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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.68 Salvador oct./dic 2022  Epub 13-Ene-2023

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n68.p117-129 

Artigos

CONTAR HISTÓRIAS NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS

CONTAR HISTORIAS EN LA ATENCIÓN EDUCATIVA ESPECIALIZADA: PERSPECTIVAS CONTEMPORÁNEAS

Jaqueline Sousa Santos Pita*  Universidade do Estado da Bahia
http://orcid.org/0000-0002-5465-4248

Rosemary Lapa de Oliveira**  Universidade do Estado da Bahia
http://orcid.org/0000-0003-1165-8265

*Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia. Professora da Rede Municipal de Ensino. Salvador-Bahia. E-mail: jaquepedagoga@gmail.com

**Doutora e pós-doutora em Educação. Professora Titular da Universidade do Estado da Bahia. Salvador-Bahia. E-mail: rosy.lapa@gmail.com


RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar discussão sobre Contação de Histórias no Atendimento Educacional Especializado - AEE, ressaltando possibilidades e contribuições no contexto escolar na contemporaneidade, na perspectiva da Educação Especial e Inclusiva. Para tanto, buscamos realizar uma análise sobre os fundamentos da educação especial e AEE no âmbito da educação Inclusiva, a partir das contribuições contidas em marcos legais e de autores como Mazzotta (2011), Mantoan (2015), Diniz (2009), dentre outros. Nesse sentido, a partir das discussões apresentadas, podemos ratificar a importância de estudos a serem realizados no binômio educação inclusiva e Contação de histórias, oportunizando a ampliação de habilidades, ao suscitar a reflexão, imaginação, criticidade, questionamento, oralidade e comunicação, além de proporcionar a interação, uma vez que as histórias tocam indiscriminadamente as pessoas não importando suas especificidades, mas respeitando suas diferenças.

Palavras-chave: educação especial e inclusiva; contação de histórias; atendimento educacional especializado

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo presentar discusión sobre narración en Atención Educativa Especializada - ESA, destacando posibilidades y contribuciones en el contexto escolar en tiempos contemporáneos, desde la perspectiva de la Educación Especial e Inclusiva. Para ello, adoptamos la investigación bibliográfica como metodología, y buscamos realizar un análisis sobre los fundamentos de la educación especial y la ESA en el ámbito de la educación inclusiva, a partir de aportes contenidos en marcos legales y de autores como Mazzotta (2011), Mantoan (2015), Diniz (2009), entre otros. En este sentido, a partir de las discusiones presentadas, podemos ratificar la importancia de los estudios a realizar en el binomio educación inclusiva y narración, para que puedan plantear caminos y posibilidades a adoptar y mejorar en la ESA, con el fin de promover cada vez más la inclusión del alumnado con discapacidad.

Palabras claves: educación especial e inclusiva; narración de cuentos; servicio educativo especializado

ABSTRACT

This essay aims to present discussion on Storytelling in Specialized Educational Service - SES, highlighting possibilities and contributions in the school context in contemporary times, from the perspective of Special and Inclusive Education. To this end, we adopted bibliographic research as methodology, and we seek to perform an analysis on the fundamentals of special education and SES in the scope of Inclusive education, based on contributions contained in legal frameworks and from authors such as Mazzotta (2011), Mantoan (2015), Diniz (2009), among others. In this sense, from the discussions presented, we can ratify the importance of studies to be carried out in the binomial inclusive education and Storytelling, in addition to providing interaction, since the stories indiscriminately touch people, regardless of their specificities, but respecting their differences.

Keywords: special and inclusive education; specialized educational service; storytelling

Introdução1

As exigências do mundo contemporâneo se apresentam na realidade da escola de maneira bastante significativa e têm na pluralidade a sua essência. Em uma sociedade multifacetada e carregada de urgências, a discussão sobre a diferença é cada vez mais ponto de pauta e recai nas questões ligadas a diferentes grupos sociais, dentre os quais destacamos o das pessoas com deficiência.

É nesse contexto que diferentes linguagens ganham espaço no Atendimento Educacional Especializado (AEE) e fortalecem a perspectiva pedagógica plural. No bojo das experiências lúdicas, a rica experiência de contação de história vem crescendo no âmbito da Educação Especial. Trata-se de um fazer pedagógico de relevância e que carece de ampliação de estudos e pesquisas, notadamente pela sua potência educativa includente e sensibilidade social. Nesse território diverso, destacamos a Educação Especial no contexto da Educação Inclusiva e a importância das ações desenvolvidas no AEE na promoção da inclusão de pessoas com deficiência nas escolas regulares.

Este ensaio, fruto de pesquisa de mestrado realizado no programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da UNEB, inserido nas discussões do Grupo de Pesquisa em Leitura e Contação de Histórias GPELCH, tem como objetivo apresentar discussão sobre Contação de Histórias no AEE, ressaltando possibi-

lidades e contribuições no contexto escolar da contemporaneidade, na perspectiva da Educação Especial e Inclusiva. Para tanto, buscamos realizar uma análise sobre os fundamentos da educação especial e AEE no âmbito da educação Inclusiva, a partir das contribuições contidas em marcos legais e de autores como Mazzotta (2011), Mantoan (2015), Diniz (2009), dentre outros. Em seguida, vamos tratar da Contação de Histórias e suas particularidades, e a sua conexão com a educação especial e Inclusiva. Para dar prosseguimento à nossa reflexão, traremos a questão de Contar Histórias na Educação Especial e Inclusiva na contemporaneidade, dentro do contexto do atendimento educacional especializado. E por fim, serão apresentadas as considerações inconclusivas sobre a discussão apresentada neste trabalho.

