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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versão impressa ISSN 0104-7043versão On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.32 no.69 Salvador jan./mar 2023  Epub 25-Out-2023

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n68.p203-222 

Artigos

PRÁTICAS INOVADORAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE E O LUGAR DAS TECNOLOGIAS

INNOVATIVE PRACTICES OF CONTINUING TEACHING TRAINING AND THE PLACE OF TECHNOLOGIES

PRÁCTICAS INNOVADORAS DE FORMACIÓN DOCENTE CONTINUA Y EL LUGAR DE LAS TECNOLOGÍAS

1Universidade do Estado de Santa Catarina

2Universidade Regional de Blumenau


RESUMO

Com o objetivo de elucidar práticas de formação continuada de professores da Educação Básica, consideradas inovadoras, bem como suas interfaces com as tecnologias digitais divulgadas no portal Porvir1, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa e bibliográfica online. Foram analisadas dez notícias do site por meio do método de análise textual discursiva. Concluiu-se que todas as práticas formativas têm caráter de inovação, porém o foco é para as inovações marginais e adicionais, ou seja, mudanças que incidem em uso pelos professores de novas metodologias de ensino com tecnologias digitais em sua prática. Apenas dois percursos formativos contribuem para inovações fundamentais e institucionais, com a promoção de mudança do contexto profissional a partir do fortalecimento de uma comunidade de aprendizagem docente que reflete sobre suas concepções educativas e investiga suas práticas pedagógicas, no fomento de uma cultura digital, na escola.

Palavras-chave: formação continuada docente; inovação; tecnologias; portal Porvir1

ABSTRACT

This study aimed to elucidate innovative practices of continuing teacher training in Basic Education and their interfaces with digital technologies, published on Porvir Website. For this, it was developed qualitative and bibliographic online research. It was analyzed ten news from Porvir website using the discursive textual analysis method. The study concluded that all training practices are innovative, but the focus is on marginal and extra innovations, to changes that affect teachers’ use of new teaching methodologies with digital technologies for student learning. Among the practices, just two of them demonstrate contributing to fundamental and institutional innovations, promoting change in the professional context through the strengthening of a teaching-learning community that reflects their educational concepts and investigates their pedagogical practices in fostering digital literacy at school.

Keywords: continuing teacher training; innovation; technologies; porvir Website

RESUMEN

Con el fin de dilucidar las prácticas de formación continua para docentes de Educación Básica, consideradas innovadoras, así como sus interfaces con las tecnologías digitales, publicadas en el portal Porvir, se desarrolló una investigación cualitativa y bibliográfica en línea. Fueron analizadas 10 noticias mediante el método de análisis textual discursivo. Se concluyó que todas las prácticas formativas tienen un carácter innovador, pero el foco está en innovaciones marginales y adicionales, es decir, cambios que inciden en el uso por parte de los docentes de nuevas metodologías de enseñanza con tecnologías digitales en tu práctica. Solo dos cursos de formación contribuyen a las innovaciones fundamentales e institucionales, promoviendo el cambio en el contexto profesional a través del fortalecimiento de una comunidad de enseñanza aprendizaje que refleje sus conceptos educativos e investigue sus prácticas pedagógicas, en el fomento de una cultura digital, en la escuela.

Palabras clave: formación continua del profesorado; innovación; tecnologías; portal de Porvir

INTRODUÇÃO

O modelo de escola que se desenvolveu ao longo dos séculos não atende mais às necessidades e aos dilemas para transformação do mundo contemporâneo. Nesta direção, compartilhamos com a ideia de Nóvoa e Vieira (2017), que destacam três mudanças centrais para a escola do presente e o papel dos professores. A primeira implica em aprender na escola a trabalhar de modo colaborativo, entre estudantes e com os professores. Na segunda, as práticas educativas precisam mobilizar o trabalho dos estudos de modo flexível, com tempos coletivos e individuais/personalizados. Por fim, a terceira mudança está em oportunizar aprendizagens pela pesquisa, em que a curiosidade, investigação, descoberta e sistematização de conhecimentos seja tarefa de todos da escola. Interpretamos essas mudanças propostas ao trabalho do professor, em outras relações com o conhecimento, considerando um contexto histórico-social marcado por uma “cultura digital”. Essa “expressão integra perspectivas diversas vinculadas à incorporação, inovações e avanços nos conhecimentos proporcionados pelo uso das tecnologias digitais e as conexões em rede para a realização de novos tipos de interação, comunicação, compartilhamento e ação na sociedade” (KENSKI, 2018, p.139).

Pensar este modelo de organização da escola, em uma perspectiva de cultura digital, implica em novos modos de realização do trabalho docente e, como destacam Nóvoa e Vieira (2017, p. 51), “para isso, é necessário que, ao longo da sua formação, os futuros professores tenham a possibilidade de viver e de trabalhar em ambientes de aprendizagem coerentes com estes princípios. Se assim não for, dificilmente conseguiremos formar os professores que os tempos atuais exigem”. Do mesmo modo, compreendemos que os percursos de formação continuada dos professores precisam estar sintonizados com o que se espera desse profissional na escola. Parafraseando Nóvoa e Vieira (2017), se sua prática educativa precisa ser inovadora na escola, sua formação continuada precisaria acontecer igualmente em uma proposta inovadora. Ou seja, uma “formação de docentes vai bem além de estruturas fechadas e anacrônicas de ensino, em que se valoriza a transmissão de conteúdos de áreas específicas do conhecimento, descontextualizados com a formação de professores para a escola básica. É preciso mudar”. (KENSKI, 2015, p. 427a).

