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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versión impresa ISSN 0104-7043versión On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.31 no.68 Salvador oct./dic 2022  Epub 13-Ene-2023

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n68.p277-293 

Estudos

PROTAGONISMO E PROCESSOS FORMATIVOS: UM ESTUDO DE CASO DA ALFABETIZAÇÃO EM CUBA (1961)

PROTAGONISM AND FORMATIVE PROCESSES: A CASE STUDY OF LITERACY IN CUBA (1961)

PROTAGONISMO Y PROCESOS FORMATIVOS: UN ESTUDIO DE CASO DE ALFABETIZACIÓN EN CUBA (1961)

José Joaquim Pereira Melo*  Universidade Estadual de Maringá
http://orcid.org/0000-0002-0743-8000

Roseli Gall do Amaral**  Universidade Tecnológica Federal do Paraná
http://orcid.org/0000-0001-8742-871X

Dayane Colombo***  Universidade Estadual de Maringá
http://orcid.org/0000-0002-3018-677X

*Pós-Doutorado em História da Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Doutor em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Professor Associado da Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail: pereirameloneto@hotmail.com

**Doutora em Educação Pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutora em Estudos Clássicos (Mundo Antigo) pela Universidade de Coimbra (UC) - Portugal. Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) - Campus Apucarana. E-mail: roseliamaral@professores.utfpr.edu.br

***Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail: daydoutorado@gmail.com


RESUMO

Pretende-se discutir, a partir de uma pesquisa bibliográfica com caráter qualitativo, a Campanha Nacional de Alfabetização em Cuba em 1961 e o material didático utilizado na formação do professor alfabetizador, em sua expressão didática, psicológica e militar, para uma formação autônoma. Destacando os princípios do “Currículo Oculto” expressos no Alfabeticemos: manual para el alfabetizador, que teve como objetivo proporcionar orientações à alfabetização e treinar jovens que se alistaram como professores voluntários, cujas idades eram de 12 a 16 anos, buscando estimular o protagonismo educacional e político. Após esse treinamento, o índice de analfabetismo em Cuba caiu de 23,6% para 3,9%, o que configurou a ilha como o primeiro território, declarado pela UNESCO, como livre de analfabetismo da América Latina. Os “jovens maestros” se configuraram como protagonistas de um novo processo formativo que fez da educação cubana referência mundial.

Palavras-chave: alfabetização; história da educação; Cuba; formação docente

ABSTRACT

It is intended to discuss the National Literacy Campaign in Cuba in 1961 and the teaching material used in the training of the literacy teacher, in its didactic, psychological and military expression, for an autonomous training. Highlighting the principles of the Hidden Curriculum expressed in the Alfabeticemos Manual, which aimed to provide literacy guidance and train young people who enlisted as volunteer teachers, whose ages were 12 to 16 years old, seeking to stimulate educational protagonism and political. After this training, the illiteracy rate in Cuba dropped from 23.6% to 3.9%, which configured the island as the first territory, declared by UNESCO, as free of illiteracy in Latin America. The young conductors were the protagonists of a new formative process that made Cuban education a world reference.

Keywords: literacy; history of education; Cuba; teacher education

RESUMEN

Se pretende discutir la Campaña Nacional de Alfabetización en Cuba en 1961 y el material didáctico utilizado en la formación del alfabetizador, en su expresión didáctica, psicológica y militar, para una formación autónoma. Resaltando los principios del Currículo Oculto expresados en el Manual Alfabeticemos, que tenía como objetivo orientar la alfabetización y capacitar a los jóvenes que se enrolaban como docentes voluntarios, cuyas edades eran de 12 a 16 años, buscando estimular el protagonismo educativo y político. Tras esta formación, la tasa de analfabetismo en Cuba bajó del 23,6% al 3,9%, lo que configuró a la isla como el primer territorio, declarado por la UNESCO, libre de analfabetismo en América Latina. Los jóvenes directores fueron los protagonistas de un nuevo proceso formativo que hizo de la educación cubana un referente mundial.

Palabras clave: alfabetización; historia de la educación; Cuba; formación de profesores

Introdução

Em sua expressão mais simples, a alfabetização é considerada um processo de representação dos fonemas em grafemas. No entanto, sua expressão mais elaborada se constitui em um processo de apreender significados por meio do código escrito (SOARES, 2017), ou seja, traduz-se em uma leitura de mundo. E essa temática, nos últimos anos, segundo Lígia Regina Klein (2008), se configurou em um dos temas fundamentais das discussões relacionadas à Educação em toda a América Latina, em especial nos países considerados de Terceiro Mundo.

Essa preocupação advém dos indicadores de desempenho que apontam para um fracasso escolar e da constatação, segundo Klein (2008), de que esse fracasso encontra suas raízes no processo de alfabetização. A partir desta constatação, segundo essa autora, muito se tem escrito e pesquisado sobre esse tema no esforço de buscar soluções.

Nesse sentido, a forma como se deu a Campanha de Alfabetização em Cuba no período de 1961 pode contribuir para a discussão desse assunto no cenário internacional. A Educação em Cuba, desde 1959, se constituiu em uma tarefa da qual todos os cubanos deveriam participar, tornando-se um dos pilares fundamentais do governo revolucionário. Desde então, demonstra indicadores de superação de analfabetismo e uma trajetória que, segundo Trojan (2008), alcançou uma condição que se contrapõe à situação atual de grande parte da América Latina: tornou-se referência mundial.

Desse modo, a educação cubana pode ser considerada uma temática rica às discussões no campo da História e Historiografia da Educação no que tange à formação de professores para a alfabetização e o papel que ela pode exercer.

Desde o princípio do movimento revolucionário ocorreram iniciativas sobre o papel fundamental da educação, pois a relação entre exército rebelde e povo deveria ser uma relação pedagógica, na qual quem sabia um pouco mais ensinava o que sabia menos. Todo guerrilheiro deveria ser um combatente, mas, ao mesmo tempo, um organizador social, um propagador de cultura, um formador de opinião, ou seja, um mestre, um professor. Uma vez que o povo cubano, principalmente nas regiões montanhosas, se encontrava em total abandono e ignorância, o ensino do alfabeto e a instrução geral eram os meios mais eficazes de conscientizar a população sobre o movimento revolucionário e também propagá-lo.

Foi então que o analfabetismo passou a ocupar um espaço privilegiado nos debates educacionais daquele período. A alfabetização em Cuba ganhou, nesse sentido, características e importância como meio para desenvolver a consciência, para possibilitar à população uma condição de plena liberdade política, econômica e humana.

Nos preparativos oficiais para a Campanha de Alfabetização em Cuba, se pensou em criar um livro, uma cartilha revolucionária que contribuísse para a formação dos professores que atenderiam o apelo de Fidel Castro nos ideais revolucionários. No Alfabeticemos; manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a), fonte primária deste estudo, foi possível identificar o conteúdo didático do treinamento de três meses que os professores voluntários receberam em Sierra Maestra. Alguns professores eram cidadãos simples, homens e mulheres que dedicaram o seu tempo livre para alfabetizar, mas, sobretudo, os grandes protagonistas foram os jovens estudantes, uma vez que as escolas foram fechadas em abril de 1961 para que os alunos pudessem se dedicar à alfabetização dos camponeses que se encontravam nas zonas mais afastadas da cidade.

