SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.32 issue69VIOLENCE AGAINST STUDENTS WITH DISABILITIES IN A SITUATION OF INCLUSION IN THE PUBLIC SCHOOLMYTHS ABOUT BULLYING: WHAT DOES THE SCIENCE SAY? author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

Print version ISSN 0104-7043On-line version ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.32 no.69 Salvador Jan./Mar. 2023  Epub Aug 17, 2023

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2023.v32.n69.p167-186 

Artigo

INCLUSÃO E VIOLÊNCIA ESCOLAR: CONTRIBUIÇÕES DE UM ESTUDO EMPÍRICO NO RIO DE JANEIRO

INCLUSION AND SCHOOL VIOLENCE: CONTRIBUTIONS FROM AN EMPIRICAL STUDY IN RIO DE JANEIRO

INCLUSIÓN Y VIOLENCIA ESCOLAR: APORTES DE UN ESTUDIO EMPÍRICO EN RÍO DE JANEIRO

Vania Mefano1  *
http://orcid.org/0000-0003-3429-3828

Marina Maldonado Marins Lopes2  **
http://orcid.org/0000-0003-1690-5579

Sonia Cristina Soares Dias Vermelho3  ***
http://orcid.org/0000-0003-2205-8070

1Universidade Federal do Rio de Janeiro

2Universidade Federal do Rio de Janeiro

3Universidade Federal do Rio de Janeiro


RESUMO

O presente artigo traz resultados da pesquisa “Violência Escolar: discriminação, bullying e responsabilidade” com objetivo de analisar a relação entre inclusão e violência escolar, sob a forma do preconceito e do bullying. A metodologia foi de cunho quanti-qualitativo, com coleta de dados em 2019 por meio de questionários aplicados a 217 alunos do 9º ano do Ensino Fundamental em cinco escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro. Os resultados indicaram correlação entre o grau de inclusão e o preconceito (-0,87) e grau de inclusão e maus tratos sofridos (-0,46), ou seja, quanto mais ações de inclusão nas escolas, menor a tendência a ter manifestações de preconceito por parte dos alunos e menos maus tratos entre eles. Este estudo, assim como na Teoria Crítica, ressalta a importância das ações de inclusão nas escolas como forma de combate à violência escolar, tanto em termos de preconceito quanto em maus tratos.

Palavras-chave: violência simbólica; inclusão educacional; teoria crítica da cultura

ABSTRACT

This article presents the results of the research “School Violence: discrimination, bullying and responsibility” thar analyzed the relationship between inclusion and school violence, in special the prejudice and bullying. The search type was quantitative-qualitative, data collection instrument was questionnaires applied to 217 students in the 9th grade of Elementary School in five public schools in the city of Rio de Janeiro during 2019. The results indicated a correlation between the degree of inclusion and prejudice (-0.87) and the degree of inclusion and maltreatment suffered (-0.46). This means that the more inclusion in schools, the less the tendency to have manifestations of prejudice on the part of the students and less mistreatment among them. This study emphasizes the importance of inclusion actions in schools as a way of combating school violence, both in terms of prejudice and or mistreatment.

Keywords: school violence; inclusion; society critical theory

RESUMEN

El artículo presenta los resultados de la investigación “Violência Escolar: discriminação, bullying e responsabilidade” con el objetivo de analizar la relación entre inclusión y violencia escolar, bajo la forma de prejuicio y bullying. La metodología fue de cuño cuanti-cualitativo, con recolección de datos en 2019 por medio de cuestionarios aplicados a 217 alumnos del 9º año de la enseñanza fundamental brasileña en cinco escuelas públicas de la ciudad de Rio de Janeiro. Los resultados indicaron correlación entre el grado de inclusión y el de prejuicio (-0,87) y el grado de inclusión y el sufrimiento de malos tratos (-0,46), es decir, mientras más acciones de inclusión en las escuelas, menor la tendencia a las manifestaciones de prejuicios por parte de los alumnos y menos malos tratos entre ellos. Este estudio, así como las investigaciones realizadas por la escuela de la Teoría Crítica, resaltan la importancia de las acciones de inclusión en las escuelas como forma de combate a la violencia escolar, tanto en términos de prejuicio como en término de malos tratos.

Palabras clave: violencia escolar; inclusión; teoría crítica de la sociedad

Introdução

A escola é palco onde se expressam os valores da sociedade nas relações interpessoais vivenciadas no seu cotidiano e no modelo, estrutura e organização do currículo escolar. A expressão “Inclusão Escolar” na contemporaneidade, não trata apenas do grupo de pessoas com deficiência, pois está relacionado aos sujeitos que possuem, por exemplo, diversidade de corpos, raça, etnias, sexo, nacionalidade, gênero, que são imigrantes e que apresentam condições socioeconômicas desfavoráveis (CROCHICK, 2018). A Constituição Federal Brasileira (1988), conhecida também como “Constituição Cidadã”, especificamente na Seção I sobre Educação, determina que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Essas orientações se espelham em tratados, convenções e planos internacionais, cuja gênese é a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que estabelece que a Educação é um direito universal, considerando os vários níveis, do ensino básico à educação superior. O que se coloca em nosso país, portanto, como imperativo de lei, é a obrigação de garantir Educação, nos diferentes níveis e prioritariamente na rede regular de ensino, para todos, considerando a diversidade humana como a realidade exemplar. A partir do exposto, a construção de uma sociedade plural traz desafios:

A afirmação das diferenças - étnicas, de gênero, orientação sexual, religiosas, entre outras - manifesta-se de modos plurais, assumindo diversas expressões e linguagens. As problemáticas são múltiplas, visibilizadas especialmente pelos movimentos sociais que denunciam injustiças, desigualdades e discriminações, reivindicando igualdade de acesso a bens e serviços e reconhecimento político e cultural. (CANDAU, 2012, p. 236).

Neste estudo, estaremos nos dedicando ao segmento da inclusão que trata especificamente sobre a vida de pessoas com deficiência. O lugar e representação subjetiva da diversidade de corpos, hoje e no passado, foi e é determinante da liberdade e da garantia de direitos dos sujeitos com deficiência, nos diversos setores, inclusive na Educação. Uma sociedade inclusiva, que admite a pluralidade de sujeitos gozando do bem viver, pode ter uma escola inclusiva, mas do contrário, não é possível.

As causas das condições de diversidades de corpos passaram de uma compreensão pautada em ideias religiosas, para uma relação de organicidade, produto de infortúnios naturais, o que trouxe para a medicina um lugar de destaque, constituindo o “Modelo Biomédico” referência para o entendimento de todas as questões que permeavam a realidade de sujeitos com deficiência. Atualmente estamos em tempos de possíveis mudanças de tratamento, passando para bases sociais, a partir de postulados provenientes da luta por Direitos Humanos da sociedade civil, que conquistaram e delinearam o “Modelo Social da Deficiência”. Exemplo disso se expressa na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (BRASIL, 2008).

Nessa realidade diversa e compreendendo que se trata de um espaço de interação social, entendemos que a escola pode ser ou não, simultaneamente, reprodutora das desigualdades sociais e de violências. Essa contradição abre possibilidades para pensar em situações nesses espaços que promovam uma formação capaz de suscitar sujeitos neutralizadores dos processos de violência e não seus potencializadores. Corroborando, destacamos abaixo as reflexões de Candau (2012):

Diferentes manifestações de preconceito, discriminação, diversas formas de violência - física, simbólica, bullying -, homofobia, intolerância religiosa, estereótipos de gênero, exclusão de pessoas deficientes, entre outras, estão presentes na nossa sociedade, assim como no cotidiano das escolas. A consciência desta realidade é cada vez mais forte entre educadores e educadoras. Como afirmou um professor numa das pesquisas que realizamos recentemente, “as diferenças estão bombando na escola”. (CANDAU, 2012, p. 236).

Diversos estudos mencionam a violência como fruto da sociedade (PIGOZI, 2018; NOBRE et al., 2018; REIS; SANTOS, 2018; SILVA et al., 2018; KAPPEL et al., 2014). Contudo a concepção de violência não é necessariamente a mesma em todos os locais (BERLESE et al., 2017), visto que é um fenômeno multicausal, associado às desigualdades econômicas e socioculturais.

