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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.67 Salvador jul./set 2022  Epub 13-Ene-2023

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n67.p308-324 

Artigos

INTERCULTURALIDADE E CULTURA POPULAR: DEBATENDO A FOLCLORIZAÇÃO DENTRO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

INTERCULTURALITY AND POPULAR CULTURE DEBATING FOLKLORIZATION WITHIN SCHOOL EDUCATION

INTERCULTURALIDAD Y CULTURA POPULAR DEBATIENDO LA FOLKLORIZACIÓN DENTRO DE LA EDUCACIÓN ESCOLAR

Alberto Alan de Sousa Cordeiro*  Universidade Federal do Amapá
http://orcid.org/0000-0002-4066-4616

*Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Belém (PA), Brasil. E-mail: albert.cordeiro@unifap.br


RESUMO

Neste artigo debatemos os processos históricos e produção intelectual que contribuíram para a marginalização da cultura popular dentro do espaço escolar. Em seguida, apresentamos como as perspectivas interculturais de educação têm auxiliado na construção de práticas pedagógicas que valorizam a diversidade cultural, abrindo espaço para os conhecimentos e formas de sociabilidade presentes nas culturas populares. O texto foi construído a partir de uma extensa pesquisa bibliográfica que mapeou diferentes contribuições da teoria cultural e a interface entre a escola e a cultura. Concluímos que certas práticas culturais são abordadas, ainda hoje, de forma pitoresca e estereotipada dentro do calendário “folclórico” das escolas. Contudo, conforme Candau (2013), a interculturalidade reconhece o direito à diversidade e luta contra as formas de discriminação e desiguldade social, promovendo relações diálógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes.

Palavras-chave: cultura popular; folclore; educação intercultural

ABSTRACT

In this article we discuss the historical processes and intellectual production that contributed to the marginalization of popular culture within the school space. Then, we present how the intercultural perspectives of education have helped in the construction of pedagogical practices that value cultural diversity, opening space for the knowledge and forms of sociability present in popular cultures. The text was built from an extensive bibliographic research that mapped different contributions of cultural theory and the interface between school and culture. We conclude that certain cultural practices are aproached, even today, in a picturesque and stereotyped way within the “folkloric” schedule of schools. However, according to Candau (2013), the interculturality recognizes the right to diversity and fights against forms of discrimination and social inequality, promoting dialogic and egalitarian relationships between people and groups belonging to different cultural universes.

Keywords: popular culture; folklore; intercultural education

RESUMEN

En este artículo discutimos los procesos históricos y la producción intelectual que contribuyeron a la marginación de la cultura popular dentro del espacio escolar. Luego, presentamos cómo las perspectivas interculturales de la educación han ayudado en la construcción de prácticas pedagógicas que valoran la diversidad cultural, abriendo espacio para los saberes y formas de sociabilidad presentes en las culturas populares. El texto se construyó a partir de una extensa investigación bibliográfica que mapeó diferentes aportes de la teoría cultural y la interfaz entre escuela y cultura. Concluimos que ciertas prácticas culturales son abordadas, aún hoy, de manera pintoresca y estereotipada dentro del calendario “folklórico” de las escuelas. Sin embargo, según Candau (2013), la interculturalidad reconoce el derecho a la diversidad y lucha contra las formas de discriminación y desigualdad social, promoviendo relaciones dialógicas e igualitarias entre personas y colectivos pertenecientes a universos culturales diferentes.

Palabras clave: cultura popular; folklore; educación intercultural

Introdução

Neste artigo pretendemos debater por que historicamente a cultura popular é marginalizada dentro do cotidiano escolar, sendo em alguns momentos fortemente rechaçada, em especial as expressões vinculadas às culturas urbanas produzidas pelas populações periféricas pobres e na sua maioria negra; noutros momentos adentra a escola em agendas específicas vinculadas ao calendário festivo, mas abordada de maneira folclorizada, entendida como exótica e extravagante.

Trata-se de um fenômeno complexo e que encontra suas raízes históricas na estreita relação existente entre a modernidade e o colonialismo, pois os modelos sociais, políticos, epistemológicos, logo, modelos culturais erigidos pela modernidade burguesa europeia serão internacionalizados e apresentados globalmente como narrativa universal do desenvolvimento humano. Neste texto, abordaremos dois segmentos que tiveram papel fundamental na internalização desse conjunto de valores, o folclore e a escolarização.

A despeito da diversidade semântica que hoje abrange o termo,1 o folclore surge como campo de estudo voltado à compreensão dos costumes populares europeus pós-revolução industrial. Entretanto, enredados pela epistemologia da época, os intelectuais da área compreenderam essas culturas como vestígios de um passado que naturalmente seria superado pela evolução da sociedade, deste modo, tecem um elogio em tom romântico (influenciados pelo Romantismo) às expressões dessas culturas e buscam catalogar e registrar para a posteridade o que seria superado pela marcha inexorável do progresso.

A escolarização moderna, por sua vez, tinha a tarefa de ajudar as camadas populares a superarem o amontoado de crendices que constituem sua cultura. O conhecimento escolar nessa perspectiva colonialista tem o dever de retirar os indivíduos da sua ignorância, revelando a verdade, exercitando sua mente e corpo para a civilização, retirando-os da selvageria. Além disso, reforça a concepção de que apenas algumas sociedades produziam conhecimentos válidos que poderiam conduzir as pessoas e os povos à civilização.

Percebam, nesse cenário, a marcha para o progresso, a escolarização garantiria a formação do “homem novo” e caberia ao folclore conservar como resíduo elogioso de um passado naturalmente superado, as tradições arcaicas dos povos em seu período de menor evolução.

Contudo, historicamente, as perspectivas interculturais de educação têm auxiliado a construção de práticas pedagógicas que valorizam a diversidade cultural, abrindo espaço para os conhecimentos, formas de sociabilidade, modos de relação com a biodiversidade presentes nas culturas populares. Travaremos este debate em um dos momentos do texto.

Este trabalho foi construído a partir do acúmulo de leituras e pesquisas do autor, que tem se dedicado a compreender as interfaces entre o campo cultural e a educação escolar. Pode ser caracterizado como resultado de uma pesquisa bibliográfica que, em especial, se debruçou sobre as produções referentes ao campo folclórico, analisando como este, historicamente, tem retratado as práticas culturais populares e sua interlocução com a escola.

Quanto a sua estrutura, compõem o texto, além desta introdução, uma primeira seção que versa sobre as primeiras produções folclóricas; em seguida, discutimos como a educação escolar foi sendo instituída a partir de uma epistemologia monocultural, o que reforçou o caráter marginal dado às práticas populares; logo após, apresentamos a interculturalidade como alternativa pedagógica que qualifica a atuação da escola para uma ação mais plural, diversificada e sensível às realidades dos diferentes grupos oprimidos, bem como suas culturas.

Folclore: as primeiras interpretações da episteme moderna sobre a cultura popular

Lima (2003) nos diz que a palavra folclore é a versão “aportuguesada” de Folklore, neologismo criado por Willien John Thoms,2 em 1846, a partir de dois vocábulos do inglês antigo: Folk - siginificando povo, e Lore - remetendo a estudo ou ciência. Folklore foi utilizado para denominar o campo de estudos até então identificado como “antiguidades populares” ou “literatura popular”.