Desse modo, a linguagem desse material foi organizada de maneira simples e didática, pois os professores que se alistaram como voluntários para a Campanha de Alfabetização, segundo Pereira (1989), possuíam idades entre 12 e 16 anos, sendo aproximadamente “[...] 52% da escola primária, 32% da secundária básica, 5% do ensino universitário, 2% da Escola Normal, 2% de escolas comerciais, 2% de universidades e 3% do magistério” (PEREIRA, 1989, p. 62). A maioria deles ainda se encontrava em processo de alfabetização. Com objetivo de ilustrar o material produzido, a Figura 1 mostra a foto da capa do material.

Fonte: Cuba (1961ª).

Figura 1 Foto da Capa de Alfabeticemos: manual para el alfabetizador 

O Alfabeticemos; manual para el alfabetizador (CUBA, 1961ª) centrava-se em noções de didática, matemática, psicologia, treinamento militar e do chamado “Currículo Oculto”. O manual de 99 páginas apresentava 24 temas de orientação que salientavam os objetivos da Revolução Cubana e as dificuldades que os professores enfrentariam para que o movimento se consolidasse. Esclarecia também ao professor sobre como utilizar a Cartilha ¡Venceremos! (CUBA, 1961b), e seu conteúdo apresentava um enfoque ao mesmo tempo pedagógico e político, cuja ênfase estava na alfabetização como condição de liberdade.

Dessa maneira, o objetivo central deste artigo foi analisar a Campanha de Alfabetização e a formação do professor no período delimitado, na tentativa de responder a seguinte questão: Qual a influência de Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961ª) na formação dos professores alfabetizadores para a autonomia cidadã? Para tanto, a pesquisa bibliográfica de caráter qualitativo partiu do pressuposto de história como luta de classe, totalidade e contradição, ou seja, como a expressão das determinações existenciais que objetivam a produção e/ou a reprodução da vida.

É importante destacar que, segundo Peroni (2006), também faziam parte da formação dos professores voluntários um programa de agricultura e a disciplina de Espanhol. No entanto, neste texto buscou-se analisar as disciplinas de didática, matemática, psicologia e treinamento militar porque por meio dessas disciplinas foi possível observar tanto o conteúdo quanto a ideologia da Revolução impressa nestes conteúdos.

Sendo assim, o texto foi estruturado em duas partes, além da introdução e considerações finais. A primeira tratou de analisar como se desenvolveu a Campanha de Alfabetização Cubana e a segunda de identificar como ocorreu a formação dos professores voluntários, que ficaram conhecidos como professores “brigadistas” e ou “jovens maestros”.

A campanha de alfabetização em Cuba: uma condição de liberdade

A primeira ação do exército rebelde quando conquistou o poder em 1959 foi criar a Comissão Nacional de Alfabetização, ao mesmo tempo em que convocou mestres voluntários para remediar a falta de professores no campo. Assim, um esforço intensivo para lidar com esse problema começou a ser pensado. Verificou-se, portanto, a necessidade de se realizar um amplo trabalho de convencimento, uma Campanha Nacional de Alfabetização, que foi organizada com quatro seções que atuaram tanto em nível nacional quanto municipal, sendo elas: técnica, propaganda, finanças e publicações (PERONI, 2006). A seção técnica, segundo Peroni (2006), ficou responsável pela dimensão didática da Campanha, deveria organizar e analisar os dados estatísticos e também foi a responsável pela elaboração dos materiais que seriam utilizados durante a Campanha, dentre eles o Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961ª).

Para elaborar esses materiais, aproximadamente 3000 pessoas maiores de 16 anos foram enviadas às regiões montanhosas para conhecer a linguagem dos analfabetos, sua concepção de mundo e sua realidade econômica e social, no intuito de apreender qual seria o método mais apropriado para alfabetizá-los e, ao mesmo tempo, conscientizá-los sobre os problemas específicos do momento. A partir disso, foram publicados os exemplares da cartilha ¡Venceremos! (CUBA, 1961b) e do manual do professor, o Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961ª), os jovens maestros receberam um treinamento e iniciou-se a Campanha de Alfabetização, visando uma práxis revolucionária.

Nessa práxis, a relação entre objetividade (compreender a realidade social) e subjetividade (tomar consciência de que é necessário aprender a ler e escrever), segundo Paulo Freire (1987), se articulam na unidade dialética que resulta de uma reflexão solidária da sua própria atuação. “É exatamente esta unidade dialética que gera um atuar e um pensar certos na e sobre a realidade para transformá-la” (FREIRE, 1987, p. 13-14). Esse tipo de formação se distanciou da recebida pelos professores alfabetizadores na maioria dos países da América Latina, nos quais a alfabetização é um processo individual que ora enfatiza o aluno, ora o professor, ora a eficiência deste ou daquele método, ora a qualidade e aproximação da realidade da criança do material didático ou, por fim, as relações do sistema fonológico e ortográfico (SOARES, 2017), desconectando, assim, a alfabetização do mundo, o que se constitui para Paulo Freire (1987) cair em um simplismo ingênuo, um dos problemas mais opositores à libertação.

Ao seguir um caminho diferenciado, quando tratou da alfabetização e da formação do professor alfabetizador, Cuba tentou, na solidariedade (aquele que sabia mais deveria ensinar ao que sabia menos), unir o objetivo ao subjetivo no intuito de proporcionar uma práxis autêntica, possibilitando ao professor compreender a alfabetização de forma semelhante ao conceito desta elucidado por Paulo Freire (1987, p. 10), como “[...] consciência reflexiva da cultura, a reconstrução crítica do mundo humano, a abertura de novos caminhos, o projeto histórico de um mundo comum [...]”. Para esse autor, a alfabetização se configura, nesse sentido, em toda a pedagogia porque “[...] aprender a ler é aprender a dizer a sua palavra. E a sua palavra humana imita a palavra divina: é criadora” (FREIRE, 1987, p. 10).

Sobre a Campanha de Alfabetização Cubana, se destaca ainda que, segundo Huteau e Lautrey (1976), qualquer pessoa com estudos primários foi considerado como um alfabetizador em potência, e, segundo Peroni (2006), a seção técnica também elaborou os processos de controle da Campanha; de acordo com Huteau e Lautrey (1976), cada analfabeto tinha um dossiê em que constava, além de outras informações, o resultado das três provas que eram realizadas para receber o atestado de alfabetizado. Sobre a realização dessas provas, Huteau e Lautrey (1976) explicam que a primeira tinha o objetivo de determinar o nível em que se encontrava o alfabetizando. A segunda era aplicada quando um terço das lições da cartilha haviam sido assimiladas, para identificar possíveis dificuldades. E na última prova, segundo Zotta (1976), o aluno deveria ler, escrever e interpretar um pequeno texto. Nesse sentido, se considerava alfabetizado o aluno que havia compreendido as lições da cartilha ¡Venceremos! (CUBA, 1961b), ou seja, aquele que havia internalizado os ideais revolucionários e aprendido a utilizar o sistema de escrita alfabética.

O Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961ª) foi assim intitulado para representar a alfabetização como uma condição de plena libertação do povo cubano. Era, portanto, dever de todos alfabetizar. Sua capa era bastante sugestiva e representava a realidade vivida na época, incentivando que a comunicação entre o professor e o alfabetizando poderia se dar em qualquer lugar, pois o lugar não importava, mas sim a força de vontade e o patriotismo para elevar o nível cultural do povo cubano.

A contracapa do Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961ª) explicava o que significava a capa do material, conforme demonstrado na Figura 2 (página seguinte).

Fonte: Cuba (1961a).

Figura 2 Foto da Contracapa de Alfabeticemos: manual para el alfabetizador 

Quando na contracapa do manual se explica sobre a escola não ser o edifício, mas sim a comunicação entre professor e alunos, a qual pode se estabelecer em qualquer lugar, torna-se possível elucidar a ideia de que seria por meio do contato individual - pautado no entendimento de que quem não sabia deveria aprender e quem sabia deveria ensinar - que se atingiria as populações mais isoladas e se venceria as resistências e preconceitos. Reforçando, dessa forma, o slogan da Campanha Q.T.A.T.A - ¡Que todo analfabeto tenha um alfabetizador-que todo alfabetizador tenha um analfabeto!. Para Huteau e Lautrey (1976), todo o problema da alfabetização na maioria dos países em subdesenvolvimento se concentra em trazer à realidade essa simples premissa do contato individual. Para esses autores, é preciso desenvolver motivações profundas na população para que esse objetivo seja alcançado. Portanto, não se vence o problema do analfabetismo de forma espontânea sem que aconteça um período de preparação, planejamento e participação ativa de todos os envolvidos neste processo. Sobre esta perspectiva Huteau e Lautrey (1976) afirmam que:

Todo o problema da alfabetização consiste em fazer passar à realidade um princípio extremamente simples deste gênero. Porque é bem evidente que nas condições de subdesenvolvimento, a alfabetização não pode ser assunto de profissionais; é bem evidente também que só os contatos individuais permitem atingir as populações isoladas e vencer as resistências e preconceitos. Mas para que os que não saibam tenham vontade de aprender, e para os que sabem tenham vontade de ensinar, têm de surgir motivações profundas. Cada um tem de possuir o sentimento de que a sua vida pode modificarse e que a transformação depende dos esforços da coletividade inteira. (HUTEAU; LAUTREY, 1976, p. 37).

Para esses autores, o resultado da Campanha de Alfabetização Cubana só foi possível porque o engajamento da população pela coletividade de forma espantosa se sobressaiu (HUTEAU; LAUTREY, 1976). Isto porque, em um primeiro momento, foram desenvolvidas nos “jovens maestros” as motivações profundas necessárias para que tivessem vontade de ensinar e estes, por sua vez, se encarregaram de transmiti-las aos camponeses para que tivessem vontade de aprender.

A escolha do título ¡Venceremos! (CUBA, 1961b) para a Cartilha que seria utilizada na Campanha também aponta para essa perspectiva, uma vez que todos os discursos pronunciados por Fidel Castro terminavam com a frase: “Pátria ou Morte, ¡Venceremos! O título da Cartilha referia-se, dessa forma, ao processo de luta que estava acontecendo na ilha e foi escolhido no intuito de motivar o camponês a lutar pela Revolução, indicando que todos juntos venceriam o analfabetismo, por conseguinte o imperialismo, e atingiriam a condição de plena liberdade. A própria Cartilha trazia a seguinte explicação: “[...] El título responde a la firme determinación en que estamos comprometidos. ¡Vencer! No sólo en la defensa de nuestra Patria, sino también en la Campaña de Alfabetización.” (CUBA, 1961b, p. 2).

Assim como o título, a capa da Cartilha ¡Venceremos! (CUBA, 1961b) representava o povo cubano lutando pela liberdade de sua pátria, como se pode observar na Figura 3.

Fonte: Cuba (1961b).

Figura 3 Foto da Capa da Cartilha ¡Venceremos! 

A ilustração da capa do material foi intencionalmente elaborada para propagar a alfabetização como condição de liberdade plena, tanto do indivíduo quanto da pátria. Isto porque na explicação da capa fica claro que a Campanha de Alfabetização deveria ser tomada como a batalha da cultura. Quando hasteassem a bandeira, todos saberiam que aquele território teria alcançado a liberdade por meio da união nacional para se ensinar a ler e escrever.

Na contracapa da Cartilha ¡Venceremos! (CUBA, 1961b) era apresentado um texto que explicava a imagem escolhida: “Nuestra Portada: Representa al pueblo en lucha por vencer el analfabetismo, diciendo presente: ejército rebelde, milicias, campesinos, obreros, profesionales, estudiantes, mujeres, niños, blancos y negros. La bandera levantada como símbolo de libertad y unión nacional.” (CUBA, 1961b).

Desse modo, existia na Cartilha ¡Venceremos! (CUBA, 1961b) uma forte motivação para que se relacionasse a condição de estar alfabetizado com a liberdade tão proclamada pela Revolução. Essa motivação correspondia aos interesses nacionais daquele período e aos interesses individuais do analfabeto que iria utilizá-la, e contribuía para desenvolver o sentimento de que a transformação nacional e individual dependia dos esforços de toda a coletividade (HUTEAU; LAUTREY, 1976).

Sob essa ótica, é importante destacar que a Organização das Nações Unidas Para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) publicou, em 1965, um Informe sobre os Métodos e Meios utilizados em Cuba para eliminar o Analfabetismo (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 1965), no qual explicitou que o segredo do êxito da Campanha de Alfabetização cubana foi um fator muito antigo e alheio a todo recurso técnico: o relacionamento de um ser humano com outros seres humanos, que se estabelece nas relações intelectuais, sentimentais e, sobretudo, psicológicas que surgem dentro dessa interação. Portanto, além da organização da Campanha, segundo Huteau e Lautrey (1976), o ponto chave para seu êxito foi a relação entre o número de alfabetizadores e analfabetos.

