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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.67 Salvador jul./set 2022  Epub 13-Ene-2023

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n67.p214-231 

Artigos

REFLEXÕES SOBRE O PORTUGUÊS FALADO POR POVOS INDÍGENAS: RESISTÊNCIA E RESSIGNIFICAÇÃO

REFLECTION ON THE PORTUGUESE SPOKEN BY INDIGENOUS PEOPLE: RESISTANCE AND REFRAMING

REFLEXIÓN SOBRE EL PORTUGUÉS HABLADO POR PUEBLOS INDÍGENAS: RESISTENCIA E RESIGNIFICACIÓN

Maria Gorete Neto*  Universidade Federal de Minas Gerais
http://orcid.org/0000-0002-3654-8305

*Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Professora associada na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte/MG/Brasil. E-mail: mariagorete_neto@yahoo.com.br


RESUMO

A entrada dos povos indígenas na universidade tem visibilizado suas culturas, cosmovisões, epistemologias e o uso que fazem de suas línguas, dentre elas a língua portuguesa. Os estudos sobre o português falado por povos indígenas são ainda poucos e necessitam de aprofundamento. É com o objetivo de contribuir para esta reflexão que este artigo discute algumas características do português indígena e analisa duas dissertações de mestrado escritas por mulheres indígenas (BOMFIM, 2012; CORREA XAKRIABÁ, 2018), com o intuito de compreender como essa variedade aparece em textos acadêmicos. A análise, de cunho qualitativo, busca evidenciar pistas de indigenização do português, tais como: uso de vocábulos da língua indígena, ressignificação de conceitos, organização textual, dentre outros. A pesquisa mostra que mesmo textos fortemente monitorados, como dissertação de mestrado, não impedem a utilização do português indígena. Espera-se que a discussão contribua para uma maior compreensão do significado desta língua para os povos indígenas e para a sua valorização, principalmente nas universidades.

Palavras-chave: português indígena; línguas indígenas; português acadêmico; identidades

ABSTRACT

Indigenous people’s presence in the universities has been contributing to the knowledge about cultures, epistemology, and indigenous language, including Portuguese. There is few research about Portuguese spoken by indigenous communities, and it needs to be improved. To contribute to this discussion, this paper discusses some indigenous Portuguese characteristics. Also, two master’s degree dissertation written by indigenous women candidates (BOMFIM, 2012; CORREA XAKRIABÁ, 2018) are analyzed to demonstrate how indigenous Portuguese appears in academic texts. The analysis is based on qualitative research principles. The research results show that indigenous Portuguese can appear even in academic texts such as a master’s dissertation. It is argued that indigenous Portuguese should be understood in the indigenous point of view and it’s suggested that the universities should promote indigenous languages.

Keywords: indigenous Portuguese; indigenous languages; academic language; identities

RESUMEN

La presencia de pueblos indígenas en las universidades han contribuido al conocimiento de las culturas, la epistemología y la lengua indígena, incluido el portugués. Hay poca investigación sobre el portugués hablado por las comunidades indígenas, y esto debe mejorarse. Para contribuir a esta discusión, este artículo analiza algunas características del portugués indígena. Además, se analizan dos disertaciones de maestría escritas por indígenas (BOMFIM, 2012; CORREA XAKRIABÁ, 2018) para demostrar cómo aparece el portugués indígena en los textos académicos. El análisis se basa en los principios de la investigación cualitativa. Los resultados de la investigación muestran que el portugués indígena puede incluso aparecer en textos académicos como una disertación de maestría. Se argumenta que el portugués indígena debe entenderse desde un punto de vista indígena y se sugiere que las universidades promuevan las lenguas indígenas.

Palabras clave: portugués indígena; lenguas indígenas; lenguas académicas; identidades

Introdução

Este artigo faz uma reflexão sobre o português falado e escrito por povos indígenas. O intuito é contribuir com os estudos sobre o uso dessa língua pelos povos indígenas, sobretudo em contextos escolares. Parto do princípio de que a língua(gem) tem papel essencial na construção e veiculação das identidades (HALL, 1992). As identidades, produzidas na interação com o outro, através da/na língua(gem), são múltiplas, móveis, histórica e socialmente situadas. Os indígenas podem construir suas identidades através de qualquer língua, incluindo a língua portuguesa, como aponta Maher (1996).

Dito isso, para que se possa compreender o uso da língua portuguesa por povos indígenas na atualidade, começo fazendo um histórico, não exaustivo, do uso das línguas, em sentido amplo, pelos povos indígenas no contexto brasileiro, uso este marcado pela violência do contato com o colonizador.

O mito da língua única, ou monolinguismo, é um dos esteios do estado colonial (DECROSSE, 1989) e essa foi a política linguística portuguesa para a consolidação do Brasil Colônia, sobretudo a partir da era pombalina. Estima-se que até a invasão portuguesa, em 1500, mais de mil línguas eram faladas por cerca de seis milhões de indígenas, no que hoje se conhece como território brasileiro (RODRIGUES, 2019).1 Em 2010, data do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena era de aproximadamente novecentas mil pessoas, distribuídas em trezentos e cinco povos, falantes de duzentos e setenta e quatro línguas. Esses dados demonstram a extrema violência colonial que provocou a quase extinção dos povos indígenas e o silenciamento de suas línguas ancestrais. A invasão das terras indígenas, as doenças trazidas pelo colonizador, a escravização, a conversão compulsória ao cristianismo e a escolarização colonial foram os fatores principais da depopulação indígena e da diminuição do número de línguas indígenas.

Na primeira fase da colonização, o objetivo era integrar o indígena à sociedade nacional. Para isso, sob a coordenação dos jesuítas até 1757, quando foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal (BERENBLUM, 2003), três instrumentos foram utilizados: aldeamento, catequese e escolarização. O aldeamento consistia em retirar os indígenas de suas aldeias, principalmente as crianças indígenas, com o intuito de facilitar a escolarização e a catequese, objetivando a conversão ao cristianismo, o treinamento para servirem de mão de obra agrícola, a aprendizagem da língua portuguesa e dos valores nacionais. Neste período, o ensino era obrigatoriamente monolíngue em língua portuguesa. Esses expedientes foram desastrosos para os povos indígenas que experienciaram a desestruturação de suas comunidades e o deslocamento linguístico. Com esse fracasso, um modelo intermediário foi criado: a escola foi para as aldeias, objetivando melhorar a imagem negativa que tinha para os indígenas. Contudo, o viés assimilacionista continuou norteando as escolas indígenas (FERREIRA, 2001).