No entanto, Imbernón (2009, p. 35) ressalta que “atualmente, programa-se e se oferece muita formação, mas também é evidente que há pouca inovação ou, ao menos, a inovação não é proporcional à formação que existe”.

Quando Imbernón (2009) destaca que “há pouca inovação”, provoca também à curiosidade e motiva a realização dessa pesquisa a partir de perguntas: o que é uma formação continuada docente inovadora? Qual é o lugar da tecnologia em um percurso inovador de formação continuada?

Por inovação educacional, entendemos toda “ação pedagógica estruturada relativamente nova, que promove melhorias no processo de ensino-aprendizagem, considerando os diferentes contextos escolares, os interesses e necessidades dos alunos”. (NUNES et al., 2015, p. 52). Por sua vez, Carbonell (2002, p. 19) define inovação como “[...] um conjunto de intervenções, decisões e processos, com certo grau de intencionalidade e sistematização, que tratam de modificar atitudes, ideias, culturas, conteúdos, modelos e práticas pedagógicas”. Com base nesses conceitos, pressupomos que uma formação continuada inovadora precisaria considerar contextos, interesses e necessidades dos professores e com potência para o novo, a mudança nas ações/práticas pedagógicas, com resultados para aprendizagens dos estudantes nas escolas.

Embora pareça senso comum a relação entre inovação e educação, ainda é incipiente a investigação sobre a temática, conforme revelam buscas em portais de pesquisa acadêmica2. Tal fato também é destacado por Matos (2010, p. 148), que diz: “encontramos, frustradamente, um número bem pequeno de trabalhos que discutem a temática inovação. [...] a inovação trata-se de uma questão complexa e desafiante, ainda impedida por um paradigma tradicional [...]”. Essa lacuna de conhecimentos justificou a importância de se pesquisar o tema e, assim, por outro caminho, realizamos um novo levantamento, utilizando a ferramenta de busca do Google. Nesse procedimento, encontramos um portal denominado “Porvir” que aborda temas de inovação na área de Educação:

O Porvir é uma iniciativa de comunicação e mobilização social que mapeia, produz, difunde e compartilha referências sobre inovações educacionais para inspirar melhorias na qualidade da educação brasileira e incentivar a mídia e a sociedade a compreender e demandar inovações educacionais. (PORVIR, 2021, s.p., grifo nosso)

Entre os temas de destaque no menu de navegação desse portal, encontra-se a seção “Formação do professor”, onde é possível ter acesso às notícias de inovações na formação docente inicial e continuada. Assim, delimitamos o contexto desta pesquisa para busca de práticas inovadoras de formação continuada de professores. Justificamos esse lugar de pesquisa com as palavras de Nóvoa e Viera (2017, p. 50) sobre os novos caminhos da educação que necessitamos percorrer: “Precisamos de conhecer o que está sendo feito em muitos lugares do mundo. Escrever. Partilhar. Discutir. Experimentar. Só com instituições de formação de professores vibrantes e inspiradoras é que conseguiremos formar professores [...]”.

Nessa perspectiva, compreendemos que o portal Porvir pode ser um contexto para “se conhecer o que está sendo feito em muitos lugares do mundo”, especialmente no Brasil, no que se refere à formação continuada de professores em propostas consideradas como “inovadoras”, além de evidenciar o lugar que a tecnologia ocupa nesses percursos formativos. Com base nisso, desenvolvemos uma pesquisa com o objetivo de elucidar práticas de formação continuada de professores da Educação Básica, consideradas inovadoras, bem como suas interfaces com as tecnologias digitais, divulgadas pelo portal Porvir.

Inovação na formação continuada docente: compreensões teóricas

Hernández et al. (2000, p.21-22) consideram que “[...] uma inovação não é apenas algo novo, mas algo que se melhora e que permite mostrar os resultados de tal melhora”. Nessa mesma direção, Arias (2016, p. 5, tradução nossa) entende que não devemos confundir a inovação com algo novo, pois a “[...] inovação não é boa pelo fato de ser nova, e sim basicamente porque contribui de maneira diferente, confiável e válida para solucionar problemas educativos ou melhorar os feitos educacionais”.

A definição de inovação varia conforme a interpretação de cada sujeito, o que torna o seu significado complexo. Conforme Hernández et al. (2000), o conceito se altera para cada pessoa envolvida com a inovação, dependendo do vínculo que mantém com termo. “Portanto, a definição do que constitui uma inovação resulta da confluência de uma pluralidade de olhares e opiniões que procedem dos que têm algum tipo de relação com ela” (idem, p. 19). Segundo os autores, não existe uma única maneira para conceituar o termo. Isso faz com que a inovação seja “uma tarefa socialmente necessária, escolarmente útil e, provavelmente, enriquecedora em nível pessoal” e que se caracterize por seu caráter multidimensional [...]”. (idem, p. 29).

De acordo com Blanco e Messina (2000), existe uma ausência de marco teórico que permita identificar o que é uma inovação na área educacional. Com a pesquisa sobre o Estado da Arte de las Innovaciones en América Latina, os autores identificaram os seguintes atributos para caracterizar uma experiência inovadora:

  • » inovação implica transformação e mudança qualitativa significativa, não simplesmente melhora ou ajuste ao sistema atual;

  • » inovação não é necessariamente uma invenção, mas algo novo que promove um avanço no sistema para sua plenitude, uma nova ordem ou sistema;

  • » inovação implica intencionalidade ou intervenção deliberada e, em consequência, tem que ser planejada;

  • » inovação não é um fim em si mesma, mas um meio para melhorar os fins da educação;

  • » inovação implica uma aceitação e apropriação da mudança por aqueles que devem cumpri-la;

  • » inovação implica uma mudança de concepção e prática;

  • » inovação é um processo aberto e inconcluso que envolve reflexão a partir da prática.

