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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.67 Salvador jul./set 2022  Epub 13-Ene-2023

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n67.p268-287 

Artigos

TERRITÓRIO MITÃ KUERA: O CENÁRIO MULTIÉTNICO DO SER CRIANÇA INDÍGENA

TERRITORIO MITÓN KUERA: EL ESCENARIO MULTIÉTNICO DEL SER NIÑO INDÍGENA

Adrieli Caroline Marques Lopes*  Universidade Federal da Grande Dourados/Faculdade Intercultural Indígena
http://orcid.org/0000-0001-7375-3853

Cássio Knapp**  Universidade Federal da Grande Dourados/Faculdade Intercultural Indígena
http://orcid.org/0000-0003-2237-9966

Andréia Sangalli***  Universidade Federal da Grande Dourados/Faculdade Intercultural Indígena
http://orcid.org/0000-0002-2297-4282

*Mestranda em Educação e Interculturalidade na Faculdade Intercultural Indígena, Universidade Federal da Grande Dourados (FAIND/UFGD). Professora da Rede Municipal de Educação Básica. Dourados (MS), Brasil. E-mail: adrieli.marques18@ gmail.com

**Doutor em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Interculturalidade (PPGET) e do Curso de Graduação em Licenciatura Intercultural Indígena (Teko Arandu) na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: cassioknapp@ufgd.edu.br

***Doutora em Agronomia - Produção Vegetal - pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e Interculturalidade (PPGET) e do Curso de Graduação em Educação do Campo (LEDUC) na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: andreiasangalli@ufgd.edu.br


RESUMO

O território Mitã Kuera, território da criança indígena, foi afetado pelo cenário mundial vivenciado desde o início de 2020, tendo que adaptar-se às mudanças resultantes da pandemia por Covid-19. Nesse contexto, o objetivo central de investigação foi a caracterização do universo das crianças indígenas Guarani e Kaiowá, na Reserva Indígena de Dourados (RID), durante esse período, elencando as mudanças no modo de viver individual e familiar das crianças indígenas em situação de isolamento social. O desenvolvimento da pesquisa pautou-se em diferentes estratégias que se inserem na abordagem qualitativa, dentre elas a revisão bibliográfica, a pesquisa etnográfica e a pesquisa de campo (nesse momento restrita a visitas in loco nas escolas indígenas municipais da Reserva Indígena de Dourados). Para o momento, a investigação traz contribuições no sentido de reafirmar que as crianças indígenas experienciam, vivenciam e transmitem suas culturas e também seus saberes entre si e com os adultos que convivem. Ao considerar o atual cenário, as crianças indígenas buscaram adaptar-se às condições de isolamento social, sem perder a essência do brincar e do ser criança. Quanto ao processo de educação escolar, as práticas educativas tradicionais constituem movimentos pedagógicos que vão se desenvolvendo ao longo das fases de crescimento das crianças indígenas e revelam saberes necessários para a formação da cultura e da identidade.

Palavras-chave: infância indígena; educação escolar indígena; interculturalidade

RESUMEN

El territorio Mitã Kuera, territorio del niño indígena, fue afectado por el escenario mundial vivido desde el inicio de 2020, teniendo que adaptarse a los cambios resultantes de la pandemia por Covid-19. En ese contexto, el objetivo central de investigación fue la caracterización del universo de los niños indígenas guaraníes y kaiowá, en la Reserva Indígena de Dourados (RID) durante ese período, enumerando los cambios en el modo de vivir individual y familiar de los niños indígenas en situación de aislamiento social. El desarrollo de la investigación se desarrolló en diferentes estrategias que se insertan en el abordaje cualitativo, entre ellas, la revisión bibliográfica, la investigación etnográfica y la investigación de campo (en ese momento restringida a visitas in loco en las escuelas indígenas municipales de la Reserva Indígena de Dourados). Por el momento, la investigación aporta contribuciones en el sentido de reafirmar que los niños indígenas experimentan, vivencian y transmiten sus culturas y también sus saberes entre sí y con los adultos que conviven. Al considerar el actual escenario, los niños indígenas buscaron adaptarse a las condiciones de aislamiento social, sin perder la esencia del juego y del ser niño. En cuanto al proceso de educación escolar, las prácticas educativas tradicionales constituyen movimientos pedagógicos que se van desarrollando a lo largo de las fases de crecimiento de los niños indígenas y revelan saberes necesarios para la formación de la cultura y de la identidad.

Palabras-clave: infancia indígena; educación escolar indígena; interculturalidad

ABSTRACT

The Mitã Kuera territory, the territory of the indigenous child, was affected by the world scenario experienced since the beginning of 2020, and had to adapt to changes resulting from the Covid-19 pandemic. In this context, the main objective of the present study was the characterization of the universe of the Guarani and Kaiowá indigenous children, in the Dourados Indigenous Reserve (RID) during this period, listing the changes in the individual and family way of life of indigenous children in situations of social isolation. The development of the research was based on different strategies of the qualitative approach including literature review, ethnographic research and field research (at this time restricted to on-site visits to the municipal indigenous schools of the Dourados Indigenous Reserve). For now, the research contributes by reaffirming that indigenous children try on, experience and transmit their cultures and also their knowledge among themselves and with the adults they live with. When considering the current scenario, indigenous children sought to adapt to social isolation, without losing the essence of playing and being a child. As for the school education process, traditional educational practices are pedagogical movements that are developed throughout the growth of indigenous children and reveal knowledge necessary for the formation of culture and identity.

Keywords: indigenous childhood; indigenous school education; interculturality

Introdução

Esta pesquisa foi realizada durante o cenário mundial vivenciado desde o início de 2020, que exigiu mudanças em comportamentos e atitudes em busca de sobreviver a uma pandemia resultante da Covid-19. Nesse contexto, delimitou-se como foco de estudo a criança indígena, tendo como objetivo central de investigação a caracterização do modo de ser e viver das crianças indígenas Guarani e Kaiowá na Reserva Indígena de Dourados (RID) no que se refere ao tempo e espaço1 durante a Pandemia por Coronavírus (Covid-19), elencando as mudanças no modo de viver individual e familiar sem desconsiderar, contudo, que este é um território sócio-historicamente construído pelo Estado e que também afeta os modos de viver destas crianças. A compreensão do território pelas crianças indígenas vai de encontro ao que propõe Fernandes (2008, p. 3):

Ao analisarmos o espaço não podemos separar os sistemas, os objetos e as ações, que se completam no movimento da vida, em que as relações sociais produzem os espaços e os espaços produzem as relações sociais. Desde esse ponto de vista, o ponto de partida contém o ponto de chegada e vice-versa, porque o espaço e as relações sociais estão em pleno movimento no tempo, construindo a história. Este movimento ininterrupto é o processo de produção do espaço e de territórios.

A intencionalidade de registrar algumas mudanças espaciais e temporais no Território da criança indígena na Reserva Indígena de Dourados, é uma oportunidade de produzir registros sobre os conhecimentos da cultura indígena Guarani e Kaiowá e, sobretudo, do modo de ser e viver da criança indígena. No que se refere a estudos sobre a Criança Indígena, “é primordial que se inicie a partir do espaço em que as crianças vivem, é importante levar em conta seus valores, costumes, rituais, crenças e enfim, o modo de ser Guarani e Kaiowá o ‘ñande Reko” (MACHADO, 2016, p. 17).