Com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910, e, principalmente, dado o extermínio crescente dos povos indígenas, houve uma reformulação da política indigenista do Estado. As escolas deveriam considerar a diversidade linguística e cultural indígenas. No entanto, na prática, o ensino continuava sendo feito em língua portuguesa e enfocava o trabalho agrícola e doméstico. No final da década de 1950, a política educacional foi novamente revista, em virtude do desinteresse dos povos indígenas acerca da escola (FERREIRA, 2001). O bilinguismo de transição foi implantado e funcionava em três passos. Primeiro, escolarização monolíngue em língua indígena: a alfabetização era realizada na língua indígena nos anos iniciais de escolarização. Posteriormente, bilinguismo temporário em língua indígena e em português: conforme os estudantes indígenas iam dominando a escrita, a língua indígena ia sendo substituída pela língua portuguesa até chegar, por fim, ao monolinguismo em língua portuguesa (MAHER, 1996).

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que substituiu o SPI em 1967, considerou que as escolas bilíngues seriam a melhor forma de se escolarizar os indígenas. Entretanto, isso não foi efetivado por falta de financiamento. O Estatuto do Índio, em 1973, tornou obrigatório o ensino em língua indígena, o que levou a FUNAI a estabelecer uma parceria com o Instituto Linguístico de Verão (SIL), ligado a igrejas protestantes, com o intuito de que implantassem escolas bilíngues nas aldeias. Fortemente criticada por acadêmicos e organizações indigenistas, a parceria não deu certo e, entre idas e vindas, terminou por ser rompida definitivamente na década de 1990, uma vez que o SIL objetivava traduzir a Bíblia e converter os indígenas ao cristianismo, ao invés de construir escolas que respeitassem a realidade indígena (D’ANGELIS, 2012; FERREIRA, 2001).

O fortalecimento do movimento indígena, com apoio de organizações indigenistas, ensejou a partir da década de 1970, o surgimento de escolas indígenas alternativas ao modelo do Estado, escolas estas comprometidas com a autodeterminação dos povos indígenas, com a luta pela terra e pela saúde, com o fomento e a promoção da cultura e língua indígenas. Um exemplo é a escola indígena do povo Ãpyãwa, que vive no Mato Grosso, mais conhecido como Tapirapé (KATOAXOWA TAPIRAPÉ et al., 2019). A escola Ãpyãwa, criada no contexto da luta pela terra por volta de 1972, tem seu currículo construído a partir da realidade da aldeia, conta com intensa participação da comunidade nos processos decisórios, é gerida por professores Ãpyãwa, tem a língua Ãpyãwa como língua de instrução, desde a alfabetização, e do português como segunda língua nos anos finais do Ensino Fundamental. Este e outros novos modelos de escola contribuíram para reconfigurar a educação escolar indígena no Brasil.

Com a democratização do país e a promulgação da Constituição Federal em 1988, os povos indígenas tiveram seus direitos assegurados na letra da lei. O artigo 231 estabelece: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” (BRASIL, 1988).

No que se refere às suas línguas, a Constituição Federal em 1988 assegura a utilização nas escolas das línguas originárias e da língua portuguesa. O artigo 210, em seu segundo parágrafo, informa que: “O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.” Desde então, uma intensa luta vem sendo travada para garantir que esses direitos saiam do papel. A autonomia das escolas indígenas para gerirem e construírem seu próprio currículo, a formação do docente indígena em serviço, a produção e publicação de materiais didáticos específicos para o contexto de cada povo indígena, por exemplo, ainda se constituem em enorme desafio, principalmente considerando-se a relação quase sempre conflituosa com secretarias de educação, em nível municipal e estadual.

Apesar dessas dificuldades, em termos de regramento, a educação escolar indígena já avançou em muitos aspectos e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) reconhece a especificidade da escola indígena, sua autonomia e a necessidade de formação de docentes indígenas (BRASIL, 1996). O Referencial Curricular Nacional para a Educação Escolar Indígena (RCNEI), por sua vez, fortalece os pressupostos fundantes da escola indígena, quais sejam, ser bilíngue, específica, diferenciada e intercultural, ao passo que chama a atenção para o fato de que cada escola é diferente da outra, em virtude das distintas realidades socioculturais e linguísticas indígenas (BRASIL, 1998).

Posteriormente, esses pressupostos foram reforçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena (DCNEI) que asseveram que a escola deve ter como centralidade o território indígena, com projetos políticos pedagógicos construídos autônoma e coletivamente (BRASIL, 2012). No que concerne às línguas faladas pelos povos indígenas, o artigo 4º das DCNEI afirma: “II - a importância das línguas indígenas e dos registros linguísticos específicos do português para o ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades indígenas, como uma das formas de preservação da realidade sociolinguística de cada povo.” Para além de reforçar a importância das línguas ancestrais, esse trecho também reconhece a existência de “registros linguísticos específicos do português”, abrindo espaço para a discussão em torno do português falado por povos indígenas.

A partir dos anos 2000, os povos indígenas conquistam o acesso à universidade, principalmente nos cursos de licenciatura indígena. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas (BRASIL, 2015) estabelecem como princípios da formação do docente indígena, em nível médio e em nível superior, o respeito à organização sociopolítica e territorial indígenas, a valorização das línguas indígenas, o reconhecimento do valor dos processos próprios de ensino-aprendizagem indígenas, a interculturalidade e a articulação entre distintos espaços formativos tais como a comunidade, a escola, a família, o movimento indígena, dentre outros. Mais recentemente, a formação em nível superior tem sido ampliada uma vez que alguns indígenas também têm ingressado na pós-graduação e vêm conquistando mestrados e doutorados.

Essa entrada contínua de indígenas na universidade tem ensejado o questionamento de epistemologias, de certezas teóricas e metodologias cristalizadas. A academia se enriqueceu com a presença indígena uma vez que os acadêmicos indígenas têm contribuído com seus saberes tradicionais, suas reflexões e seus modos próprios de fazer pesquisa. É também nesse ambiente que, apesar de haver circulação e promoção das línguas faladas pelos indígenas, conflitos linguísticos entre essas línguas e a língua portuguesa ficam um pouco mais evidentes, principalmente em se tratando do português acadêmico. Ao transpor os muros da universidade, a exemplo de outros estudantes não indígenas (FIAD, 2011), os universitários indígenas são instados a ler e escrever, em língua portuguesa, gêneros acadêmicos (resumo, resenha, artigo, projeto de pesquisa, monografia, dentre outros) com os quais não estão habituados. Nem sempre as produções textuais atendem a expectativas de professores que, eventualmente, podem avaliar mal os trabalhos apresentados. Isso ocorre porque há ainda um desconhecimento por boa parte dos docentes das universidades sobre as línguas e culturas indígenas e, principalmente, sobre o português indígena.