Além destas características, as inovações possuem especificidades conforme a intensidade da mudança e da amplitude. Segundo Arias (2016), os tipos de inovação de acordo com a intensidade da mudança são três: marginais, adicionais e fundamentais. Em relação à amplitude, Arias (2016) destaca duas classificações: facultativas e institucionais. Estas serão detalhadas nas análises das práticas de formação docente inventariadas neste estudo.

Imbernón (2011) escreve de uma inovação educacional a partir de dentro; isso significa mudar com base na real necessidade da escola. Ainda salienta que o professor não pode ser um sujeito que apenas implementa uma inovação que foi lhe solicitada, mas “[...] deveria converter-se em um profissional que deve participar ativa e criticamente no verdadeiro processo de inovação e mudança, a partir de e em seu próprio contexto, em um processo dinâmico e flexível” (IMBERNÓN, 2011, p. 21). Em outras palavras, a formação continuada pode contribuir para inovação na escola, desde que o professor seja percebido como protagonista nesse processo.

Para alcançar a contemporaneidade do tempo em que estamos vivendo, os programas devem ser repensados a fim de contemplar a preparação do professor para essa nova realidade, como destaca Imbernón (2009, p. 25): “em definitivo, o futuro requererá um professorado e uma formação inicial e permanente muito diferente, pois a educação e o ensino (a sociedade que a envolve) serão muito diferentes”.

Imbernón (2009) ainda destaca que para atingir mudanças na educação não basta que mudem apenas os professores, mas também o local onde estão inseridos, a escola. Não é suficiente os docentes elaborarem novos conhecimentos e ideias inovadoras se o ambiente escolar não colabora com a realização dessas novas práticas ou as restringe a pequenas áreas que não refletirão em uma inovação institucional. Buscamos uma inovação que “[...] resida no coletivo, faça parte da cultura profissional e se incorpore aos processos educativos como processo normal de funcionamento. Essa inovação institucional é o objetivo prioritário da formação permanente”. (IMBERNÓN, 2009, p. 63, grifo nosso).

Com isso, pode-se destacar que a formação continuada é fator importante para inovação na educação. Ademais, quando consideramos nosso atual contexto, Kenski (2015b) nos indaga:

As especificidades dessa nova cultura digital colocam-se como desafios para a formação de professores e para sua atuação profissional. Como formar professores para os novos cursos e para os novos perfis de formação e ação que a sociedade exige? Como agir pedagogicamente em todos os níveis e todas as áreas do saber para desenvolver cursos que sejam adequados a essa nova realidade? Como ensinar e aprender conteúdos em constante movimento de atualização?

Perguntas assim mobilizaram-nos a interpretar os percursos de formação continuada docente divulgados no site Porvir como “práticas inovadoras” e, nessas, o lugar das “tecnologias”.

Percurso investigativo

O contexto investigado é um portal online, denominado Porvir. Este oferece conteúdos relacionados à inovação na educação, que incluem notícias como tecnologia na educação, práticas para sala de aula e formação de professores (MARTINS, 2018). O portal existe desde o ano de 2012 e produz conteúdo quase diário sobre tendências e inovações educacionais de vários lugares do mundo, especialmente do Brasil. “É gratuito e de acesso livre para reprodução de seu conteúdo” (PORVIR, 2021, s.p.). O acesso dá-se pelo endereço eletrônico http://porvir.org/. O portal conta com um menu, que se encontra do lado esquerdo superior, com diferentes temas onde as notícias são agrupadas. Dentre os temas, o foco dessa pesquisa foi Formação do Professor, que pode ser acessado por um link.

Sendo uma investigação realizada em um contexto online e com conteúdo elaborado e publicado pelo portal, esta pesquisa define-se como bibliográfica online. De acordo com Santos (2000), esse método de pesquisa é composto por materiais já desenvolvidos e divulgados, podendo ser escritos ou gravados, mecânica ou eletronicamente. “São fontes bibliográficas os livros [...], as publicações periódicas (jornais, revistas, panfletos), páginas de websites, relatórios de simpósios/seminários, anais de congresso etc.” (SANTOS, 2000, p. 29).

Do portal Porvir, inventariamos no primeiro semestre de 2019 todas as notícias sobre formação continuada de professores, em um recorte dos últimos quatro anos (2016 até 2019). Após esse filtro, obtivemos 10 notícias, que formaram o corpus de análise. “O ‘corpus’ da análise textual, sua matéria-prima, é constituído essencialmente de produções textuais. Os textos são entendidos como produções linguísticas, referentes a determinado fenômeno e originadas em determinado tempo e contexto”. (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 16).

Para geração de dados foi adotado como instrumento uma ficha de leitura, a fim de identificar de cada notícia: local da formação, promotor da formação, objetivo da formação, percurso da formação continuada - neste último item em particular, analisamos o emprego das tecnologias nos percursos formativos.