Na perspectiva histórico-social compreende-se que a infância é um conceito construído socialmente e fruto do desenvolvimento histórico da humanidade. Portanto, a ideia de infância única, abstrata e desvinculada da dinâmica da sociedade não pode ser sustentada, pois as crianças são seres com histórias e experiências diferentes, tendo mecanismos, necessidades e condições diferenciadas para fazerem parte do meio social onde vivem. (MORAIS, 2020, p. 33).

A educação infantil indígena se constitui em diversos espaços formativos: a família, o espaço escolar, os meios de comunicação, as relações com seu povo, e com os karai, para os indígenas Guarani e Kaiowá, os “outros”, isso é, os não Guarani e/ou Kaiowá. Ao concordar com Kramer (2007, p. 16) que “a cultura infantil é, pois, produção e criação e que as crianças produzem cultura e são produzidas na cultura em que se inserem (em seu espaço) e que lhes é contemporânea (de seu tempo)”, é necessário lançar o olhar para as crianças indígenas a partir das novas situações de vida.

Dentre as situações, tem-se a intenção de aprofundar o debate sobre a educação escolar indígena na busca de evidenciar como a escola indígena tem lidado com o tempo e o espaço infantil, ao considerar que, anteriormente, a presença da escola, os conhecimentos e o processo educativo se fundamentavam na transmissão dos saberes dos pais aos filhos. E apoiados em Knapp (2020) também é preciso estar atento aos padrões escolares estabelecidos nos territórios, pois as escolas devem pautar uma pedagogia própria, baseada em seu contexto territorial.

Ao debater a construção de uma escola indígena que leve em conta a pedagogia indígena para a interculturalidade efetiva, não se pode esquecer de que cada escola faz parte de uma realidade distinta, e isso se acentua quando se comparam escolas indígenas de povos diferentes. (KNAPP, 2020, p. 86).

Dessa proposição surge então uma questão inicial: como a escola tem contemplado as especificidades da criança indígena e contribuído para a garantia da transmissão das culturas indígenas que circulam no espaço escolar? Como tentativa de responder essa indagação, buscou-se caracterizar o panorama atual das escolas indígenas existentes no território da Reserva Indígena de Dourados, quanto à oferta da educação básica e atendimento de estudantes indígenas.

Outro marco existencial, e que impactou o desenvolvimento infantil e o processo educativo, está na pandemia por Covid-19. Em vista dessa nova situação de vida, este estudo busca compreender como se materializou o cotidiano da criança na comunidade no que se refere ao modo de ser e viver em família, das brincadeiras de criança, e das adaptações necessárias para a realização do ensino formal em razão da suspensão das atividades presenciais nas escolas indígenas durante o período pandêmico.

Lócus da pesquisa e metodologias

A Reserva Indígena de Dourados (RID) foi criada em 1917 pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), dentre uma das 8 reservas demarcadas para reunir os indígenas que viviam no atual sul do estado de Mato Grosso do Sul no contexto da expansão agropastoril, para ocupação do espaço pela colonização não indígena. Esta reserva é constituída das aldeias Jaguapiru e Bororó, com área oficial de 3.475ha, e está localizada no município de Dourados, estado do Mato Grosso do Sul (Figura 1). Em 2014, o número de indígenas era de 15.023, pertencentes às etnias Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva2 (Família linguística Tupi-Guarani) e Terena (Família linguística Aruak).

Fonte: Folha de Dourados (2012).

Figura 1 Localização da RID no município de Dourados 

Dentre as alternativas investigativas que compõem o universo das pesquisas qualitativas está a metodologia etnográfica, que possibilita uma análise pautada na vivência das situações- problema, pois “se baseia na observação, no registro do diário de campo, nas conversas e entrevistas. O pesquisador fica imerso no ambiente a ser pesquisado por um tempo determinado [meses ou anos]” (OLIVEIRA, 1994, p. 25).

Para abordar o território e o protagonismo das crianças indígenas, o embasamento teórico ancorou-se em pesquisadores indígenas: Aquino (2012), Machado (2016), João (2011), Lescano (2016) e Morais (2020); e pesquisadores não indígenas que promovem debates sobre o território, territorialidades, educação intercultural sob uma ótica externa, dentre eles: Fernandes (2008), Knapp (2020), Castro (2017) e Martins (2018).

As mudanças bruscas ocasionadas por essa situação pandêmica e o experienciar esse processo despertou um sentimento como de obrigação em registrar a vida das crianças indígenas e as adequações necessárias para esse tempo, principalmente no contexto educacional nas aldeias indígenas de Dourados. Para aprofundar as análises e reflexões sobre esse tema, realizou-se estudo documental a partir das legislações e diretrizes municipais, bem como das orientações escolares aos estudantes durante a suspensão das aulas, que perdurou entre março de 2020 a dezembro de 2021, e no processo de planejamento do retorno às atividades presenciais (iniciado no segundo semestre de 2021).

E, para diagnosticar a real situação das escolas indígenas durante o período pandêmico, foram realizadas visitas in loco a cinco escolas na área da Reserva Indígena, entre os meses de agosto e outubro de 2021. Nesse período, somente os gestores e professores se faziam presentes nas escolas, seguindo escala de revezamento, pois as aulas permaneciam suspensas. Assim, buscou-se, através do diálogo com os gestores, colher informações acerca do modo pelo qual as escolas estavam se organizando para atender aos alunos e aos pais e desenvolver as atividades pedagógicas. Há que se ressaltar que os diálogos foram permeados de incertezas na funcionalidade dos métodos aplicados ao atendimento pedagógico, e de inseguranças sobre o retorno presencial, de quando e como seria, de quantos alunos retornariam para as escolas, de como garantir as regras de biossegurança para evitar o contágio entre os alunos.

Ancorados nos dados disponibilizados pelos gestores escolares e nas informações recolhidas no estudo documental, os resultados estruturam-se sobre a análise de duas categorias: a infância e a criança indígena. A abordagem sobre a infância enfatiza o território de vida da criança indígena a as readaptações necessárias em tempos de Covid-19. E, no intuito de evidenciar o cenário de retorno dos alunos indígenas para as escolas após um longo período de ensino escolar não presencial, discorreu-se sobre a educação escolar indígena antes e durante a pandemia, enfatizando os impasses e alternativas encontradas para a manutenção da oferta do ensino escolar para as crianças indígenas.

A infância na Reserva Indígena de Dourados

Na Reserva Indígena de Dourados há um processo contínuo de alteração do espaço, o que reflete na transformação do desenvolvimento das crianças indígenas. Fala-se muito em questões territoriais desta reserva indígena, ou seja, de uma realidade a qual é necessário ampliar o olhar, principalmente em relação às crianças indígenas que vivem em um espaço de territorialização precária, compreendido por Mota (2011, p. 160) como

[...] a recriação e reprodução do modo de vida destas sociedades nos preceitos do Tekoyma, considerando que a reserva é fundamentalmente a expressão do modo incorreto de viver (Teko Vai). A precariedade de viver na RID implica em redimensionamentos territoriais que constituem outras territorialidades e multiterritorialidades Guarani e Kaiowá. Implica, também, na construção de novas fronteiras de encontro e desencontro com o outro, novas formas de imaginar os outros, de ser e estar no mundo.