Para finalizar esta seção, é importante mencionar a Década Internacional das Línguas Indígenas (doravante IDIL 2022-2032) cuja proposta é refletir sobre as línguas faladas pelos povos indígenas e construir ações de promoção e proteção dessas línguas. No Brasil, sob a coordenação dos povos indígenas, foram criados três grupos de trabalho (GT): GT Línguas Indígenas, GT Português Indígena e GT Línguas de Sinais Indígenas. Ao decidirem construir um GT específico para tratar do Português Indígena, os povos indígenas que estão à frente das ações da IDIL 2022-2032 reforçam a relevância desse tema e impulsionam o desenvolvimento de mais pesquisas sobre o assunto. Neste sentido, espera-se que a discussão realizada nesse artigo possa contribuir com as ações da Década, para a reflexão mais ampla sobre o português falado por povos indígenas.

A diversidade da língua portuguesa falada pelos povos indígenas

A língua portuguesa (LP) em contexto indígena é marcada pela contradição. Se por um lado, está atrelada à colonialidade (QUIJANO, 2005), que silencia línguas, epistemes e saberes, os povos indígenas têm agido criativamente, com resiliência, e indigenizado, nos termos de Célia Correa Xakriabá (2018, p. 138), essa língua:

A opção pela indigenização significa nesta pesquisa uma forma de enfatizar em nossas narrativas históricas a agência do povo Xakriabá. Por isso, é importante reafirmar o processo de resistência e de subversão àquilo que é imposto pela lógica colonial. Deste modo entendemos que, se o processo de colonização começou por nossas mentes, a indigenização tem que ser diferente, tem que partir das nossas mãos, práticas e de toda elaboração a partir do nosso corpo-território, até chegar em nossas mentes.

A LP, apropriada, ressignificada, indigenizada carrega marcas da memória das lutas, da construção coletiva de saberes, das línguas ancestrais, das culturas e cosmovisões de cada povo. Tais marcas aparecem na estrutura da língua, na organização textual, no léxico, no discurso, na composição de textos escritos com textos imagéticos (GORETE NETO, 2005, 2021). É a língua para a luta pelos direitos indígenas, face ao não indígena, e mais uma língua para a produção e circulação de identidades e saberes indígenas (HALL, 1992; MAHER, 1996). São essas características que conformam o português indígena. A indigenização da LP indica que são necessários novos instrumentos e pressupostos para a pesquisa e o entendimento do significado dessa língua para os povos indígenas. Assim, conforme aponta Abram dos Santos (2018), é preciso ampliar a análise sobre o uso que povos indígenas fazem do português, análise esta muitas vezes construída a partir da categoria “língua imposta, língua do dominador”:

Se, até a década de 1990, muitos textos ainda associavam o português com a língua do dominador e como uma língua cujo aprendizado é imposto, hoje não mais compartilhamos dessa visão, pelo menos não de modo exclusivo. Embora conscientes de que o português permanece invadindo os espaços das línguas indígenas e talvez esse seja o maior conflito para nós que trabalhamos com seu ensino, não me parece mais coerente com a realidade pós-colonial permanecer acreditando nessa relação dicotômica de imposição linguística. (ABRAM DOS SANTOS, 2018, p. 276).

A complexidade do uso das línguas no contexto indígena (CAVALCANTI, 1999; CAVALCANTI; MAHER, 2018; MAHER, 1996) aponta para a diversidade de uso da língua portuguesa por esses povos. Ainda que a relação atual com a língua portuguesa não seja apenas de imposição, conforme problematiza Abram dos Santos (2018), em geral, observa-se o que pode ser chamado de bilinguismo compulsório. Há comunidades que falam sua língua originária e ainda uma variedade do português, por força do contato com o não índio. Há povos, no entanto, que têm o português como língua materna uma vez que a violência do contato silenciou suas línguas ancestrais, conforme referido. E há também aqueles que, além do português e da língua indígena, falam outras línguas indígenas ou outras línguas majoritárias, como o espanhol, por exemplo, caso dos povos indígenas em regiões de fronteira.

As pesquisas sobre o português falado pelos povos indígenas são ainda muito poucas, mas, têm se fortalecido, impulsionadas principalmente pela presença indígena nas universidades.

Essas investigações nomeiam esse português de formas distintas: Português indígena (ABRAM DOS SANTOS, 2018; FERREIRA; AMADO; CRISTINO, 2014; GORETE NETO, 2012, 2018; MAHER, 1996); Português étnico (AMADO, 2015; BRAGGIO, 2015; COSTA; RAZKY; GUEDES, 2020; FERREIRA, 2005); Português intercultural (NASCIMENTO, 2012); Português de contato (BONIFÁCIO, 2019; CAZUZA, 2021; EMMERICH, 1984; LUCCHESI; MACEDO, 1997; PACHECO, 2005); Português segunda língua (ABRAM DOS SANTOS, 2011, 2005; GORETE NETO, 2005; KOGA; SOUZA; AMADO, 2010; LIMA E SILVA, 2012), dentre outras.

Ultimamente, tem havido um uso crescente do binômio “português + nome da etnia” (português Kaingang, português Ãpyãwa, português Xakriabá etc.), com o intuito de marcar que o português indígena são muitos, varia conforme a realidade sociolinguística, cultural e histórica de cada povo.

As investigações sobre a temática do português indígena vêm ganhando, recentemente, novos contornos, uma vez que tem sido observado na universidade uma maior visibilização das reflexões que os próprios pesquisadores indígenas fazem sobre o uso do português nas suas aldeias e fora delas. Uma dessas pesquisadoras é Eunice Tapuia (RODRIGUES, 2018). Em seu trabalho, Rodrigues (2018) discute e demonstra a complexidade do português Tapuia. Essa autora explica que seu povo é discriminado por causa de suas características fenotípicas e por não falar uma língua indígena:

Se, por um lado, tapuia não é indígena, porque não fala uma língua indígena, por outro lado, também não é branco, por ser mestiço e porque não fala o português ‘padrão’. Essa foi e é uma estratégia eficaz de desagregação da identidade indígena dos Tapuias, pois, se forem sertanejos não são indígenas e, assim, não têm direito às terras do antigo aldeamento Carretão. (RODRIGUES, 2018, p. 136).