De acordo com Cavalcanti (2008), o folclore faz parte de uma corrente do pensamento mundial originada na Europa na segunda metade do século XIX, herdeira de duas tradições intelectuais: os Antiquários - pensadores dos séculos XVII e XVIII que, por diletantismo, colecionavam e classificavam objetos e informações relacionados aos costumes populares - e o Romantismo.

O Romantismo, poderosa corrente de ideias artísticas e literárias, emerge no séc. XIX em associação com os movimentos nacionalistas europeus. Em oposição ao iluminismo, caracterizado pelo elitismo, pela rejeição à tradição e pela ênfase na razão, o Romantismo valorizava a diferença e a particularidade, consagrando o povo como objeto de interesse intelectual. O povo, para os intelectuais românticos, é puro, simples, enraizado nas tradições e no solo de sua região. (CAVALCANTI, 2008, p. 22).

Edison Carneiro (2008) nos diz, então, que o campo folclórico se estende a todas as manifestações da vida popular: vestuário, comida, habitações, artes, crendices, linguajar, jogos, danças e representações. Diz mais: que, mesmo em um exame superficial, estas manifestações revelam todo um sistema de sentir, pensar e agir essencialmente divergente do sistema oficial, erudito, predominante nas sociedades ocidentais.

Para Florestan Fernandes (1978), ao folclore se propôs o problema essencialmente prático de determinar o conhecimento, os modos de ser, pensar e agir do povo, por meio de elementos de natureza ergológica (os modos de trabalho - as técnicas de uso da terra, ou manipulação de metais etc.) e de natureza não material, como lendas, superstições, danças, provérbios.

Imbricado na filosofia positiva de Augusto Comte (1798-1857), e no evolucionismo inglês de Darwin (1809-1882) e Spencer (1820-1903), o folclore admitia que o desenvolvimento da sociedade, à semelhança dos seres vivos, se dava de forma gradual, transitando sucessivamente entre estágios. Entretanto, percebia-se a permanência de certos elementos de etapas anteriores nos estágios subsequentes. Esta persistência de elementos sobreviventes tinha grande importância no pensamento da época, pois comprometia o sistema de explicação da sociedade vigente (FERNANDES, 1978).

Daí decorreu o primeiro ponto de partida dos teóricos e pesquisadores do folclore: o ‘progresso’ não se processa uniformemente na sociedade, havendo por isso camadas da população que não participam do desenvolvimento da mesma sociedade ou apenas o acompanham com retardamento evidente. E os elementos culturais, que constituem o patrimônio cultural dos indivíduos a eles pertencentes, não se sintonizam dinamicamente com a cultura tomada como um sistema ou como um todo orgânico e por isso deixam de refletir integralmente a evolução cultural da sociedade. (FERNANDES, 1978, p. 39).

Com esse esquema evolucionista, os primeiros folcloristas buscavam abranger o que culturalmente era explicado como apego ao passado em uma sociedade que se modernizava e, conforme a síntese de Florestan Fernandes (1978), o estudo de elementos culturais considerados ultrapassados, mas que sobreviviam3 ao passar do tempo, se configurou como o objeto de estudos do folclore.

Para autores da época, segue Fernandes (1978), o termo cultura designava o patrimônio cultural das classes mais elevadas cujas características eram a escrita, os conhecimentos científicos, as belas artes e a religião oficial. Folclore, por sua vez, abrangia os elementos que constituíam o que se poderia entender como “cultura das classes baixas”.

De acordo com o sociólogo brasileiro, assim tiveram início as analogias e comparações entre os “meios populares” e os “primitivos”. No folclore, ambos considerados pré-letrados ou “incultos”, eram tratados como gente sem a cultura das classes “superiores”. Deste modo, o folclore consistia na “cultura do inculto”, e entendia as classes baixas ou o povo como “os menos civilizados nos países civilizados” (FERNANDES, 1978, p. 40).4

A ideia de “progresso” desses autores fomentou um duplo preconceito: o primeiro contra a cultura do povo pobre europeu e o segundo contra as populações das nações entendidas como menos evoluídas e, portanto, menos civilizadas (FERNANDES, 1978).

Além disso, a interpretação dos românticos sobre a cultura popular é carregada de ambiguidade, pois, ao tempo em que dizem resgatar e reconhecer a atividade do povo na cultura, promovem um sequestro da mesma quando advogam que a originalidade da cultura popular reside em sua autonomia e distanciamento da cultura oficial e hegemônica para que se preserve livre de influências (MARTIN-BARBERO, 2009).

E, ao negar a circulação cultural, o realmente negado é o processo histórico de formação do popular e o sentido social das diferenças culturais: a exclusão, a cumplicidade, a dominação e a impugnação. E, ao ficar sem sentido histórico, o que se resgata acaba sendo uma cultura que não pode olhar senão para o passado, culturapatrimônio, folclore de arquivo ou de museu nos quais conservar a pureza original de um povo-menino, primitivo. (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 40, grifo do autor).

Essas interpretações, de acordo com esse autor, exerceram profundas influências na Antropologia ainda nascente em meados do século XIX e ajudaram a fomentar, mediante o contato com as sociedades não europeias, uma concepção evolucionista de diferença cultural que, mesmo reconhecendo a diversidade de culturas, estabelece um binarismo interno: cultura hegemônica/culturas subalternas; e externo: civilizados/bárbaros. Esta concepção de diferença cultural permanece dominante hoje, pois olhando para as demais culturas e enxergando “um estágio talvez admirável, porém atrasado do desenvolvimento da humanidade e, por esta razão, expropriável por aqueles que já conquistaram o estágio avançado” (MARTIN -BARBERO, 2009, p. 41).

Excetuando os estudos de Bakhtin (18951975) e Ernesto de Martino (1908-1965), Canclini (2008) diz que somente a partir da década de 1960 os estudos referentes às culturas populares passaram a ser guiados por procedimentos técnicos rigorosos, situados em teorias sociais complexas. Apesar de trazerem à tona a questão do popular ao debate público, os estudos referentes aos costumes populares realizados a partir do século XIX foram guiados por interesses ideológicos e políticos.

O povo começa a existir como referente do debate moderno no fim do século XVIII e início do XIX, pela formação na Europa de Estados nacionais que trataram de abarcar todos os estratos da população. Entretanto, a ilustração acredita que este povo ao qual se deve recorrer para legitimar um governo secular e democrático é também o portador daquilo que a razão quer abolir: a superstição, a ignorância e a turbulência [...] O povo interessa como legitimador da hegemonia burguesa, mas incomoda como lugar do inculto por tudo aquilo que lhe falta. (CANCLINI, 2008, p. 208).

Preocupados em equalizar essas divergências e contradições entre o campo político, a cultura e o cotidiano, os escritores românticos passam a estimular os estudos referentes aos costumes populares. Exemplificando esta inquietação, Canclini (2008) diz que em 1878 é fundada na Inglaterra a primeira Sociedade do Folclore,5posteriormente, França e Itália instituirão a disciplina que se debruçará sobre saberes e expressões subalternas - Folclore.