Nesse sentido, o slogan “[...] se não sabes, aprende; se sabes, ensina!” (HUTEAU; LAUTREY, 1976, p. 37), permitiu que todo um povo recuperasse a sua dignidade por meio da leitura e escrita, mas, sobretudo, pela coletividade. Pode-se então problematizar que a Campanha de Alfabetização em Cuba, nesta perspectiva, pode ser compreendida como a materialidade do processo de trazer o homem cubano à coletividade. Isto porque, segundo Pereira (1989, p. 18):

No início do ano de 1961, foram localizados 979.207 analfabetos, dos quais 707.000 já estavam alfabetizados em dezembro. Ou seja, durante a Campanha Nacional de Alfabetização ficaram sem alfabetizar-se apenas 272.207 cubanos: 3,9% da população, pois Cuba tinha então 6.933.253 habitantes. Nesse residual estão excluídos os que se recusaram, os que se alfabetizaram em fevereiro de 1962 e os não -alfabetizáveis por razões de saúde, de idade, e por serem analfabetos em seu idioma, como foi o caso dos 25.000 haitianos residentes nas províncias de Oriente e Camagüey. Não obstante, 3,9% é um dos índices de analfabetismo mais baixos do mundo, somente comparável com os da União Soviética, Tchecoslováquia, Suíça, França, Inglaterra e Japão.

Esse fator fica mais evidente quando os resultados da Campanha de Alfabetização, salvo as particularidades, são comparados com a situação do analfabetismo em outros países da América Latina no ano de 1961. Por exemplo, segundo Pereira (1989), no final desse mesmo ano, o índice de analfabetismo na Argentina era de 13,6%, na Bolívia de 67,9% e no Brasil de 50,5%.

Desse modo, é possível considerar que, do ponto de vista histórico, a Campanha de Alfabetização Cubana mostrou ser possível colocar as questões individuais relacionadas ao singular e ao geral. Segundo Peroni (2006), mostrou ser possível romper com alguns paradigmas educacionais burgueses que maximizavam, à época, o indivíduo em detrimento do social. Mostrou ser possível superar o imediato e conjuntural, uma vez que buscou direcionar o processo educativo para os aspectos essenciais (relacionamento humano) e as disposições duradouras (coletividade), adquirindo características diametralmente diferenciadas de grande parte dos países da América Latina, uma vez que a alfabetização se tornou, em Cuba, uma vontade política unida às necessidades. Não se constituiu apenas em um discurso de combate à pobreza e harmonia social para manutenção do status quo de um sistema com vistas à formação de um indivíduo no qual o Estado lhe atribui toda a responsabilidade de sobrevivência, e trata a educação (alfabetização) como uma neutralidade e não como ato político.

Para Paulo Freire (1987), quando a tentativa de amenizar a pobreza dos oprimidos não parte deles mesmos, quase sempre se expressa em falsa generosidade, como jamais a ultrapassa. Os opressores, segundo esse autor, falsamente generosos, têm necessidade de que a sua “generosidade” “continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça. A ‘ordem’ social injusta é a fonte geradora, permanente, desta ‘generosidade’ que se nutre da morte, do desalento e da miséria” (FREIRE, 1987, p. 17). Sob esta ótica, esse autor ainda salienta:

[...] Daí o desespero desta ‘generosidade’ diante de qualquer ameaça, embora tênue, à sua fonte. Não pode jamais entender esta ‘generosidade’ que a verdadeira generosidade está em lutar para que desapareçam as razões que alimentam o falso amor. A falsa caridade, da qual decorre a mão estendida do ‘demitido da vida’, medroso e inseguro, esmagado e vencido. Mão estendida e trêmula dos esfarrapados do mundo, dos ‘condenados da terra’. A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos, em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas, que trabalhem e transformem o mundo. Este ensinamento e este aprendizado têm de partir, porém, dos ‘condenados da terra’, dos oprimidos, dos esfarrapados do mundo e dos que com eles realmente se solidarizem. Lutando pela restauração de sua humanidade estarão, sejam homens ou povos, tentando a restauração da generosidade verdadeira. (FREIRE, 1987, p. 17).

Pode-se, assim, concluir que um dos possíveis fatores que contribuíram para que a alfabetização em Cuba assumisse para sí características diferenciadas dos demais países considerados de Terceiro Mundo está na forma e por quem foi forjada. Em meio a um processo de luta pela libertação da ditadura de Fulgencio Batista com e pelo povo “[…] na luta incessante de recuperação de sua humanidade” (FREIRE, 1987, p. 17), com o objetivo de formar um homem para o coletivo, que deveria assumir o seu dever social em conjunto com o Estado. E, nessa comunhão, criar novas condições de existência individual (subjetividade) e social (objetividade), tendo o amor pela pátria e pelo próximo como o fio condutor. Opondo-se de maneira significativa ao “[…] desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida” (FREIRE, 1987, p. 17). Nesse sentido, para Peroni (2006), no plano pedagógico, a campanha cubana se antecipou sobre questões ainda discutidas hoje:

Um desses temas é o da preocupação com a regressão à condição de analfabeto após o trabalho inicial da campanha, apontando para a necessidade dos recém-alfabetizados continuarem em programas de escolarização. Quanto ao currículo, houve uma preocupação de tratar de conteúdos junto com a formação da população para novos valores e comportamentos. Os procedimentos pedagógicos preocuparam-se em tratar os conteúdos a partir da realidade dos grupos sociais, mas apontando para o futuro de uma nova sociedade, mostrando que o projeto político-pedagógico se constrói a partir dos interesses e do envolvimento da população. (PERONI, 2006, p. 10-11).

Esse processo não aconteceu movido pela espontaneidade, houve um período de planejamento dos materiais didáticos para que apresentassem uma motivação psicológica adequada e, sobretudo, houve uma preparação sistematizada daqueles que seriam os protagonistas desse novo processo formativo: os “jovens maestros”.

Jovens maestros: os protagonistas de uma educação revolucionária

Os jovens maestros que participaram da Campanha de Alfabetização, como mencionado, foram todos os que assumiram o compromisso de participar da batalha da cultura, como ficou conhecida a Campanha, após o apelo de Fidel Castro para ensinar a ler e escrever todo cubano.

Todos o que se alistaram como mestres voluntários, desse modo, receberam um treinamento em Sierra Maestra. A formação didática do professor cubano centrou-se em um passo a passo de como utilizar e aplicar as lições da cartilha ¡Venceremos! (CUBA, 1961b). E algumas noções de trabalho agrícola, para que o professor pudesse acompanhar o trabalhador rural em suas atividades.

Em um primeiro momento, na formação didática, para que o jovem maestro fosse capaz de fomentar uma práxis revolucionária, que almejava naquele momento formar o homem livre, culto e miliciano, era ensinado que cada lição da Cartilha se relacionava com até três temas de orientação revolucionária do Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a). Inclusive o sumário do manual foi elaborado em duas colunas: a primeira continha o nome das lições da Cartilha e a segunda, os temas que deveriam orientar a ação pedagógica dos alfabetizadores.

Em um segundo momento era explicado ao professor por meio do Alfabeticemos; manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a) como deveria proceder às aulas e que todos os exercícios da Cartilha deveriam ser desenvolvidos da mesma forma, caracterizando um processo de treino e repetição. Essa orientação foi exemplificada no manual da seguinte maneira:

[...] En cada lección se ha tomado como motivo de estudio una frase u oración que sirve de base para el estudio de los sonidos. Esa frase u oración se descompone en sílabas. Por ejemplo, en la lección INRA tomamos la frase la Reforma y la dividimos así: La Re- for- ma. Observe que cada sílaba se estudia en un ejercicio distinto. Ejemplo: En el Ejercicio A de la licción citada se estudia la sílaba la. En el ejercicio B la sílaba re y así sucesivamente. (CUBA, 1961a, p. 14).