De acordo com o Informe Mundial Sobre a Violência e a Saúde da Organização Mundial da Saúde (2002), a violência é um fenômeno complexo e amplo, e, pela diversidade com que é tratada, compreende-se que depende dos valores e normas sociais de cada cultura. Ampliando o entendimento, o Informe afirma que a violência é:

El uso deliberado de la fuerza física o el poder, ya sea en grado de amenaza o efectivo, contra uno mismo, otra persona o un grupo o comunidad, que cause o tenga muchas probabilidades de causar lesiones, muerte, daños psicológicos, trastornos del desarrollo o privaciones. (OMS, 1996 apud OMS, 2002, p. 5).

O informe menciona que essa definição de violência compreende a violência interpessoal como o comportamento suicida e os conflitos armados. Também inclui atos que vão além do físico, como as ameaças e intimidações. Já as consequências da violência são os ferimentos, a morte e as menos visíveis, por exemplo, os danos psíquicos, privações e prejuízos do bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade.

Leon Crochick e Nicole Crochick (2017a) trazem à luz dos estudos sobre violência outros fatores além das questões sociais, relacionado ao sujeito na sua dimensão psíquica na perspectiva freudiana (1986). A metapsicologia de Freud se coloca como importante ferramenta para desvendar a vinculação íntima entre civilização e barbárie, progresso e sofrimento, liberdade e infelicidade uma vinculação que se revela, fundamentalmente, como uma relação entre Eros, impulso de prazer e Thanatos, pulsão de morte (MARCUSE, 1981).

A interpretação psicanalítica revela que o Princípio da Realidade impõe uma mudança não só na forma e tempo fixado para o prazer, mas também na sua própria substância. Da adaptação do prazer ao Princípio da Realidade o ser humano desenvolve a função da razão, passando a distinguir bom e mau, verdadeiro e falso, útil e prejudicial. As necessidades instintivas originais, por sua vez, não desaparecem totalmente e permanecem no inconsciente.

Quanto à Pulsão de Morte, não se trata de uma destrutividade pelo mero interesse destrutivo, mas sim à tendência do indivíduo em querer eliminar as tensões existentes na vida, pois a descida para a morte é uma fuga inconsciente à dor e às carências vitais. É uma expressão da eterna luta contra o sofrimento e a repressão. Marcuse (1981) também tratou dessa questão afirmando que quanto menos tensões o sujeito sofre na e pela sociedade, tendencialmente haveria menos emergência da Pulsão de Morte, e, em decorrência, menor possibilidade de o sujeito cometer atos de violência.

No entanto, o autor alerta que a proximidade de Eros com a redução de tensão e consequentemente da Pulsão de Morte, só seria possível em condições sociais equitativas. Neste sentido, a crítica que fazemos à sociedade atual é que, mesmo que a democracia considere os indivíduos iguais perante a lei, economicamente a desigualdade se mostra presente e, portanto, a principal causadora da ampliação da Pulsão de Morte e dos problemas relacionados aos comportamentos violentos.

Ainda em relação aos fatores que atuam na formação de comportamentos violentos, Crochick et al. (2014) também nos lembra que nessa sociedade, há uma apologia da força física ou intelectual, oriunda da disputa de classes e que foi internalizado nas instituições. Segundo os autores:

A violência se apresenta nas instituições e nos indivíduos. Nas instituições, é mediada pela hierarquia social que classifica e ordena os homens em conformidade com a classe social a que pertencem [...]. No nível individual, isso se expressa pelo sadomasoquismo, que nesse caso suscita o prazer de mandar e o prazer de se submeter, conforme argumentam Horkheimer e Adorno (1985). (CROCHICK; CROCHICK, 2017a, p. 14).

Cotidianamente vemos, falamos e reproduzimos violência. Ela se torna presente de forma global e local em diversos meios sociais: na rua, na casa ao lado, no trabalho, nas escolas e diariamente nos noticiários midiáticos. O que torna evidente a importância de ações intersetoriais entre escola, família, serviço de saúde, assistência social, trabalho e emprego, cultura, lazer e a mídia para informar, sensibilizar, conscientizar e mobilizar as pessoas no enfrentamento da violência (PIGOZI, 2018; BERLESE et al., 2017; KAPPEL et al., 2014; NOBRE et al., 2018; OLIVEIRA et al., 2018; OLIVEIRA et al., 2017; SILVA et al., 2017; FRANCISCO & LIBÓRIO, 2009; MALTA et al., 2017).

A escola, a família, o serviço de saúde, a mídia, entre outros setores sociais, são responsáveis por implementar estratégias que valorizem as práticas não violentas, a promoção de um ambiente saudável, de segurança e de desenvolvimento social. Além disso, é importante incentivar o relato de alunos que vivenciam comportamentos agressivos (OLIVEIRA; BARBOSA, 2012; SILVA et al., 2018; ALCÂNTARA et al., 2019). Essa realidade, observada em políticas afins, como contra a violência à mulher com a criação de espaços de escuta, possibilitaram avanços, apesar do cenário ainda alarmante que esse grupo vivencia. Oliveira et al. (2018) abordam contribuições importantes de enfrentamento à violência especificamente na área da saúde na Atenção Básica, por meio de ações informativas preventivas nas escolas e de visitas domiciliares às famílias no reconhecimento e enfrentamento dessas questões.

Tratando-se especificamente do ambiente escolar, um local encarregado pelo compartilhamento de saberes, mas também pela promoção de valores e relações interpessoais, Silva et al. (2018) e Reis e Santos (2018) mencionam algumas estratégias que podem ser adotadas: a criação de cartazes, redações, palestras e peças teatrais que abordem o tema de forma abrangente e que sejam abertas à toda comunidade.

O que a escola pode e deve fazer é resistir, é refletir sobre suas causas, propondo ações e intervenções preventivas e desenvolvendo mecanismos para evitar que a violência se naturalize como prática comum entre os alunos. É necessário um trabalho contínuo de reflexão [...]. (CORREA, 2017, p. 88)

Por fim, em alguns estudos, foi mencionada a necessidade da criação de pesquisas na temática da violência, com o objetivo de promover a instrumentalização dos profissionais e familiares para as questões relacionadas ao Bullying, à inclusão e a exclusão (BERLESE et al., 2017; FRANCISCO; LIBÓRIO, 2009; REIS; SANTOS, 2018; KAPPEL et al., 2014).

Violência na Escola

Entendendo a violência como um fenômeno social, buscamos aporte teórico dos frankfurtianos, pensadores da Teoria Crítica, que apresentam reflexões sobre a sociedade e seus processos de desenvolvimento a partir da estrutura econômica do Capitalismo, que tem como base estruturante a promoção de relações competitivas, individualistas e materialistas.

Essa Teoria traz uma forte crítica ao consumismo como forma de vida, apontando que nele os objetos criados acabam tendo mais valor do que o próprio criador. Para eles, tudo se transformou em objeto de consumo, inclusive a formação dos sujeitos. Dessa forma, o processo educativo que se submete à lógica da busca pelo lucro não tem como objetivo a produção do conhecimento, visto que o conhecimento pode gerar questionamentos a respeito do mundo em que vivemos. Uma forma de agir que tende a “coisificar” as relações sociais, invertendo valores e tornando cada sujeito suscetível a ter um preço.

Para Adorno (1995), devemos nos voltar para a “desbarbarização” do sujeito: antes de pensarmos sobre o que ensinar e como ensinar devemos nos perguntar que tipo de ser humano queremos formar. Em seu texto “Educação após Auschwitz”, ele diz que se poderia pregar o amor para combater a frieza existente, mas isso é difícil quando todos nós somos permeados pela frieza. O amor não no sentido sentimental e moralizante, mas em relação à criação de vínculos e à não indiferença das pessoas com o sofrimento dos outros. A frieza é um princípio fundamental da subjetividade burguesa promovida e reforçada pela indústria cultural, pela escola, pela igreja e pelas políticas.

Sendo assim, o melhor seria pensarmos: O que nos leva a ser frios, indiferentes, competitivos e violentos? Esse texto traz críticas ao modelo social e econômico que vivemos - que alimenta sentimentos individuais e competitivos - e reflexões sobre qual deve ser o sentido primordial da educação visto que nossa sociedade permitiu a ocorrência da barbárie que foi Auschwitz. Desta forma, “qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significados e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita” (ADORNO, 1995, p. 119).