Dado o contexto de adensamento populacional, essa Reserva Indígena, a qual chamamos de lar, passa por um agravamento do processo de precarização descrito por Mota (2011). Nosso povo indígena sofre com a falta de recursos naturais: falta água potável, não temos matas e o pouco que resta de solo nem sempre está apto à produção, sendo esses fatores relevantes para a sustentabilidade dos povos indígenas. Atualmente, muitas famílias indígenas praticam a agricultura de subsistência, embora essa prática não fizesse parte da cultura indígena; mas hoje se faz necessária, visto que a população enfrenta dificuldades quanto à alimentação.

Quando nos referimos às crianças, sabemos que elas se encontram vivenciando um processo de transformações de seu modo tradicional de viver, por conta de que cada uma delas sabe que num futuro bem próximo, quando forem constituir sua família, estarão em terras menores ainda, então vemos que precisamos ampliar nossos territórios e sair do que Brand (2008, p. 25) caracteriza como confinamento.

Essa população passou por um amplo processo de confinamento, com a perda do território e comprometimento de recursos naturais relevantes para a sua sustentabilidade. O confinamento espacial criou, ainda, dificuldades especiais para a organização social dessa população e sua autonomia. O processo de confinamento territorial veio acompanhado pela imposição do sistema escolar nacional, não-indígena, que desempenhou, historicamente, papel importante nas políticas de integração dos índios à sociedade nacional.3

Entende-se que a cultura Guarani e Kaiowá passou por mudanças e ressignificações influenciadas por questões históricas. Os processos para manter suas tradições, bem como sua língua, foram aspectos cruciais a serem considerados no histórico deste povo indígena, mas o Estado brasileiro, ao ter em vista o índio como categoria transitória, sentiu-se/sente-se no direito de expropriar sua terra, separá-lo da natureza.

O Estado brasileiro e seus ideólogos sempre apostaram que os índios iriam desaparecer, e quanto mais rapidamente melhor; fizeram o possível e o impossível, o inominável e o abominável para tanto. Não que fosse preciso sempre exterminá-los fisicamente para isso - como sabemos, porém, o recurso ao genocídio continua amplamente em vigor no Brasil -, mas era sim preciso de qualquer jeito desindianizá-los, transformá-los em ‘trabalhadores nacionais’. Cristianizá-los, ‘vesti-los’ [..] acima de tudo, cortar a relação deles com a terra. Separar os índios (e todos os demais indígenas) de sua relação orgânica, política, social, vital com a terra e com suas comunidades que vivem da terra - essa separação sempre foi vista como condição necessária para transformar o índio em cidadão. Em cidadão pobre, naturalmente. Porque sem pobres não há capitalismo, o capitalismo precisa de pobres, como precisou e ainda precisa de escravos. (CASTRO, 2017, p. 5).

Dessa forma, considerando as mudanças no jeito de ser Guarani e Kaiowá também se transformou o modo de ser criança na RID, fato que, por vezes não é nem compreendido internamente, pois algumas atitudes passam a ser entendidas como mesmo por lideranças como atos de rebeldia. Nas reflexões de Lescano (2016, p. 51),

É preciso pensar a cultura e teko que formam a identidade atual como elementos de resistência, a apropriação e conhecimento desses dois campos de força é importantíssimo para continuar mantendo e construindo a proteção cultural. Hoje, os valores internos e externos já se conhecem e se transformam constantemente, que também cria o modo de ser do povo pobre, desorganizado, confuso, despreparado. Os elementos culturais dos Kaiowá foram abalados e muitos já substituídos, por outros valores, que os omba’ekuaáva - rezadores e mais velhos - chamam de ha’e raanga falso, que não é mais verdadeiro. Os conhecimentos das comunidades já sofreram e ainda sofrem bombardeio constante de informações que estão em todos os lugares, por meios mecânicos e imateriais, de fora, que já não são mais de fora, ambos se misturam para continuar a se estabilizar.

Retomando as origens culturais das crianças, a compreensão dessas especificidades por parte das lideranças indígenas seria um caminho para o estabelecimento de ações efetivas para a melhor compreensão da infância. Para tanto seria necessário um olhar urgente para todas as formas de violência e exploração a que são submetidas muitas das crianças, além do preconceito que já sofrem por serem indígenas. Como aponta Fernandes (2008, p. 5), as lideranças podem contribuir e muito:

Cada instituição, organização, sujeito etc., constrói o seu território e o conteúdo de seu conceito, desde que tenha poder político para mantê-los. Esses criadores de territórios exploram somente uma ou algumas de suas dimensões. Isto também é uma decisão política. Todavia, ao explorar uma dimensão do território, ele atinge todas as outras por causa dos princípios da totalidade, da multiescalaridade e da multidimensionalidade. A compreensão de cada tipo de território como totalidade com sua multidimensionalidade e organizado em diferentes escalas, a partir de seus diferentes usos, nos possibilita entender o conceito de multiterritorialidade. Considerando que cada tipo de território tem sua territorialidade, as relações e interações dos tipos nos mostram as múltiplas territorialidades. É por essa razão que as políticas executadas no território como propriedade atingem o território como espaço de governança e vice-versa.

Fonte: Acervo da pesquisa de campo.

Figura 2 Crianças Guarani e Kaiowá apagando fogo na Reserva Indígena de Dourados. 

As crianças, ainda que pequenas, entendem que o território da Reserva Indígena de Dourados tem sido afetado e degradado pela proximidade ao centro urbano da cidade de Dourados. Há fatos em que evidenciam quão necessário é o agir, e muitas vezes serão as crianças que irão participar, para avançar ou para adquirir seus direitos. Na Figura 2 registrou-se um incêndio na Aldeia Jaguapiru e a ação das crianças, que com muita coragem foram apagar o fogo para que não chegasse até a mata ao lado. O instigante é que as crianças indígenas Guarani e Kaiowá não paralisaram pelo medo das chamas, mas entendendo o mal que o fogo faria para a aldeia, organizaram-se como possível para apagar o fogo. Em situações como essa as crianças agem com instinto de defesa à preservação da vida na Terra, caracterizada em sua ancestralidade.

Cada criança tem sua própria maneira de observar, de aprender, sendo moldada de acordo com o local de vivência, com as tradições e costumes experienciados no espaço familiar, pois, como aponta Gallois (2006), o espaço e o tempo existentes não são mais os mesmos que no passado. As mudanças sociais apontam a situação atual. As crianças trazem consigo saberes que são passados de geração em geração, nas rodas de conversa, na hora das brincadeiras e nas horas de ajudar os pais; e esses são saberes atualizados ou ressignificados e dão a continuidade identitária às culturas. Essas identidades, como descreve (MOTA, 2011, p. 253),

[...] vão se fazendo e se desfazendo nos imbricamentos das territorialidades vivenciadas, no trânsito do viver entre fronteiras, logo, entre múltiplos territórios, permitindo diversas formas de identificação com o espaço e com as gentes dos/nos espaços vividos, assim como possibilitam a participação de territorialidades múltiplas, já que há a intensificação dos encontros com o outro, até então desconhecidos.