Esse procedimento metodológico caracteriza o método de alfabetização analítico, denominado de sentenciação. Esse método prioriza como unidade base a frase, uma frase que tem significado. Ou seja, enfatiza a capacidade de compreensão e reconhecimento global de um contexto, apresentando foco, controle, sequência e diretivismo por parte do professor. Desse modo, é possível considerar que a aprendizagem do sistema de escrita alfabética na Campanha de Alfabetização foi sistematizada como um processo conduzido pelo professor, e que mesmo considerando a realidade do aluno por meio do diálogo e interação, não apresentou “[...] declínio da função mediadora do ensino e da transmissão como elemento de ligação social e temporal” (CARVALHO, 2015, p. 983).

Sobre o trabalho agrícola que o professor deveria realizar junto com o aluno, continha no Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a) explicações que os alfabetizadores teriam que fazer muitos sacrifícios, pois a maioria deles era da cidade e atuaria em áreas bem afastadas e de difícil acesso (CUBA, 1961a). O alfabetizador, nesse sentido, deveria se sentir orgulhoso, segundo Fidel Castro (1961), por ajudar a elevar a consciência política do povo, que teria a oportunidade de refletir e expressar a sua realidade por meio da palavra escrita.

Paralelamente à formação de como deveriam ser as aulas e o trabalho em conjunto com o camponês, foi necessário proporcionar ao jovem maestro uma formação matemática. Para esse fim, em conjunto com o Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a), foi elaborada a Cartilha Producir-Ahorrar-Organizar (CUBA, 1961c). Isto porque a economia nacional estava agora, segundo o manual, graças a Revolução, nas mãos do povo. Portanto, para que o velho sistema no qual o trabalhador vendia sua força de trabalho de fato fosse superado pelo sistema de empresas do povo e para o povo, fazia-se necessário salvar a economia, produzir mais e se organizar. E, para tanto, a alfabetização matemática também era fundamental.

O Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a) continha menções sobre essa necessidade no Tema VIII das orientações revolucionárias: “[...] Esos son los tres deberes fundamentales que en el campo económico tiene la clase obrera y que el Comandante Guevara le señala: AHORRAR, PRODUCIR Y ORGANIZARSE” (CUBA, 1961a, p. 37).

A Cartilha Producir-Ahorrar-Organizar (CUBA, 1961c) seguia o mesmo padrão dos materiais anteriores; a diferença é que as instruções aos professores se encontravam no próprio material, em notas de rodapé.

A formação do professor para a alfabetização matemática estava, naquele período, voltada para a necessidade de desenvolver a economia da nação. Os exercícios que envolviam a interpretação e solução de situações-problema, bem como de operações de multiplicação e divisão da Cartilha Producir-Ahorrar-Organizar (CUBA, 1961c), tinham como ponto de partida temáticas como “a safra do povo” e “o povo trabalha”. Nessas lições é possível identificar orientações aos professores, como sugestões para conversar com os alunos sobre a indústria açucareira e como o povo se movimentava naquele ano para cortar toda a cana, ou seja, produzir mais.

Nesse sentido, a formação no campo da matemática, além de formar os professores, tinha o objetivo de desenvolver uma consciência de cooperação e de noções econômicas que ajudaria a formar a nova sociedade, na tentativa de fazer com que o polo de decisões sobre a economia cubana fosse construído e consolidado no interior da própria ilha e não fora dela, como acontecia antes, em tempos de neocolônia americana. Para Paulo Freire (1980), “as sociedades podem sofrer uma transformação econômica de duas maneiras, que dependem do polo de decisão da própria transformação” (FREIRE, 1980, p. 61).

Para esse autor, quando o polo de decisão sobre as mudanças econômicas se encontra fora da sociedade em que se almeja mudanças, ele se torna um objeto de outras sociedades (ser-para-o-outro) e as transformações que acontecem nela a modernizam, mas a relação de dependência financeira persiste. No entanto, quando o polo de decisão se concentra no interior dessa sociedade, possibilita o seu desenvolvimento e a sua independência financeira, uma vez que essa mesma sociedade passa a atuar como sujeito (ser-para-si). Nessa perspectiva, Paulo Freire (1980) explicitou sobre a diferença entre modernização e desenvolvimento:

A modernização e o desenvolvimento representam estes dois tipos de mudanças diferentes. Assim, o conceito de desenvolvimento está ligado ao processo de libertação das sociedades dependentes, enquanto a ação modernizante caracteriza a situação concreta de dependência. É pois, impossível que compreendamos o fenômeno do subdesenvolvimento sem ter uma percepção crítica da categoria de dependência. O subdesenvolvimento, na realidade, não tem sua ‘razão’ em si mesmo, mas ao contrário, sua ‘razão’ está no desenvolvimento. (FREIRE, 1980, p. 62).

Dessa maneira, atrelado ao conhecimento matemático estava o objetivo de conscientizá-los de que era necessário assumir um compromisso histórico com a pátria no intuito de transformá-la em sujeito e não objeto de sua economia, para que pudesse atingir o seu pleno desenvolvimento e não apenas sua modernização.

Atrelado também a esses conhecimentos e valores, caminhava a formação psicológica, que direcionava como o professor deveria se relacionar com o trabalhador rural e sua família. Por isso, por meio do Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a, p. 11), o governo revolucionário dava as seguintes orientações aos professores:

a) Muéstrese animoso ante las dificultades, piense que trabaja para la Patria combatiendo la ignorancia; b) Evite dar órdenes. Diga: Vamos a trabajar. Vamos a estudiar. Use expresiones estimulantes como: ¡Va muy bien! ¡Adelante! ¡Perfecto! etc.; c) Evite el tono autoritario, recuerde que la labor de alfabetización se realiza em común entre alfabetizador y analfabeto; d) Si observa fatiga o cansancio cámbieles de trabajo.

O manual do alfabetizador continha ainda a ênfase para o professor estabelecer uma relação de amizade com seus alunos, uma relação de respeito e cordialidade, pois eles precisavam da sua ajuda (CUBA, 1961a). Orientava-se o professor a mostrar-se interessado e compreender os problemas dos seus alunos, e acima de tudo estimulá-los a não desanimarem. O professor deveria, em meio a esses estímulos, fazê-los:

[...] comprender que este es el mejor momento para aprender a leer y escribir y los beneficios que esto representa para la Patria y para él. Para la Patria, porque ayudará con su esfuerzo a aumentar la producción agrícola e industrial y para él, porque con la lectura no sólo adquirirá conocimientos sino que podrá informarse de lo estará en condiciones de comunicarse con los demás por medio de las cartas, telegramas, notas; llenando solicitudes, recibos, giros y otros documentos que le permitirán mejorar en su trabajo. (CUBA, 1961a, p. 11).