Como já mencionamos, a escola, assim como outros espaços sociais, é influenciada pelo modelo hegemônico em que está inserida. Frigotto (2003) trata nosso tempo como o da “nova (des)ordem mundial decorrente da mundialização do capital, da ideologia neoliberal e do pós-modernismo” (Frigotto, 2003, p. 47) e explica que nele existe uma nova língua. Recorre a Bourdieu e Wacquant (2000), quando definem que “capitalismo, classe, exploração, dominação, desigualdade, e tantos vocábulos decisivamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou de presumida impertinência” passaram a dar lugar às expressões de: “‘globalização’, ‘flexibilidade’, ‘governabilidade’, ‘empregabilidade’, ‘underclass e exclusão’; nova economia e ‘tolerância zero’, ‘comunitarismo’, ‘multiculturalismo’ e seus primos pós-modernos, ‘etnicidade’, ‘identidade’, ‘fragmentação’ etc.” (BOURDIEU; WACQUANT, 2000, p.1, apud FRIGOTTO, 2003, p. 47).

Para esses autores, trata-se de uma direção empregada pelos grandes detentores de poder e capital e “indica a forma como se representam as relações sociais, econômicas, culturais e educativas” (FRIGOTTO, 2003, p. 48). Este, alerta para o fato de que o mercado, hoje, é parâmetro de tudo, o que também, se expressa na Educação:

Ajuste estrutural. Austeridade. Corte de gastos públicos. Superávit primário. Privatização. Abertura comercial. Eficiência. Produtividade. Garantia aos investidores. Enxugamento. Terceirização. Flexibilização de direitos. Demissões. [...] No campo educacional, esse decálogo se expressa com os vocábulos como qualidade total, sociedade do conhecimento, educar por competência e para a competitividade, empregabilidade, cidadão ou trabalhador produtivo, etc. (FRIGOTTO, 2003, p. 48).

O neoliberalismo se estabelece na estrutura dos governos democráticos, com projetos sociais e políticos específicos que trazem uma “ideia muito particular da democracia, que, sob muitos aspectos, deriva de um antidemocratismo: o direito privado deveria ser isentado de qualquer deliberação e qualquer controle, mesmo sob a forma do sufrágio universal” (DARDOT, 2016, s/p).

Como agravante, fatores subjetivos somamse aos sociológicos e políticos e se expressam nos tipos de relações sociais, em maneiras de viver, determinando a forma como somos levados a nos comportar, a nos relacionar uns com os outros e com nós mesmos, transformando a sociedade.

Essa norma impõe a cada um de nós que vivamos num universo de competição generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar em luta econômica uns contra os outros, ordena as relações sociais segundo o modelo do mercado, obriga a justificar desigualdades cada vez mais profundas, muda até o indivíduo, que é instado a conceber a si mesmo e a comportar-se como uma empresa. (DARDOT, 2016, s/p)

A relação entre o formato da escola e a macropolítica numa economia capitalista, se expressa por meio de uma formação acrítica. Nossa sociedade ocidental é hierárquica, distingue os que têm mais (mais capital, mais força, mais inteligência...) dos que têm menos, valorizando os primeiros e desvalorizando os últimos (CROCHICK; CROCHICK, 2017a).

Por muito tempo as escolas brasileiras vêm privilegiando a dimensão do conhecimento, pela orientação utilitarista de pedagogias pragmáticas adotadas, que inspiram avaliações educacionais a nível nacional. Além disso, o avanço do desenvolvimento e o aumento da competição no mercado de trabalho corroboram com a preferência das escolas em adotarem os conteúdos científicos e tecnológicos, sob a justificativa de que aqueles sujeitos que detêm mais conhecimentos e dominam mais saberes, são mais qualificados e com maiores chances de sucesso profissional. Disputa esta que resulta na configuração de ambientes violentos e preconceituosos (machistas, racistas, homofóbicos e capacitistas). Como afirma Neto (2005):

Infelizmente, o modelo do mundo exterior é reproduzido nas escolas, fazendo com que essas instituições deixem de ser ambientes seguros, modulados pela disciplina, amizade e cooperação, e se transformem em espaços onde há violência, sofrimento e medo. (NETO, 2005, p. 165).

A hierarquia presente na sociedade se traduz na escola em hierarquia escolar. É possível perceber dois tipos de hierarquias escolares, como foi mencionado por Adorno (1995). A hierarquia oficial, relacionada com o desempenho acadêmico do aluno avaliado pelas notas e comportamento deles; e a hierarquia não oficial que caracteriza os alunos por comportamentos não normatizados, tais como serem melhores nos esportes, mais populares, aqueles que se destacam em brigas e namoros. Crochick e Crochick (2017a) descobriram em suas pesquisas que os autores do bullying tendem a se destacar na hierarquia não oficial e/ou que não se destacam na hierarquia oficial. Já as vítimas tendem a ser os estudantes com baixo desempenho em ambas as hierarquias, principalmente na hierarquia não oficial.

Logo, esse ambiente proporciona possibilidades dicotômicas, por um lado conhecimentos, trocas e criações, de outro pode ser um local de disputas e agressões. A violência tem se naturalizado como uma estratégia justificável e eficaz para resolver as situações de conflitos presentes no ambiente escolar (OLIVEIRA et al., 2018) o que traz preocupações constantes como: problemas de relacionamentos entre pares e entre o corpo docente e discente, discriminação, preconceito e o bullying (CROCHICK et. al., 2014). Mas não só pelo corpo discente. Quantas vezes ouvimos falar sobre agressões entre alunos, corpo pedagógico e familiares?

Aprofundando alguns aspectos que podem estar relacionados a essa realidade, destacam-se as pesquisas já realizadas em vários países que indicam “[...] a violência escolar [é] um obstáculo à aprendizagem.” (CROCHICK; CROCHICK, 2017a, p. 10). Afeta a interação dos sujeitos, principalmente da vítima, o que reflete no seu desempenho acadêmico. Além disso, a violência, como por exemplo, o bullying, também “[...] pode gerar consequências psíquicas desde uma angústia acentuada até o assassinato e suicídio.” (CROCHICK; CROCHICK, 2017a, p. 22). Malta et al. (2017) reforçam esses pensamentos esclarecendo que a violência pode causar graves consequências físicas e psicossociais, atingindo a qualidade de vida dos indivíduos, além de resultar em incapacidades, transtornos psíquicos, e sofrimento para todos.

Alguns autores (CROCHICK; CROCHICK, 2017a; GIORDANO; NAZARETH, 2017; OLIVEIRA et al., 2017; NETO, 2005; PINHEIRO; WILLIAMS, 2009; PAIXÃO et al., 2018) discutem temas relacionados ao ambiente familiar dos sujeitos envolvidos na violência escolar, indicando algumas situações de risco, tais como: negligência, violência física, psicológica, sexual, supervisão inadequada, ausência de afeto e rigidez nas práticas educativas. Essas situações são apontadas por eles como favoráveis ao desencadeamento de problemas psicológicos, como ansiedade, depressão e agressividade.

Ainda com relação à coesão familiar, Crochick e Crochick (2017a), afirmam que existe uma relação entre a estrutura familiar em que a figura paterna esteja fragilizada e a condição de vítima ou de agressor, ou seja, as relações afetivas na família interferem na forma como a criança lida com as situações de bullying. Além disso, de acordo com Neto (2005), os alvos de bullying apresentam no contexto familiar uma condição de proteção excessiva, tratamento infantilizado, crianças que sofrem críticas sistemáticas e são responsabilizadas pelas frustrações dos pais. Já os agressores apresentam desestruturação familiar, falta de afeto, excesso de tolerância, maus tratos físicos ou explosões emocionais como afirmação de poder.

Pinheiro e Williams (2009) também concluíram que a exposição à violência entre pais não teve relação com a prática do bullying, diferente das violências praticadas com seus próprios filhos. Especificamente, os meninos como alvos e agressores e as meninas como agressoras.

As consequências da violência são temas importantes por determinarem a necessidade de altos gastos assistenciais, além de constituir um grande problema na Saúde Pública. A preocupação com a violência no ambiente escolar brasileiro, de acordo com Spósito (2001), surgiu nas pesquisas a partir da década de 1980, mas nelas eram focalizadas principalmente questões como depredações do patrimônio, invasões e ameaças de alunos contra professores, sobretudo em cidades como o Rio de Janeiro, ou seja, as formas de sociabilidade entre alunos não eram questionadas. Na década de 1990 foi “[...] um período marcado por um grande número de iniciativas públicas preocupadas em reduzir a violência nas escolas.” (Spósito, 2001, p. 91). Para Silva e Salles (2010, p. 218):

Nas escolas, segundo os professores, a violência está aumentando não somente do ponto de vista quantitativo como também do qualitativo. Os tipos de violência assinalados por eles como estando mais presentes no dia a dia escolar são as ameaças e agressões verbais entre alunos e entre estes e os adultos. Os professores em seus relatos têm destacado que a violência, principalmente o desrespeito, é uma constante no meio escolar. Eles indicam que a violência na escola pública está banalizada, provocando inclusive que vários atos deixem de ser percebidos como violentos. Embora menos frequentes, as agressões físicas também estão presentes. (SILVA; SALLES, 2010, p. 218).