Educação especial e atendimento educacional especializado no contexto da educação inclusiva

Os estudos sobre Educação Especial e Inclusiva cresceram nos últimos anos e evidenciam os desafios e barreiras que ainda são enfrentadas no intuito de promover uma educação que atenda a todos os sujeitos, reconhecendo as diferenças presentes na escola, notadamente no que tange ao tempo de aprendizagem. De acordo com Figueredo (2010, p. 43), isso decorre, provavelmente, do movimento pró-inclusão que vem paulatinamente tomando espaço em nosso cenário educacional. Sendo assim, algumas instituições escolares têm percebido que as diferenças fazem parte da dinâmica social.

Historicamente, o predomínio da visão médica, focou em promover apenas a integração das pessoas com deficiência nas esferas sociais, econômicas e políticas. De acordo com Campbell (2009, p. 133),

No passado, o atendimento às necessidades educacionais especiais das pessoas portadoras de deficiência ressaltava apenas suas limitações e os recursos necessários à reparação, sendo-lhes reservados espaços segregados que supostamente lhe garantiriam atendimentos adequados e a oportunidade de aprender. As atenções recaíam mais em patologias do que na educação propriamente dita ou nos recursos necessários que conduzissem à aprendizagem, e o objetivo era a reabilitação.

Existe uma trajetória de exclusão e desigualdades que geraram lutas e buscas pela emancipação e direitos negados a pessoas com deficiências. Atualmente, embora a inclusão dessas pessoas seja um direito garantido por lei, ainda se traduz como um desafio na atualidade, já que a visão médica com foco na lesão do corpo ainda impera nos dias de hoje e, de acordo com Silva (2015, p. 71), embora a política educacional brasileira proponha e recomende a inclusão escolar, alunos com deficiência continuam sendo categorizados mesmo em classes regulares. Moura (2015, p.12) nos alerta que

Defender propostas inclusivas comprometidas com “um tratamento humano” requer a compreensão da regressão atual dos indivíduos e seu apego à técnica, recolocando os entendimentos sobre a diferença/deficiência sob outro ângulo, agora não mais somente pela supressão via descarte, mas pela supressão programada ou prévia.

O conceito de deficiência apresentou, no decorrer da história, diferentes narrativas. A visão religiosa que considerava a deficiência como benção divina ou infortúnio foi contestada pela narrativa do modelo biomédico que relacionava as causas dos corpos com impedimentos ligados a fatores ligados à genética, doenças degenerativas, nos acidentes de trânsito ou no envelhecimento. Com as crescentes discussões sobre direitos sociais, o modelo social reconhece que os valores, atitudes e práticas que discriminam o corpo é que produzem as barreiras enfrentadas por esses sujeitos e são questões que devem ser analisadas em termos políticos e não biomédicos (DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009, p. 66).

Podemos destacar que as instituições, no que diz respeito aos aspectos ligados a acessibilidade, modo geral, não se encontram preparadas para receber estudantes com deficiência, revelando uma configuração camuflada de exclusão. Em uma pesquisa2 realizada em cidades brasileiras, Silva (2015, p.71), nos afirma que apesar das mudanças significativas dos agentes educacionais em relação à educação inclusiva como política educacional no Brasil, a realidade que se apresenta nas escolas pesquisadas ainda se constitui como obstáculo que se impõe como forma dissimulada de exclusão: escolas sem adaptações na estrutura arquitetônica, ignorando a necessária acessibilidade; inexistência de materiais adaptados e ou recursos didáticos; acompanhamento precário dos centros de apoio especializado ou ausência de salas de recursos multifuncionais; concepções pedagógicas meritocráticas que promove os ‘melhores’, vinculando a crença de que ‘alunos de inclusão’ retardam os processos coletivos de aprendizagem em classe.

Como espaço de construção de saberes, a escola deve ser o espaço facilitador da aprendizagem, buscando recursos e estratégias capazes de estabelecer um ambiente propício à aquisição de habilidades e competências necessárias, pois a inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, uma vez que não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam dificuldade de aprender, mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral (MANTOAN, 2015, p.28).

Nesse contexto, alguns documentos configuram-se como marcos legais importantes para estabelecer os nortes da educação especial e inclusiva em nosso país, como por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei 9394/96, art. 58, que estabelece a Educação especial como “a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais, sendo também assegurado o direito de acesso a materiais, recursos tecnológicos bem como professores qualificados para atuarem nessa modalidade (BRASIL, 2020, p. 40). De acordo com a Constituição Federal de 1988, no artigo 205 (BRASIL,1988, p.123),

a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Assim, o direito a que se refere esse documento engloba também as pessoas com deficiência, garantindo o acesso desses indivíduos às salas de aulas regulares e demais atendimentos que assegurem o acesso à aprendizagem que atenda às suas especificidades.