Para análise dos dados gerados, empregouse o método da Análise Textual Discursiva (ATD). Conforme Moraes e Galiazzi (2011, p. 89) “nesse processo constroem-se estruturas de categorias, que ao serem transformadas em textos, encaminham descrições e interpretações capazes de apresentarem novos modos de compreender os fenômenos investigados.” Deste modo, inicialmente realizamos um movimento que partiu da construção de categorias para proceder à análise dos dados; assim, “as categorias são deduzidas das teorias e servem de fundamento para a pesquisa” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 23). Em seguida, buscamos interpretar o lugar das tecnologias nas práticas formativas analisadas. Desse processo, originaram-se categorias emergentes, “por um processo de comparar e contrastar constante entre as unidades de análise, o pesquisador vai organizando conjuntos de elementos semelhantes [...]. Este é um processo indutivo, de caminhar do particular para o geral [...]”. (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 24).” No Quadro 1 elencamos as categorias de análise a priori e, com destaque (cinza), as categorias emergentes:

Quadro 1 Categorias de análise a partir dos fundamentos teóricos 

CATEGORIZAÇÃO DOS DADOS A PARTIR DOS FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Unidades de análise Categorias Autores


Inovação educacional
Amplitude Institucional

Arias (2016)
Facultativa
Intensidade da Mudança Marginais
Adicionais
Fundamentais



Formação continuada docente


Desenvolvimento
Profissional
Práticas

Nóvoa (2009)
Profissão
Pessoa
Partilha
Público
Modalidade de
formação docente
Figura do professor Davis, Nunes e Almeida (2011)
Desenvolvimento das equipes escolares e das escolas




Lugar da Tecnologia
Como fim Para uso/implementação da tecnologia na prática do professor



Kenski (2003,
2015, 2018)


Como meio

Para recurso/ meio para a formação docente
Composição de uma comunidade aprendente
Desenvolvimento da autonomia docente
Alinhamento ao tempo e às necessidades sociais e educacionais (cultura digital)

Fonte: Elaborado pela autoras.

Práticas de formação continuada docente inovadoras

No Quadro 2 apresentamos as notícias inventariadas e os códigos pelos quais serão designadas as práticas formativas (PF) ao longo das análises:

Quadro 2 Práticas de formação continuada docente inovadoras divulgadas no site Porvir 

CÓDIGO TÍTULO DA NOTÍCIA
PF1 Bienal do Livro Rio abre espaço para formação de professores
http://porvir.org/bienal-do-livro-rio-abre-espaco-para-formacao-de-professores/
PF2 Programa forma professores dentro da escola para estimular inovação
http://porvir.org/programa-forma-professores-dentro-da-escola-para-estimular-inovacao/
PF3 Plataforma apoia o desenvolvimento integral do professor
http://porvir.org/plataforma-apoia-o-desenvolvimento-integral-do-professor/
PF4 Projeto Amplifica leva formação mão na massa para professores e gestores http://porvir.org/projeto-amplifica-leva-formacao-mao-na-massa-para-professores-e-gestores/
PF5 Inspirado na Escola da Ponte, projeto forma educadores para serem mediadores http://porvir.org/inspirado-na-escola-da-ponte-projeto-forma-educadores-para-seremmediadores/
PF6 Professores compartilham experiências em programa de formação continuada http://porvir.org/professores-compartilham-experiencias-em-programa-de-formacaocontinuada/
PF7 Laboratório prepara professor para usar tecnologia e metodologias inovadoras http://porvir.org/laboratorio-prepara-professor-para-usar-tecnologia-metodologiasinovadoras/
PF8 Educadoras criam kit pedagógico para ajudar na formação docente
http://porvir.org/educadoras-criam-kit-educacional-para-ajudar-na-formacao-docente/
PF9 Plataforma oferece caminho personalizado para formação de professores http://porvir.org/plataforma-oferece-caminho-personalizado-para-formacao-de-professores/
PF10 Estudo de caso leva prática para formação continuada
http://porvir.org/estudo-de-caso-leva-pratica-para-formacao-continuada/

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de dados do portal Porvir.

Em relação ao local de formação, identificouse que quatro práticas de formação continuada docente (PF2, PF4, PF5 e PF6) adotam a escola como lócus de formação. Tal fato está em consonância com as atuais discussões de formação continuada, pois “é na escola e no diálogo com os outros professores que se aprende a profissão” (NÓVOA, 2009, p. 30, grifo nosso). Igualmente, Davis, Nunes e Almeida (2011) enfatizam a importância da escola como o lugar de formação continuada e permanente, envolvendo todos os participantes em um clima de colaboração.

As formações continuadas realizadas fora da escola ocorreram em diferentes contextos; por exemplo, a PF1 ocorreu na 19ª Bienal do Livro no Rio de Janeiro e a PF7 ocorreu no Espaço de Formação e Experimentação em Tecnologias para Professores - Efex em Blumenau. Embora, como discutido anteriormente, a escola deva ser o principal local para formação docente, também Nóvoa (2017, p. 1121-2) destaca que “facilmente se compreende que os professores, como pessoas, devem ter um contacto regular com a ciência, com a literatura, com a arte. É necessário ter uma espessura, uma densidade cultural, para que o diálogo com os alunos tenha riqueza formativa.” Assim, pressupomos que ao participar de percursos formativos em outros espaços, os professores podem ampliar repertórios científicos e culturais que lhes permitam desenvolver-se mais integralmente, com reverberações para sua prática docente. Como se pode notar em uma das práticas formativas analisadas (PF7) em que se busca: “Um espaço para o professor compartilhar ideias, aprender na prática e sair pronto para mudar a dinâmica de sua própria sala de aula. Assim é o EfeX (sigla para Espaços de Formação e Experimentação em Tecnologias para Professores), o laboratório de criatividade voltado à formação continuada” (PORVIR, 2021, s.p., grifo nosso).

