos e pesquisas que tratam sobre o processo de ensino-aprendizagem em ciências e a sua relação com a perspectiva intercultural. Os resultados mostram trabalhos que defendem a inclusão dos saberes tradicionais na base curricular, ou seja, pesquisas que trabalharam ou desenvolveram ações pedagógicas e metodologias educacionais que abordaram a interculturalidade e o uso da Lei nº 11.645/08 no ensino de ciências.

O texto Educação intercultural no ensino de história e cultura indígena em tempos de pandemia da covid-19, dos autores Vilma Aparecida de Pinho, Verusa Almeida da Silva e Eglen Rodrigues, aborda um estudo com o objetivo de analisar as transformações dos sujeitos após estudar a História e Cultura dos povos indígenas na perspectiva da educação intercultural no âmbito do Ensino Remoto, implementado em Altamira, Pará, durante a Pandemia da Covid-19. Os autores escolhem como método da pesquisa a ação participante, vinculando a teoria-prática ao pensamento-ação, através do planejamento e estratégias pedagógicas que inserem conteúdos de história e cultura indígena em uma turma da Educação Básica. Os autores discorrem que, apesar dos limites encontrados com a suspensão das atividades presenciais e dos desafios na utilização de ferramentas digitais, a pesquisa evidencia que à medida que foram realizados os processos de ensino-aprendizagens na perspectiva intercultural, começaram a sobressair nas narrativas orais, escritas e gráficas (desenhos) das crianças significados de reconhecimentos e respeito pelos povos indígenas que foram historicamente invisibilizadas na nossa sociedade. Os autores inferem que o processo intersubjetivo da prática pedagógica intercultural provocou reflexões capazes de transpor as narrativas estereotipadas e estabelecer diálogos que favoreceram o respeito à diversidade étnico-cultural.

Para finalizar, apresentamos o artigo intitulado Literatura indígena: do livro didático à educação intercultural, da autora Ivonete Nink Soares, que tem por objetivo analisar o tratamento dado à literatura indígena no livro didático da coleção Singular e Plural, da editora Moderna, Ensino Fundamental, anos finais, 6º ano, no quadriênio 2020-2023, utilizada pela rede estadual de Rondônia, a partir dos textos sugeridos para leitura, das atividades propostas aos alunos e das orientações destinadas ao professor. Além disso, a autora mostra discussões acerca da escolha do livro didático no Brasil, sua importância e interferência no contexto educacional. Como metodologia, a autora fez uso de uma pesquisa bibliográfica e documental. E conclui com uma defesa de que no livro didático há questões e posicionamentos que podem ser revistos, que alguns assuntos podem ser aprofundados, observados por outras perspectivas, enaltecendo a história e as culturas dos povos originários.

Esse volume também apresenta dois artigos na Sessão Estudos que tratam da relação entre pesquisa e educação. O primeiro texto, O Programa Proinfância e seus desdobramentos em um município de Minas Gerais, de autoria de Víviam Carvalho de Araújo e Núbia Aparecida Schaper Santos, discute o processo de implementação do Programa Proinfância. A pesquisa baseia-se na perspectiva bakhtiniana e no ciclo de políticas de Stephen Ball a partir do trabalho com análise documental e entrevistas. O estudo destaca efeitos “duais e fragmentados” na implementação do Programa no que se refere à ampliação de vagas nas creches e nas condições de oferta da Educação Infantil no município. O segundo artigo, Por uma imaginação etnográfica na educação, de Ricardo Golbspan e Luís Armando Gandin, apresenta, através de estudo bibliográfico, a proposta da imaginação etnográfica como uma ferramenta para a pesquisa crítica em educação. O estudo possui uma discussão teórica, fundamentada nas contribuições de Paul Willis, visando à uma reorientação sensível e rigorosa da pesquisa etnográfica no trabalho com a realidade educacional.

É com imensa satisfação, principalmente a de interculturalizar nossas práticas pedagógicas e ações por meio da leitura deste dossiê, carregado de cultura, relevância social e conhecimentos étnicos, que convidamos os leitores a que possam brindar conosco essa alegria e prazer na leitura e difusão desse material importante não somente para a área da educação intercultural, mas também para todos aqueles que trabalham com elementos que envolvem as diversidades culturais, sociais e de formação humana.

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