No que diz respeito à área educacional, a inclusão do estudante com deficiência trouxe consigo uma demanda que antes estava alheia aos muros da escola, pois o que antes havia distanciava-se das questões educacionais, que cederam lugar aos poucos a uma preocupação com a aprendizagem desses alunos, impulsionado pelo contexto que preconiza o direito de todos à educação nos últimos anos. Com base na Constituição Federal de 1988, no artigo 205 (BRASIL,1988), vemos que ela determina que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O direito a que se refere a Lei engloba também as pessoas com deficiência, garantindo o acesso desses indivíduos às salas de aulas regulares, visando uma aprendizagem que atenda às suas especificidades. Embora a legislação brasileira assegure a “Educação para todos”, tal anseio se apresenta ainda como utopia, pois encontra obstáculos e desafios frente às diversas barreiras no contexto político, econômico e social. Muitas são as barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência no tocante à acessibilidade, seja arquitetônica, atitudinal, metodológica, instrumental, programática, digital, comunicativa ou natural. Fica evidente que

É preciso propor medidas que visem a assegurados os direitos conquistados, a melhoria da qualidade da educação, o investimento em uma ampla formação de educadores, a remoção de barreiras, o provimento de recursos materiais e humanos em um movimento de transformação da realidade para se conseguir reverter os percursos de exclusão de crianças, jovens e adultos com ou sem deficiência no sistema educacional (CAMPBELL, 2009, p. 12)

A Lei n. 13.146/2015, que institui a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), considera pessoa com deficiência aquela que tem um impedimento de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial a qual em interação com diversas barreiras, pode ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e sociedade. Nesse documento, a Educação Especial é estabelecida como modalidade educacional que se destina ao atendimento de pessoas com deficiência, principalmente na rede regular de ensino.

Segundo a Política de Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva (2007, p. 9), a Educação Especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Desse modo, a Educação Especial atua de maneira articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos e alunas.

A Constituição entende que o atendimento na Educação Especial é aquele que complementa, mas não substitui o que é ensinado em sala de aula a todos os alunos com e sem deficiência, garantindo a inclusão de alunos com deficiência nas escolas comuns. Determina ainda que este atendimento deve estar disponível em todos os níveis de ensino (do básico ao superior) destinando-se à eliminação das barreiras que as pessoas com deficiência têm para se relacionarem com o meio externo (CAMPBELL, 2009, p. 137)

Através do Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução CNE/CEB nº 4/2009, o qual estabelece as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, fica posto que:

Art. 5º O AEE é realizado, prioritariamente, nas salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado, em centro de atendimento educacional especializado de instituição especializada da rede pública ou de instituição especializada comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a secretaria de educação ou órgão equivalente dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios.

O Atendimento Educacional Especializado é um serviço da Educação Especial que identifica, elabora, e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem barreiras para a plena participação de estudantes, considerando suas necessidades específicas. Nesse contexto, o(a) professor (a) do AEE é a pessoa responsável por planejar e gerir as intervenções necessárias que atenuem as barreiras e, assim, proporcionar a educandos e educandas com deficiência plena participação no ensino regular, dentro de suas especificidades. Conforme o artigo 3º do decreto 7611 de novembro de 2011, o AEE tem os seguintes objetivos como principais:

  1. Prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais de cada estudante;

  2. Garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular.

  3. Fomentar o desenvolvimento de recur-sos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem.

  4. Assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino.

Assim, nesse serviço, estudantes desenvolvem habilidades diferentes dos conteúdos curriculares da sala de aula comum. Tais habilidades são necessárias para que se possa atingir o intento de ultrapassar as barreiras para a plena participação, considerando suas necessidades específicas.

De acordo com Leite; Borelli e Martins (2013, p. 82), observa-se “uma lacuna na consolidação de propostas educacionais curriculares que subsidiem alternativas e procedimentos de ensino capazes de promover a ascensão acadêmica dos alunos com deficiência” (sic). Para que isso ocorra, urge a oferta de recursos e estratégias pedagógicas que contribuam para a efetivação dos princípios das políticas públicas que normatizam a educação especial. Na pesquisa “Preconceito dos Excluídos” na educação inclusiva, Silva (2015, p. 71) nos afirma que apesar das mudanças significativas dos agentes educacionais em relação à educação inclusiva como política educacional no Brasil, a realidade que se apresenta nas escolas pesquisadas ainda se constitui como obstáculo que se impõe como forma dissimulada de exclusão: escolas sem adaptações na estrutura arquitetônica, ignorando a necessária acessibilidade; inexistência de materiais adaptados e ou recursos didáticos; acompanhamento precário dos centros de apoio especializado ou ausência de salas de recursos multifuncionais; concepções pedagógicas meritocráticas que promove os ‘melhores’, vinculando a crença de que ‘alunos de inclusão’ retardam os processos coletivos de aprendizagem em classe.

Como espaço de construção de saberes, a escola deve ser o espaço facilitador da aprendizagem, buscando recursos e estratégias capazes de estabelecer um ambiente propício à aquisição das habilidades e competências necessárias, daí porque o posicionamento de Montoan se torna relevante, uma vez que defenda que a “inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam dificuldade de aprender, mas todos os demais, para que obtenha sucesso na corrente educativa geral” (MANTOAN, 2015, p.28).