Spósito (2001) aponta uma crise da função socializadora da escola contemporânea e esclarece sobre os limites e dificuldades dessas unidades em criarem estratégias que possibilitem uma convivência democrática. O que reforça o discurso de Crochick et al. (2014), sobre a importância de comportamentos violentos serem combatidos não só pelas instituições de ensino, mas também pela família e por toda a sociedade que enseja esse fenômeno.

Corrêa (2017) aponta que a identificação entre os indivíduos pode ser a chave para se compreender a violência do meio escolar, pois a indiferença presente nas relações humanas acaba por naturalizar e disseminar manifestações de violência, segregação, agressividade e barbárie. Para o autor, se pensamos na formação como essencial para o desenvolvimento humano, devemos então questionar sobre o modelo educacional vigente nessa sociedade individualista e capitalista, que busca lucro e sucesso sobre os outros. Ou seja, precisamos refletir sobre uma educação humanista que vise a solidariedade e equidade em oposição à competição e à indiferença.

Ao não se perceber como parte do processo institucional responsável pela reprodução da violência social nas situações favoráveis ao bullying, a escola permanece incapaz de refletir sobre o modo como a barbárie socialmente produzida se reproduz em sua própria dimensão institucional. Ao contrário, ao iniciar o processo de autorreflexão crítica a respeito do modo como produz violência a partir de si mesma, ela se torna capaz de se contrapor à formação para a barbárie. (CROCHICK et al., 2014, p. 118)

Para evitarmos “que Auschwitz se repita”, precisamos nos conscientizar desse elemento desesperador, de que a barbárie se encontra no próprio princípio civilizatório. Portanto, a educação precisa ser repensada, para que o passado não se repita. O poder efetivo contra o princípio que possibilitou Auschwitz seria a educação dirigida à autonomia, à autodeterminação e à autorreflexão crítica. Uma formação que dê possibilidades para que os sujeitos nas suas práticas, realizem movimentos de enfrentamento das desigualdades sociais e de diversas outras violências tão presentes em nossas vidas. A falta de respeito ao próximo, o preconceito pelas diferenças de corpos, culturas, religiões, gêneros, sexos e raças são alguns dos inúmeros indícios de barbárie que ainda fazem parte do nosso cotidiano.

Violência e Inclusão

Alguns grupos específicos têm maiores riscos de exposição à violência. As pessoas com deficiência têm essa realidade em relação ao gênero e faixa etária uma vez que, desse grupo populacional, são as mulheres, crianças e idosos (em especial aqueles com perdas funcionais cognitivas) os principais alvos de violência.

O Atlas sobre Violência (IPEA, 2021) é uma referência de suma importância considerando o momento que vivemos de escassez de dados sociais no Brasil1. Nesse atlas foram utilizadas duas bases de dados para dimensionar a violência contra pessoas com deficiência: a primeira provém do Sinan, que incorpora o esforço do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva), do Ministério da Saúde, em identificar os casos relativos às violências interpessoais e autoprovocadas atendidos nos serviços de saúde públicos e privados, a partir da notificação compulsória de violência pelos profissionais de saúde. A segunda base de dados utilizada é a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, realizada pelo IBGE.

As informações do sistema Viva-Sinan expressam o quantitativo de registros de violências contra pessoas com deficiência (considerando um dos quatro tipos de deficiência de acordo com parâmetros médicos: física, intelectual, visual e auditiva) em 2019, que representou um total de 7.613 casos.

As duas fontes de dados mencionadas anteriormente permitiram a construção da “taxa de notificações de violências contra pessoas com deficiência” em relação à população do Brasil. Para isso, foram utilizados os dados da população com deficiência da PNS em 2013 para projetar a população com deficiência em 2019. Calculou-se, então, a taxa de notificações de violências, como o número de notificações no Viva-Sinan para cada 10 mil pessoas com alteração ou perda funcional, por tipo de alteração ou perda funcional e sexo (IPEA-2021). De acordo com o Atlas, este quantitativo se expressa segundo o gráfico a seguir.

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde, IBGE, 2013. Números de Notificações por 10 mil Pessoas com Deficiência2.

Gráfico 1 Taxa de Notificações de Violências contra Pessoas com Deficiência - 2013 

É visível que as violências contra mulheres são aproximadamente duas vezes mais do que contra os homens, exceto na condição de deficiência visual cuja superioridade é inferior a 25%. O indicador construído sobre as violências contra as pessoas com deficiência intelectual quando comparadas à população com outros tipos de deficiência, são as taxas mais expressivas, de 36,2 notificações para cada 10 mil pessoas com deficiência intelectual, sendo sobretudo sobre as mulheres, estando associadas às notificações de casos de violência sexual.

Para as demais pessoas com deficiência, os patamares são bem inferiores: foram 11,4 notificações de violências para cada 10 mil pessoas com deficiência física em 2019, caindo para 3,6 para pessoas com deficiência auditiva e 1,4 no caso de pessoas com deficiência visual. (IPEA, 2019, 71)

Tamanha a importância desse tema, determinou a existência de tópicos específicos na Convenção de Direitos da Pessoa com Deficiência3, que foi ratificada pelo Brasil em 2009, documento norteador de políticas públicas e do movimento de luta por direitos nos diferentes setores. Como no Artigo 16, que trata especificamente sobre “Prevenção contra a exploração, a violência e o abuso”.

A Convenção e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), documento de igual magnitude que a Convenção, propõe o tratamento das questões referentes a esse público-alvo a partir do Modelo Social da Deficiência, que considera os elementos biopsicossociais, não mais se restringindo aos fatores biomédicos, passando para uma abordagem de Direitos Humanos que envolve a luta pela:

[...] dignidade inerente à pessoa humana; autonomia individual incluindo a liberdade de fazer suas próprias escolhas e a independência das pessoas; não-discriminação; participação plena e efetiva na sociedade; respeito pela diferença e aceitação da deficiência como parte da diversidade e da condição humana; igualdade de oportunidades; acessibilidade; igualdade entre o homem e a mulher e do respeito pelas capacidades em desenvolvimento de crianças com deficiência. (FERREIRA; OLIVEIRA, 2007, p. 54)

Este enfoque traz a alteração do ponto de centralidade da mudança, deixando de ser apenas o sujeito, passando a ser também a sociedade. Uma responsabilidade socialmente compartilhada. Essa nova perspectiva demanda um comprometimento distinto da sociedade e do meio na tomada de decisões que garantam a inclusão, eliminando as barreiras que impedem o acesso, tais como: barreiras atitudinais que demandam a eliminação de preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações; barreiras arquitetônicas; barreiras comunicacionais; além de barreiras metodológicas, instrumentais e programáticas.

Sendo assim, a promoção da acessibilidade é um dos meios para trazer a oportunidade de participarem na sociedade para as pessoas com deficiência em igualdade de condições com as demais em relação à mobilidade (VITAL, 2008). Mas, infelizmente, ainda é necessário lidar com as outras formas de impedimento da igualdade e/ou equidade.

Uma forma de tratar as barreiras atitudinais na escola é envolvendo toda a comunidade escolar em programas e práticas de sensibilização, de conscientização e diálogo sobre temas referentes aos tipos de deficiência, sobre convivência na diversidade humana, favorecendo espaços de troca em que todos possam se expressar.

Os espaços físicos da escola precisam ser analisados atentamente quanto às condições de acesso aos sujeitos com restrição de mobilidade e alterações sensoriais (podendo ser visuais, auditivas ou de integração sensorial). A eliminação de barreiras arquitetônicas pode ser alcançada lançando-se mão de adaptações e tecnologias (tecnologia assistiva), que podem ser de grande porte, como a intervenção na estrutura de um prédio, ampliando largura de portas ou criando rampas. As possibilidades de adaptações e tecnologias de pequeno porte são aquelas que podem ser feitas pelo professor, como, por exemplo, quanto ao distanciamento entre as carteiras dos alunos em sala, oportunizando a passagem de cadeira de rodas ou sugerindo ao aluno com baixa visão que ocupe assento em local da sala que possua melhor luminosidade.