Canclini (2008) elenca algumas características e desdobramentos dessa disciplina que, refletindo o positivismo imperante da época, reuniu um projeto científico a uma ideia de redenção social que buscava iluminar o povo para que este superasse a sua ignorância. Ou seja, a disciplina estava fundamentada em um tipo de messianismo político.

Além disso, é justamente nesse momento histórico, a partir da produção dos folcloristas, que se constrói a interpretação ainda fortemente presente que entende a cultura popular enquanto tradição. Essa produção entende o “popular” enquanto um resíduo elogiado, depósito da criatividade camponesa que se via ameaçada frente aos atributos da modernidade, como a leitura escrita, os jornais e os livros, que diminuíam o papel da transmissão oral. Mesmo os positivistas foram enredados pela nostalgia romântica.

No final das contas, os românticos se tornam cúmplices dos ilustrados. Ao decidir que a especificidade da cultura popular reside em sua fidelidade ao passo rural, tornam-se cegos às mudanças que a redefiniam nas sociedades industriais e urbanas. Ao atribuir-lhe uma autonomia imaginada, suprimem a possibilidade de explicar o popular pelas interações que tem com a nova cultura hegemônica. O povo é ‘resgatado’, mas não conhecido. (CANCLINI, 2008, p. 210).

Martin-Barbero (2009), aprofundando essa análise, diz que nesse período a invocação do povo legitimava o poder da burguesia, ao passo que excluía a sua cultura e, para esse autor, é neste exato momento que se geram as categorias “do culto” e “do popular”.

Isto é, do popular como inculto, do popular designando, no momento de sua constituição em conceito, um modo específico de relação com a totalidade social: a da negação, a de uma identidade reflexa, a daquele que se constitui não pelo que é, mas pelo que lhe falta. Definição do povo por exclusão, tanto da riqueza como do ‘ofício’ político e da educação. (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 35).

Na América Latina, conforme Canclini (2008), os estudos folclóricos reproduziram as mesmas motivações, condutas e contradições. Argentina, Peru, Brasil e México, diz esse autor, desde o século XIX, produziram conhecimentos empíricos sobre distintos grupos étnicos em diferentes artefatos, religiosidade, ritualística, medicina etc, mas com o intuito de se legitimar uma cultura nacional.

Nesses estudos o “folk” é tratado de modo semelhante ao adotado na Europa, algo pertencente aos indígenas e camponeses isolados e autossuficientes. Os estudos concentram seus interesses nos “bens culturais”, nos produtos e “o descaso pelos processos e agentes sociais que o geram, pelos usos que o modificam, leva a valorizar nos objetos mais sua repetição que sua transformação” (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 35).

Quanto à produção folclórica brasileira, Cavalcanti (2008) confirma que esta construiu sua trajetória em estreita relação com os debates do contexto intelectual europeu, incorporando nas pesquisas sobre a realidade cultural popular do país, realizadas por estudiosos brasileiros, as distintas tradições produzidas no velho continente.

Cavalcanti (2008) elenca alguns pioneiros dos estudos do folclore em nosso país: Silvio Romero (1851-1914), que a partir de uma forte influência positivista, enfatizou a necessidade de uma visão mais científica e racional da vida popular e realizou trabalhos no campo da literatura oral; Amadeu Amaral (1875-1929), que se empenhou politicamente em prol do folclore, entendido por este autor como depositário da essência nacional, e escreveu sobre a sistematização das técnicas de coleta das tradições populares; Mario de Andrade (1893-1945), que procurou estreitar o diálogo entre o campo folclórico e as ciências humanas e sociais, à época nascentes no país. Mario de Andrade entendia o folclore como expressão da brasilidade e acabou por ocupar um lugar decisivo na formulação da cultura nacional.

A ideia de progresso cultural herdada da tradição folclórica europeia pelos folcloristas brasileiros fica evidente na citação a seguir, extraída da obra História da Literatura Brasileira, de Silvio Romero (1876). Para esse autor, o Brasil precisava aprender com os países mais “evoluídos” culturalmente. É o paradoxo do Folclore: louva os artefatos culturais populares e afirma que estes edificam a identidade da nação, mas os considera como um episódio atrasado no processo de evolução cultural da humanidade.

Nós os brasileiros não pensamos ainda muito, por certo, no todo da evolução universal do homem; ainda não demos um impulso nosso à direção geral das idéias; mas um povo que se forma não deve só pedir lições aos outros; deve procurar ser-lhes também um exemplo. Verse-á em que consiste nossa pequenez e o que devêramos fazer para ser grandes. (ROMERO, 1876, p. 3).

Amadeu Amaral (1976), por sua vez, inaugurou a crítica à produção folclórica brasileira que lhe antecedeu ao afirmar que em todo o país vicejou uma espécie de regionalismo plebeísta que fez questão de exaltar as qualidades das populações rurais, o que ele considerou como um sentimentalismo contrário ao espírito científico.

De acordo com Amaral (1976), o folclorista brasileiro era atraído pelos estudos das tradições populares por uma espécie de admiração romântica de seus conterrâneos e, consequentemente, passava a procurar, entre as manifestações e os costumes populares, só aquelas que pudessem apresentar o povo sob uma luz lisonjeira, desleixando tudo o que se arriscava a parecer chato e insignificante.

Esse autor analisou também os debates da época que buscavam caracterizar o “popular” dentro das tradições populares. Amaral (1976) identificou dois argumentos: o primeiro considerava o “popular” como tudo o que corre entre o povo; o segundo afirmava se tratar daquilo que era produzido pelo próprio povo, ou seja, feito por pessoas do povo e adotado por este. Havia também, conforme esse autor, aqueles que faziam a distinção entre o “popular” - as produções do povo - e o popularizado - produto culto que o povo recebeu e acolheu.

De acordo com esse folclorista, nenhum dos argumentos é satisfatório. Considerava o primeiro demasiadamente largo e confuso por não conseguir discernir e diferenciar as coisas umas das outras; o segundo, impreciso, pois havia produtos tradicionais que todo o povo repetia e que não havia como saber se nasceram no seio do povo ou foram importados, “se foram compostos por um indivíduo culto ou por um indivíduo anônimo da massa” (AMARAL, 1976, p. 15). Então, o que deve ser entendido por popular?, se pergunta esse autor:

Antes de mais nada, deve-se notar como noções definitivamente adquiridas: 1.º - que existe uma literatura, uma arte, uma sciência popular, isto é, da massa anônima e inculta, as quais se caracterizam, precipuamente, por viverem na tradição, fenômeno coletivo. 2. º - que, embora bem distintas em seus núcleos, estas formações não se encerram em contornos definidos, não tem limites exactos, como não os tem as classes da sociedade, nem os seus estados de civilização e cultura. (AMARAL, 1976, p. 16).

Embora denuncie o caráter não científico das pesquisas que lhe antecederam, Amadeu Amaral (1976) não consegue escapar dos estereótipos inaugurados pela tradição folclórica. É perceptível na arguição desse autor as distinções e hierarquias entre cultura (pertencente às elites) e folclore (manifestação da “massa” “inculta” e “anônima”), marcado pela “tradição” que, como já analisamos, é entendida como apego ao passado pela população iletrada, conservadora, em meio a uma sociedade que se desenvolve e progride.