Para além da escola como contexto de formação, foi possível identificar nas práticas formativas noticiadas que também o espaço virtual foi muito utilizado para a formação do professor, de diferentes maneiras: por meio de plataformas online (PF3, PF9), com a utilização da internet para realizar o pedido do kit pedagógico e fazer parte do grupo de assinantes na rede social (PF8) ou para realizar o download do material para a formação (PF10). Ir além do espaço formal de ensino é também importante no processo de formação continuada, pois atualmente o ato de aprender com as novas tecnologias acontece em qualquer lugar e a qualquer momento, como afirma Kenski (2015, p. 430a): “As inovações tecnológicas se apresentam a todo instante e as incorporamos rapidamente em nossas vidas”.

Sem desconsiderar a importância de diversificar os lugares de formação docente, o destaque para a escola como lugar fundamental para os percursos formativos tem relação também com aspectos da inovação, conforme a amplitude da mudança. Com base na classificação proposta por Arias (2016), interpretamos em PF2, PF4, PF5 e PF6 inovações institucionais, ou seja, que envolvem todos os membros da instituição de ensino. Por outro lado, a maioria das práticas de formação - PF1, PF3, PF7, PF8, PF9 e PF10 - apresentaram inovações facultativas, pois foram promovidas apenas pelo professor ou por um grupo, não abrangendo um projeto coletivo da escola. Destacamos citações que evidenciam a pertinência dessa análise:

  • PF8 - “[...] montagem de kits educacionais, que são enviados para quem assina o material”.

  • PF9 - “Ele entra na plataforma e faz parte de uma comunidade de aprendizagem”.

  • PF3 - “[...] a plataforma ajuda o professor a entender melhor o seu próprio desenvolvimento[...]”.

Entretanto, a inovação que mais tende a promover grandes mudanças na escola é a institucional, pois incide em propostas que envolvem o trabalho coletivo na escola em um projeto comum, como afirmam Nóvoa e Vieira (2017, p. 24, grifo nosso):

Os novos modos de profissionalidade docente implicam um reforço das dimensões coletivas e colaborativas, do trabalho em equipe, da intervenção conjunta nos projetos educativos de escola. Ninguém possui a profissão sozinho. Precisamos de aprender a compor o coletivo docente, construindo “comunidades de prática” que tenham uma ação consistente em processos de inovação pedagógica e de pesquisa, mas também na formação de professores.

Elegemos citações dos percursos formativos noticiados nessa direção das inovações institucionais:

[...] acontecem dentro das escolas, com casos relevantes e alinhados com as prioridades das instituições. (PF6)

[...] vem produzindo encontros para os mais diversos grupos e locais espalhados pelo Brasil. (PF4)

[...] criação de núcleos, quando os educadores voltam para seus locais de origem e se constituem em Núcleos de Projetos de Transformação. [...] última camada é a formação de uma rede pelo conjunto de núcleos. (PF5)

No entanto, refletimos com Imbernón (2009), Nóvoa e Vieira (2017) que, para a escola seja esse lugar de formação continuada é preciso garantir, além da disposição dos professores, condições para seu desenvolvimento.

É inútil apelar à reflexão se não houver uma organização das escolas que a facilite. É inútil reivindicar uma formação mútua, interpares, colaborativa, se a definição das carreiras docentes não for coerente com este propósito. É inútil propor uma formação baseada na pesquisa e em parcerias entre escolas e instituições universitárias, se os normativos legais persistirem em dificultar esta aproximação. (NÓVOA; VIEIRA, 2017, p. 24)

Observamos nas notícias que a organização da iniciativa privada prevalece no desenvolvimento dos percursos formativos divulgados. Segundo Melo (2018, p.75), “a história da educação no Brasil revela que o país apresenta em sua trajetória alguns formatos de educação pública e em todos eles houve a interferência da iniciativa privada”. Percebe-se que essas práticas analisadas são resultadas do aumento das influências do mercado educacional, como ainda ressalta Melo (2018, p.75), “a mercantilização da educação, ou seja, a inserção da ideologia de mercado na educação manifesta-se de algumas formas, dentre elas, a privatização da rede pública de ensino e o incentivo ao crescimento do mercado educacional”. O Estado é o responsável por fornecer condições para que se realize a inovação na escola pública, conforme Carbonell (2002, p. 28):

[...] as inovações têm de ser pensadas, geridas e realizadas autonomamente pelos professores. Qual é, então, o papel do Estado ou de qualquer outro poder público? Basicamente, tomar medidas necessárias de política educativa e dotar a escola pública dos recursos necessários para que os professores possam levar a cabo as inovações sob as necessárias condições de qualidade.

É necessário que o poder público também inove nos modos como tem oferecido formação continuada para seus professores. Davis, Nunes e Almeida (2011) constararam que nas Secretarias de Educação brasileiras predominam práticas de formações de cunho individual, centradas em palestras, cursos de curta e longa duração e oficinas. Esse modelo de formação tem limitações para consolidar as parcerias no interior das escolas, pois não garante aos professores a formação de uma cultura colaborativa nas escolas.

No Quadro 3 apresentamos os objetivos das práticas de formação continuada docente divulgadas no Porvir como inovadoras, com destaque para o foco/tema da formação.