A situação descrita por Rodrigues (2018) coaduna-se com relatos de outros povos indígenas, principalmente os povos nordestinos (CAVALCANTI; CÉSAR, 2007) que também enfrentam questionamentos à sua identidade indígena por causa do fenótipo e da língua. Esses povos que falam português como primeira língua veem-se em meio à renovação da violência colonial sofrida, já que primeiro tiveram suas línguas ancestrais silenciadas e agora são cobrados por não falarem essas línguas. Ao sentirem-se pressionados e violentados nos seus direitos, buscam estratégias de resistência como a abaixo:

Como estratégia de defesa e resistência, a comunidade passou a buscar formas de fortalecimento de sua identidade indígena, principalmente para a defesa e garantia do direito a suas terras; e uma das ações nessa direção foi a proposta de ensino escolar de uma língua indígena, com o objetivo de ‘recuperar’ a identidade indígena. Diante de tal proposta, levantou-se a questão sobre qual língua indígena ensinar, visto que o aldeamento foi formado por diferentes povos indígenas. Essa questão trouxe à tona, de forma latente, a tensão entre os descendentes de Xavante e os descendentes de Kayapó. Ensinar a língua A’uwẽ significa priorizar os antepassados Xavantes e desprestigiar os antepassados Kayapós e vice-versa. Diante do impasse, as lideranças Tapuias retiraram a proposta. (RODRIGUES, 2018, p. 139).

A língua tomada como “diacrítico de indianidade” (MAHER, 1996) tem causado enormes prejuízos aos povos indígenas e até provocado conflitos internos, segundo informa Rodrigues (2018) no trecho citado. É comum que setores anti-indígenas se utilizem do argumento de que se não fala a língua indígena não é indígena e, portanto, não tem direito à terra e outros direitos.

Maher (1996) alerta para o fato de que uma língua é indígena porque quem a fala é indígena e não o contrário, ou seja, a identidade indígena pode ser construída e veiculada em qualquer língua, inclusive através da língua portuguesa, segundo referido. Sendo um povo formado por várias etnias, com o histórico relatado, a identidade indígena Tapuia não pode e não deve estar associada a uma língua somente.

Importante relembrar com Hall (1992, p. 12-13) que as identidades, propositadamente tomadas no plural, não são fixas nem permanentes, “são celebrações móveis, transformadas e transfiguradas continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”. Sobre a cobrança de não indígenas sobre as identidades e as línguas que os povos indígenas falam, o pesquisador Uilding Pataxó (BRAZ, 2016, p. 37) afirma:

[...] na visão de muitos linguistas a língua Pataxó não seria considerada como língua Pataxó uma vez que usa elementos morfossintáticos da língua portuguesa. Felizmente, nós, apesar de sermos alvos de críticas e de contradições por muitos dos/das linguistas, insistimos em querer algo nosso não apenas por causa do outro como dizem, mas por motivo de termos o compromisso e respeito com nós mesmos, com nossos ancestrais, anciãos e com nosso povo, não é o caso de pensar em uma língua ‘pura’ visto que a língua está em constante relação com outras ocorrendo assim o empréstimo linguístico e com relação à língua Pataxó o empréstimo é valorizado.

O povo Pataxó, através do grupo de pesquisadores Atxohã, há mais de vinte anos tem um projeto exitoso de reavivamento linguístico de sua língua Patxohã, conforme explica a pesquisadora Anari Pataxó (BOMFIM, 2012). No início dos trabalhos, as estratégias utilizadas pelo grupo foram criticadas por acadêmicos não indígenas, conforme aponta Braz (2016). Atualmente, a língua Patxohã circula nas aldeias, nos rituais, nos cantos, na escola e em materiais escritos pelos próprios pesquisadores Pataxó. Mais que uma vitória do povo Pataxó, esse fato evoca a necessária autonomia indígena na condução e gerenciamento de seus projetos de vida.

A resiliência e a resistência, características da luta indígena por direitos, impulsionam a ressignificação das violências sofridas. É assim que, como ensina Rodrigues (2018), o povo Tapuia subverte a ideia de que precisam falar uma língua ancestral, do ponto de vista de quem é de fora da aldeia, para serem considerados indígenas e assumem o português como língua indígena, denominando-o Português Tapuia:

[...] a etnogênese do Tapuia está ancorada e inserida na mudança de atitude da comunidade em relação à sua identidade e à sua situação sociolinguística e etnocultural. As atitudes sociolinguísticas são reelaboradas, por meio, principalmente, da aceitação do ser Tapuia e do Português Tapuia como sua língua indígena. Assim, contra o ideal de língua única, pura e correta, expresso na concepção de monolinguismo, que os situa socialmente, os Tapuia defendem a existência do Português Tapuia como sua língua materna. (RODRIGUES, 2018, p. 147).

A essencialização de conceitos como língua - noção eurocentrada, tomada como sistema estruturado, que desconsidera o uso que falantes dela fazem - vem sendo problematizada por muitos investigadores (CAVALCANTI; CÉSAR, 2007; CAVALCANTI; MAHER, 2018; GORETE NETO, 2018; MOITA LOPES, 2013) e agora pelos pesquisadores indígenas, dentre eles Braz (2016), Bomfim (2012) e Rodrigues (2018). O “ideal de língua única, pura e correta”, questionado por Rodrigues (2018, p. 147), denuncia a reconfiguração da violência linguística que povos indígenas, como os Tapuia, vêm continuamente sofrendo e aponta para a exigência da problematização contínua desta noção. Ao apresentar a definição de Português Tapuia explicando que esta concepção extrapola a ideia de sistema, estrutura, a pesquisadora indígena contesta o conceito de língua ancorado na colonialidade:

O Português Tapuia é a expressão do sentimento de pertencimento ao ser indígena e ao ser Tapuia no Carretão. Para além de fonemas, morfemas, monemas, sememas, sintagmas, frases e orações, as línguas têm palavras que constroem sentidos, que contam histórias armazenadas, mantidas em silêncio e em segredo, em nome da sobrevivência do povo. A língua de um povo é muito mais que gramática e léxico, é sentimento, é vínculo com o passado, com a realidade e com a irrealidade. Ao reconhecer o Português Tapuia como sua língua indígena, os Tapuias se reconhecem e se assumem, ao mesmo tempo, indígenas e Tapuias. (RODRIGUES, 2018, p. 148-149).

A língua Tapuia - Português Tapuia - constrói sentidos e carrega a memória da sobrevivência deste povo. É língua de resistência e pertencimento étnico, portanto, língua indígena. Há camadas de histórias embutidas na forma como os Tapuia falam o português. Essas camadas revelam “a existência de fragmentos das línguas indígenas ancestrais” e, sendo uma forma de resistência, “representa a superação das lutas fundiárias e do reconhecimento de sua identidade indígena legítima, ainda que ‘bastarda’ aos olhos da população ‘de fora’ da comunidade” (RODRIGUES, 2018, p. 148-149).