Mario de Andrade (2019, p. 91) também será enredado pelo imaginário da época. Em seus estudos sobre o negro, o folclorista afirma que o “preconceito de cor existe inquestionavelmente entre nós” e para compreender precisamente este fenômeno não há melhor forma que buscando a sua documentação no folclore.

Andrade (2019, p. 84) conclui que o “preconceito de cor” presente em determinadas manifestações folclóricas e reproduzido pelo “povo inculto” é uma herança ibérica. Em quase todos (ou em todos) os povos europeus, o qualitativo “negro” ou “preto” é dado às “coisas ruins, feias ou maléficas”, deste modo, nas superstições e feitiçarias europeias, e por extensão nas americanas, simboliza-se o bem e o mal pela antítese branco-negro.

Não é porque as culturas afronegras sejam inferiores às europeias na conceituação do progresso ou na aplicação do individualismo; não é, muito menos, porque as civilizações negras sejam civilizações ‘naturais’. Não foi inicialmente por nenhuma inferioridade técnica ou prática intelectual que o negro se viu depreciado ou limitado socialmente pelo branco: foi simplesmente por uma superstição de cor. Na realidade inicial: se o branco renega o negro e o insulta, é por simples e primária superstição. (ANDRADE, 2019, p. 85).

A análise de Mario de Andrade revela o modus operandi dos estudos folclóricos do período, que compreende as manifestações culturais descontextualizadas das relações de poder existentes na sociedade. Andrade (2019) confere certa imanência a uma significação simbólica - a representação sobre a ideia de “negro” -, não chegando a perceber que esta é construída historicamente a partir de relações sociais assimétricas.

Não se trata aqui de um julgamento anacrônico da perspectiva desse autor, mas sim de um questionamento sobre o modo como os intelectuais folcloristas construíram argumentos apriorísticos sobre o folclore, negligenciando análises mais acuradas das realidades sociais que os circundavam e os constituíam.

Outro aspecto interessante do argumento de Mario de Andrade (2019) é o evidente caráter evolucionista presente em suas reflexões, já que não negava que a civilização europeia era mais avançada técnica e intelectualmente que as civilizações negras. Apenas advogava que não era esse desnível cultural a razão do “preconceito de cor”. Deste modo, acabou por resvalar no evolucionismo folclorista referendado pelo etnocentrismo eurocentrado.

Renato Ortiz (1985), em severa crítica, questiona como as teorias explicativas do Brasil produzidas no final do século XIX, dentre estas as de grandes folcloristas como Silvio Romero, alcançaram o status de ciência, dada a sua implausibilidade.

Esse sociólogo brasileiro analisa como os folcloristas brasileiros buscaram resolver o impasse imposto pelas teorias evolucionistas no campo da cultura herdada dos pensadores europeus. Ortiz (1985) afirma que, do ponto de vista político, o evolucionismo vai possibilitar à elite europeia a tomada de consciência de seu poderio, que se consolida com a expansão mundial do capitalismo e com a hegemonia de sua legitimação (ideológica) no mundo ocidental.

Nessa perspectiva, o Brasil se encontrava em um estágio civilizatório inferior e, deste modo, coube à intelligentsia brasileira explicar o “atraso” nacional e apontar para um futuro próximo (ou remoto) de superação dessa defasagem. Se o evolucionismo possibilita a compreensão geral das sociedades humanas, o pensamento brasileiro da época, a fim de explicar a condição não evoluída do país, irá complementá-lo com duas noções particulares: a ideia de meio e raça (ORTIZ, 1985).

A partir daí raça e meio fundamentam o solo epistemológico dos intelectuais brasileiros do final do século XIX e início do século XX, se constituindo em categorias de conhecimento que passam a definir o quadro interpretativo da realidade brasileira.

A compreensão da natureza, dos acidentes geográficos esclarecia assim os próprios fenômenos econômicos e políticos do país [...] Combinada aos efeitos da raça, interpretação se completa. A neurastenia do mulato do litoral se contrapõe, assim, à rigidez do mestiço do interior (Euclides da Cunha); a apatia do mameluco amazonense revela os traços de um clima tropical que o tornaria incapaz de atos previdentes e racionais (Nina Rodrigues). A história brasileira é, desta forma, apreendida em termos deterministas, clima e raça explicando a natureza indolente do brasileiro, as manifestações tíbias e inseguras da elite intelectual, o lirismo quente dos poetas da terra, o nervosismo e a sexualidade desenfreada do mulato. (ORTIZ, 1985, p. 16).

Com a ascensão das Ciências Sociais no Brasil, o Folclore passa a ser alvo de duras críticas e o status de ciência das tradições populares que vinha sendo edificado por seus entusiastas passa a ser profundamente questionado. Autores sugerem uma ampliação do seu campo de atuação, aprofundamento epistemológico e novos procedimentos metodológicos.

Roger Bastide (1898-1974), sociólogo francês que ocupou a cátedra de Sociologia por ocasião da fundação da Universidade de São Paulo (USP), na obra Sociologia do Folclore Brasileiro, afirma que “o folclore não flutua no ar” e, portanto, é preciso substituir “as descrições analíticas com cheiro de museu, que destacam os fatos da realidade em que estão imersos e da qual recebem sentido, por uma descrição sociológica que os situe no interior dos grupos” (BASTIDE, 1959, p. 9).

Bastide (1959) defendia, então, que o estudo do folclore precisava compreender a realidade social em que estava situado, pois as estruturas sociais se modelam de acordo com normas culturais e a cultura, que, por sua vez, inexistem sem uma estrutura que lhes dê base e as transforme.

Florestan Fernandes (1978) é categórico ao afirmar que o folclore como realidade objetiva pode e deve ser investigado cientificamente, porém, o desenvolvimento das ciências sociais mostra que não há justificativa para dar ao seu campo de estudos o caráter de ciência independente.

Em suma, o folclore, encarado como realidade cultural, psico-cultural ou sócio-cultural, constitui objeto de investigação científica. Nesses termos, ele pode ser descrito e explicado por disciplinas como a psicologia, a psicologia social, a etnologia e a sociologia, através de seus recursos comuns de pesquisa e de interpretação. Entendido como um campo especial de indagações e de conhecimento, ele constitui uma disciplina humanística, semelhante à literatura comparada, podendo lançar mão, como esta, de técnicas de trabalho científico, sem ser uma ciência propriamente dita. (FERNANDES, 1978, p. 24).

Esse autor segue afirmando que, embora algumas fases do processo de investigação dos folcloristas e dos cientistas sociais sejam fundamentalmente similares, particularmente, no que diz respeito à formação de coleções folclóricas, “a contribuição deles à explicação dos fatos folclóricos difere entre si como o conhecimento estético contrasta com o conhecimento científico da realidade” (FERNANDES, 1978, p. 24).