Nesse contexto, observam-se variadas tentativas para melhor atender a essas pessoas indo além da predominância de um caráter meramente legalista de cumprir a lei de aceso aos espaços escolares ou assistencialista. Porém, a qualidade, bem como a garantia dos direitos de aprender desses indivíduos ficam aquém do esperado, devido a uma série de fatores, tanto externos à escola quanto internos e isso ocorre, notadamente quando esses sujeitos, na qualidade de estudantes saem do anonimato e adentraram os espaços escolares, ampliando os debates atuais sobre a educação Especial e Inclusiva.

Com o acesso das classes populares, dos grupos excluídos e marginalizados, surgem questionamentos sobre os caminhos a seguir de modo que os conhecimentos sejam transmitidos e haja reconhecimento da heterogeneidade deste espaço, pois a educação é um direito inegociável e não basta que indivíduos tenham acesso a ela, são necessárias condições reais de permanência. Partimos, assim, da premissa de que todos podem aprender e que pessoas não aprendem da mesma forma, ao mesmo tempo, como se costuma entender, pautado em um ideal moderno, assentado em valores iluministas, dentro de um pensamento criticado por Santos, Apoema e Arapiraca (2018, p. 108) de que “Ela [a escola] é constituída como o local de guarda e transmissão dos saberes considerados essenciais à humanidade, reconhecidos, fundamentalmente, pelas elites e logo, pelas culturas dominantes.

Corroborando com a crítica das autoras, defendemos que a escola precisa tornar-se não apenas um espaço de produção para o futuro, da mão de obra que produz, que qualifica para ofertar aos ditames capitalistas, condições de sustentar suas ideias e anseios. Nesse sentido, convém romper com a ideia de que é lócus de demarcação do que é normal e aceitável ideal de homogeneidade e padronização.

A oferta de uma educação que atenda às pessoas com deficiência passa pelo crivo da promoção dos direitos aos marginalizados e desfavorecidos. Porém, encontra percalços em seu caminho ao se deparar com a estigmatização e segregação, por vezes com um caráter de assistencialismo, historicamente marcado pelo atendimento ou atenção aos indivíduos com deficiência concentrado em um caráter terapêutico, assistencialista, conforme nos afirma Mazzotta (2011, p. 18). A educação especial e inclusiva precisa centrarse na justiça social e não na compensação ou assistencialismo.

Quando tratamos da inclusão de pessoas com deficiência na escola, devemos considerar as diferenças, mas também as possibilidades de aprendizagem desses sujeitos. Esse fato coaduna com a concepção sobre deficiência aqui defendida. A deficiência não se configura como um impedimento. A negação das habilidades e potencialidades dos indivíduos ao subtrair o direito de relações potentes destes com o compartilhamento de saberes através de mediações apropriadas se constituem como barreiras. Na contramão dessa ideia, concordamos com Costa (2006, p. 5) quando defende que

A educação do aluno com necessidades educativas pressuporia, assim, a passagem de uma pedagogia terapêutica, que se centra nos déficits dos alunos, para uma pedagogia criativamente positiva, cuja visão é prospectiva, isto é, uma pedagogia que visa o desenvolvimento do aluno, que investe em suas possibilidades.

Assim, é válido ratificar a necessidade de consolidação de escola inclusiva, local em que as diferenças sejam valorizadas e todos recebam atendimento para suas necessidades específicas. Todos podem aprender juntos, independentemente de suas diferenças e especificidades. Nesse sentido, o conceito apresentado por Campbell (2009, p. 141) é o que mais se aproxima das ideias defendidas neste texto:

Educação Inclusiva consiste no reconhecimento da necessidade de se caminhar rumo à uma escola que inclua todos os alunos, celebre a diferença, responda às necessidades individuais e apoie a aprendizagem, sustentado no pressuposto de que os alunos podem aprender e fazer parte da vida escolar e comunitária.

Embora as lutas pela promoção da educação para todos sejam expressivas, ainda existe a predominância da visão patológica voltada para as pessoas com deficiência, ou seja, categoriza-se de acordo com a deficiência apresentada e ignora a diversidade e potencialidades dos sujeitos. Assim, o risco de cair em uma determinação da capacidade do outro é iminente e preocupante, pois tem na educação escolar o seu instrumento de legitimação. Outra questão pertinente consiste no lugar de fala desses indivíduos, que muitas vezes têm suas pautas de reivindicações apresentadas por outros sujeitos o que produz ambiguidades e conflitos entre o que realmente é necessário e a quem se destina tal reivindicação.

Contação de histórias e educação

Contar histórias já faz parte da vida de todos os seres humanos. Desde os primórdios, a tradição oral de contar histórias era utilizada para diferentes fins, como transmitir ensinamentos, socializar outras histórias, defender as raízes de um povo entre outros objetivos. Conforme defende Sisto (2012, p. 83), “O homem já nasce praticamente contando história. Está inserido numa história em que o antecede e que, com certeza irá sucedê-lo. A vida se organiza como uma história, tem um fio condutor, uma linha temporal e evolutiva”.

Crescemos ouvindo e contando histórias. Faz parte de nossa trajetória, de nossa constituição enquanto sujeitos sociais, mesmo que sejam histórias mediadas pelas tecnologias da televisão, do rádio ou do papel e, mais recentemente, dos aparelhos ligados à internet. Nesse percurso às vezes ao pé da porta ou da fogueira, às vezes através de maquinário inventado, esse percurso ancestral marca a tradição humana e avança pelos muros da escola formal, mesmo em nossa sociedade eurocêntrica.