Quadro 3 Objetivos das práticas de formação docente 

CÓDIGO OBJETIVO (FOCO EM NEGRITO)
PF1 Criar um espaço para aperfeiçoamento profissional para compartilhar inovações, métodos alternativos e boas práticas educacionais, considerando práticas diferenciadas de leituras.
PF2 Apoiar a implementação de uma cultura digital; reforçar práticas já desenvolvidas pelos profes-
sores; estimular colaboração entre os profissionais da instituição.
PF3 Promover a troca de experiências, compartilhar boas práticas de ensino e oferecer uma jornada formativa para apoiar o desenvolvimento integral do professor.
PF4 Inspirar os profissionais para que entrem fundo na transição para o digital e incorporem à sua
prática uma nova cultura, que inclui ferramentas e recursos tecnológicos.
PF5 Unir, preparar e apoiar educadores interessados em fazer a transição do modelo tradicional de transmissão de conhecimentos para a prática da mediação educativa, que incentiva a aprendizagem pelo desenvolvimento de projetos.
PF6 Pensar um currículo que faça a mediação da aquisição não só de conhecimentos, mas principalmente o desenvolvimento de competências.
PF7 Mostrar caminhos possíveis para o uso concreto de tecnologias no cotidiano escolar;
Experimentar tecnologias e cocriar planos de aula que contemplem o uso das tecnologias.
PF8 Facilitar a interlocução virtual de professores no país inteiro com materiais sobre novas metodologias e inovações educacionais, suprindo uma demanda de professoras que não podem comparecer aos encontros presencialmente para sua formação continuada.
PF9 Incentivar que os professores possam trilhar o seu próprio caminho formativo, por meio da autoavaliação e troca de experiências.
PF10 Desenvolver formação continuada a partir de estudo de caso (casos de ensino), sobre práticas da escola, publicadas em um livro.

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de dados do portal Porvir.

Com base nos objetivos, pode-se analisar que tipo de inovação as práticas de formação continuada podem trazer à escola. De acordo com Arias (2016), determinados tipos de inovação são definidos conforme a intensidade da mudança no sistema educativo, pois variam pelo nível de participação e aceitação da inovação no ambiente escolar. Nessa direção, Arias (2016) classifica as inovações educacionais em marginais, adicionais e fundamentais.

Inferimos que as práticas de formação continuada noticiadas, em vista de seus objetivos, poderiam contribuir especialmente para inovações marginais e adicionais. PF1, PF8, PF10 reúnem objetivos para formação continuada docente com propostas para mudanças/melhorias cujos principais focos são, respectivamente, “práticas diferenciadas de leituras”; “materiais sobre novas metodologias e inovações educacionais” e “casos de ensino com práticas da escola”. Destacamos alguns excertos das notícias que permitem melhor compreender seus objetivos:

[...] contará com livros especialmente dedicados à educação. [...] ‘Talk das editoras’, momento em que os professores poderão interagir com os produtores de livros didáticos [...]. [...] irá estimular o debate sobre como mesclar o ensino tradicional e o inovador [...]. (PF1)

Em setembro, as professoras que assinaram o material receberam o primeiro kit em suas casas. Ele foi composto pelo livro Linguagens e culturas infantis, da pesquisadora Adriana Friedmann, especialista em primeira infância. (PF8)

Sem apontar certo ou errado e com intenção de colocar o educador diante de dilemas reais [...] reuniram experiências de 22 educadores de escolas rurais e urbanas no livro [...]. Sugere-se a leitura da obra pelo docente que pode aprofundar seus conhecimentos nas experiências de seu interesse. (PF10)

Interpretamos que essas formações continuadas propiciam aos professores o acesso a obras bibliográficas, metodologias, recursos tecnológicos e mídias digitais, em espaços físicos e virtuais (online) de formação. Tais práticas contribuem para, como define Arias (2016), desenvolver inovações marginais que, embora tragam a “novidade”, não deixam claro como o papel do professor e suas concepções de educação são discutidos.

As práticas de formação continuada PF2, PF4 e PF7 têm como foco formar professores para o uso de tecnologias em suas aulas, enquanto PF3 e PF9 objetivam a formação integral do professor, especialmente para aspectos da autoformação.

As quatro células temáticas de inspiração do programa têm o objetivo de reforçar práticas já desenvolvidas pelos professores da escola. São ferramentas metodológicas para que os educadores possam construir, desenvolver, melhorar ou ampliar as práticas que eles desejam [...]. (PF2)

[...] implementar as metodologias e exigências trazidas pela educação neste século, em vez de apenas conhecê-las. (PF4)

Um espaço para o professor compartilhar ideias, aprender na prática e sair pronto para mudar a dinâmica de sua própria sala de aula. (PF7)

[...] as atividades da versão brasileira são sempre voltadas para aplicação em sala de aula. (PF9)

Já PF3 utiliza-se de uma plataforma online para a troca de conhecimento e práticas que estimulam a aplicação na escola: “[...] plataforma estimula o compartilhamento de experiências e a troca de boas práticas”.

A partir do relato dessas práticas de formação continuada interpretamos, com base em Arias (2006), contributos para inovação adicional nas escolas, com foco em melhorias da prática. Não fica evidente nos relatos como esses percursos formativos incentivaram os professores à reflexão acerca de concepções educacionais. Apesar de as práticas PF3 e PF9 objetivarem a autoformação, percebeu-se que o foco era na dimensão pessoal do professor, em detrimento de uma mudança em um contexto escolar de modo mais colaborativo.