Elogia Florestan (1978) o trabalho realizado pelos folcloristas brasileiros por estes catalogarem, formarem coleções, criarem acervos documentais que serviram de ponto de partida para o trabalho dos cientistas sociais. Esse sociólogo brasileiro, ainda que reconhecesse a importância dos estudiosos da cultura popular brasileira, afirmava que a tarefa de analisar as relações sociais em que as expressões culturais populares estão imersas, bem como os impactos e repercussões destas relações na cultura do povo, são atribuições exclusivas dos cientistas sociais.

Edison Carneiro (2008), já reconhecendo que a cultura popular deveria ser estudada e compreendida como envolvida em uma sociedade de classes e, portanto, expressando as contradições desta sociedade, afirmava que o objetivo central do estudo do folclore estava em compreender a maneiras como o povo reage aos estilos de comportamento que lhe são impostos pela sociedade oficial, quer seja rejeitando-os, quer seja adaptando-os ou mesmo criando um estilo original.

Afirma Carneiro (2008) que há o entendimento de que são as camadas populares que produzem folclore, mas alerta que isso não se faz mecanicamente, haja vista que todas as forças sociais, espontâneas ou não, contribuem para modificar o produto final. Contudo, para esse autor, a questão importante é entender por que o povo faz o folclore, por que se compraz e se obstina tanto, qual o sentido para a sua sobrevivência. E, para esse autor, são justamente as diferenças de classe que explicam o folclore.

O povo sente, age e pensa diversamente da burguesia como reflexo da condição econômica, social e política inferior em que se encontra. E, através do folclore, o povo se torna presente na sociedade oficial e dá voz aos seus desejos, cria para si mesmo um teatro e uma escola, preserva um imenso cabedal de conhecimentos, mantém a sua alegria, a sua coesão e seu espírito de iniciativa. (CARNEIRO, 2008, p. 15).

Carneiro (2008) destaca que esse fenômeno é dinâmico, que a produção do folclore passa por um processo constante de transformação, recombinação, inovação e particularização, e que é a sua atualização que lhe dá a possibilidade de participar da vida em sociedade. Deste modo, o resultado da produção folclórica depende, de um lado, dos interesses das camadas populares e de sua força criadora; de outro lado, da sanção dos grupos que governam o organismo social.

De acordo com esse intelectual baiano, o estudo da vida popular deve abranger toda a sua plenitude e não apenas momentos interessantes ou pitorescos. Assim, seu estudo deixa de tratar o popular como um estilo de vida tradicional e passa a compreendê-lo como um processo, sujeito à atualização constante das maneiras de ser e participar ativamente da vida social. Deste modo, “O estudo do folclore propicia a reconstrução do passado popular, mas seu interesse principal está em constituir o folclore o melhor indício da condição atual do povo e de suas aspirações futuras.” (CARNEIRO, 2008, p. 16).

Conforme Ayala e Ayala (1987), por conta da trajetória controversa, em que boa parte dos estudos folclóricos trataram as manifestações populares como algo pitoresco, arcaico e anacrônico, o folclore ganhou um sentido pejorativo, isto é, tornou-se algo risível e que não deveria ser levado a sério.

Para esses autores, a expressão cultura popular, tomada como sinônimo de cultura do povo, permite visualizar mais facilmente as práticas próprias dos grupos subalternos na sociedade, implicando na análise das condições de produção dessa cultura, entendendo-a como produto historicamente determinado, elaborado e consumido pelos oprimidos de uma sociedade exposta à exploração econômica e à distribuição desigual do trabalho, da riqueza e do poder.

As interpretações dos folcloristas europeus do século XIX, que posteriormente influenciaram os autores da área no Brasil, valorizavam a cultura das classes populares, mas numa perspectiva estanque, a-histórica, descontextualizada, acabando por reforçar sua marginalização ao promover o ideário de que esta é atrasada perante a evolução cultural em curso na sociedade moderna.

Tal aspecto se agrava ainda mais quando essa lógica é transportada para a análise das culturas das populações ameríndias. Nessa perspectiva de escalonamento, a cultura dos povos latino-americanos é considerada como ainda mais inferior à cultura popular europeia. Os folcloristas brasileiros, enredados nesse sistema de explicação, reforçaram a ideia de preservação da cultura indígena e camponesa, mas investiram no registro e na catalogação desta cultura para as futuras gerações porque entendiam que esta não teria como sobreviver em uma sociedade que necessariamente seguiria, naturalmente, em direção à modernização.

Sendo assim, não é de se estranhar que a cultura popular, entendida socialmente de maneira “folclorizada”, seja pouco valorizada no âmbito escolar, pois, como analisaremos posteriormente, tal concepção auxiliou na compreensão de que essas culturas são diametralmente opostas aos conhecimentos a serem ensinados na escola, tidos como indispensáveis à construção das sociedades modernas que de maneira universalizada se pretendia edificar.

A epistemologia monocultural da educação Escolar

A intelectual indiana Vandana Shiva (2003, p. 21) afirma em seus estudos que o saber ocidental dominante, considerado universal, não passa de um “sistema local, com sua base social em determinada cultura, classe e gênero. Não é universal em sentido epistemológico. É apenas a versão globalizada de uma tradição local extremamente provinciana”. Contudo, além da violência militar imposta pelos colonizadores, esta cultura local contou com outros instrumentos para poder se “universalizar”: os sistemas modernos de saber.

Nascidos de uma cultura dominadora e colonizadora, diz Vandana Shiva (2003), os sistemas modernos de saber são, eles próprios, colonizadores. Sendo assim, a função deles é fazer “desaparecer” os sistemas locais de saber do mundo inteiro e, assim como as monoculturas destroem as próprias condições de existência das diversas espécies, eles destroem alternativas ao modelo civilizatório hegemônico. Assim, Vandana Shiva (2003), como metáfora, elabora o conceito Monoculturas da Mente.

Fleuri (2018) afirma que o monoculturalismo entende que todos os povos e grupos compartilham uma cultura universal, contudo, essa visão essencialista e universalista, ao encontro do que diz Vandana Shiva, pode legitimar a dominação de um projeto civilizatório que exclui e subjuga as minorias culturais. Neste sentido, quando afirmamos que a escola atua numa perspectiva monocultural, asseveramos que ela faz parte desses sistemas modernos de saber que têm o intuito de homogeneizar o mundo, suplantando os modelos civilizatórios alternativos presentes em outras culturas.

A escola moderna surge da necessidade de reeducar a população para o novo modelo social em ascensão, deste modo, esta instituição já nasce com a vocação para excluir e marginalizar as culturas populares. É essa a conclusão à qual chega Joseph Folliet (1968), após realizar um vasto estudo sobre a cultura popular na França.

Folliet (1968) afirma que, após o paulatino processo de urbanização vivido pela Europa, foi se instituindo uma cultura burguesa que, aos olhos do homem burguês, confundia-se com a soma dos conhecimentos humanos, entendida como cultura da humanidade. Para o burguês, então, segue esse autor, a cultura tradicional do campesinato era um amontoado de trevas, superstições, crendices e preconceitos míticos.

Entretanto, com a urbanização acompanhase também o surgimento de uma cultura popular urbana que conservava muitos elementos da cultura camponesa, entretanto, esta passa a ser fortemente atacada pela instrução, subproduto da cultura burguesa.