Esses processos têm sido experenciados pelas crianças indígenas, que participam e ocupam diversos espaços. No cantinho das rodas dos Aty Guassu (Grandes Assembleias dos Guarani e Kaiowá), elas estavam lá, atentas a ouvir e aprender. Conforme destaca Bhabha (2010, p. 21):

Ao reencenar o passado, este introduz outras temporalidades culturais incomensuráveis na invenção da tradição. Esse processo afasta qualquer acesso imediato a uma identidade original ou a uma tradição ‘recebida’ [...], realinhar as fronteiras habituais entre o público e o privado, o alto e o baixo, assim como desafiar as expectativas normativas de desenvolvimento e progresso. Mesmo com as dificuldades de salvaguardar os costumes e crenças por meio a tanta transformação, sabemos que as crianças são os únicos que podem levar adiante os conhecimentos.

A infância indígena em tempos de Covid-19

Ao considerar as diversas realidades existências dos povos indígenas brasileiros, desde sempre eles vivem em constantes conflitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Na RID esses conflitos incluem questões relacionadas à organização social, à saúde indígena, à escola indígena, à falta de infraestrutura, com destaque ao saneamento básico. Para além desses enfrentamentos, em 2020 o futuro de nossas gerações indígenas foi transpassado por uma nova realidade de natureza sanitária, decorrente do novo coronavírus (Covid-19), que escancarou ainda mais as desigualdades socioculturais existentes e ampliou as mazelas nas comunidades indígenas.

Os Guarani e Kaiowá entendem o coronavírus como um reflexo do mundo atual em que vivemos, sendo o resultado anunciado do desrespeito humano e que gera o desequilíbrio na natureza. Recorda-se do pranto, das lágrimas de nossa Nhandesy Alda Silva, quando sua Oga Pysy (Casa de Reza) foi criminalmente queimada em julho de 2019 na RID. E lá, em grande clamor, expressava a tentativa de, junto com seu esposo Nhanderu Getúlio Juca, salvar o Xiru - um altar com significado espiritual, o qual é o espaço onde o diálogo com o sagrado acontece. Por não ter conseguido salvá-lo, eles lamentavam: “Não há o que fazer, virão muitas coisas terríveis para a humanidade, principalmente doenças e a fome.” E esse tempo chegou, menos de um ano depois.

E, nesse momento, as crianças indígenas também souberam de alguma forma se adaptar a esse tempo, seja em casa, na escola e/ou em seu contexto de vivência diária. Em outros tempos, quando as áreas naturais da RID estavam preservadas, as crianças indígenas encontravam-se para brincar em cima de árvores, para tomar banho nos rios. Atualmente as crianças Guarani e Kaiowá já não dispõem de muitos espaços com recursos naturais para a diversão. Por essa razão, dentre as brincadeiras que realizam, individuais ou coletivas, estão o brincar no topo de árvores, passear de bicicleta nas estradas da RID e brincadeiras com animais silvestres (Figuras 3, 4 e 5).

Aquino (2012), ao observar o processo de desenvolvimento das crianças Guarani e Kaiowá na Reserva Amambai, um cenário semelhante à RID, descreve as brincadeiras como mecanismos de aprendizagem:

O aprendizado acontece por meio de brincadeiras, imitação, observação e de diversas maneiras, uma escola informal sem regras, elas vão aprendendo e complementando para sanar suas necessidades, vai assimilando os jeitos reais de cada fase de sua vida, cumprindo os rituais de cada fases de passagens que cada povo tem. O mundo infantil e muito interessante, são mistérios que eles repassam aos adultos e preciso decodificar as mensagens que os pequenos nos dão. (AQUINO, 2012, p. 93).

Fonte: Acervo da pesquisa de campo.

Figura 3 Crianças Indígenas sobre árvores 

Fonte: Acervo da pesquisa de campo.

Figura 4 Criança brincando com sua bicicleta e com uma arara-azul 

Fonte: Acervo da pesquisa de campo.

Figura 5 Criança brincando com um bebê macaco encontrado em fragmentos de mata presente na aldeia 

Esses registros demonstram a vivência da criança Guarani e Kaiowá e as relações que estabelece com a natureza em seu território. Nisso se fundamenta a importância de entender o universo atual em que a infância se desenvolve, as relações que estabelecem com a família, e as experiências vividas, pois esses aspectos são essenciais para a construção da identidade e para as escolhas que elas farão (MACHADO, 2016). E, “ao conviverem e exercitarem os valores de sua cultura também relativizam as coisas, o sentido de propriedade e valorizam os aspectos brincantes e coletivos... Os brinquedos, na maioria das vezes colhidos da natureza, não precisam ser guardados, limpos, conservados, disputados” NOAL, 2006, p. 16).

Na RID as crianças Guarani e Kaiowá estão constantemente em volta dos adultos e sempre buscam participar das atividades coletivas, ou das conversas, ouvir as contações de histórias. O aprender com as crianças, e também ensiná-las, tem um significado de preservação da vida, pois é através desses momentos, juntamente com a comunidade, escola e a família, que se desenvolvem estratégias de manutenção da biodiversidade natural dos distintos ecossistemas terrestres e aquáticos presentes nos territórios indígenas, mesmo diante das inúmeras interferências a que são submetidas, como aponta Machado (2016, p. 21):

As famílias buscam salvaguardar a cosmologia, a espiritualidade e as crenças que ainda conhecem e que são repassadas pelos mais velhos. Entretanto, é importante destacar que a transmissão da cultura original e tradicional sofreu interferências das políticas advindas do processo colonizador e políticas do estado. Os conhecimentos ancestrais e rituais espirituais foram sendo cada vez menos transmitidos para as novas gerações, por restrições ou mesmo por esquecimento. Todavia, mesmo com tantas mudanças sociais e interferências o povo Guarani e Kaiowá ainda busca viver o ‘ñande reko’ ou seja, o modo de vida indígena.

Como parte da cultura, a criança indígena está sempre ao lado dos seus pais e de seus avós, mas quando é necessário que fique sozinha ou cuide de seus irmãos, ela faz o papel de autoridade no meio de outras crianças. Assim, as crianças experienciam, vivenciam e transmitem suas culturas e também seus saberes entre si e com os adultos que convivem (GUTIERREZ, 2016, p. 24).

No caso da cultura Guarani e Kaiowá, as crianças são consideradas seres pensantes e reprodutores de conhecimentos e quando um adulto não está por perto é a criança mais velha que assume o papel do adulto, cuidando e protegendo as crianças menores com a mesma responsabilidade do adulto. (AQUINO, 2012, p. 47).

Faz-se necessário inserir nesse debate os rituais presentes na cultura Guarani e Kaiowá. As crianças indígenas, desde o nascimento, passam por uma série de rituais, que são necessários ao seu desenvolvimento, ou seja, para seu bem viver.