A discussão apresentada demonstra que o português indígena não pode ser analisado apressadamente. As pesquisas sobre esse português, que varia de povo para povo, necessitam ser aprofundadas e isso se constitui em um desafio para pesquisadores indígenas e não indígenas.

Textos acadêmicos e português indígena

Nesta seção, analiso trechos de duas dissertações de mestrado produzidas por mulheres indígenas em universidades distintas, com o intuito de compreender como o português indígena aparece nestes textos acadêmicos. A pesquisa, de cunho qualitativo, busca descrever e analisar como as autoras indígenas indigenizam o texto acadêmico. A análise baseia-se nos estudos sobre o português indígena discutidos anteriormente e ainda na minha experiência pessoal como pesquisadora e docente de língua portuguesa para povos indígenas há mais de vinte anos. A escolha das autoras deveu-se ao fato de que são duas pesquisadoras indígenas reconhecidas pela academia e por seus pares. Durante a leitura e análise dos textos selecionados, procuro pistas da indigenização da língua portuguesa que aparecerão de diferentes formas: uso de vocábulos das línguas ancestrais, ressignificação de palavras e conceitos, organização textual, dentre outros, conforme será indicado a seguir.

Sabidamente textos acadêmicos, dissertação e tese, em especial, são frutos de intensa negociação entre orientandos e orientadores. Por mais que se tente evitar, esta relação é marcada por assimetria de poder e por certo que isso influencia na construção do texto. Apesar disso, os textos dos acadêmicos indígenas apresentam singularidades que deixam transparecer a indigenização desses trabalhos. Em geral, os pesquisadores indígenas escolhem temáticas de pesquisa concernentes às demandas dos seus povos, o que parece favorecer a utilização do português indígena, cujas características foram apresentadas na seção anterior. Além disso, os investigadores indígenas criam sentidos diferentes para algumas palavras, formulam novos conceitos e categorias de análise, contribuindo para oxigenar a produção de conhecimentos na academia.

Importante mencionar que os trechos analisados a seguir foram transcritos respeitando o texto original.

Em sua dissertação de mestrado intitulada O barro, o genipapo e o giz no fazer epistemológico de autoria Xakriabá: reativação da memória por uma educação territorializada, defendida na Universidade de Brasília (UnB), Célia Correa Xakriabá (2018) opta pela escrita da palavra jenipapo com a letra “g” e não “j”, conforme a gramática padrão. A autora justifica essa escolha em uma nota de rodapé:

TRECHO 1

Faço opção por escrever genipapo com G e não com J. A grafia com G me remete à nossa relação com G do Gerais, e sempre que vou me apresentar faço questão de dizer que só conhece bem Minas quem conhece o Gerais. Internamente, na nossa língua, também nos reconheceremos mais na escrita com G, foi assim que aprendi a escrever na escola a palavra genipapo. (CORREA XAKRIABÁ, 2018, p. 40, nota de rodapé 4).

Ao reinventar a grafia da palavra jenipapo, a pesquisadora evoca o pertencimento a um território específico - G dos Gerais -, bioma típico do norte de Minas Gerais, onde fica o território Xakriabá. Além disso, explica que na aldeia, “internamente, na nossa língua”, jenipapo com “g” é mais reconhecido. “Genipapo” é um indício da apropriação do português, de sua reconfiguração e indigenização realizadas pela autora. Em sua dissertação, a pesquisadora também indigeniza conceitos:

TRECHO 2

Aqui, lançamos mão de dois conceitos importantes, um deles - já anunciado - é o amansamento, que é um conceito nativo que meu povo utiliza para denominar a escola. Ao invés de usar o conceito de reapropriação que é muito utilizado na antropologia, recorremos o amansamento porque é um conceito elaborado a partir da resistência de amansar aquilo que foi bravo, que era valente, portanto, atacava e violentava a nossa cultura. Fizemos esta escolha porque o conceito reapropriação, embora possa trazer um sentido próximo, não expressa o impacto, a violência do que foi a chegada e o propósito de implantação das escolas nos territórios indígenas. (CORREA XAKRIABÁ, 2018, p. 137).

Ao utilizar a palavra “amansamento” no lugar de “reapropriação”, Correa Xakriabá (2018) recobra a memória e a agência de seu povo na lida com a escola. “Reapropriação” para se referir à escola, conforme essa autora, apaga a luta do povo Xakriabá com o processo de escolarização. Amansar, em contraposição ao que é bravo, que precisa ser amansado, remete à labuta com as adversidades e os desafios cotidianos. Ao associar esta palavra à escola, o efeito de sentido produzido é que a escola é feroz, violenta: “atacava e violentava” a cultura Xakriabá.

Um outro significado possível para a palavra “amansamento” é “dominação” e a pesquisadora poderia ter dito que os Xakriabá dominaram a escola. No entanto, essa autora não se utiliza desta interpretação e isso pode ser explicado pelo fato de que ‘dominação’ está mais fortemente atrelada a expedientes coloniais, já que a escola sabidamente foi inserida nas comunidades indígenas com o intuito de dominar os indígenas.

Logo, há um jogo de sentidos empreendido por Correa Xakriabá (2018) que, ao utilizar “amansamento”, rechaça a lógica de dominação colonizadora, ao mesmo tempo em que sinaliza o modo de ser e viver Xakriabá, e de agir com a escola, muito distante do modo de ser, viver e agir não indígena. Nos trechos acima, o uso de “genipapo” e “amansamento” são indícios da indigenização da língua portuguesa e indicadores do português Xakriabá.

Outra pesquisadora indígena, Anari Pataxó (BOMFIM, 2012), em sua dissertação de mestrado intitulada Patxohã, “língua de guerreiro”: um estudo sobre o processo de retomada da língua Pataxó, defendida na Universidade Federal da Bahia (UFBA), cria a categoria “pesquisadores Pataxó”:

TRECHO 3

A categoria ‘Pesquisadores Pataxó’, a princípio, foi um termo apropriado que utilizei para designar os Pataxó, conhecedores da escrita ou não, cujo papel é pesquisar, conhecer, registrar, na escrita ou na memória, os conhecimentos do universo sociocultural e histórico do povo Pataxó, para contribuir no fortalecimento da cultura Pataxó, seja nas atividades desenvolvidas dentro da comunidade ou em outros espaços. A condição de ser ‘um pesquisador Pataxó’ não surgiu na academia, surgiu na aldeia mesmo, no desejo de saber mais e registrar sobre sua própria história, tendo a preocupação de refletir e repassar, a partir de ações, para os outros mais novos. Para a pesquisa não se tem um método pronto, é um processo que vai sendo construído na medida da necessidade e da dinâmica social vivida pelo povo Pataxó. Porém, uma coisa eu sei que é certo: primeiro, ir até os nossos intelectuais, os mais velhos e os mais experientes, para aprender o que eles têm para nos ensinar e, junto com eles, construir o melhor para nós. Foi nesse processo que surgiu o grupo de pesquisadores Pataxó e foi assim que aprendi a ser uma pesquisadora Pataxó também, antes de entrar na universidade. (BOMFIM, 2012, p. 58).