Busatto (2013, p. 85), nos afirma que antes da escrita, os saberes da humanidade eram transmitidos por meio da oralidade, prática que remonta às antigas sociedades de cultura oral, culturas estas que ignoravam a escrita. Fato é que parte da cultura é de origem ancestral, assim, contar histórias se configura em uma prática diária. Constantemente, o ser humano compartilha histórias, acontecimentos da vida diária, narradas e perpetuadas por sucessivas gerações. Assim, esta prática chega aos espaços educativos carregada de oralidade, mas que se entrelaça com a escrita. De qualquer modo, contar e ouvir histórias adentra outros lugares e amplia seu alcance, atingindo espaços educativos como salas de aula, ambientes hospitalares e terapêuticos. Porém, em nossa sociedade regida pela liquidez das informações, num ritmo frenético de consumo,

O indivíduo passa a corresponder ao seu poder de trabalho e á sua capacidade de desempenhar tarefas. Desenvolve-se um ambiente no qual predominam a competição e o isolamento, e em que as informações adquiridas não devem ser compartilhadas, já que as conquistas são, necessariamente, pessoais. A reprodução de técnicas, ideologias e desejos comercializáveis toma o lugar da produção de ações com vistas ao atendimento de interesses sociais mais amplos. Destaca-se no homem aquilo que é típico da máquina: a reprodução e, não paradoxalmente, suprimem-se seus impulsos de produtor (MATIAS, 2010, p. 75)

Aparentemente, numa sociedade das urgências, contar histórias parece perder sua valorização, diante da dificuldade que os indivíduos têm de desprender sua atenção para ouvir outra pessoa. Todavia, mesmo nesse cenário de produção desenfreada, contar histórias adquire na contemporaneidade atenção e olhares de variados públicos que compreendem as dimensões potentes dessa prática que estão para além de entreter ou introduzir um conteúdo escolar.

A contação de histórias, através da narrativa oral, se faz presente e resiste na contemporaneidade. Todavia, devemos considerar que os locais e a forma de contar histórias tem modificado, alcançando espaços diversificados, através de recursos tecnológicos e de grande abrangência. Conforme nos afirma Costa (2015, p. 38),

A tradição se faz presente nessas referências ao passado, ao já dito, ao ”quem me contou foi...”.

Mas o contemporâneo está tão vivo e interfere de tal modo no processo de criação e vitalidade do texto que não pode ser ignorado. A arte de narrar é contemporânea e viva. As formas mudam, mas o homem ainda preza no seu dia-a-dia uma boa história. É aí que ele se reconhece.

Tal configuração requer mudanças e novas perspectivas que remodelam a postura do contador (a) de histórias. A tradição se intercruza com a contemporaneidade e agrega elementos e interferem na constituição do sujeito contador (a). Santos (2018, p. 114), apresenta quem é o contador de histórias contemporâneo da seguinte forma:

O contador de histórias contemporâneo é aquele que, não possuindo relações com a tradição, constitui seu repertório e sua prática, através de aparelhos ou instrumentalidades contemporâneas, como oficinas de formação e livros, em integração com outras linguagens artísticas, como a do teatro e da própria literatura.

De acordo com a definição acima, o contador de histórias contemporâneo, em nossa sociedade, busca, através de diferentes suportes, constituir-se como tal, através de formações, principalmente, no que se refere a contadores e contadoras de histórias docentes que levam as histórias para suas salas de aula. No contexto educacional, a importância da contação tem sua relevância face aos benefícios que essa ação proporciona, pois, de acordo com Abramovich (1997, p. 17), “significa suscitar o imaginário a ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, e encontrar outras ideias para solucionar questões - como os personagens fizeram... - é estimular para desenhar, para musicar, para teatralizar, para brincar... Afinal, tudo pode nascer de um texto”.

Essa forma de ensino e arte, além de acontecer ainda em muitas comunidades e situações com pessoas reunidas em volta das fogueiras para ouvir as histórias, também tem ganhado novos contornos, mesmo em sociedades eurocentradas como a nossa, que também se utiliza das mais variadas possibilidades tecnológicas que se apresentam.

Independente de como se apresente, a arte da contação instiga a criatividade, a oralidade, a imaginação e estimula o apreço pela leitura em sua acepção mais ampla e atual, através de seus aspectos lúdicos. De acordo com Busatto (2006, p. 58), podemos pensar o imaginário como um vasto campo de possibilidades, que proporciona entre tantas coisas, a compreensão e aceitação de diferentes níveis de percepção da realidade, abrindo-se para um sistema participativo, plural, sensível e passível de outras lógicas.

Conforme ressalta Busatto (2013, p. 25), a contação de histórias, ou narração oral de histórias, permite ao sujeito que conta e ao sujeito que ouve um contato com outras dimensões do seu ser e da realidade que o cerca. Mais do que um entretenimento, trata-se de uma ação que abre portas para criatividade ao permitir a reconstrução das histórias e a sua ressignificação pessoal. Sendo assim, pode possibilitar o acesso ao saber de maneira mais profícua ao conjunto de estudantes com deficiência típicos e atípicos.