A escola, pública ou particular, combate, em nome da ciência - de fato, de um cientificismo primário - as crenças, as superstições, as tradições camponesas, mas substituindo-as por noções esparsas, falsificadas por seu simplismo e às vezes por preconceitos, sem ligação de ideias aparentemente claras. (FOLLIET, 1968, p. 31).

Por isso, a crise da cultura popular, afirma Folliet (1968, p. 32), sobrevém no momento em que “a cultura burguesa, convertida em cultura universal parece triunfar definitivamente, rejuvenescida pelas injeções nas humanidades greco-latinas de um ensino das ciências e das línguas vivas”. E o objetivo dos fundadores da escola, diz esse autor, era esse mesmo, distribuir subprodutos ou sucedâneos da cultura burguesa.

Na América Latina, a escolarização moderna vai reproduzir esse mesmo fenômeno, cumprindo o estratégico papel de controle sobre as diferenças. Para serem civilizados, para formarem parte da modernidade, para serem cidadãos colombianos, brasileiros ou venezuelanos, diz Castro-Gomez (2005, p. 170), “os indivíduos não só deviam comportar-se corretamente e saber ler e escrever, mas também adequar sua linguagem a uma série de normas”.

Castro-Gomez (2005, p. 82) afirma que nos guias pedagógicos escritos para a educação na América Latina não constavam manuais de como ser um “bom camponês, bom índio, bom negro ou bom gaúcho, já que todos estes tipos humanos eram vistos como pertencentes ao âmbito da barbárie”. Ao contrário, “os manuais foram escritos para ser-se bom ‘cidadão’, para formar parte dos civitas, do espaço legal que habitam os sujeitos epistemológicos, morais e estéticos de que necessita a modernidade” (CASTRO-GOMEZ, 2005, p. 82).

A entrada no banquete da modernidade demandava o cumprimento de um receituário normativo que servia para distinguir os membros da nova classe urbana que começava a emergir em toda a América Latina durante a segunda metade do século XIX [...] O Processo da civilização arrasta consigo um crescimento dos espaços da vergonha, porque era necessário distinguir-se claramente de todos aqueles estamentos sociais que não pertenciam ao âmbito da civitas que intelectuais latino-americanos como Sarmiento vinham identificando como paradigma da modernidade. A urbanidade e a educação cívica desempenharam o papel, assim, de taxonomia pedagógica que separava o fraque da ralé, a limpeza da sujeira, a capital das províncias, a república da colônia, a civilização da barbárie. (CASTRO-GOMEZ, 2005, p. 82).

No contexto educacional brasileiro, o fenômeno da escolarização como um processo de assepsia do povo de sua cultura também será percebido. Prática esta que se repete até os dias atuais, com alguns exemplos emblemáticos. O primeiro deles diz respeito à realização das festas juninas6 no âmbito escolar.

Campos (2007) afirma que a introdução das festas juninas nas escolas brasileiras começa a partir da década de 1970, em decorrência da tendência educacional denominada currículo como tecnologia, que ficou mais conhecida como tecnicismo, introduzido no Brasil pela Lei nº 5.692/71. A partir daí estas festividades passaram a fazer parte do planejamento da escola e, por consequência, do próprio currículo, aparecendo como atividade prevista no calendário escolar.

Entretanto, a escola absorve as representações preconceituosas e estereotipadas sobre a população camponesa, prática herdada da burguesia paulista, a partir do momento em que as festas juninas passam a acontecer em clubes privados da capital de São Paulo. Nestas festas, conforme Campos (2007), a intenção era de fato a ridicularização da população interiorana e a exaltação da vida citadina na metrópole.

Muitas escolas degradam a cultura popular brasileira ao fazerem simulacros de ‘festas juninas’.

Mesmo tendo em conta o imenso esforço feito pelas professoras (semanas de ensaios!), as crianças são fantasiadas de caipiras (roupas remendadas, dentes falhados, bigodes e costeletas horrorosas, chapéus esgarçados, andar trôpego e espalhafatoso e um falar incorreto), como se os trabalhadores rurais assim o fossem por gosto, ingênuos e palermas. Poucas escolas explicam a origem das festas e a importância do cidadão campesino e resguardam sua dignidade; poucas, ainda, destacam que a falha no dente não é algo que aquele brasileiro ou aquela brasileira tem para ficar ‘engraçados’ (são desdentados por sofrimento), ou informam que eles produzem comida e passam fome, como se fossem subumanos, não têm acesso à escola etc. É, em grande parte, a ridicularização da miséria, cujo ápice é uma festa na escola, com uma concorrida profusão de máquinas fotográficas e filmadoras que se atropelam em busca de imagens caricatas. (CORTELLA, 1998, p. 149-150).

Não se trata de inviabilizar a realização das festas juninas no âmbito escolar. Reconhecemos seu potencial lúdico e artístico, entretanto, elas precisam ser devidamente analisadas e situadas historicamente, com vistas a corroborar com a melhoria da ação escolar, para que não reproduza preconceitos e estereótipos.

Outros exemplos de representações colonialistas dentro da escola dizem respeito às comemorações do “Dia do Índio”, em que as culturas indígenas são tratadas de maneiras deturpadas, vistas como exóticas e pitorescas, e também os momentos em que elementos da cultura afro-brasileira são incorporados ao cotidiano escolar.

Como afirma Candau (2013), parece que o sistema público de ensino, nascido no contexto da modernidade, carregando o ideal de oferecer a todos o acesso a conhecimentos considerados universais, terminou por criar uma cultura escolar padronizada, pouco dinâmica, enfatizando a mera transferência de conhecimentos vinculados à cultura de determinados atores sociais.

De acordo com Silva (2008), ninguém hoje em dia negaria a enorme importância que a escola tem na defesa, promoção, difusão da cultura popular. Entretanto, talvez não seja suficientemente evidente a significativa contribuição que as manifestações culturais populares podem trazer à escola. São muitas, diz esse autor, mas a mais importante reside na possibilidade de revolucionar o sistema de ensino formal a partir de uma nova e mais humanizada estratégia de educação.

Silva (2008) afirma que a escola é prioritariamente orientada pelos princípios da modernidade e que sua demanda incessante por conhecimentos instrumentais, pautados pela obsessão da utilidade, produtividade e funcionalidade, faz com que as instituições de ensino atendam preferencialmente às expectativas de um sistema produtivo alienante e desumanizante.

Desse modo, conforme Brandão (2008, p. 37), a escola deixa de lado, ou coloca como assunto de “hora de recreio” ou do “mês de agosto”,7 a rica experiência de criação de artes, valores e saberes populares. A escola precisa encontrar um sentido menos utilitário e mais humanamente integrado e interativo em sua missão de educar.

Um passo para isso está na descoberta do valor humano e artístico das criações populares, na presença da cultura popular na escola, na educação, mas não mais como fragmento pitoresco e curioso da hora do recreio. A escola precisa aprender com a sabedoria do povo maneiras de viver, de sentir e pensar a partir da sensibilidade das artes e culturas populares (BRANDÃO, 2008).