A palavra “pesquisador”, embora possa ser atribuída a qualquer um que faça pesquisa, é marcadamente associada à academia e, para muitos povos indígenas, tem conotações negativas. Segundo a pesquisadora indígena Maori, Linda Tuwihai Smith (2018, p. 11):

[...] o termo ‘pesquisa’ está indissociavelmente ligado ao colonialismo e ao imperialismo europeu. A palavra ‘pesquisa’, em si, é provavelmente uma das mais sujas do mundo vocabular indígena. Quando mencionada em diversos contextos, provoca silêncio, evoca memórias ruins, desperta um sorriso de conhecimento e desconfiança.

Além de “pesquisa” e seus correlatos estarem associados à colonialidade, em uma sociedade grafocêntrica - que tem a escrita como centralidade -, o pesquisador está associado ao mundo da escrita e se espera que esteja cercado de livros, que tome notas e escreva relatórios de pesquisa. Bomfim (2012, p. 58) subverte essa premissa e afirma que criou a categoria “pesquisadores Pataxó” para, inicialmente, se referir a qualquer Pataxó “conhecedores da escrita ou não, cujo papel é pesquisar, conhecer, registrar, na escrita ou na memória, os conhecimentos do universo sociocultural e histórico do povo Pataxó”.

Essa autora amplia o significado de “pesquisador” para incluir o modo próprio do seu povo de produzir, registrar e repassar conhecimentos. Enfatiza ainda que o ser pesquisador Pataxó não está associado à academia: “A condição de ser ‘um pesquisador Pataxó’ não surgiu na academia, surgiu na aldeia mesmo, no desejo de saber mais e registrar sobre sua própria história, tendo a preocupação de refletir e repassar, a partir de ações, para os outros mais novos.” (BOMFIM, 2012, p. 58).

Assim como Correa Xakriabá (2018), Bomfim (2012) exalta a vivência e a agência de seu povo, que reflete, registra e repassa sua própria história através de ações, da oralidade, relativizando a importância atribuída à escrita, e assevera: “foi assim que aprendi a ser uma pesquisadora Pataxó também, antes de entrar na universidade” (BOMFIM, 2012, p. 58). Ao afirmar que foi antes de entrar na universidade que se tornou pesquisadora, Bomfim (2012) interroga a academia, suas epistemologias, e o pressuposto de que só é pesquisador quem está na universidade. A pesquisadora rememora as experiências que seu povo teve com esses pesquisadores. Alguns consideravam os indígenas apenas como informantes, negando a possibilidade de que fizessem suas próprias reflexões científicas a partir do ponto de vista indígena. Outros desdenharam das pesquisas realizadas pelo povo Pataxó para o reavivamento de sua língua, conforme visto. A estratégia utilizada por essa autora para ampliar o significado da palavra “pesquisador” também pode ser compreendida como indigenização do português e indício do português Pataxó.

Além da recriação de grafias, sentidos, conceitos e categorias, a forma de organizar o texto é também indicadora do português indígena. Transcrevo, a seguir, um trecho relativamente longo de Correa Xakriabá (2018), que optei por manter na integralidade, com o intuito de mostrar essa organização. O fragmento inicia com prosa e termina com loas,2 - um gênero poético do contexto Xakriabá:

TRECHO 4

Nós estudantes indígenas temos um grande desafio, responsabilidade de renovar as estratégias de luta e resistência, uma das resistências é não permitir o desbotamento da nossa identidade quando transitamos no território acadêmico, precisamos ainda como uma flecha certeira indigenizar os lugares que ocupamos. Desconsiderar esses agentes é reproduzir a violência histórica do epistemicídio, tenho dito que há duas maneiras de matar o povo indígena coletivamente: quando nos negam o território e quando reproduzem o epistemicídio.

Nem todo conhecimento dá conta de ser guardado em um livro

Se encontra no território e no epistemológico nativo.

Produzindo seus conceitos, inspirado no corpo da vivência,

Tecendo nossas narrativas por meio da experiência.

Os nossos mestres são os mais velhos que na palavra carrega identidade,

Se a academia forma seus mestres e doutores,

Nós também formamos doutores da oralidade.

A força desta ciência do território, muitos não têm o poder de ver,

Pois a força da oralidade, nem tudo se pode escrever.

Existe a universidade da vida e a vida na universidade,

Estar na academia só tem sentido se não exterminar a identidade.

Na luta também adquirimos conhecimento

Portanto toda luta é epistêmica,

Não há lugar de um único saber isso seria matar a ‘diferença’.

Muitas vezes a sociedade se assusta quando se fala no etnocídio, sendo que na academia somos vítimas da produção do epistemicídio.

Quando tentam negar o nosso conhecimento,

É uma violência física e simbolicamente,

Quando negam o território e o nosso saber, nos matam coletivamente.

Muitos conhecimento se materializam

Outros carregam imaterialidade,

O conhecimento que não é palpável porque carrega subjetividade.

A luta pelo território nos ensina, prepara-nos em outra dimensão

Se na retomada (de terra) enfrentamos os fazendeiros.

Na academia enfrentamos a sua geração. Na retomada enfrentamos armas de fogo, Viver lá é uma incerteza.

Já na academia a arma que nos aponta é a escrita e a caneta.

A tutelagem apreende mentes e corpos

Resulta em violência e opressão,

Mas enquanto povos, reagimos e superamos com a força e expressão. (CORREA XAKRIABÁ, 2018, p. 102-103).

O excerto acima apresenta vocábulos que remetem à coletividade indígena, tais como “nós”, “nossa”, “nossos”, e palavras que podem estar associadas ao contexto indígena: “flecha”, “território”, “povos”, “retomada”, dentre outras. Essa autora inicia o trecho utilizando algumas dessas palavras que remetem ao coletivo: “Nós estudantes indígenas temos um grande desafio [...]” e explica qual é este desafio do estudante indígena: “responsabilidade de renovar as estratégias de luta e resistência”. Uma dessas demandas é em relação à construção da identidade indígena - “uma das resistências é não permitir o desbotamento da nossa identidade quando transitamos no território acadêmico”.