A autora também ressalta os benefícios dessa prática, quando afirma que ouvir histórias atiça algo que foi esquecido pela urgência da modernidade, por não ser mais experienciado, e do qual foi separado, talvez sem saber, e lançado nas brumas do tempo com vendas nos olhos, preocupado apenas em estar-na-ação, e nunca fora-da-ação, acionando outras formas de ver (BUSATTO, 2013, p. 79).

É claro que a escolha da história a ser contada precisa passar por uma seleção adequada, que atenda a quem será direcionada e aos objetivos estéticos/pedagógicos. Sisto (2012, p. 91) nos alerta sobre a necessidade da escolha de uma história adequada aos interesses de ouvintes, relacionada com o que estão vivendo ou gostariam de viver. Nesse sentido, ratificamos a importância da escolha e preparação da história a ser contada, tendo em vista o público a que se destina. Para que a história alcance os sujeitos, pode ser necessário dispor de recursos e estratégias ímpares que promovam a acessibilidade, que é de direito a todos os sujeitos. Enfim, contar histórias abrange muito mais aspectos que devem ser considerados, dentre eles o seu caráter literário, artístico e estético que a torna singular e significativa. Segundo Ferreira e Oliveira (2020, p. 70),

A contação de histórias pode ser concebida enquanto arte, pois carrega significações ao propor um diálogo entre as diferentes dimensões do ser. Tal compreensão nos remete à diversidade de propósitos envolvidos na propagação do conto, que perpassa pela formação psicológica, intelectual e espiritual do ser humano.

De acordo com Freitas (2016, p. 70), essa prática pedagógico-artística pode vir a atender às necessidades afetivas, emocionais e às características singulares de cada sujeito e possibilidades para que cada pessoa possa desenvolver sua aprendizagem. Para sujeitos com deficiência, isso se torna um aliado à inclusão, uma vez que, equipara todo mundo na mesma sintonia da história. Assim, o percurso de transformação da escola, que foi tradicionalmente constituída para atender a poucos e se tornou espaço de exclusão, ganha um terreno inclusivo, em que todos tenham o direito de aprender através do lúdico que atravessa sujeitos com e sem deficiência. Essa é uma demanda contemporânea e necessária.

Na contramão dessa perspectiva, o ingresso da contação de histórias em território escolar apresentou muitas dificuldades. De acordo com Santos, Apoema e Arapiraca (2018, p. 112), sem funções pedagógicas necessariamente claras, muitos desses momentos são dedicados a distrair crianças ou apenas aquietá-las, pois o conto, nesse caso, é visto essencialmente em sua função lúdica, de entretenimento.

Uma escola que assenta suas bases em práticas que se direcionam para os conteúdos padronizados e assume uma visão homogênea, encontra-se em conflito e necessita de reorganização frente às mudanças atuais. Nesse bojo, a contação de histórias se apresenta como uma possibilidade de propiciar um espaço coletivo de diálogo, construção e escuta sensível. Em uma sociedade cada vez mais alicerçada na velocidade das informações ditas e escritas, há que se considerar a necessidade de momentos de escuta e de criação a partir do imaginário. Para Busatto, atualmente as salas de aulas têm sido abertas a contadores de histórias que mais e mais para ali são requisitados. Segundo a autora, “talvez isso seja uma tentativa de recuperar o olhar subjetivo para a vida, ameaçado pelo pragmatismo da contemporaneidade, e a possibilidade de abrir espaço para o imaginário criador” (BUSATTO, 2013, p. 37).

Contação de histórias e atendimento educacional especializado

A escola, numa perspectiva da Educação Especial e Inclusiva, se constituiu como um espaço formal de construção de conhecimentos e promoção de aprendizagens para todo mundo. Como espaço de construção de saberes, a escola deve ser o espaço mediador da aprendizagem, buscando recursos e estratégias capazes de estabelecer um ambiente propício à aquisição das habilidades e competências necessárias ao indivíduo para lidar com as tarefas do dia a dia.

Vale ressaltar que a proposta de inclusão, tendo como herança o modelo de integração amparada nos conceitos de normal/anormal, em que o aluno vai à escola apenas para socializar com os demais sem ter uma preocupação com aprendizagem dos sujeitos atípicos, não efetiva as propostas educacionais para a Inclusão. Tal realidade ainda é predominante em nosso país. Conforme sinaliza Miranda (2011, p. 96),

A implementação da educação inclusiva é ainda bastante deficitária no Brasil. Além disso, frequentemente tem sido confundida, equivocadamente, com a integração escolar, uma proposta anterior que pregava a preparação prévia dos alunos para sua entrada no ensino regular, de modo que os alunos com necessidades especiais demonstrassem condições para acompanhar os colegas “não especiais”.

Consoante à proposta de inclusão no ambiente escolar, se constituem como necessidade inegável ações pedagógicas que se configurem como inclusivas, considerando que todos têm direito à educação e ainda, que todos podem aprender independentes de seus impedimentos. Desse jeito, inclusão implica mudança de perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam dificuldade de aprender, mas todas as pessoas envolvidas no espaço da aprendizagem e que buscam sucesso na corrente educativa geral (MANTOAN, 2015, p. 28).