A acessibilidade metodológica vai atuar sobre os métodos de estudo e tratar de favorecer que estes possibilitem a participação ativa de todos os alunos. Considerando os diferentes tipos de deficiência, é necessário lançar mão de uma série de instrumentos, utensílios, ferramentas que garantam a práxis dos alunos, o que diz respeito a acessibilidade instrumental. As escolas têm se voltado cada vez mais em construir estratégias de inclusão. Será que essas atitudes servem para o enfrentamento da violência escolar? Diante desta problemática buscamos investigar a relação entre a inclusão e o enfrentamento da violência nesses ambientes.

Método

Para realização desta pesquisa, quanto às atividades de coleta de dados, a equipe foi composta por três pesquisadoras: uma aluna de iniciação científica e duas alunas de doutorado. A coleta ocorreu em cinco escolas localizadas na cidade do Rio de Janeiro que pertencem à rede pública. Com o objetivo de preservar a identidade das escolas pesquisadas e seus sujeitos, criamos códigos que usaremos para mencioná-las neste estudo. Para o presente artigo foram utilizados dois instrumentos de pesquisa ampla. São eles:

a) Formulário de caracterização da escola

Esse formulário nos ofereceu informações sobre violência e sobre o grau de inclusão a partir dos aspectos gerais, arquitetônicos, comunicacionais da escola, bem como as estratégias pedagógicas utilizadas possibilitando, posteriormente, a comparação das escolas entre si. A base para a elaboração do formulário criado pela pesquisa ampla foi construída a partir dos resultados de pesquisas anteriores do Coordenador desta pesquisa e do Index produzido por Booth e Ainscow (2002).

Trata-se, portanto, de um estudo parametrizado, contendo questões para compreender as estratégias utilizadas no enfrentamento da violência: como minimizar as formas de discriminação, como solucionar os problemas disciplinares sem “exclusão” e, por fim, como combater a intimidação entre os alunos. Outro eixo do questionário trata de questões relacionadas aos instrumentos e recursos de acessibilidade e barreiras existentes nas diferentes áreas, como: a comunicação e transmissão de informação; o método, conteúdo e avaliação curricular; equipamentos para os tipos específicos de deficiência (cadeira adaptada, mesa adaptada, material de comunicação alternativa), como também sobre a estrutura arquitetônica do prédio escolar.

Sua aplicação ocorreu em reuniões com coordenadores, diretores e profissionais de apoio em educação especial de duração média de 50 minutos. A pontuação máxima que pode ser obtida por esse instrumento é 28,5 pontos; quanto maior a pontuação, maior é o grau de inclusão escolar. Com relação ao tratamento dos dados coletados, analisamos e esquematizamos as respostas estruturando um comparativo entre as escolas na Tabela 3.

b) Questionário com os estudantes do 9º ano

Cabe ressaltar que a escolha do ano escolar se deu pela suposição de que esses alunos teriam mais condições de compreender as questões propostas. A coleta foi realizada por turma do 9º ano, em horário previamente combinado com a escola, tendo duração máxima de 60 minutos.

Esse questionário possibilitou extrair e analisar os dados sobre a violência escolar. Especificamente quanto aos maus tratos sofridos e praticados, foram feitas algumas perguntas que estão detalhadas na Tabela 1. Após calcularmos as pontuações por aluno, foi realizado o valor da média por escolas (Tabela 3). Em relação ao bullying, buscando avaliar aspectos quanto à caracterização do fenômeno, acrescentaram-se duas perguntas (Tabela 1). Quando a resposta era afirmativa para ambas as questões, considerou-se o participante como autor e/ou vítima do bullying. Logo, o escore máximo deste item é de 2 pontos. Após essas pontuações foi realizada a média por escolas (Tabela 3).

Tabela 1 Perguntas incluídas no instrumento aplicado sobre maus tratos sofridos, praticados e bullying. 

MAUS TRATOS PRATICADOS (AUTOR) MAUS TRATOS SOFRIDOS (VÍTIMA)
Ameaçou bater? Ameaçaram bater em você?
Xingou? Foi xingado(a)?
Bateu? Bateram em você?
Espalhou boato? Espalham boato a seu respeito?
Excluiu/rejeitou? O excluíram ou rejeitaram?
Deu apelidos ofensivos? Deram apelidos ofensivos a você?
Estragou o material ou roupa deles? Estragaram seu material ou sua roupa?
Pegou sem consentimento o material ou dinheiro
deles?
Pegaram sem seu consentimento seu material ou
dinheiro?
Os acariciou contra sua vontade? Acariciaram você contra sua vontade?
Outra situação. Qual? Outra situação. Qual?
caractErIzação do Bullying
Em grupo e/ou com colegas que não conseguiram reagir?
Continua a praticar essas ações com os mesmos colegas?

Fonte: Projeto de Pesquisa “Violência Escolar: discriminação, bullying e responsabilidade”

Tabela 2 Distribuição do quantitativo de alunos por escola, IDH bairro da escola, alunos do 9º ano por escola e participantes da pesquisa - 2019 

CÓDIGO DA ESCOLA IDH DO BAIRRO TOTAL DE ALUNOS 9º NAS ESCOLAS ALUNOS PARTICIPANTES % DE ALUNOS PARTICIPANTES
TOTAL - 586 217 37
CPS 0,833 240 35 14,5
COB 0,861 96 67 69
CRF 0,839 80 21 26
CAL 0,959 50 23 46
CPT 0,926 120 71 59

Fonte: Dados coletados em 2019.

Tabela 3 Distribuição quanto ao grau de inclusão, Preconceito, maus tratos sofridos e praticados, bullying sofrido e praticado - 2019 

CÓDIGO DA ESCOLA GRAU DE INCLUSÃO PRECONCEITO MAUS TRATOS PRATICADOS MAUS TRATOS SOFRIDOS BULLYING
PRATICADO
BULLYING
SOFRIDO
CPS 20,6 8,34 4,63 6,40 0,00 0,34
COB 18,2 10,27 7,25 8,61 0,03 0,10
CRF 20,9 8,10 5,62 8,52 0,05 0,29
CAL 20,7 7,78 5,39 6,91 0,04 0,35
CPT 22,0 7,23 7,86 8,07 0,04 0,13

Fonte: Dados coletados em 2019.

Tabela 4 Correlação entre Grau de Inclusão e as formas de violência pesquisadas - 2019 

VARIÁVEIS CORRELACIONADAS COEFICIENTE DE PEARSON
Grau de Inclusão e Preconceito - 0,87
Grau de Inclusão e Maus Tratos Praticados 0,00
Grau de Inclusão e Maus Tratos Sofridos - 0,46
Grau de Inclusão e Praticante de Bullying - 0,06
Grau de Inclusão e Vítimas de Bullying - 0,05

Fonte: Dados coletados em 2019.

Quanto à investigação sobre o preconceito, foi perguntado aos alunos se eles socializariam, conversariam, trabalhariam ou se seriam amigos de pessoas: com deficiência, autistas, com comportamentos agressivos, de cor de pele diferentes da sua, afeminadas, masculinizadas, impopulares ou aquelas consideradas “mau aluno”. Além disso, o questionário trazia perguntas quanto à relação dessas características com dificuldades de aprendizagem e de socialização. O escore em relação a cada alvo foi determinado somando-se os pontos obtidos para cada uma das perguntas, de forma que quanto maior a pontuação, maior a manifestação do preconceito. Assim como nos maus tratos (sofridos e praticados) e bullying (Tabela 3), também foi realizada a média quanto ao preconceito.

O método de análise dos cálculos estatísticos utilizado foi o “Teste de Coeficiente de Correlação de Pearson”. Por meio desse coeficiente, é possível medir o grau de correlação entre duas variáveis de escala métrica e a direção dessa correlação (positiva ou negativa). Esse coeficiente possui valores que variam entre -1 e 1. Aqui neste artigo as variáveis são: Grau de inclusão e tipos de violência (maus tratos, Bullying e preconceito). Agora, passamos para a apresentação e discussão dos dados.

Resultados

No tocante à apresentação dos dados, em relação ao quantitativo total de alunos do 9º ano e destes os que participaram da pesquisa, segue a tabela em que acrescentamos o IDH dos bairros de cada uma dessas instituições. Cabe ressaltar que esses dados de caracterização das instituições e sujeitos foram descritos apenas para contextualizar o estudo e localizar o leitor.