A formação psicológica durante o treinamento dos professores voluntários, por meio do Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a), desenvolveu um sentimento de importância, legitimação política e responsabilidade tão forte que os professores criaram várias canções para se motivarem quando estavam diante alguma dificuldade. Dentre elas, destaca-se o Hino dos Mestres:

As aulas nas montanhas se abrirão para a verdade. As aulas nas montanhas. As aulas nas montanhas seus mestres já as têm e estão prestes a ensinar. Vamos, vamos voluntários, vamos, vamos ensinar… Em uma das mãos os livros. E no peito um ideal. As montanhas e as planícies. Que também viram a luta. As imponentes árvores. Também viram a liberdade. Os rios e riachos virão nos saudar. E as aulas se abrirão. Vamos, vamos voluntários vamos, vamos ensinar… Em uma das mãos os livros. E no peito um ideal. (PERONI, 2006, p. 35).

Essa canção colaborava para inspirar e motivar os alfabetizadores em meio à saudade de casa, o cansaço, o medo, a solidão e, principalmente, diante a decisão de não ceder nenhum passo ao perigo de ataque externo e à inculturação. Assim, a formação psicológica que receberam possibilitou aos professores a aprendizagem de compartilhar a vida e, se fosse necessário, também a morte.

As orientações psicológicas sistematizadas no manual proporcionaram também uma ligação estreita entre as pessoas da cidade e do campo, pois, pouco a pouco, professores e alunos estavam resolvendo juntos seus problemas e cuidando da nação. Neste sentido, o objetivo dessa formação estava em contribuir para o desenvolvimento do homem novo, que deveria ser movido por um grande sentimento de amor pela pátria e pelo próximo.

No entanto, a formação didática, matemática e psicológica não seriam suficientes para a efetivação de tal objetivo, era imprescindível que o novo professor cubano também recebesse a formação militar, para que pudesse defender a Pátria, se necessário, e acima de tudo adquirir disciplina.

Explicava-se no manual, no Tema XVIII, “O Povo Unido e Alerta”, que como a Revolução Cubana era uma revolução anticapitalista, fazia-se necessário todo o povo ficar unido e alerta para defendê-la, com a própria vida caso necessário, se os Estados Unidos resolvessem atacá-la (CUBA, 1961a). A necessidade do treinamento militar e da disciplina nesta parte do manual aparece no seguinte excerto do texto:

Por eso el pueblo se organiza en milicias: obreros, campesinos, profesionales, jóvenes, mujeres, acuden a los centros de entrenamiento para recibir enseñanza militar, renunciando a sus horas de descanso. Los milicianos aprenden a marchar, aprenden a manejar las armas y aprenden también la razón por la cual deben hacerlo. Las milicias son el pueblo armado y junto con las Fuerzas Armadas Revolucionarias, que también son el pueblo y porque surgieron del propio pueblo, se disponen a defender el territorio nacional de cualquier agresión extranjera. El pueblo está alerta con una sola consigna: ¡Patria o Muerte! y con la seguridad que ¡Venceremos! (CUBA, 1961a, p. 58).

Esse excerto demonstra a tentativa do governo revolucionário em conscientizar os professores da necessidade de terem o treinamento militar e a disciplina de renunciar suas horas de descanso se necessário, bem como o dever de explicar e convencer os camponeses do mesmo, caracterizando um estímulo moral para o desenvolvimento de dever proteger a pátria e morrer por ela se preciso. É possível detectar nessa formação a aprendizagem de novos valores como: o aprender a prescindir; o aprender a superar-se ao enfrentar as condições adversas; o aprender a amar a revolução; e o aprender a conviver no coletivo. Valores os quais Peroni (2006) denominou de Currículo Oculto, nos materiais de instrução, presentes em todas as formações: didática, matemática e psicológica.

Neste sentido, o Currículo Oculto1 centralizava-se nos novos conhecimentos de caráter político, social, econômico e cultural necessários para o desenvolvimento da consciência revolucionária do professor cubano, ou seja, do homem novo. Aprender a renunciar, a dispensar os privilégios, o conforto e os bens materiais fazia-se necessário. Portanto, aprender a prescindir, naquele momento, queria dizer tanto romper com uma mentalidade de consumo, quanto aprender a hierarquizar o que era realmente importante.

O professor cubano precisava aprender a prescindir tanto no material quanto no espiritual, para convencer a população a fazer o mesmo, na esfera espiritual, segundo Peroni (2006), tratava-se do esforço psíquico e moral para se romper com uma mentalidade egoísta e poder ter o entendimento do que podia e do que não podia prescindir. A disciplina seria o melhor caminho para esse aprendizado. O aprender a prescindir na esfera material tratava-se de saber priorizar o que realmente deveria ser prioritário, o consumo coletivo e não individual.

No Tema VIII do Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a), “A Industrialização”, esses princípios apareciam quando era explicado ao professor que o governo revolucionário pretendia criar muitas indústrias e fazer de Cuba um país altamente industrializado. Fato que proporcionaria trabalho e converteria o povo à prosperidade e felicidade (CUBA, 1961a). No entanto, para que isso pudesse se concretizar, explicava-se no manual:

Los obreros, por su parte, tienen que rendir una importante tarea en la batalla de la industrialización. Los obreros tienen que comprender que al trabajar en las empresas del Estado no están trabajando para un patrón que los explota y contra el cual tienen que luchar para sacarle unos centavos de aumento en salarios. Tienen que comprender que al trabajar en las empresas del Estado están trabajando para el beneficio de la patria y para lograr que en un futuro cercano otros obreros tengan también oportunidad de hallar trabajo. Por eso el obrero tiene hoy que rendir el máximo. Tiene que esforzarse por producir más, para que el Estado pueda invertir esas riquezas que los obreros producen en crear nuevas industrias. Por eso el obrero tiene hoy que ahorrar más para evitar los gastos inútiles y tiene además que organizarse para poder rendir más a la Revolución. (CUBA, 1961a, p. 37).

Assim, é possível observar a ideia de prescindir tanto na esfera material (produzir mais, para que toda a nação se beneficie), quanto na esfera espiritual (entender que os gastos desnecessários e individuais deveriam ser evitados) no momento em que se explicava ao professor que era necessário se esforçar ao máximo no seu trabalho e evitar os gastos desnecessários para que a industrialização de Cuba fosse concretizada. Desse modo, o professor recebia uma formação matemática porque trazia noções de economia ao mesmo tempo em que internalizava o novo conhecimento econômico e social necessário para desenvolver uma consciência revolucionária.

Da mesma forma, uma formação didática para desenvolver noções de agricultura ao mesmo tempo em que fomentava-se a aprendizagem na esfera social do conhecer a realidade e aprender a superar as dificuldades nela encontradas. Essa característica do Currículo Oculto passava pelo ensino de três Temas das orientações revolucionárias do manual.