Interpretamos que PF5 e PF6 podem ser classificadas como percursos formativos que contribuem para inovações fundamentais, as quais, segundo Arias (2016), trazem amplas transformações nas escolas, na gestão escolar, na organização curricular, nos seus espaços e tempos destinados ao aprender. São aquelas que abrangem de forma mais profunda a organização do sistema de ensino, seus valores e cultura. Altera-se diretamente a metodologia de ensino, o papel do professor, considerando mudanças nas suas concepções de aprender e de educação. Nesta abordagem todos os componentes que envolvem a escola estão conectados, pois visa-se à melhora na qualidade de ensino em novas organizações curriculares e arranjos dos espaços e tempos da escola (ARIAS, 2016). Nessa direção, observamos que a prática formativa PF5 visa essa mudança maior, conforme evidenciado nos seguintes trechos que conclamam a participação dos professores para:

[...] fazer a transição do modelo tradicional de transmissão de conhecimento para a prática da mediação educativa, que incentiva a aprendizagem pelo desenvolvimento de projetos [...] agregar pessoas incomodadas como o sistema [...] implantar uma nova forma de educação num determinado território. (PF5)

Similarmente, a prática PF6 objetiva pela formação continuada a criação coletiva de um novo currículo para escola dos professores envolvidos: “[...] pensar um currículo que faça a mediação da aquisição não só do conhecimento, mas principalmente o desenvolvimento de competências [...]”.

Ainda na análise dos objetivos percebemos que, com exceção da PF6, a maioria das práticas de formação docente utilizam-se da tecnologia, seja direcionando a formação para o uso da tecnologia na escola ou pelo uso da tecnologia na própria formação do professor, por meio de um espaço virtual. São novos tempos, tempos que requerem mudanças nos programas de formação docente para que o professor esteja preparado para acompanhar as transformações da sociedade que impactam em seu ofício. Nóvoa (2009, p.13, grifo nosso) ressalta: “[...] os desafios colocados pelas novas tecnologias que têm vindo a revolucionar o dia a dia das sociedades e das escolas”.

Assim, ao analisar os objetivos das práticas inovadoras de formações continuadas de professores noticiadas no portal Porvir, inferimos que remetem em sua maioria ao emprego de tecnologias na escola e, por isso, são desenvolvidas em consonância com esse princípio, ensejando que os professores também aprendam por meio delas, em contextos físicos ou virtuais. No entanto, interpretamos pelos relatos (breves) que o foco em munir os professores de “novidades” para as mudanças no ensino caracteriza práticas inovadoras marginais ou adicionais, com reflexos em práticas mais individuais dos professores cursistas, que reverberam em pouco impacto de inovação na escola ou em uma rede de ensino.

Para realizar a interpretação dos percursos formativos descritos nas práticas formativas inventariadas3 recorreu-se aos princípios propostos por Nóvoa (2009) para formação docente, que nessa pesquisa tornaram-se categorias a priori de análise: Práticas; Profissão; Pessoa; Partilha e Público.

Nas análises, o princípio que se ressaltou nos percursos formativos foi Partilha.Nóvoa (2009) considera que a colaboração entre os docentes amplia a capacidade de diálogo e contribui para a formação do grupo e a mudança (inovação) na escola. Destacamos alguns excertos nessa direção:

a plataforma estimula o compartilhamento de experiências e a troca de boas práticas [...] (PF3)

[...] os indivíduos se encontram e compartilham o mesmo propósito, de implantar uma nova forma de educação num determinado território.

A ideia é que os grupos se relacionem localmente e também com as outras comunidades. (PF5)

Além dos trechos das práticas de formação docente citadas acima, outros também se destacam nas notícias dos percursos, como:

[...] serão escolhidos educadores para serem mentores e contribuírem com o planejamento coletivo dos colegas. (PF2)

[...] cada professor preparou uma oficina/laboratório para exemplificar para outros docentes da escola como é o processo de desenvolvimento de competências na sua sala de aula. (PF6)

[...] compartilhar as melhores práticas e planos de aula desenvolvidos nas formações. [...] poderão compartilhar o que aprenderam com seus colegas. (PF7)

[...] um espaço destinado à discussão da temática do mês e de compartilhamento de boas práticas. (PF8)

Durante as aulas, eles também são incentivados a trocar experiências e receber sugestões de outros colegas. (PF9)

Nessa direção, interpretamos que as práticas formativas vão ao encontro do que Nóvoa (2009, p.41) propõe: “a formação de professores é essencial para consolidar parcerias no interior e no exterior do mundo profissional e para reforçar o trabalho cooperativo dos professores”. Ainda, inferimos que a promoção de percursos formativos que incentivem a parceria, o trabalho colaborativo, contribui para processos de inovação na escola. De acordo com Carbonell (2002, p. 31), a colaboração é um dos principais componentes da inovação, por isso “enraíza-se onde existe uma equipe docente forte e estável com uma atitude aberta à mudança e com vontade de compartilhar objetivos para a melhoria ou a transformação da escola”.

Outro aspecto a ser destacado é que, nas práticas PF3, PF8 e PF9, as tecnologias digitais possibilitavam ampliar o princípio da Partilha da formação continuada. Como destaca Kenski (2015, p.438a), os professores organizados em redes: “Aprendem os princípios e as práticas de como atuar em equipes. Vivenciam e incorporam novas formas de ensinar e aprender mediadas por tecnologias de colaboração e interação”.