O trecho indica que o “território acadêmico” pode desbotar a identidade indígena, ou seja, pode apagar, invisibilizar o indígena. Para que isso não ocorra, essa autora aponta ser necessário indigenizar todos os espaços em que circulam: “precisamos ainda como uma flecha certeira indigenizar os lugares que ocupamos”, o que significa mostrar clara e objetivamente, como “flecha certeira”, que são indígenas. Para a pesquisadora, caso isso não ocorra, reproduz-se o epistemicídio: “Desconsiderar esses agentes é reproduzir a violência histórica do epistemicídio.”

Correa Xakriabá (2018) afirma que um povo pode ser exterminado de duas formas: “tenho dito que há duas maneiras de matar o povo indígena coletivamente: quando nos negam o território e quando reproduzem o epistemicídio.” Com esta frase, essa autora encerra o trecho em prosa e, nas loas, começa a definir e explicar como funciona a episteme indígena e o que é epistemicídio.

Para explicar o funcionamento da epistemologia indígena, em primeiro lugar, a pesquisadora informa que nem todo conhecimento pode ser guardado em livros: “Nem todo conhecimento dá conta de ser guardado em um livro.” Ao mesmo tempo em que chama a atenção para a existência de conhecimentos diversos, essa autora questiona a premissa de que livros são a única forma de se registrar conhecimentos, interrogando assim o grafocentrismo e o academicismo. Os conhecimentos estão no território e na maneira de ser e fazer indígenas: “Se encontra no território e no epistemológico nativo.” No espaço coletivo da aldeia, os indígenas, a partir de suas vivências, constroem seus próprios conceitos e suas próprias narrativas enraizadas em suas experiências: “Produzindo seus conceitos, inspirado no corpo da vivência, Tecendo nossas narrativas por meio da experiência.”

Outra característica da episteme indígena é o respeito aos mais velhos. O conhecimento e a identidade indígenas estão nos mais velhos “Os nossos mestres são os mais velhos que na palavra carrega identidade, Se a academia forma seus mestres e doutores, Nós também formamos doutores da oralidade.” Novamente Correa Xakriabá (2018) problematiza a centralidade da escrita na produção de conhecimentos e a prerrogativa da universidade em formar “doutores e mestres”, desconsiderando outros saberes, e enfatiza que os sábios indígenas são sim doutores - “doutores da oralidade”.

Outro aspecto da produção de conhecimentos indígenas está relacionado ao que pode ser visto e ao que não pode. Para a pesquisadora, os saberes produzidos no território nem sempre podem ser vistos, e têm como centralidade a oralidade, já que não é tudo que se pode escrever: “A força desta ciência do território, muitos não têm o poder de ver, Pois a força da oralidade, nem tudo se pode escrever.” Há um jogo com a palavra “ciência” que, neste caso, está atrelada ao segredo, à espiritualidade, ao que não deve ser escrito nem mostrado, principalmente para não indígenas.

Em razão disso, essa autora diferencia o conhecimento da vida e o conhecimento da universidade: “Existe a universidade da vida e a vida na universidade, Estar na academia só tem sentido se não exterminar a identidade.” A universidade da vida pode ser entendida como a experiência e a vivência engendradas coletivamente no território indígena. A vida na universidade é uma experiência em meio a outras que os indígenas vivenciam.

Correa Xakriabá (2018) destaca que a epistemologia indígena se constrói na universidade da vida, na luta: “Na luta também adquirimos conhecimento, Portanto toda luta é epistêmica.” A luta coletiva - pela terra, pela saúde, pela educação, pelos direitos - é epistêmica, uma vez que distintas gerações produzem e compartilham conhecimentos, aprendem e ensinam em conjunto, ativam a memória coletiva do povo e mostram o que é ser Xakriabá. A pesquisadora reitera não haver conhecimento único: “Não há lugar de um único saber isso seria matar a ‘diferença’.” E ressalta que a academia pratica o epistemicídio ao negar as maneiras próprias de ser e saber indígenas, o que, junto com a negativa do território, implica na morte coletiva indígena:

Muitas vezes a sociedade se assusta quando se fala no etnocídio, sendo que na academia somos vítimas da produção do epistemicídio. Quando tentam negar o nosso conhecimento, É uma violência, física e simbolicamente. Quando negam o território e o nosso saber, nos matam coletivamente.

Ao tratar da materialidade e imaterialidade do conhecimento, a pesquisadora retoma a ideia de que há conhecimentos que podem ser escritos e outros não, também chamados de ciência: “Muitos conhecimento se materializam, Outros carregam imaterialidade. O conhecimento que não é palpável porque carrega subjetividade.” A ciência - o conhecimento não palpável carregado de subjetividade - é um dos elementos fundantes da epistemologia Xakriabá.

Finalizando as loas, Correa Xakriabá (2018) retoma e enfatiza o caráter epistêmico da luta pelo território e compara o enfrentamento aos fazendeiros com o enfrentamento na academia: “A luta pelo território nos ensina, prepara-nos em outra dimensão, Se na retomada (de terra) enfrentamos os fazendeiros. Na academia enfrentamos a sua geração. Na retomada enfrentamos armas de fogo. Viver lá é uma incerteza.” No trecho, essa autora rememora as lutas pelo território empreendidas pelos povos indígenas contra os invasores. A palavra “geração” refere-se aos descendentes dos fazendeiros e essa construção denuncia igualmente o fato de que a academia é ainda muito anti-indígena, com poucos representantes indígenas.

A pesquisadora aborda a tutela - período em que não indígenas falavam pelos povos indígenas - para chamar a atenção para o fato de que indígenas podem conduzir suas próprias pesquisas e podem falar por eles mesmos. Segundo Correa Xakriabá (2018), a academia possui suas armas: escrita e caneta, tutela e silencia os povos indígenas: “Já na academia a arma que nos aponta é a escrita e a caneta. A tutelagem apreende mentes e corpos. Resulta em violência e opressão.” Ao encerrar as loas, essa autora reafirma a resiliência e resistência indígenas: “Mas enquanto povos, reagimos e superamos com a força e expressão.”

O Trecho 4 apresenta características do português Xakriabá. Ao entremear o texto em prosa com as loas, Correa Xakriabá (2018) mostra a epistemologia Xakriabá no modo próprio de escrever uma dissertação. Isso subverte o padrão esperado para este tipo de texto acadêmico, indigenizando o português acadêmico e transformando-o em português indígena. A pesquisadora utiliza distintas estratégias, como o uso de palavras que remetem ao coletivo indígena e atribui significados a certos vocábulos, remetendo ao contexto Xakriabá e se distanciando dos significados de fora da aldeia. Por fim, para definir, sob o ponto de vista Xakriabá, o que é epistemologia, essa autora escapa ao gênero “verbete” comumente utilizado em textos acadêmicos na atribuição de definições, utilizando-se das loas, poesia tipicamente Xakriabá.