As fases de desenvolvimento são passagens que ocorrem ao longo da vida do Guarani, como processo de crescimento e maturidade. Trata-se da formação da pessoa, conforme o ñande reko - jeito próprio de ser para se tornar um bom Guarani ou Kaiowá, bem como para a afirmação da coletividade, a construção e o fortalecimento contínuo da identidade como povo diferenciado, mantendo o funcionamento da engrenagem dos saberes, a partir de elementos culturais já pressupostos. (LESCANO, 2016, p. 37).

Esses rituais visam um desenvolvimento mais saudável, dentro do entendimento de que para os Guarani e Kaiowá o corpo é salvaguardado dos males, isso é, ao passar por estes rituais o corpo ficará protegido, com maior resistência às doenças. Este seria um dos motivos pelos quais as crianças indígenas da RID tenham sido menos acometidas pelos males causados pela Covid-19.

Esta situação permite refletir sobre o fato de a criança kaiowá ser considerada um pequeno habitante da terra e, consequentemente, correr maior risco de ser afetado por espíritos maléficos. Para proteger o corpo e a alma do recém-nascido, é necessário, por exemplo, que a criança seja submetida a um ritual específico, o qual é extremamente focado no aspecto da sua alma. Após esta alma se fixar no corpo da criança, o que se dá com mais segurança através da reza, o xamã instrui a mãe dando inúmeras orientações básicas sobre os cuidados com o recém-nascido. Ocorre que se ela for bem cuidada, terá bom comportamento quando atingir idade adulta, respeitando as regras sociais da sociedade e das divindades dos Kaiowá. (JOÃO, 2011, p. 25).

Assim, a territorialidade, a espacialidade e a temporalidade da criança indígena se expressam através do conhecimento das árvores, conhecimento de formas da natureza, das águas, do que é essencial à vida indígena. E “mesmo sob condições adversas de vida, as crianças Guarani e Kaiowá recebem ensinamentos da cultura para uma construção de identidade étnica e também aprendem a conviver em diferentes espaços com as outras etnias e com os não-indígenas” (MACHADO, 2016, p. 21), e exercem a transmissão dos conhecimentos, tradições e culturas de seu povo, inclusive no ato de brincar.

A criança indígena e a educação escolar

Ao considerar o formato de consolidação da RID, que não se trata de um único Tekoha tradicional, mas múltiplos Tekoha kuera ocupados por várias parentelas, incluindo diferentes etnias, houve, ao longo dos anos, o estabelecimento de escolas para o atendimento da demanda local. Na aldeia Bororó estão localizadas a Escola Municipal Indígena Agustinho, a Escola Municipal Indígena Araporã e a Escola Municipal Indígena Lacuí Roque Isnarde. Na Aldeia Jaguapiru estão localizadas a Escola Municipal Indígena Polo Tengatuí Marangatu, a Escola Municipal Indígena Ramão Martins e a Escola Estadual Indígena de Ensino Médio Integral Guateka - Marçal de Souza. Há uma sétima escola, a Escola Municipal Francisco Meireles, que se situa no limite da área da RID, mais especificamente na Missão Kaiowá, mas é reconhecida como escola indígena por atender prioritariamente crianças e adolescentes indígenas.

Considerando a presença desse quantitativo de escolas indígenas na RID poder-se-ia afirmar que há um atendimento peculiar garantido às crianças, adolescentes e jovens indígenas, e de acordo com as especificidades culturais das etnias presentes nesses espaços escolares. Entretanto, como constatado por diversos outros pesquisadores, com destaque para Machado (2016, p. 18), “[...] a educação escolarizada faz também parte da vida dessas crianças na aldeia, e traz um modelo padrão da escola urbana. O desafio do tempo presente é encontrar propostas e um diálogo entre a educação ancestral e a escolarizada”.

Mesmo trilhando caminhos para a oferta de escolas que se organizem para atender o tempo e o espaço indígena e que proporcionem o diálogo entre as culturas presentes nesse território, as diretrizes organizacionais, calendários letivos, conteúdos e práticas pedagógicas, ainda são estabelecidos a partir do que é proposto para as escolas urbanas. A ausência de investimentos e de qualificação através de formação continuada também é uma realidade.

Historicizando brevemente o processo de consolidação da educação escolar indígena, desde a Constituição Federal promulgada em 1988, foi oficialmente reconhecido às comunidades indígenas o direito de oferta de uma educação escolar própria:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. [...] § 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. (BRASIL, 1988).

No final da década de 1990, foram publicados: o Parecer CNE/CEB nº 14/1999, que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas; e a Resolução CEB nº 3, que fixou as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas (BRASIL, 1999).

Em 2002, a Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural proposto pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) estabeleceu a inclusão da diversidade cultural como tema fundamental na educação escolar e na formação de professores, como é verificado nas Linhas gerais 7 e 8 do Plano de Ação, em que se deve:

7. Promover, por meio da educação, uma tomada de consciência do valor positivo da diversidade cultural e aperfeiçoar, com esse fim, tanto a formulação dos programas escolares como a formação dos docentes. 8. Incorporar ao processo educativo, tanto o quanto necessário, métodos pedagógicos tradicionais, com o fim de preservar e otimizar os métodos culturalmente adequados para a comunicação e a transmissão do saber. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 2002, p. 7).

Em 2009, o Decreto nº 6.861/2009 instituiu a organização da Educação Escolar Indígena em territórios etnoeducacionais, definindo que:

Cada território etnoeducacional compreenderá, independentemente da divisão político-administrativa do País, as terras indígenas, mesmo que descontínuas, ocupadas por povos indígenas que mantêm relações intersocietárias caracterizadas por raízes sociais e históricas, relações políticas e econômicas, filiações linguísticas, valores e práticas culturais compartilhados. (BRASIL, 2009).

E no ano de 2012, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica foram sancionadas através do Parecer CNE/CEB nº 13/2012, aprovado em 10 de maio de 2012 (BRASIL, 2012a), e da Resolução CNE/CEB nº 5, em de 22 de junho de 2012 (BRASIL, 2012b). Um dos destaques está no Artigo 9º, Parágrafo1º, em que “O Ensino Fundamental deve garantir aos estudantes indígenas condições favoráveis à construção do bem viver de suas comunidades, aliando, em sua formação escolar, conhecimentos científicos, conhecimentos tradicionais e práticas culturais próprias” (BRASIL 2012b).

Acompanhando as normativas para a Educação Escolar Indígena, e no intuito de atender as demandas das escolas quanto à oferta de formação específica para professores indígenas, o Parecer CNE/CP nº 6/2014, aprovado em 2 de abril de 2014 (BRASIL, 2014) e a Resolução CNE/CP nº 1, de 7 de janeiro de 2015 (BRASIL, 2015), instituíram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas em cursos de Educação Superior e de Ensino Médio.