Destacamos da tabela acima que dos 586 alunos de 9º ano das escolas estudadas, apenas 37%, ou seja, 217 participaram do estudo. Quanto a esse aspecto, observamos que se trata de um tema delicado, pois atinge diretamente os estudantes e depende do grau de confiança dos pais e alunos para a exposição ao tema. Neto (2005) menciona que muitas vítimas não falam sobre as agressões sofridas e ressalta que a maioria dessas agressões ocorre fora do alcance dos adultos, levando-os a subestimar e atuarem de forma insuficiente para a redução ou interrupção dessas agressões. Mas acredita que “o silêncio só é rompido quando os alvos sentem que serão ouvidos, respeitados e valorizados” (NETO, 2005, p. 167).

Corroborando com as contribuições desse autor, acrescentamos que em nossas observações de campo, em uma das escolas, alguns alunos que não quiseram participar do estudo realizaram “corredor polonês”, como forma de intimidação aos alunos que se prontificaram em participar. Quando interpelados pelos pesquisadores, se afastaram. Houve também o relato de um aluno que sofreu violência escolar e que se afastou da escola por meses devido à depressão. Ele pediu que não participasse da pesquisa, pois infelizmente ainda não se sentia preparado para relembrar o ocorrido, o que está intimamente relacionado à avaliaçãode que “as vítimas de bullying podem evitar a escola e o convívio social, prevenindo-se contra novas agressões” (NETO, 2005, p. 167). Essas são algumas das experiências que vivenciamos nas escolas e que nos fizeram refletir sobre os possíveis motivos da baixa adesão à pesquisa.

Na Tabela 3 são apresentados a média de cada uma das violências (maus tratos, preconceito e bullying) e o valor do grau de inclusão por escola.

De acordo com a tabela 3, quanto ao Grau de Inclusão, considerando que o escore máximo é de 28,5 e que quanto maior o escore a escola estará mais alinhada às políticas de inclusão, percebe-se que a escola CPT apresentou o maior grau, com escore de 22 pontos e a escola COB o menor grau, sendo 18,2 pontos.

Como exposto anteriormente neste estudo, a “Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva” determina parâmetros sobre estrutura, métodos e recursos imprescindíveis para a inclusão de alunos com deficiência em escolas regulares e foi possível observar, por meio dos formulários, os esforços das escolas na tentativa de se alinharem às medidas legais.

Quanto à pergunta referente ao objetivo principal com os alunos incluídos, a maioria das escolas (CPS, COB, CRF e CAL) mencionam ser o aprendizado e acrescentam a importância da socialização desses indivíduos. Já a escola CPT diz que o aprendizado não é o foco, mas sim que a criança se sinta bem nesse espaço.

Especificamente com relação às estruturas arquitetônicas, verificamos que o número de salas por escola desse grupo está assim distribuído: CPS apresenta vinte e quatro salas regulares, além de dezesseis espaços pedagógicos, a escola CPT apresenta um total de dez salas de aula e a escola CAL apresenta trinta e uma, contando com laboratórios, teatro, sala de música, entre outras. Todas as três apresentam salas de aula para os alunos do Ensino Fundamental, sala de recursos multifuncionais para Atendimento Educacional Especializado (AEE), salas de reuniões específicas para cada disciplina, secretaria, coordenação, direção, refeitório, banheiros adaptados (além de banheiro social para transsexuais na CPT), laboratórios, biblioteca, pátio coberto, sala de artes, de música, teatro, quadras de esporte aberta e coberta com vestiários feminino/masculino. A CPS apresenta ainda uma piscina e pista de corrida poliesportiva. Importante reforçar que todas as três apresentam espaços em perfeitas condições.

Já as escolas nomeadas por nós CRF e COB apresentam área externa integrada ao pátio com uma quadra de esporte que é descoberta em uma escola e coberta em outra, respectivamente. Além disso, existem salas de aula para os alunos do Ensino Fundamental, sala de recursos multifuncionais, o refeitório, a sala da diretoria, a sala dos professores, da secretaria, da coordenação e banheiros adaptados. Com relação ao quantitativo de salas, a escola CRF apresenta aproximadamente vinte salas e a escola COB possui dez, sendo uma de informática. Grande parte de seus espaços e estruturas estão em condições de conservação e de uso prejudicados.

Quanto à acessibilidade a esses espaços, as cinco escolas referem a presença de rampa para circulação na maioria dos espaços, apesar de serem do padrão da norma da ABNT antiga. A maioria (CRF, COB, CPT e CAL) declara possuir corrimão, exceto a CPS. As escolas com diferentes pavimentos possuem elevador. A escola CPT também tem bebedouro e cadeiras para alunos com nanismo.

Com relação a adoção de material específico para superar obstáculos de aprendizado de alunos cegos, surdos ou com grande comprometimento motor (paralisia cerebral) as escolas justificaram a falta dos equipamentos em função da ausência dessa demanda, por exemplo: ausência de cadeiras e mesas adaptadas para crianças com deficiência física severa (Paralisia Cerebral). No entanto, os alunos com demanda específica, tiveram acesso ao material.

Com relação às medidas de flexibilização curricular, a maioria das escolas estudadas mostraram estar investidas nas medidas de inclusão, especificamente quanto ao conteúdo, método de ensino e avaliação. Quanto à existência de agente de educação especial ou pessoas que acompanhem diretamente o aluno incluído (estagiário, mediador e intérprete de LIBRAS), pode-se observar que as escolas CRF, COB, CPT e CAL possuem pessoas que acompanham diretamente o aluno na sala de aula, já a escola CPT se utilizava de estratégias diferenciadas, como a maior frequência dos conselhos de classe e reuniões com professores orientadas pelo agente de educação especial.

Ainda em relação ao formulário das escolas, quanto à violência escolar, foi possível observar que a maioria dos estabelecimentos trabalham com atividades de sensibilização e conscientização que se expressam em blog no qual abordam temas em torno do bullying, rodas de conversa, atividades pedagógicas, projetos e núcleos específicos para o tratamento dessas questões. Quanto às medidas disciplinares que visam a prevenção da exclusão, na maioria das vezes, se dão com encontros coletivos (assembleias estudantis) e/ou individuais, reuniões com alunos envolvidos na violência e seus responsáveis.

Ainda em relação à Tabela 3, apresentamos as médias de maior relevância quanto à violência das escolas e à relação desses fenômenos com a inclusão. Importante ressaltar que quanto maior o escore, maior a prática de violência na escola.

Nesse sentido, a escola COB revelou maior manifestação de preconceito, com escore de 10,27 e maior índice de maus tratos sofridos, com escore de 8,61. Contudo, foi a escola que expressou menor índice de bullying sofrido, com o valor de 0,10. Sendo ela a que apresentou menor grau de inclusão, com escore de 18,2.

Diferente dessa primeira escola, a CPT apresentou menor manifestação de preconceito, com escore 7,23 e maior grau de inclusão, com escore 22. Contudo, foi a que apresentou maior valor de maus tratos praticados, com escore de 7,86.

Já a escola CPS, quando comparada com as outras escolas, foi aquela que apresentou um menor valor de maus tratos praticados, sofridos e de bullying praticado, sendo os valores 4,63, 6,40, e 0,00 respectivamente. Contudo, destaca-se por apresentar um alto escore de bullying sofrido (0,34), apesar de não ser o mais alto, visto que a escola CAL expressou um escore de 0,35. Por fim, a escola CRF destacase pelo maior valor de bullying praticado, que é de 0,05.

Agora passamos para a apresentação e análise dos dados estatísticos (Teste de Coeficiente de Correlação de Pearson) da correlação de cada uma das formas de violência com o grau de inclusão. Reiteramos a informação de que a correlação entre os dados de violência e inclusão apresentados foram calculados com base no somatório de todas as escolas.

De acordo com a Tabela 4, é possível observar que a correlação entre Grau de Inclusão e Preconceito mostrou significância por apresentar uma forte correlação negativa, com o valor de -0,87, revelando forte dependência entre as variáveis, ou seja, quanto maior o grau de inclusão, menor o preconceito nas escolas. Entre o Grau de Inclusão e Maus Tratos Sofridos, foi identificada a correlação moderada negativa, de -0,46, onde a moderada dependência entre as variáveis indica que quanto maior o grau de inclusão, menor são os maus tratos sofridos. Mas, com relação ao Grau de Inclusão e Maus Tratos Praticados, o valor foi de 0,00, o que indica que na amostra estudada não houve correlação aparente entre as variáveis. Quanto à relação entre Grau de Inclusão e praticantes ou vítimas de bullying, não se revelou uma significância, com valores de -0,06 e -0,05, respectivamente.