Educação Intercultural e Cultura Popular

Um caminho para a superação desse ideário que acaba por constituir o conhecimento escolar e o registringe a uma epistemologia monocultural, tem sido a perspectiva intercultural de educação. Deste modo, a partir daqui, definiremos, com base na literatura do campo, o que é a educação intercultural e como ela pode auxiliar na construção de modelos educativos em que a cultura popular seja abordada não mais na perspectiva folclórica, exótica, exógena e apenas em momentos “extra-oficiais” do currículo escolar, mas, sim, entendida como recurso educativo imprescindível.

Não é nosso objetivo aqui narrar a genealogia e trajetória da interculturalidade, mas, suscintamente, como bem afirma Fleuri (2018), esta emerge no contexto das lutas contra os processos crescentes de exclusão social, ligada a movimentos que reconhecem a identidade cultural de cada grupo social. No contexto latino-americano, em especial, é fruto das lutas dos movimentos indígenas e afrodescendentes.

A partir dessa vinculação com as lutas de minorias sociais, a interculturalidade, diz Candau (2013), é um processo permanente, sempre inacabado e marcado pela intensão de promover uma relação dialógica e democrática entre as culturas e os grupos involucrados, para além de uma coexistência pacífica num mesmo território. “Esta seria condição fundamental para qualquer processo ser qualificado de intercultural.” (CANDAU, 2013, p. 56).

A interculturalidade orienta processos que tem por base o reconhecimento ao direito à diversidade e a luta contra todas as formas de discriminação e desiguldade social e tentam promover relações diálógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes. (CANDAU, 2013, p. 56).

A nível das práticas educacionais, a perspectiva intercultural propõe novas estratégias de relação entre os sujeitos e entre grupos diferentes e busca promover a construção de identidades sociais e o reconhecimento das diferenças culturais, mantendo, ainda assim, a relação crítica e solidária entre elas (FLEURI, 2018).

Superando as perspectivas tradicionais e folclorizadas com as quais a escola aborda a cultura popular, a educação intercultural não restringe o diálogo com estas culturas apenas a um conjunto de atividades esporádicas e sem vínculação efetiva com o currículo escolar; nem a ações de viés compensatório voltadas às minoriais que ocupam a escola; tampouco entende que essas ações devem ser preocupações de disciplinas específicas (CANDAU, 2013).

Trata-se de um enfoque global que deve afetar a cultura escolar e a cultura da escola como um todo, a todos os atores e a todas as dimensões do processo educativo [...] Esta perspectiva questiona o etnocentrismo que, explícita ou implicitamente, está presente na escola e nas políticas educativas e coloca uma questão radical: que critérios utilizar para selecionar e justificar os conteúdos - no sentido amplo, que não pode ser reduzido aos aspectos cognitivos da educação escolar. (CANDAU, 2013, p. 59).

Na interculturalidade, diz Fleuri (2018), educadores e educandos consideram as diferentes culturas como um modo próprio de um grupo social interagir com a realidade. Por sua vez, a relação entre culturas distintas produz confrontos entre visões de mundo diferentes, o que “contribui para que uma pessoa ou um grupo modifique o seu horizonte de compreensão da realidade, na medida em que lhe possibilita compreender ou assumir pontos de vista ou lógicas diferentes de interpretação da realidade ou de relação social” (FLEURI, 2018, p. 42-43).

Tal contribuição é deveras importante, pois, como afirma Edgardo Lander (2005), dada a naturalização das relações sociais e dos saberes modernos, acaba sendo difícil a compreensão do caráter histórico, cultural específico das relações sociais estabelecidas na modernidade. O sociólogo venezuelano afirma que precisamos “recorrer a outras perspectivas culturais, que nos permitam desfamiliarizar-nos e, portanto, desnaturalizar a objetividade universal destas formas de conceber a realidade” (LANDER, 2005, p. 24).

Desse modo, precisamos apresentar outros mundos possíveis já existentes, e o universo das culturas populares, na realidade brasileira, historicamente construído a partir das contribuições indígenas e afrodescendentes, foi se constituindo em resistência às imposições da modernidade ocidental, obviamente, não sem influências, cooptações e interferências, mas, sem dúvida, na sua exterioridade.

Paulo Freire (2019) já bem salientava em sua Pedagogia do Oprimido que essa é a contradição e o maior desafio imposto aos grupos oprimidos: a estrutura de seu pensar se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se “formam”. O “seu ideal é realmente ser homens, mas, para eles, ser homens, na contradição em que sempre estiveram e cuja superação não lhes está clara, é ser opressores. Estes são seus testemunhos de humanidade [...] os oprimidos têm no opressor o seu testemunho de homem” (FREIRE, 2019, p. 44-45).

Embora reconhecendo a imersão dos oprimidos nas representações, imaginários, ideologias impostas pelo opressor, fazendo com que estas se tornem seu referencial de existência, Paulo Freire (2019) também compreende que a superação das opressões se dará pelo próprio povo em sua luta histórica pela recuperação de sua humanidade negada, por isso, não coincidentemente, a cultura do povo é o ponto de partida na premissa epistemológica da Pedagogia do Oprimido. Ela é a exterioridade na interioridade.

Nessa direção, diz Rodriguez (2020), as culturas populares, em muitos casos, expressam, vigorosamente, práticas e pensamentos produtores de outros modos de vida comunitários, com sentido de coletividade, materializados pelas ancestralidades indígena e africana:

Os horizontes civilizatórios portados pela modernidade ocidental, com suas noções e práticas de desenvolvimento, progresso, ciência, conhecimento, política, economia, estética, ética, etc, são dominantes e conformam o repertório de êxito que inundam as nossas subjetividades e os sentidos de vida. Os modos de vida portados por outros horizontes como os indígenas e populares, parecem ser fundamentais para a regeneração da vida cotidiana e dos laços de comunidade. Portanto, eles estão muito presentes na estrutura de validação da vida das pessoas, inclusive em âmbitos urbanos, mas são, muitas vezes, colocados como secundários e subordinados. Isso faz que muito do que se porta como outros modos de vida, diferentes aos dominantes e hegemônicos, terminem em um processo de folclorização, esvaziando-se em conteúdo e sentidos de vida. (RODRIGUEZ, 2020, p. 131-132).

Portanto, ao estabelecer esse diálogo com essas culturas construídas na exterioridade do sistema, a educação intercultural abre caminhos para a construção de alternativas civilizatórias à modernidade ocidental e seus desdobramentos, apresenta às novas gerações referenciais de humanidade, relações interpessoais, sociais e com o meio ambiente que se distinguem dos marcos universalizados pela narrativa da modernidade, proporcionando que a escola estabeleça:

[...] um amplo e profundo diálogo com os saberes historicamente silenciados, provenientes das experiências dos povos subalternizados pelos processos de colonização na América Latina, sobretudo dos povos indígenas originários dessas terras e dos povos escravizados vindos de África, que em contato com outros povos que aqui chegaram e se estabeleceram, produziram um vasto repertório cultural. A ancestralidade, a memória, a oralidade e a ritualidade encarnada nas práticas desenvolvidas por esses povos constituem um acervo de humanidade registrado através de danças, cantos, celebrações, religiosidade, formas de se relacionar com a natureza, formas simbólicas de ser e estar no mundo. A esse profundo acervo de humanidade, é que aqui denominamos ‘culturas populares’. (ABIB, 2019).