Em “Trabalhadores e Camponeses”, deixava-se claro para o professor que os trabalhadores eram aqueles que recebiam salários ao vender seu trabalho às indústrias. E os camponeses eram os que cultivavam a terra (CUBA, 1961a). Ambos, segundo as orientações sistematizadas no manual, eram os setores mais humildes do país antes da Revolução. Eram explorados através dos tempos, os trabalhadores recebiam salários miseráveis e os camponeses vendiam por preços muito baixos os produtos da terra, enriquecendo, dessa forma, uma minoria privilegiada de cubanos e algumas empresas estrangeiras (CUBA, 1961a). No entanto, a realidade da Revolução era outra, a realidade da Revolução era garantir o trabalho sem exploração e dar terra e bem-estar aos camponeses, por meio da Reforma Agrária (CUBA, 1961a).

Nesse tema, é possível observar as noções didáticas sobre a agricultura, quando se explicava quem eram os camponeses e os trabalhadores. E, ao mesmo tempo, o princípio do “Currículo Oculto” de se conhecer a realidade para superar as dificuldades, no momento em que se argumentava as condições de exploração a que ambos eram expostos, apontando como superação dessa condição a Revolução e a Reforma Agrária.

É importante chamar a atenção para que, a princípio, a superação das dificuldades enfrentadas até então foi dada pelo governo revolucionário. Isto fica mais evidente no trecho do Tema III, “A Terra é Nossa”: “Cuando la Revolución llegó al poder se propuso resolver el grave problema agrario del país, por considerarlo fundamental para el desarrollo de la economía nacional y, dictó la ley de Reforma Agraria.” (CUBA, 1961a, p. 25). No entanto, já no Tema VI, “Cuba tinha riquezas e era pobre”, o manual, após desenvolver uma explicação sobre como Cuba tinha terras férteis, mares ao seu redor cheios de peixes, minerais como ferro, níquel, cobre, cromo e manganês, o potencial para superar qualquer dificuldade, agora, estava nas mãos do povo. Precisavam, para tanto, conhecer a verdadeira realidade cubana: Cuba tinha muitas riquezas, aprender como explorá-las e como defender a Revolução.

Correlacionado ao princípio de conhecer para poder superar qualquer dificuldade estava o conteúdo oculto de esfera política e cultural: aprender a amar a Revolução. Este conteúdo ficava subentendido nos princípios do treinamento militar e da formação psicológica. Fomentava-se por meio do manual, ao trabalhar temas que mostravam os benefícios que o povo estava recebendo após a Revolução.

Ao tratar de temas como: “O direito a moradia”, “A saúde” e “A recreação popular”, conscientizava-se o professor de todas as melhorias que estavam acontecendo no país ao mesmo tempo em que se deixava subentendida a necessidade de amar a Revolução para que essas melhorias se consolidassem, pois só quem amasse a Revolução estaria disposto a lutar por ela a qualquer custo.

Assim, o Tema V das orientações revolucionárias, “O direito à moradia”, mostrava ao professor que além da lei da Reforma Agrária, o governo revolucionário tratou de resolver o problema da moradia urbana, criando um plano denominado INAV para construção de moradias. Também havia institucionalizado a Lei da Reforma Urbana. Segundo o manual, essa lei proporcionava aos inquilinos a possibilidade de serem proprietários das casas que habitavam, baixando o custo das mensalidades que antes pagavam como aluguel (CUBA, 1961a). O tema “A saúde” procurava conscientizar o professor de que por meio das melhores condições de vida que estavam sendo proporcionadas ao povo, a melhora da saúde cubana seria uma consequência e que, portanto, logo teriam um povo saudável em uma Cuba Livre (CUBA, 1961a). O tema “A recreação popular” explicava ao professor que o governo revolucionário havia criado O Instituto Nacional da Indústria Turística com o objetivo de ofertar ao povo meios saudáveis e econômicos de recreação para que pudessem desenvolver um bem-estar espiritual e desfrutar as belezas da nação (CUBA, 1961a).

Após a conscientização desses benefícios econômicos e sociais, era apresentado ao professor o Tema XXIII: “A Revolução ganha todas as batalhas”. Neste tema, o professor era informado das lutas que o governo revolucionário estava enfrentando no processo de consolidação da Revolução; explicava-se as agressões que os Estados Unidos haviam feito até então na tentativa de impedir a vitória do movimento revolucionário; explanava-se de maneira breve que primeiro, o governo estadunidense retirou do mercado norteamericano mais de um milhão de toneladas de açúcar cubano e, depois, proibiu as refinarias de petróleo refinarem o petróleo que o governo revolucionário cubano tinha comprado da União Soviética, ao mesmo tempo em que negavam a venda deste combustível tão indispensável na vida moderna; e que naquele momento estavam vivendo o bloqueio econômico, e recebendo ajuda dos governos da China, Tchecoslováquia, Canadá, Japão e União Soviética (CUBA, 1961a).

O Manual terminava essa temática conscientizando os professores de que outras agressões dos Estados Unidos poderiam acontecer, inclusive a invasão do território cubano. Por isso, era preciso estar preparado, conscientizar a população e incentivá-la a amar a Revolução para que todos tomassem a firme decisão de resistir às agressões. Só assim venceriam (CUBA, 1961a).

Aprender a amar a Revolução foi tão bem internalizado que em uma pesquisa de opinião aplicada em Cuba em outubro de 1961, pôde-se ver o seguinte resultado: “[...] 88% da população dava ao governo apoio total ou praticamente sem reservas: 94% no campo, 91% na faixa etária de vinte a trinta anos, 92% na classe trabalhadora” (HOBSBAWM, 2017, p. 25).

Sobre os dados da pesquisa, Hobsbawm (2017) argumentou que, para aqueles que nunca estiveram em Cuba, esses dados poderiam ser considerados incríveis. E, segundo esse autor, para aqueles que visitaram a ilha após a Revolução, esses dados só confirmavam as impressões cotidianas que tiveram dessa Revolução um tanto quanto inspiradora.

Outro aspecto do “Currículo Oculto”, que era estimulado nas disciplinas propostas pelo Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a), era o de aprender a conviver no coletivo. O Objetivo desse item estava em despertar o indivíduo para o coletivo, segundo Peroni (2006, p. 39), “[...] para a relação indivíduo/ sociedade”. Esse aprendizado perpassava pelos princípios da solidariedade, amizade e também da disciplina, e pretendia formar o professor para dar a sua contribuição na construção de uma mentalidade coletiva e revolucionária.

O Tema “As cooperativas” explicava ao professor quais foram os procedimentos tomados pelo governo revolucionário para resolver o problema dos trabalhadores agrícolas que ficavam sem emprego a maior parte do ano e viviam em condições miseráveis. Esclarecia-se no manual que o governo revolucionário estabeleceu nas terras que foram desapropriadas dos latifundistas as cooperativas. Enfatizava-se ainda no manual, nesta temática, que quando a terra era cultivada coletivamente se produzia muito mais com menos esforço e proporcionava-se o emprego de métodos mais modernos de cultivo. Por meio das cooperativas, elucidava-se que foi possível construir casas mais confortáveis e higiênicas, escolas e consultórios médicos (CUBA, 1961a).