Assim, tem-se o entendimento de que o desafio não seria mais legislativo, uma vez que dentro do que expomos aqui, já existe um aporte importante sobre o reconhecimento de um processo de escolarização que incorpora o respeito às línguas e culturas dos povos indígenas no Brasil. Soma-se a este cenário que, a partir de 2018, a Educação Básica passou a ter como documento norteador e unificador a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ao verificar quais as propostas que garantem as especificidades das escolas indígenas, constatou-se que a BNCC propõe:

Assegurar competências específicas com base nos princípios da coletividade, reciprocidade, integralidade, espiritualidade e alteridade indígena, a serem desenvolvidas a partir de suas culturas tradicionais reconhecidas nos currículos dos sistemas de ensino e propostas pedagógicas das instituições escolares. Significa também, em uma perspectiva intercultural, considerar seus projetos educativos, suas cosmologias, suas lógicas, seus valores e princípios pedagógicos próprios (em consonância com a Constituição Federal, com as Diretrizes Internacionais da OIT - Convenção 169 e com documentos da ONU e UNESCO sobre os direitos indígenas) e suas referências específicas, tais como: construir currículos interculturais, diferenciados e bilíngues, seus sistemas próprios de ensino e aprendizagem, tanto dos conteúdos universais quanto dos conhecimentos indígenas, bem como o ensino da língua indígena como primeira língua. (BRASIL, 2018, p. 17-18).

Investigando qual a recomendação que a BNCC estabelece sobre a oferta do ensino intercultural, apenas há menção dessa oferta na disciplina de Artes:

A complexidade do mundo, além de favorecer o respeito às diferenças e o diálogo intercultural, pluriétnico e plurilíngue, importantes para o exercício da cidadania são características a serem desenvolvidas para o Ensino Fundamental, no componente curricular de Arte que inclui as Artes visuais, a Dança, a Música e o Teatro. (BRASIL, 2018, p. 193).

Apesar desses dois destaques ressaltarem a importância da educação intercultural, a BNCC enfatiza a efetivação da interculturalidade apenas na relação entre o aprendizado de outras línguas, e, nesse caso, a língua inglesa. E embora a proposição referente à dimensão intercultural faça menção à interação entre as culturas contemporâneas, as culturas tradicionais indígenas brasileiras permanecem na invisibilidade.

A proposição do eixo dimensão intercultural nasce da compreensão de que as culturas, especialmente na sociedade contemporânea, estão em contínuo processo de interação e (re) construção. Desse modo, diferentes grupos de pessoas, com interesses, agendas e repertórios linguísticos e culturais diversos, vivenciam, em seus contatos e fluxos interacionais, processos de constituição de identidades abertas e plurais. (BRASIL, 2018, p. 245).

Nesse dinâmico processo, a escola indígena de hoje ainda está em busca de atender os objetivos estabelecidos no passado, que preconizam:

[...] a conquista da autonomia socioeconômico-cultural de cada povo, contextualizada na recuperação de sua memória histórica, na reafirmação de sua identidade étnica, no estudo e valorização da própria língua e da própria ciência - sintetizada em seus etno-conhecimentos, bem como no acesso às informações e aos conhecimentos técnicos e científicos da sociedade majoritária e das demais sociedades, indígenas e não-indígenas. A escola indígena tem que ser parte do sistema de educação de cada povo, no qual, ao mesmo tempo em que se assegura e fortalece a tradição e o modo de ser indígena, fornecem-se os elementos para uma relação positiva com outras sociedades, a qual pressupõe por parte das sociedades indígenas o pleno domínio da sua realidade: a compreensão do processo histórico em que estão envolvidas, a percepção crítica dos valores e contravalores da sociedade envolvente, e a prática da autodeterminação. (BRASIL, 1994, p. 12).

Mesmo diante do direito à uma educação escolar própria, Machado (2016, p. 18) aponta que a educação das crianças indígenas Guarani e Kaiowá na região de Dourados ocorre, de certa maneira, pela forma tradicional desses povos, transmitida de geração em geração pelas famílias, mas muitas vezes a escola desmerece os conhecimentos tradicionais, como se não houvesse valor no saber e ser indígena, tendo como resultado uma educação escolar indígena negligenciada.

A realidade atual, portanto, continua repetindo o contexto de tempos anteriores, em que há uma dicotomia na formação da criança indígena durante o período escolar: ela entra em contato com o saber da sociedade ocidental, mas ao retornar para o convívio familiar experimenta os saberes tradicionais, que fazem parte de seu cotidiano. Assim, nessa dicotomia, a cultura indígena continua sendo negada e sobreposta pela cultura eurocêntrica, impedindo que a intraculturalidade ideal aconteça.

A intraculturalidade consiste em um processo social que parte da conscientização, pelos indígenas, que surge com a tomada das rédeas da sua própria História, desde os registros mais remotos de suas memórias históricas e sua ancestralidade, buscando uma aprendizagem nas lutas e resistência contra toda forma de discriminação, opressão e integração forçada. Trata-se da conjugação de dois fatores: um interno (tradição) e outro externo (modernidade), situação característica da sociedade indígena brasileira e latino-americana. (MARTINS, 2018, p. 58).

Vislumbra-se, a partir do exposto por Martins (2018), um caminho para a escola indígena, através do exercício da intraculturalidade, que permite um trabalho coletivo e integrado entre professores, gestores e a comunidade escolar, e de recognição dos saberes ancestrais indígenas que circulam nesses espaços, visto que pode consistir em uma prática pedagógica de valorização do sujeito e de seu território.

Impasses e alternativas da educação escolar indígena em tempos de Covid-19

Com o advento da pandemia por Covid-19, a suspensão oficial das aulas presenciais na Rede Municipal de Ensino de Dourados ocorreu em março de 2020, e a regulamentação das atividades pedagógicas não presenciais, a partir da Resolução nº 51, de 22 de maio de 2020 (DOURADOS 2020). A partir dessa normativa, as Escolas Indígenas buscaram várias formas de chegar até seus alunos, mas muitas das famílias encontravam-se, e ainda se encontram, em situação de vulnerabilidade extrema, ficando inacessíveis via instrumentos tecnológicos para dar continuidade ao calendário escolar.

A educação brasileira como um todo precisou organizar ações a fim de manter os vínculos de estudantes e famílias com as instituições educacionais e isso acentuou o debate na primeira etapa da Educação Básica. Determinados grupos e agentes educacionais têm se levantado em defesa do uso de recursos tecnológicos também para o trabalho com crianças na Educação Infantil, a exemplo do que tem sido feito em outras etapas da Educação Básica e no Ensino Superior. (ANJOS; FRANCISCO, 2021, p. 127).

Seffner (2021) analisa alguns impactos da pandemia de Covid-19 no campo educacional público brasileiro, ao se debruçar sobre os efeitos do prolongado período de isolamento. Sobre a escola e os processos de escolarização, observa-se que os discursos sobre a Educação a Distância (EaD) como alternativa, ou mesmo o ensino híbrido, tornaram precário o processo de aprendizado dos estudantes, ainda que, até o momento, seja difícil quantificar os prejuízos que o afastamento das aulas presenciais causou no processo educativo. Somamos a percepção de Seffner (2021, p. 47) ao afirmar que “não existe condição de aprendizado escolar na Educação Básica desvinculado do entorno da cultura escolar e do cotidiano escolar”. Esse mesmo entendimento torna-se ainda mais importante ao reportar às escolas indígenas.