Dos resultados com significância (grau de inclusão x preconceito/maus tratos sofridos) importante salientar a evidência encontrada estatisticamente de que ações internas nas escolas, indicam repercussões em torno do problema da violência.

Discussão

Da aproximação com a pesquisa e seus instrumentos, podemos observar que as perguntas do questionário sobre violência têm grande objetividade e transparência, o que de certa forma pode ter causado algum constrangimento para as respostas de todos os sujeitos, apesar de ter sido aplicado o TCLE que informou quanto ao sigilo na pesquisa.

Além disso, observamos na Tabela 3 que as médias de violência praticadas são mais baixas quando comparadas com as médias das violências sofridas. Acreditamos que esse fato pode estar relacionado com a ideia de que a prática de bullying é considerada como um ato intencional, como atesta a definição da lei 13.185/2015, e na escola é tratada de forma incriminatória passível a penalidades em função da lei, o que se estende às outras formas de violência. Portanto, o nosso entendimento preliminar seria o de que esse resultado quanto aos índices muito baixo para a autoria da violência em relação aos índices da violência sofrida pode estar indicando uma tendência dos sujeitos em evitar dar respostas que os colocassem como autor da violência. Portanto, se essa interpretação procede, assumir-se como agressor pode estar sendo visto como algo não aceitável socialmente e, disto podemos inferir que as ações de combate à violência e ao bullying nas escolas e outros espaços sociais podem estar construindo barreiras - psíquicas ou não - as quais, ao serem internalizadas pelo sujeito - em termos psicanalíticos, pelo superego -, fazem com que ele, pelo menos, não explicite seus atos violentos como algo relacionado à hierarquia não oficial por entender que se trata de uma contravenção. Essa “inibição”, se não elimina a violência em si, pelo menos a coloca numa situação de não aceitabilidade em termos coletivos, aspecto que pode fazer com que o sujeito passe a inibir seus atos de violência. O que nos remete a Adorno (1995):

[...] é preciso buscar as raízes nos perseguidores e não nas vítimas, [...]. É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos [de levar os judeus até os campos de concentração], é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma consciência geral acerca desses mecanismos. (ADORNO, 1995, p. 121).

O autor menciona essa possibilidade a partir do processo de esclarecimento da população, o qual criaria um clima intelectual, cultural e social que possibilitaria a não repetição da barbárie; “[...] portanto, um clima em que os motivos que conduziram ao horror tornem-se de algum modo conscientes” (ADORNO, 1995, p. 123).

Outra questão mencionada por ele é sobre a promoção de uma educação que não valorize a dor e a capacidade de suportá-la. A severidade e o autoritarismo - tão presente na educação tradicional - não devem prevalecer nas salas de aula, pois alunos e professores devem dialogar entre si. Silva et al. (2018) e Reis e Santos (2018) contribuem para esta reflexão esclarecendo que a existência de discussões prévias sobre essa temática no cotidiano escolar auxilia no acolhimento dos alunos, pois proporciona um espaço em que eles possam expressar seus temores e constrangimentos, fortalecendo uma relação de confiança entre os profissionais da escola e suas vítimas/testemunhas.

Muitos autores também mencionam a importância de vínculos afetivos familiares e de amizade devido à importância dos adolescentes se sentirem aceitos e integrados a um grupo. Eles precisam saber que existem pessoas em quem possam confiar (BERLESE et al., 2017; PIGOZI, 2018; KAPPEL et al., 2014; NOBRE et al., 2018; OLIVEIRA et al., 2018; SILVA et al., 2017), além de favorecer a comunicação aberta e empática, o que potencializa a autoestima desses sujeitos (PAIXÃO et al., 2018).

Quanto aos dados de inclusão, a análise revelou que todas as escolas obtiveram índices satisfatórios e estão comprometidas com uma formação de qualidade, que promove não apenas o aprendizado e permanência, mas também o desenvolvimento pessoal de todos os sujeitos. Dos resultados estatísticos obtidos pela relação de significância, podemos constatar a correlação entre grau de inclusão e preconceito, onde a escola com maior grau de inclusão (CPT com 22) também é a escola com menor grau de preconceito (CPT com 7,23), assim como a escola com menor grau de inclusão (COB com 18,2) é também a escola com maior grau de preconceito (COB com 10,27). Mas com relação ao grau de inclusão e as outras correlações de violência (maus tratos e o bullying), não houve correlação de significância.

Contudo, apesar da inexistência de dados estatísticos com correlação de significância ressaltamos que qualquer evidência em relação à violência sofrida (bullying ou maus tratos) é de relevância, pois se expressa em situação de sofrimento. Podem acarretar interrupção de um processo acadêmico, problemas físicos e/ou transtornos psíquicos, que repercutem negativamente na vida dos sujeitos, seus familiares e a comunidade acadêmica. Destacamos, portanto, que o enfrentamento da violência no ambiente escolar precisa ser compreendido em suas causas, as práticas com diálogos estimuladas, evitando as práticas punitivas sem contextualizações.

A escola, como outros diversos espaços, é um ambiente de construção social onde todos os indivíduos estão em constante transformação. Professores, alunos, família e todos os funcionários da escola fazem parte da sociedade e trazem diferentes contextos culturais, tensões, desejos e interesses, reproduzindo, portanto, os valores construídos socialmente (muitas vezes voltados para a competição e individualidade do ser).

Concordamos com Corrêa (2017) de que “Um modelo de sociedade que prioriza a competição é pouco propício às formas de convivência, tais como as que se baseiam na amizade, no respeito e na solidariedade.” (CORRÊA, 2017, p. 92). Desta forma, é essencial discutir sobre a violência como fruto de uma sociedade competitiva e desigual: “Uma sociedade gestada no individualismo, movida pelo consumo e estruturada pela lógica da competição e do sucesso. (CORRÊA, 2017, p. 15).

Cabe a cada um de nós refletir sobre como podemos construir uma sociedade que estimule valores de amorosidade, empatia, respeito, solidariedade e equidade. Acreditamos que a escola pode ser um dos ambientes propícios para estimular essa reflexão e esse olhar mais coletivo, com uma educação que valorize o “[...] fortalecimento do sujeito, mas não reduzí-lo à adaptação, e, sim, ao desenvolvimento de uma consciência capaz de percepção e crítica das injustiças sociais [...]” (CROCHICK; CROCHICK, 2017a, p. 91).

Nesse sentido, concordamos com Mattos et al. (2013) ao mencionarem que os educadores, além de abordarem os conhecimentos científicos, transmitem valores por meio da postura - ética ou não - que apresentam no seu dia a dia, por isso, para além de uma melhora no currículo, nas avaliações ou na prática pedagógica, o empenho pelo debate sobre a forma como a sociedade, nos seus diversos ambientes, está lidando com as relações interpessoais, deve ser incansável. Pensamos que só assim conseguiremos formar alunos críticos, autônomos e humanos, reconduzindo a qualidade da educação para uma dimensão humanística/inclusiva e não meramente performática.

Adorno (1995) traz nas suas ideias uma compreensão da relação da escola contextualizada e, portanto, a possibilidade de mudança implica transformações na sociedade e na sua relação com a escola. “Contudo, neste plano, a escola não é apenas objeto” (ADORNO, 1995, p. 116), ela tem papel formador, crítico, inclusivo, social e político. Essa mudança reside na desbarbarização da humanidade, mas, para isso, é preciso que a sociedade e a escola se conscientizem disto.

1 Importante ressaltar que este trabalho utilizou dados de autoria presumida, o que permite separar apenas os casos de violência interpessoal para a análise, induzindo a um maior registro de violência doméstica (produzida por pai, mãe, padrasto, madrasta, cônjuge, ex-cônjuge, namorado, ex-namorado, filho, irmão e cuidador) do que comunitária (amigo, conhecido e desconhecido) ou institucional (patrão, chefe, pessoa com relação institucional e policial) para qualquer condição de deficiência.

2 Não inclui as violências registradas em que o autor presumido é a própria vítima. 2. Se um indivíduo tiver mais de uma deficiência, ele será contado em todas elas, seja na notificação da violência, seja na população. 3. A taxa de violência de pessoas com deficiência intelectual deve ser analisada com cuidado, pois, conforme explicado acima, o Sinan traz notificações de violências de pessoas com deficiência intelectual adquirida até os 18 anos, enquanto a PNS traz a informação de pessoas com deficiência intelectual nata.