Assim, como parte da política de educação especial e inclusiva, o AEE com o seu fazer diário nas salas de recursos multifuncionais, se constitui como importante instrumento para a inclusão das pessoas com deficiência no espaço escolar. As atividades desenvolvidas nesse ambiente atendem de maneira específica cada sujeito e, assim, fornecem os subsídios necessários para a eliminação das barreiras que impedem a sua plena participação no contexto escolar.

No AEE, os estudantes desenvolvem habilidades que os auxiliam na aquisição dos conteúdos curriculares de sala de aula comum. Tais habilidades são necessárias para que possam atingir o intento de ultrapassar as barreiras para sua plena participação, considerando suas necessidades específicas. Nesse sentido, é importante destacar que para a realização desses atendimentos, as ações pedagógicas propostas precisam ser estruturadas de acordo com as necessidades particulares de cada indivíduo.

Essencialmente as ações do AEE se desenvolvem de modo que habilidades e competências são trabalhadas nesse espaço através de metodologias e recursos diversos. Dentre as diversas atividades desenvolvidas no AEE, podemos trazer como exemplo a utilização de jogos que promovem habilidades como alinhavar, dobrar, amarrar, cortar, atividades que privilegiam a sequência de ideias e sequência lógica, a partir de imagens, escuta de histórias e oralidade. A oferta de atividades diversificadas e que promovam a ampliação de vocabulário, o desenvolvimento simbólico, soluções de problemas, a imitação e o jogo simbólico, a associação de ideias. Além disso, estabelecer relações entre a língua oral e escrita, utilização de formas variadas de comunicação são alguns aspectos que devem ser contemplados nas atividades com estudantes com deficiência intelectual a fim de contribuir para a sua autonomia e aprendizagem, respeitando as suas particularidades.

No bojo dessas ações, a contação de histórias se apresenta como uma prática muito rica, proporcionando vários benefícios notadamente para o desenvolvimento da linguagem, pois promove o desenvolvimento de habilidades necessárias para autonomia dos sujeitos, como por exemplo: a imaginação, a socialização e a constituição da personalidade. Além disso, por ser uma ação que engloba pessoas com e sem deficiência, se constitui como espaço de interação importante entre estudantes. Quando oportunizamos a estudantes ouvir histórias, podemos lançar mão das diversas contribuições que dela emanam, dentre outros aspectos, para o desenvolvimento da fala, interação entre os sujeitos, além de envolver o social e o afetivo, aspectos extremamente relevantes para a aprendizagem principalmente de pessoas com deficiência.

Assim, a Contação de Histórias se apresenta como proposta potente no atendimento educacional especializado, por ofertar possibilidades de trabalho também com pessoas com deficiência, apresentando formas variadas e caminhos diversos de modo que a comunicação seja estabelecida e as relações interpessoais sejam possibilitadas. Mesmo diante dos crescentes recursos tecnológicos e de acessibilidade, contar histórias pode estabelecer um caminho no despertar de aspectos relevantes no que tange à educação especial, sendo uma aliada ao ensino, tendo em vista as potentes contribuições que proporciona.

Mas há que se considerar que, em se tratando de uma prática oral, o contador (a) de histórias poderá se deparar com algumas barreiras na comunicação que precisam ser consideradas. As pessoas com deficiência apresentam especificidades que precisam ser consideradas no processo para assegurar que o direito de acessibilidade lhe sejam ofertados. De modo geral, quem conta histórias tem que preparar a história, cuidar da performance e proporcionar ambiente propício à contação, considerando a quem a história será contada. Seu corpo, sua voz, seu olhar, suas pausas e recursos garantem um cenário promissor que atinge a todos, independente de sua condição física.

Para pessoas adultas e que já têm uma trajetória traçada de interações variadas, lidar com determinados acontecimentos, compreender situações que nos acometem muitas vezes é uma difícil tarefa. Para as crianças e pessoas com deficiência, por exemplo, que não contam com as experiências de vida, essa compreensão e conhecimento de si requerem mais esforços e desenvolvimento de habilidades emocionais complexas. Defendemos que esteja aí a maior contribuição da contação de histórias no atendimento educacional especializado, pois as histórias ampliam repertório de experiências emocionais ao lidar com aspecto expressivo para a construção de saberes e desenvolvimento de habilidades, competências e também questões emocionais e atitudinais. Conforme defende Sunderland (2005, p. 31)

O uso da história terapêutica mostra também como recorrer à ajuda da imaginação para lidar com sentimentos difíceis demais. Em geral, a imaginação tem mais a dizer sobre os sentimentos do que a cognição. Em momentos de stress emocional, a ruminação mental tende a remexer as mesmas respostas, ansiedades e vozes críticas interiores.

A autora defende que as histórias são terapêuticas por conseguir ampliar repertório de sentimentos e sensações através da vivência que contadores e ouvintes trocam durante o contar de histórias. No ambiente do atendimento educacional especializado essa ação performática-terapêutica permite diversos benefícios para a construção de habilidades de pessoas com deficiência, pois pode possibilitar através de suas características, a interação entre os sujeitos, a comunicação, o lúdico e a estimulação dos aspectos psicomotores, cognitivos, emocionais e físicos.