Conforme indicam Santiago, Akkari e Marques (2013), essa mudança de posicionamento da educação escolar, a partir da perspectiva intercultural, representa uma transformação no paradigma que embasa a sua ação e que amplia a visão da comunidade escolar para as relações de poder e os processos de dominação que envolvem a escola e ocorrem em seu cotidiano. Esse artifício possibilita a superação de barreiras, preconceitos e discriminações que historicamente atingem grupos marginalizados em nossa sociedade.

Como afirma Candau (2012), a partir da perspectiva intercultural, a escola está instada a se reinventar para enfrentar as questões atuais de um mundo complexo, plural, desigual e diverso. Acreditamos que em diálogo com a cultura popular, o espaço escolar constrói caminhos para aprender com conhecimentos que foram encobertos pela modernidade ocidental, e ao fazer isso, pode tornar-se, de fato, um espaço que acolhe as diferenças, sejam elas individuais ou coletivas.

Considerações Finais

Necessitamos desenvolver uma pedagogia com a característica dos nossos povos, mas para isso, como bem afirmam Streck, Adams e Moretti (2010), é necessário o encontro contraditório, indissociável, entre a cultura europeia, identificada com o projeto da modernidade, e as culturas dominadas: indígena e africana, que ainda carregam as consequências em termos de subalternidade e resistência.

Seguindo esses intelectuais, acreditamos que a atitude adequada não seja negar o legado da modernidade, mas reconhecê-lo e contextualizá-lo histórica e epistemologicamente, questionando a lógica monocultural do eurocentrismo, abrindo caminhos para outros paradigmas e assumindo igualmente o protagonismo da construção das sociedades que valorizem as características da diversidade dos nossos povos (STRECK; ADAMS; MORETTI, 2010).

A educação intercultural tem sido um recurso inestimável na construção de modelos pedagógicos que sinalizam essa abertura epistemológica para a educação escolar, auxiliando para que esta instituição supere definitivamente sua vocação inicial de produtora de “monoculturas da mente”, usando a metáfora de Vandana Shiva (2003).

Essa abertura pode possibilitar que a cultura popular, entendida pela episteme moderna como antiquada e atrasada, seja vista como parte da diversidade epistemológica do mundo e suas contribuições à escolarização sejam estimadas e reconhecidas.

A interculturalidade, como apresentamos, apregoa a valorização da diversidade cultural como parte de um projeto político radical e transformador. Deste modo, nosso intuito é que este trabalho se some ao histórico esforço intelectual de muitos autores e autoras, educadoras e educadores latino-americanos que denunciam os mecanismos de dominação política, econômica, cognitiva, epistemológica que se estruturam dentro dos sistemas de ensino, herança da nossa experiência colonial; e anunciam rupturas, alternativas, novos caminhos e práticas educativas alicerçadas na vida e na história dos povos de Abya Yala.8

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1Carlos Rodrigues Brandão (2014) afirma que existe uma diversidade de interpretações quanto aos termos folclore e cultura popular. Alguns os tratam como sinônimos, inclusive. Para esse autor, são conceitos distintos, mas complementares. O folclore é componente, parte integrante da cultura popular. Nas palavras dele: “[…] de um ponto de vista rigoroso, são propriamente folclóricas as toadas, cantos, mitos, saberes, processos tecnológicos que, no correr de sua própria reprodução de pessoa a pessoas, de geração a geração, foram incorporados ao modo de vida e ao repertório coletivo da cultura de uma fração específica do povo: pescadores, camponeses, lavradores, boias-frias, gente das periferias das cidades.” (BRANDÃO, 2014, p. 41).

2Willien John Thoms nasceu em Westminster-Inglaterra em 1803 e dedicou-se ao estudo das “antiguidades populares”, fundando a revista Notas e Perguntas, voltada à análise da literatura popular (LIMA, 2003).

3Edward Burnett Tylor (1832-1917), antropólogo britânico evolucionista, bem aos moldes da episteme de sua época, defendia a ideia de que as sociedades passam por etapas de evolução e que ao passarem para a etapa mais evoluída, não deixam de “carregar” vestígios da etapa passada, fenômeno que ele denomina de sobrevivências: “Trata-se de processos, costumes, opiniões, e assim por diante, que, por forçado hábito, continuaram a existir num novo estado de sociedade diferente daquele no qual tiveram sua origem, e então permanecem como provas e exemplos de uma condição mais antiga de cultura que evoluiu em uma mais recente.” (TYLOR, 2009, p. 87).

4Um bom exemplo dessa mentalidade pode ser encontrado na obra do folclorista francês Pierre Saintyves (1870- 1935), para quem o folclore era entendido como a ciência da cultura tradicional nos meios populares dos países civilizados (SAINTYVES, 1936). O folclorista foi Presidente da Sociedade Francesa de Folclore e Diretor da Revista do Folclore Francês.

5Tendo como primeiro presidente Willien John Thoms (que cunhara o neologismo Folklore), a Sociedade do Folclore tinha como objetivo “a conservação e a publicação das tradições populares, baladas lendárias, provérbios locais, ditos vulgares, superstições e antigos costumes e demais materiais concernentes a isso” (LIMA, 2003, p. 13).

6As origens das comemorações juninas remetem-se aos povos germânicos e romanos na Idade Antiga. Faziam parte dos rituais de celebração da passagem para o verão, quando a população promovia festas para afastar os espíritos maus que provocavam a esterilidade da terra, as pestes e as estiagens. Na Idade Média, os festejos foram cristianizados pela Igreja Católica, que incorporou a louvação aos padroeiros cujas datas localizam-se na época da mudança de estação: Santo Antônio, São João e São Pedro. O festejo popularizou-se na Península Ibérica, onde acabou se tornando uma das mais antigas tradições da religiosidade popular. E, aqui no Brasil, de acordo com o autor, existem registros que comprovam a presença da festividade desde o ano de 1583 (CAMPOS, 2007).

7Refere-se ao dia 22 de agosto, data em que se celebra, inclusive no Brasil, o “dia do folclore”, em alusão à data em que William John Thoms criou o neologismo Folklore.

8Abya Yala, da língua do povo Kuna, significa “Terra madura”, “Terra Viva” ou “Terra em Florescimento” e é sinônimo de América. O povo Kuna é originário da Serra Nevada, no norte da Colômbia, tendo habitado a região do Golfo de Urabá e das montanhas de Darien. Atualmente vive na costa caribenha do Panamá, na Comarca de Kuna Yala (San Blas). Abya Yala vem sendo usado como uma autodesignação dos povos originários do continente em contraponto ao uso do termo América, expressão que, embora usada pela primeira vez em 1507 pelo cosmólogo Martin Wakdseemüller, só se consagra a partir de finais do século XVIII e inícios do século XIX, por meio das elites criollas, que precisavam se afirmar em detrimento dos conquistadores europeus, no período de independência dos países latino-americanos (PORTO-GONÇALVES, 2009, p. 26).

Recebido: 02 de Abril de 2022; Aceito: 06 de Julho de 2022

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