Em contato com as adversidades do cenário, diretores, coordenadores, gestores da educação da RID viram-se obrigados a se adaptar às novas práticas. E verificando que a maioria das famílias indígenas não tinha possibilidade de garantir aos filhos o acompanhamento das aulas remotas/virtuais em razão da carência de acesso a celulares, notebooks ou rede de internet, a alternativa viável para aquele momento foi a organização de Atividades Pedagógicas Não Presenciais (APNP) de forma impressa (Kuatiá - papel, na Língua Indígena Guarani), que foram entregues aos pais das crianças e adolescentes para que pudessem dar continuidade às atividades escolares em suas casas (Figura 6).

Fonte: Acervo da pesquisa de campo.

Figura 6 Kit de atividades pedagógicas não presenciais 

Nas duas aldeias indígenas da RID, os professores que trabalham sob responsabilidade do município de Dourados foram orientados a se organizar, de forma que aqueles que pertenciam ao grupo de risco não irem trabalhar presencialmente, enquanto os outros profissionais, que se apresentavam fora do quadro de risco, deveriam trabalhar em forma de escalonamento para atender as demandas da escola, de entrega e recolhimento das APNP.

Nessa dinâmica, alguns professores foram diagnosticados com Covid-19 e passaram a ter outra preocupação para além da dificuldade educacional. Os que continuaram desenvolvendo as atividades no formato on-line relataram dificuldades relacionadas ao sinal de internet no território indígena e a falta de recursos tecnológicos. Por fim, ampliou-se as dificuldades de garantir a escolarização nesse período, e muitas crianças e adolescentes ficaram desassistidos.

Outras situações ocorreram nesse contexto; muitos pais ou responsáveis por alunos indígenas não foram até a escola para buscar as APNP. Então os professores e gestores pedagógicos assumiram mais uma função: a de sair à procura das crianças a partir de busca ativa para a entrega e/ou recolhimento das APNP. Observou-se nesse processo muitas dificuldades, havendo pouco ou nenhum retorno durante todo o período da pandemia no ano de 2020. Por muitas vezes, durante a busca ativa, os professores se depararam com as crianças brincando e em seu momento de lazer. Ao indagarem a ausência dos pais na escola para a retirada das APNP, estes justificavam que não foram buscá-las por simplesmente acreditarem que esse tempo de pandemia não era tempo de estar preocupado com a escola, mas sim com a vida.

A preocupação expressa pelos pais indígenas, em ser um momento de preocupar-se com a vida, está intimamente relacionada a outras tantas dificuldades enfrentadas pelas famílias indígenas, ultrapassaram as questões educacionais, sendo uma delas a escassez de alimentos. Por essa razão, as escolas também passaram a distribuir quinzenalmente cesta de alimentos às famílias indígenas. Nesse sentido, é perceptível a necessidade de repensar as precariedades nas estruturas de ensino e, ao mesmo tempo, como a escola e seus agentes buscaram tentativas de superar as situações aprofundadas com a Covid-19.

Diante das dificuldades apontadas anteriormente, de como as escolas indígenas ainda repetem um ensino das escolas urbanas, e então da dificuldade de efetivamente colocar em prática suas especificidades e diferenças, é importante considerar que a escola se constitui um lugar privilegiado no qual existe constante processo de desconstrução e de trocas de experiências, sendo espaço de compartilhar o ser e os saberes tradicionais indígenas. Tem-se assim um espaço de intra, inter e transculturalidade, desde que sejam preconizados:

[...] a autoaceitação e o autorreconhecimento para atingir um desenvolvimento interno pessoal ou comunitário- intraculturalidade, busca, sobretudo, uma autorrealização do sujeito. O meio de se alcançá-la, nada mais é que o reconhecimento e interação com o outro, com base no respeito e na tolerância, negando-se preconceitos muitas vezes camuflados. (MARTINS, 2018, p. 58).

No que se refere às crianças, reafirma-se a necessidade de considerá-las responsabilidade de toda a sociedade na qual estão inseridas, principalmente se tratando de tempos difíceis como estes.

Falamos em infâncias, diante da existência de uma pluralidade de realidades em movimento e em confronto. As crianças produzem as tramas cotidianos nos espaços tempos de suas geografias existenciais, por isso, precisam ser compreendidas em seus contextos sociais e culturais. As crianças são marcadas interseccionalmente por suas dimensões de classe, etnia, nacionalidade, gênero e classe social, ou seja, por diversos fatores políticos, econômicos, culturais, geográficos e sociais, que nos impedem de pensá-las no singular. As diferentes experiências de infância, suas formas de viver e resistir nestes tempos estão a interrogar a Educação Infantil. (SANTOS, 2020, p. 86-87).

No que se refere a esse período de retorno das aulas, a partir de outubro de 2021, houve diferentes compreensões sobre a segurança ao retorno das aulas presenciais pelas famílias indígenas, de tal forma que muitos alunos permaneceram em ensino remoto. Os dados sistematizados sobre o retorno das atividades presenciais por escola indígena estão apresentados na Tabela 1.

A partir dos números, constatou-se que a Escola Municipal Indígena (EMI) Araporã é a que apresenta maior permanência (74,7%) de alunos matriculados em ensino remoto. A EMI Tengatuí Marangatu também teve número expressivo de alunos que permaneceram em ensino remoto (53%) para o ano letivo de 2021. Também observou-se que para o segundo semestre de 2021 havia bastante insegurança em relação ao retorno das atividades escolares presenciais por parte das famílias indígenas.

No que se refere a alunos que não compareceram (retornaram) nas escolas, a EMI Araporã teve o maior esvaziamento no quantitativo de alunos, quando comparada às demais escolas, apresentando uma taxa de 9,5% de evasão. Esse é um fator preocupante, sendo necessário buscar informações quanto aos motivos que levaram esses alunos a evadirem da escola.

A EMI Agustinho e a EMI Lacuí Roque Isnarde mostraram-se sem alunos em situação de evasão escolar, ou seja, 100% dos alunos retornaram para a escola, mesmo que mais de 50% tenham permanecido em ensino remoto durante o ano de 2021. Pode-se notar também que a EMI Agustinho é a escola que mais tem alunos em ensino presencial, e por esse motivo desenvolveu um protocolo de segurança mais rigoroso quando comparado aos protocolos de segurança das outras escolas.

Não foi possível acessar informações quanto à situação dos alunos matriculados na Escola Municipal Indígena Polo Tengatuí Marangatu e na Escola Municipal Francisco Meireles, por isso não há registros sobre elas na Tabela 1.