Os quatro trechos analisados mostram como o português indígena - no caso, o português Xakriabá e o português Pataxó - aparece no texto acadêmico “dissertação de mestrado”. A proposição de grafias novas, a criação de novos significados para determinados vocábulos, a criação de conceitos e categorias com o intuito de incluir o ponto de vista indígena, a organização textual e a apresentação das ideias no corpo do texto são indicativos da indigenização do português.

Português indígena na universidade

A análise proposta na seção anterior demonstrou algumas especificidades do português indígena, que se mantêm mesmo em textos acadêmicos, a despeito de serem textos com alto grau de monitoramento e negociados entre atores indígenas e não indígenas. A indigenização do português aproxima-se do que hooks3 (2013) ensina sobre a apropriação do inglês - “língua do opressor” - pelos povos africanos escravizados nos Estados Unidos. Essa autora explica que a ruptura com o inglês padrão possibilita a “rebelião e a resistência”, facultando ao escravizado forjar um espaço para a construção de cultura e epistemologias alternativas:

[...] a ruptura do inglês padrão possibilitou e possibilita a rebelião e a resistência. Transformando a língua do opressor, criando uma cultura de resistência, os negros criaram uma fala íntima que podia dizer muito mais do que as fronteiras do inglês padrão permitiam. O poder dessa fala não é simplesmente o de possibilitar a resistência à supremacia branca, mas também o de forjar um espaço para a produção cultural alternativa e para epistemologias alternativas - diferentes maneiras de pensar e saber que foram cruciais para a criação de uma visão de mundo contra -hegemônica. (HOOKS, 2013, p. 228).

Dessa forma, a língua inglesa “africanizada”, para fazer paralelo ao “indigenizado” cunhado por Correa Xakriabá (2018), para além de trazer a memória do opressor, reconfigura-se como lugar em que epistemologias e culturas alternativas são (re)produzidas, extrapolando a ideia de que a língua inglesa apropriada seria só uma língua para ser utilizada na luta contra o branco.

Como observado, também o português indígena rompe com a ideia da língua portuguesa imposta. Uma vez indigenizado, o português indígena contribui para a construção e veiculação das identidades indígenas, para a ativação da memória coletiva, para produção, registro e repasse de conhecimentos e saberes indígenas. Esses elementos desafiam e aumentam a responsabilidade das universidades no que se refere à abertura para o entendimento e reconhecimento do português indígena. O silenciamento das línguas indígenas, estratégia colonial, corre o risco de repetir se o português indígena não for valorizado e promovido em contextos acadêmicos. Alguns caminhos podem ser trilhados, em conjunto com os povos indígenas, para minimizar essa possibilidade.

Em primeiro lugar, deve haver o que Maher (2007, p. 267) chama de “educação do entorno para a diferença linguística e cultural”: educar a sociedade para o respeito às diferenças, para o conhecimento e a convivência com culturas e línguas minoritarizadas, dentre elas as línguas indígenas. Há no país um grande desconhecimento da realidade sociolinguística brasileira e, principalmente, das línguas e culturas indígenas, e isso também ocorre nas universidades. Conhecer a realidade sócio-histórica e linguística indígena é um dos passos para minimizar o preconceito contra os usos que povos indígenas fazem de suas línguas.

Outro passo é a compreensão de que línguas majoritárias e línguas indígenas, e, reitero, estou considerando o português indígena como língua indígena, estão sempre em conflito e em disputa. Compreender as relações de poder que perpassam a escolha de determinadas línguas para a produção de textos acadêmicos, por exemplo, permite compreender o texto acadêmico como território em disputa pelos indígenas, conforme visto anteriormente. Os docentes não indígenas, ao se atentarem para esse aspecto, contribuirão para a construção de relações menos assimétricas com universitários indígenas, o que favorecerá a promoção das línguas indígenas em textos orais e escritos.

Por fim, um terceiro passo do qual a universidade não pode se furtar, e que pela força da presença indígena na academia começa a ocorrer, é o questionamento e deslocamento de teorias, epistemes e metodologias de pesquisa e ensino cristalizadas e eurocentradas. A escuta respeitosa e a observação atenta do que povos indígenas falam e fazem e, sobretudo, o diálogo e o fazer em conjunto com esses povos, é o que facultará a construção de novos conhecimentos, teorias, epistemes e metodologias de investigação e ensino.

Considerações finais

Neste artigo busquei refletir sobre o português falado pelos povos indígenas. Para isso, além de discutir algumas características do português indígena e buscar compreender o significado desta língua para povos indígenas, analisei duas dissertações de mestrado em que as autoras subvertem o modelo padrão do texto acadêmico “dissertação”, construindo sentidos que podem ser considerados não usuais para certos vocábulos, (re)escrevendo grafias, elaborando novos conceitos e categorias de análise e organizando o texto de forma a transparecer a epistemologia indígena.

Por certo, há ainda muito a ser feito em termos de investigação sobre as línguas faladas pelos povos indígenas. Essa pesquisa, no entanto, deverá ser realizada com a presença dos povos indígenas que, de preferência, devem gerenciá-las desde o início, a exemplo do que vem ocorrendo com a IDIL 2022-2032. Para isso, a universidade precisa se indigenizar mais e mais, com a presença não só de estudantes, mas de docentes universitários indígenas, de sábios e de “doutores da oralidade”. É urgente, assim, que se busque meios de oportunizar a entrada de mais indígenas e que a permanência destes indígenas na universidade seja garantida com políticas de acolhimento específicas para estes povos e com ampliação do financiamento destinado para este fim.

Para finalizar, faz-se mister lembrar que a demarcação das terras indígenas é condição essencial para que as línguas indígenas continuem sendo faladas. Sem território, a sobrevivência física, espiritual, cultural e linguística indígena está sob risco permanente.

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1Este artigo foi publicado por Aryon Rodrigues em 1993 e republicado em 2019.

2Conforme Luzionira Xakriabá (LOPES, 2016, p. 26), “As Loas são práticas coletivas da oralidade faladas em momentos com muitas pessoas presentes, não são ensinadas nem escritas, mesmo as pessoas que sabem ler e escrever não se utilizam desse recurso para jogar loa, é ouvindo, jogando e se aperfeiçoando por meio da prática.”

3bell hooks opta por escrever seu nome e sobrenome em letra minúscula, para marcar seu rompimento com convenções acadêmicas e linguísticas, decisão esta que respeito neste trabalho.

Recebido: 18 de Abril de 2022; Aceito: 04 de Julho de 2022

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