Considerações inconclusivas

Contar histórias é uma experiência literária, estética, performática, terapêutica, pedagógica que não se encerra nos limites de ouvir e falar e atravessa o ser humano. Convém então pensá-la em uma possibilidade ampla, descentralizada da ação sintetizada no ouvir o contador de histórias. É uma ação que transcende o cognoscente e que pode acessar espaços que desconhecemos. Na perspectiva da educação inclusiva, na qual a escola deve ser acessível a todos, contar histórias cumpre o papel de acessar todos os sujeitos, à medida em que a mesma história toca de formas diferentes pessoas diferentes, atingindo variados signos.

No espaço do AEE, a contação de histórias é uma atividade que oferece uma variedade de possibilidades, o que beneficia a prática pedagógica na perspectiva da educação inclusiva já que pode abarcar diferentes objetivos e recursos de maneira a atender a todos. Assim, a participação dos estudantes em momentos de contação de histórias permite desenvolver habilidades essenciais para a construção de habilidades, com um alcance amplo e variado.

Como parte desse processo, o atendimento educacional especializado pode atuar no sentido de contribuir com a produção de recursos e estratégias a serem utilizados nas práticas de contação de histórias, ao considerar as especificidades e funcionalidade de cada estudante.

Em uma cultura letrada, em que a valorização à produtividade tem grande destaque como as pessoas com deficiência podem alcançar um lugar nesse coletivo à luz da equidade e inclusão? Nessa sociedade multifacetada e carregada de urgências, a acessibilidade e direitos individuais dos sujeitos se constituem pauta de diversos movimentos que buscam por encontrar na diferença os iguais e assim somar suas vozes para ecoar suas reivindicações e seu lugar de fala.

Pensar sobre as práticas e ações destinadas ao atendimento de pessoas com deficiência fomenta importantes reflexões que desembocam em maior qualidade das ações educativas prestadas nas salas de recursos multifuncionais. Porém, a luta por uma educação de qualidade e para todos perpassa por questões políticas as quais não devem ser ignoradas num cenário em que o individualismo naturalizado tem destaque e ainda existe a apropriação de pautas e demandas sociais como forma de angariar benefícios na sociedade, o que evidencia a necessidade de diálogo e a construção coletiva de propostas para a escola que se fazem urgentes e necessários.

A educação inclusiva abre as possibilidades de evidência e reivindica os direitos que são pertinentes a todos os indivíduos. Nesse sentido, a postura crítica frente às propostas de inclusão é salutar, o incentivo a práticas que despertem a aprendizagem dos sujeitos típico e atípicos corroboram para o rompimento de obstáculos que segregam e excluem os que são diferentes.

Além de tudo o que foi discutido anteriormente, não se pode perder de vista que, no processo de constituição do sujeito no contexto social, a contação de histórias contribui para a construção da identidade cultural e social do sujeito, seja este com ou sem deficiência, uma vez que através das histórias aprendemos mais sobre nós mesmos, aprendemos sobre a interação com as pessoas e aprendemos sobre nossas ancestralidades, nessa viagem proporcionada pelas histórias de atemporalidade e deslocamentos culturais.

A complexidade nas relações humanas sempre existirá, faz parte de ser humano, pois fazemos sempre os movimentos opostos de agregar e segregar. Porém é necessário descobrir a chave para entrar nesse lugar, fazendo parte de um todo sem deixar a individualidade. Quanto a isso, Santos, Apoema e Arapiraca (2018, p. 299) esclarecem sobre a contação de histórias em sentido mais amplo, sem eximir de sua essência política e cultural, defendendo que a narrativa oral, além de seu caráter estético, de entretenimento, também tem dimensões políticas e, a partir delas, a imensa teia de possibilidades que pode tecer em sala de aula, realimentando, inclusive, a própria cultura popular, como, ao longo dos séculos, textos escritos têm alimentado os textos orais e vice-versa, em movimentos intercambiantes, permitindo experimentações, mas dentro de uma dada clareza no percurso, cumprindo o que é a esperança da escola e dos contos: a transformação da realidade.

Quando trazemos a Contação de histórias para o ambiente da sala de recursos multifuncionais, estamos oportunizando a ampliação de habilidades, ao suscitar a reflexão, imaginação, criticidade, questionamento, oralidade e comunicação, além de proporcionar a interação, uma vez que as histórias tocam indiscriminadamente as pessoas não importando suas especificidades, mas respeitando suas diferenças.

A partir das discussões apresentadas, podemos ratificar a importância de estudos a serem realizados no binômio AEE e Contação de histórias, para que possam suscitar caminhos e possibilidades a serem adotadas e aperfeiçoadas no AEE, no intuito de promover cada vez mais a inclusão de estudantes com deficiência. Há um longo caminho a ser percorrido, para que cada vez mais essa ação pedagógica/performática/ terapêutica possa adentrar nos espaços das salas de recursos multifuncionais e também ser pauta de estudos e pesquisas, o que irá promover discussões em maior proporção e produções acadêmicas sobre o tema.

REFERÊNCIAS

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1Artigo revisado por Risonete Lima de Almeida

2A Pesquisa “Preconceito dos Excluídos” na educação inclusiva é de autoria do Prof. José Leon Crochick foi realizada em várias cidades brasileiras. Em Salvador foi coordenada pela Prof. Luciene Maria da Silva no período de 2009 a 2013.

Recebido: 01 de Julho de 2022; Aceito: 28 de Setembro de 2022

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