Tabela 1 Relação das escolas indígenas na RID em ensino presencial e remoto no ano escolar de 2021 

SITUAÇÃO DOS ALUNOS MATRICULADOS NO RETORNO DAS AULAS PRESENCIAIS
NOME DA ESCOLA Total de AM(1) Alunos EP(2) % de alunos EP Alunos em ER(3) % de alunos ER AA(4) % AA Local
EMI Tengatuí-Marangatu 681 232 34.1 431 63,3 18 2.6 Aldeia Jaguapiru
EMI Ramão Martins 411 183 44.5 204 49.7 24 5.8 Aldeia Jaguapiru
EMI Araporã 685 108 15.8 512 74.7 65 9.5 Aldeia Bororó
EMI Agustinho 645 362 56.1 283 43.9 0 0 Aldeia Bororó
EMI Lacuí Roque Isnarde 148 101 68.2 47 31.8 0 0 Aldeia Bororó
Total 2.570 986 - 1.477 - 107 -

Fonte: Elaborada pelos autores deste artigo com base em dados da pesquisa.

(1) AM - Alunos matriculados

(2) EP- Ensino Presencial

(3) ER- Ensino Remoto

(4) AA- Alunos ausentes - que não retornaram às aulas presenciais nem às aulas remotas em 2021.

Tecendo considerações sobre a evasão escolar, é necessário recordar as barreiras socioeconômicas, culturais e infraestruturais já enfrentadas pelas famílias indígenas, estabelecidas anteriormente à Covid-19 e ampliadas por ela. No que tange ao acesso escolar, Morais (2020, p. 30) descreve as dificuldades encontradas:

As dificuldades que as crianças que vivem nas aldeias Bororó e Jaguapiru tem para chegar na escola urbana, representam um dos motivos que levam elas a faltar nas aulas e consequentemente terem o desempenho pedagógico prejudicado. Alguns professores afirmaram que alguns estudantes indígenas faltam às aulas às vezes por uma semana e as suas famílias não fornecem nenhuma justificativa em relação às suas faltas escolar. Na pesquisa foi possível perceber que os motivos das faltas escolar estão relacionados às condições climáticas de chuva e frio em determinados períodos do ano, assim como à falta de meio de condução, pois a maioria dos estudantes utilizam bicicletas para irem para a escola e 30 muitas vezes eles relatavam - quando questionados - que haviam faltado nas aulas porque suas bicicletas estavam quebradas ou estavam sendo utilizadas por outras pessoas da família.

Os enfrentamentos anteriormente pontuados, entre outros tantos impasses, dificultam a efetivação de uma escola indígena promotora da educação intra, inter e transcultural. Tanto as crianças indígenas como a escola indígena exercem um papel central na manutenção dos saberes tradicionais indígenas, mas a interação entre os costumes e o conhecimento sistematizado requer “oportunidade de desenvolver capacidades que lhes permitam entender e lidar com o mundo moderno, adquirindo ferramentas que lhes possibilitem obter e assimilar conhecimentos acumulados pela humanidade, integrando-os aos conhecimentos construídos pelos antepassados” (AQUINO, 2012, p. 100).

Por essa razão faz-se necessário que essa escola esteja atenta às necessidades de suas comunidades, promovendo a construção de conhecimentos que favoreçam a troca e a articulação de novas alternativas para a sociedade indígena, rompendo com o atual cenário de dificuldades e desigualdades socioeconômicas presentes nos territórios, preparando as crianças do hoje para continuarem a re-existência de suas culturas no amanhã.

Considerações finais

O território Mitã Kuera Guarani Kaiowá se estabelece pelo protagonismo do modo de ser e viver da criança indígena nas diversas fases de desenvolvimento. E mesmo estando esse território marcado por inúmeras dificuldades socioeconômicas, infraestruturais, sanitárias e educacionais que já existiam e que foram ampliadas com a Covid-19, ele se constitui como espaço-tempo de construções pessoais e coletivas intra, inter e multiculturais.

Defende-se, assim, que uma escola construída para atender a Educação Escolar Indígena deve respeitar as particularidades de cada uma dessas crianças e, nesse sentido, reforçar a compreensão do ser indígena, bem como possibilitar a participação das comunidades indígenas em construir uma pedagogia específica que dialoga com as características socioculturais e ambientais do território indígena Guarani e Kaiowá, seja na educação infantil ou nas demais instâncias de ensino escolar, pois, como corrobora Aquino (2012, p. 23):

[…] cada povo tem sua forma tradicional de ensinar os outros, é variado de acordo com o seu grupo étnico que define seus objetivos de vida desde sua gestação, cada grupo tem seu jeito de educar e cuidar de suas crianças e também das pessoas do entorno, de acordo com seus princípios da divindade e moral recebidos dos ñanderu.

As práticas educativas tradicionais constituem movimentos pedagógicos que vão se desenvolvendo ao longo das fases de crescimento das crianças indígenas e revelam saberes que permitem compreendermos as temporalidades de ensino-aprendizagem nos espaços de formação da cultura e da identidade, sendo que “esses saberes são constituídos com uma teia de valores e costumes culturais que representam as fases do desenvolvimento humano da infância que podem subsidiar a organização didática e pedagógica da educação escolar indígena” (GOMES; NASCIMENTO, 2017, p. 350).

Por fim, compreendemos que o cenário resultante da Covid-19 ampliou sobremaneira as dificuldades de garantir o bem viver nos territórios indígenas, impactando, em menor ou maior amplitude, os processos de desenvolvimento infantil. Contudo, é imprescindível reconhecer que as crianças indígenas carregam uma cultura própria que vai se modelando no contato constante com “culturas outras”, constituídas entre as etnias circulantes em seus territórios. Estabelecer o diálogo entre essas culturas em espaços de educação formal é uma alternativa promissora para que haja reconhecimento das diferenças, aceitação da diversidade e valoração das identidades.

REFERÊNCIAS

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1Para melhor apresentar o conceito de tempo e espaço aqui discutido, apoiamo-nos em Mota (2011, p. 25): “[...] consideramos que se existe uma espacialidade produzida pelas gentes que se movem no mundo, traçando suas territorialidades, este ir e vir é marcado pelo tempo, fazendo e desfazendo-se de distintas formas, já que o tempo não se faz da mesma forma em todas as sociedades. [...] Neste contexto, as temporalidades não são vividas da mesma forma em todas as sociedades, e que nem todas têm no controle do relógio e do calendário as mesmas formas de perceber a realidade em que vivem, viveram ou poderão viver, considerando que a configuração espaço-tempo se faz correlacionada e interdependente entre si.”

2A literatura reconhece a existência de três etnias no Brasil culturalmente e linguisticamente aparentadas: os Guarani Mbyá (que se fixam em sua maioria, desde o Rio Grande do Sul, percorrendo o litoral brasileiro até o estado do Espírito Santo), os Guarani Kaiowá e os Guarani Ñandéva ou Nhandéva (vivendo principalmente no Mato Grosso do Sul). Estes últimos, contudo, se denominam apenas como Kaiowá ou Guarani, assim, a partir de então, este texto reconhecerá a autodenominação destas etnias.

3Em que se pese a existência de um debate profícuo sobre a adoção do conceito de confinamento ao sugerir uma noção de imobilidade cultural, aqui nos respaldamos do relato de Brand (2008) para demonstrar a vasta diminuição do tekoha guassu, isso é, do território ancestral no qual viviam os Guarani e Kaiowá respeitando o nande reko, o “nosso jeito de viver”

Recebido: 10 de Abril de 2022; Aceito: 11 de Julho de 2022

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