A temática sobre “O comércio internacional” também enfatizava a importância e os benefícios do trabalho em grupo, mas agora em nível internacional. Ou seja, era importante ter bons relacionamentos com os países vizinhos, para que juntos pudessem manter relações comerciais saudáveis e libertar-se do monopólio comercial dos Estados Unidos. Neste tema revolucionário reforçava-se que o trabalho em conjunto entre os países latino-americanos levaria à libertação política recentemente alcançada em Cuba para toda a América Latina (CUBA, 1961a).

Já a temática sobre “A Guerra e a Paz” pretendia desvendar para o professor que a mentalidade egoísta de almejar apoderar-se da riqueza dos outros países só trazia destruição e sofrimento para a maior parte da população. No entanto, a guerra para livrar-se do desejo imperialista era necessária e justa, pois partia do desejo coletivo e não individual (CUBA, 1961a). O Tema “A Unidade Internacional” informava ao professor cubano sobre as instituições que muitas vezes eram criadas para conclamar a paz e a união entre os estados. Todavia, na verdade, o que faziam era combater os movimentos populares e a verdadeira união entre os povos. Isto porque visavam atender somente os interesses dos Estados Unidos, e os interesses estadunidenses não eram os mesmos dos países latinoamericanos (CUBA, 1961a).

Assim, o objetivo desses temas estava em conscientizar o professor sobre a importância de discernir o que realmente era de fato coletivo e o que era apenas aparência coletiva. E quais as implicações de ambos os casos, para que o povo cubano nunca mais se deixasse enganar e entendesse que era necessário promover no homem a coletividade verdadeira para cumprir as aspirações do povo: o direito ao trabalho, à educação, à segurança, à liberdade e, sobretudo, o direito de viver em paz (CUBA, 1961a).

Em todo o processo de formação do jovem maestro, nesta perspectiva, aprender a coletividade estava além de saber conviver em grupo, consistia no pleno desenvolvimento da consciência revolucionária para aprender a refletir, analisar e agir de maneira crítica e transformadora.

Esse objetivo de coletividade permeou o processo educacional cubano de educação direta, indireta e autoeducação. E, após 60 anos de Revolução, permitiu um grande avanço no campo educacional, não apenas na alfabetização. É importante destacar que o empenho pela alfabetização continuou após o término da Campanha, pois Cuba conseguiu reduzir seu índice de analfabetismo para 0,2% na população com mais de 10 anos. O que pode demonstrar que os objetivos da educação revolucionária se aperfeiçoaram. O que implicou em transformações significativas em todo o campo pedagógico.

Para López (2011), a educação foi alicerçada nos princípios de abrangência da educação, combinação do estudo com o trabalho, coeducação, gratuidade e a participação ativa. Neste sentido, pode-se considerar que a educação e a formação docente revolucionária em Cuba, naquele período, contribuiu para uma efetiva práxis pedagógica, compreendida como a formação de um homem livre, culto e disposto a ser um soldado de sua Pátria, amparada pelo princípio de que “a coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou autotransformação só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionária” (MARX; ENGELS, 1986, p. 104), e que para tanto primeiramente o educador precisa ser educado.

Considerações finais

Ao discutir sobre a Campanha de Alfabetização em Cuba em 1961 e a formação dos professores que participaram desse processo formativo, é possível considerar que o treinamento em Sierra Maestra dos jovens maestros em didática, psicologia, princípios militares e do Currículo Oculto foi uma das principais ações, se não a principal, do governo revolucionário para resolver o problema do analfabetismo na ilha. Ao tomar consciência de seu dever social, o jovem maestro, em meio a um processo duplo de educação e autoeducação, assumiu em Cuba uma conduta moral e disciplinada, exemplificando um engajamento motivador para o comprometimento da maior parte da população em ser ao mesmo tempo aprendiz e mestre.

Nesse sentido, é possível também considerar que o Alfabeticemos: manual para el alfabetizador (CUBA, 1961a) foi um material fundamental, um referencial que oferecia informações, um modelo orientador neste processo de tomada de consciência do professor voluntário. Assim como para o desenvolvimento de noções na área de psicologia e treinamento militar, ao mesmo tempo em que apresentava um Currículo Oculto que visava à tomada de consciência do professor do seu papel social referente aos princípios de prescindir, superar-se diante as dificuldades, a coletividade e, sobretudo, amar a Revolução.

O projeto educacional cubano iniciado em 1961 adotou para si o princípio do trabalho voluntário, no qual apresentava um caráter pedagógico importante, pois aproximava o trabalhador do escritório do operário. Ambos aprendiam juntos e socializavam as normas de conduta e os valores que permitiam a aprendizagem da nova cultura do trabalho enquanto promotor de riqueza social e não individual. Assim, o homem cubano poderia se apropriar dos conhecimentos produzidos historicamente e compartilhá-los, ao mesmo tempo em que no voluntariado melhorava as condições estruturais da vida coletiva, como aconteceu na Campanha de Alfabetização, quando os professores brigadistas, além de ensinarem a ler e escrever, trabalhavam no campo com o camponês e ainda prestavam serviços à saúde, ajudando a construir banheiros e poços, identificando problemas oftalmológicos e auditivos. Em um processo solidário que unia ciência e técnica, em uma transformação social e cultural que pretendia uma formação para uma autonomia cidadã.

Portanto, a necessidade de superação do analfabetismo tornou-se o terreno fértil para desenvolver a condição de que todos deveriam assumir o dever social de ensinar e aprender. E que dentre as contribuições desta discussão, pôde-se destacar que essa temática contribui para a história da educação pela possibilidade de estabelecer interlocuções, aproximações e distanciamentos entre os objetivos trilhados na alfabetização nos países da América Latina.

Ao papel mediador dos jovens maestros, como professores, foi dada atenção especial à formação da autonomia cidadã, considerando a vocação ontológica do homem. Ou seja, parafraseando Paulo Freire (1987), a vocação ontológica de ser sujeito e não objeto, que não pode realizar-se senão na medida em que, refletindo sobre as condições espaço-temporais, submerge nelas e as mede com espírito crítico.

Longe de fazer apologia ao sistema cubano, e salientando que o objeto de estudo foi a eficácia da formação pedagógica para alfabetizar, pode-se considerar que Cuba, naquele período, encontrou o caminho da coletividade e instrumentalizou o processo da alfabetização como força transformadora pelo protagonismo dos jovens maestros. E, apesar das contradições econômicas, políticas e sociais que existem no país hoje, o sistema educacional se desenvolveu e continua a se desenvolver a ponto de se tornar referência mundial.

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1Sacristán (1998) definiu currículo oculto como o conjunto de conteúdos que não estão explícitos no currículo oficial, mas contribuem para a internalização de saberes, competências, valores e sentimentos. Em consonância, para Silva (2011, p. 78-79): “o currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes [...] o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações.”

Recebido: 14 de Dezembro de 2020; Aceito: 01 de Setembro de 2022

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