3 Na Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, Artigo 9, e na Lei Brasileira de Inclusão, no Título III.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W.; HOKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. Acesso em: 15 dez. 2021. [ Links ]

ADORNO, T. W. Educação e emancipação. Trad. Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. Acesso em: 15 dez. 2021. [ Links ]

ALCANTARA, S.C. et al. Violência entre pares, clima escolar e contextos de desenvolvimento: suas implicações no bem-estar. Ciência & Saúde Coletiva, v. 24, n. 2, p. 509-522, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018242.01302017. Acesso em: 06 jan. 2022. [ Links ]

BERLESE, D.B. et al. Bullying e violência social: vivência de adolescentes obesos. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 15, n. 1, p. 491-503, 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.11600/1692715x.1513111042016. Acesso em: 10 fev. 2022. [ Links ]

BOOTH, T.; AINSCOW, M. Index for Inclusion: developing learning and participation in schools. Bristol: Center for Studies on Inclusive Education, 2002. Disponível em: Index 2002 complete_05 (csie. org.uk). Acesso em: 15 jul. 2020. [ Links ]

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 fev. 2022. [ Links ]

BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008. Disponível em: EDUCAO INCLUSIVA: POLTICA NACIONAL DE EDUCAO ESPECIAL (mec.gov.br). Acesso em: 06 jan. 2022. [ Links ]

CANDAU, V.M . F. Dif erenças cul turais, interculturalidade e educação em direitos humanos. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 118, p. 235-250, jan.-mar. 2012. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

CERQUEIRA, D. et al. Atlas da Violência. São Paulo: FBSP, 2021. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/publicacoes. Acesso em: 06 jan. 2022. [ Links ]

CORRÊA, A. S. (In)disciplina e Bullying nas práticas escolares de diretores, coordenadores, docentes e alunos: uma análise à luz da Teoria Crítica. Tese (Doutorado - Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2017. Acesso em 06 jan. 2022. [ Links ]

CROCHICK, J. L, et al. Análise de concepções e propostas de gestores escolares sobre o Bullying. Acta Scientiarum. Education, v. 36, n. 1, p. 115-127, jan.-jun. 2014. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/actaeduc/v36n01/v36n01a12.pdf. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

CROCHICK, J. L, et al. Hierarquias escolares: desempenho e popularidade. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 44, e167836, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1678-4634201710167836. Acesso em: 21 dez 2021. [ Links ]

CROCHICK, J. L.; CROCHICK, N. Bullying, preconceito e desempenho escolar: uma nova perspectiva. São Paulo: Benjamin Editorial, 2017a. Acesso em: 21 dez 2021. [ Links ]

CROCHICK, J. L. Violência Escolar: discriminação, bullying e responsabilidade. Projeto de pesquisa. São Paulo: USP, 2013. Acesso em: 21 dez 2021. [ Links ]

DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. Acesso em: 07 nov. 2022. [ Links ]

FERREIRA, V. S.; OLIVEIRA, L. V. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. PRODIDE em Revista Reviva, v. 4, p. 54, 2007. Disponível em:https://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/unidades/promotorias/prodide/Reviva_ano4_2007.pdf. Acesso em: 06 jan. 2022. [ Links ]

FRANCISCO, M. V.; LIBÓRIO, R. M. C. Um Estudo sobre Bullying entre Escolares do Ensino Fundamental. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 22, n. 2, p. 200-207, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-79722009000200005. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

FREUD, S. El malestar en la cultura. In: Braunstein, N.A. A medio siglo de el malestar en la cultura de Sigmund Freud. México: Siglo Veintiuno Editores, 1986. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. Educar o trabalhador cidadão produtivo ou o ser humano emancipatório? Trabalho, Educação e Saúde, v. 1, n. 1, p. 45-60, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/JSYmSMnc7TKKrxWjm3xHLGd/ abstract/?lang=pt. Acesso em: 07 nov. 2022. [ Links ]

GIBBS, G. Análise de dados qualitativos. Trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009. Acesso em: 20 dez. 2021. [ Links ]

GIORDANO, R.C.; NAZARETH, L.J.S. Violência, educação e sociedade: o bullying na concepção de educadores em Ananindeua (PA). Comunicações Piracicaba, v. 24, n. 2, p. 103-126, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.15600/2238-121X/comunicacoes.v24n2p103-126. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

KAPPEL, V. B. et al. Enfrentamento da violência no ambiente escolar na perspectiva dos diferentes atores. Interface (Botucatu), v. 18, n. 51, p. 723-35, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0882. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

MALTA, D.C. et al. Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 9, p. 2899-2908, 2017. Acesso em: 20 dez. 2021. [ Links ]

MARCUSE, H. Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

MATTOS, A. R. et al. O cuidado na relação professor-aluno e sua potencialidade política. Estudos de Psicologia. v. 18, p. 369-377, 2013. Disponível em: www.scielo.br/j/epsic/a/cdcyMnhCmdCH3KFmmwVvS4R/. Acesso em: 04 nov. 2022. [ Links ]

NETO, A. A. L. Bullying - comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, 81, S164- S172, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0021-75572005000700006. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

NOBRE, C.S. et al. Fatores associados à violência interpessoal entre crianças de escolas públicas de Fortaleza, Ceará, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 12, p. 4299-4309, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320182312.29222016. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

OLIVEIRA, J. C.; BARBOSA, A. J. G. Bullying entre Estudantes com e sem Características de Dotação e Talento. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 25, n. 4, p. 747-755, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-79722012000400014. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

OLIVEIRA, W. A. et al. Modos de explicar o bullying: análise dimensional das concepções de adolescentes. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 3, p. 751-761, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018233.10092016. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

OLIVEIRA, W.A. et al. Saúde do escolar: uma revisão integrativa sobre família e bullying. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 5, p. 553-1564, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232017225.09802015. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos . Acesso em: 24 nov. 2021. [ Links ]

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Global Consultation on Violence and Health. Violence: a public health priority. Genebra, 1996 (documento inédito WHO/EHA/SPI.POA.2). Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, Informe Mundial Sobre la Violencia y la Salud: resumen. Washington, D.C.: OPAS, 2002. Disponível em: https://www.sanidad.gob.es/ciudadanos/violencia/docs/informeOMS.pdf. Acesso em: 24 nov. 2021. [ Links ]

PAIXÃO, R. F.; PATIAS, N. D.; DELL’AGLIO, D. D. Relações entre Violência, Clima Familiar e Transtornos Mentais na Adolescência. Revista Interinstitucional de Psicologia, v. 11, n. 1, p. 109-122, 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.36298/gerais2019110109. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

PIGOZI, P. L. A produção subjetiva do cuidado: uma cartografia de bullying escolar. Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, p. 280-312, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-73312018280312 . Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

PINHEIRO, F. M. F.; WILLIAMS, L. C. A. Violência intrafamiliar e intimidação entre colegas no ensino fundamental. Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 138, p. 995-1018, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0100-15742009000300015. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

REIS, C. M. B.; DOS SANTOS, W. S. A escola perdendo o controle: o discurso da violência em uma narrativa de uma professora em formação inicial. Veredas Temática: Revista de Estudos linguísticos, v. 22, n.1, p. 224-242, 2018. Acesso em: 20 dez. 2021. [ Links ]

SILVA, B.R.V.S. et al. Autopercepção negativa de saúde associada à violência escolar em adolescentes. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 9, p. 2909-2916, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.12962018. Acesso em: 21 dez. 2021. [ Links ]

SILVA, J. L. et al. Revisão sistemática da literatura sobre intervenções antibullying em escolas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 7, p. 2329-2340, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.16242015. Acesso em: 24 nov. 2021. [ Links ]

SILVA, J. M. A. P.; SALLES, L. M. F. A violência na escola: abordagens teóricas e propostas de prevenção. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. especial 2, p. 217-232, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-40602010000500013. Acesso em: 24 nov. 2021. [ Links ]

SPOSITO, M. P. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n.1, p. 87-103, jan./jun. 2001. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1517-97022001000100007 . Acesso em: 24 nov. 2021. [ Links ]

VITAL, F.M.P. A. Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008. Disponível em: https://www.gov.br/governodigital/pt-br/acessibilidade-digital/convencao-direitos-pessoasdeficiencia-comentada.pdf. Acesso em: 24 nov. 2021. [ Links ]

Recebido: 18 de Agosto de 2022; Aceito: 04 de Novembro de 2022

*

Doutoranda em Educação em Ciências e Saúde (UFRJ), professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: vidamefano@yahoo.com.br

**

Doutoranda em Educação em Ciências e Saúde (UFRJ), professora da educação básica, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: marinamaldonadoms@gmail.com

***

Doutora em Educação (PUCSP). Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: cristina. vermelho@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.