Práticas foi o segundo princípio que mais se evidenciou nos relatos das propostas de formação continuada inovadoras. Nóvoa (2009) considera que as práticas escolares devem servir de reflexão e de formação, pois assim se transformam em conhecimento. Nessa perspectiva, as “[...] práticas são investidas do ponto de vista teórico e metodológico, dando origem à construção de um conhecimento profissional docente” (NÓVOA, 2009, p. 33). Constatamos que os percursos formativos, em sua grande maioria, estão em consonância com esse princípio:

Nós partimos da natureza de entender o que já existe dentro da escola que pode emergir enquanto semente da inovação. (PF2)

[...] parte-se das necessidades, desejos e sonhos dos educadores [...]. (PF5)

[a partir da divulgação do livro] com casos relevantes e alinhados com as prioridades das instituições. [...] envolver equipes de professores na resolução de problemas reais, específicos e oriundos das suas práticas. (PF6)

[...] ofereça materiais para professores de cursos de formação inicial e continuada analisarem a prática. Existe espaço para teoria, mas deve haver uma mudança no equilíbrio de predominantemente teórico para predominantemente prático com base teórica. (PF10)

Com isso, interpretamos que as práticas formativas identificadas contribuem para que os professores repensem, aperfeiçoem e reflitam sobre as suas próprias práticas educativas e as de seus pares. O professor, refletindo sobre sua prática e sobre si mesmo, potencializa mudanças em seu modo de agir pois, segundo Blanco e Messina (2000), uma mudança de concepção e prática é uma das características fundamentais para inovação escolar.

No princípio Profissão, segundo Nóvoa (2009), os docentes experientes devem possuir a oportunidade de expor suas vivências e experiências para os docentes iniciantes no processo de formação entre pares. Embora em nenhuma notícia tenham se destacado práticas formativas que contemplem diferentes fases do ciclo profissional - por exemplo, início ou fim de carreira -, observamos experiências que valorizaram os próprios docentes como protagonistas nos percursos formativos de seus pares:

[...] um professor selecionado pela organização do evento faz uma apresentação, que tem o intuito inspirar o público. (PF4)

[...] observação dos próprios colegas ensinando e utilizando técnicas de alto impacto na aprendizagem e o desenho colaborativo de soluções curriculares e extracurriculares. (PF6)

[...] as educadoras associadas também podem participar de um grupo fechado no Facebook [...]. (PF8)

Essas práticas evidenciam o professor dialogando, trocando experiências e aprendendo de forma conjunta, com seus pares e outros profissionais da Educação, em consonância com o princípio do P - Profissão. Nóvoa (2009, p. 37) menciona que “[...] insisto na necessidade de devolver a formação de professores aos professores, porque o reforço de processos de formação baseadas na investigação só faz sentido se eles forem construídos dentro da profissão”.

Com relação ao princípio Pessoa, Nóvoa (2009) ressalta que na relação de ensino não está em jogo apenas a dimensão cognitiva, mas também a humana, pois quando o professor entra em sala de aula a pessoa humana que existe dentro dele também se faz presente, não se separa, por completo, o pessoal do profissional. É fundamental conhecer a si mesmo e realizar uma autoavaliação e reflexão para reconhecer sua identidade como profissional. Pudemos identificar esta dimensão especialmente nas seguintes práticas formativas noticiadas:

[...] desenvolver não apenas profissionalmente, mas também individualmente. [...] entender melhor seu desenvolvimento [...]. [...] passam por quatro jornadas que trabalham emoções, mente, corpo e propósito [...]. (PF3)

[...] ressignificar como pessoas e como profissionais. [...] começam a ter dispositivos para desenvolver o socioemocional. (PF5)

Cada um pode focar naquilo que tem mais interesse e ver quais são os seus gaps [lacunas] de formação. [...] professor possa trilhar o seu próprio caminho formativo. (PF9)

Os trechos apresentados demonstram que a prática formativa olha também para a dimensão da pessoa do professor. Nóvoa (2009, p.40) reforça: “A formação deve contribuir para criar nos futuros professores hábitos de reflexão e de auto-reflexão que são essenciais numa profissão que não se esgota em matrizes científicas ou mesmo pedagógicas, e que se define, inevitavelmente, a partir de referências pessoais”. Nesta lógica destaca-se especialmente a prática formativa PF3, que apresenta a plataforma virtual Vivescer, apoiando o desenvolvimento integral do professor a partir de competências socioemocionais de modo que possam depois empregá-las também no cotidiano escolar. Tais práticas corroboram com a noção defendida por Amorim, Santos e Castañeda (2012, p. 124) de que “a inovação, como produto de uma prática humana significativa, não pode ocorrer em uma esfera abstrata, deslocada da vida dos sujeitos, e, no caso da educação, dos estudantes, dos professores e dos gestores”.

O princípio que não se identificou em nenhuma das práticas formativas noticiadas foi Público. Nóvoa (2009) enfatiza que os programas de formação de professores devem desenvolver os professores para comunicar à sociedade o seu trabalho desenvolvido dentro da escola e incentivar a participação dos docentes em espaços públicos. Manifestar-se, ter visibilidade social, para ser valorizado.

Esse princípio apontado por Nóvoa (2017, p. 1129) tem também relação direta com processos de pesquisar e publicar. “Uma profissão que não se escreve também não se inscreve, nem se afirma publicamente”. Assim, concluímos que uma formação continuada inovadora precisa também privilegiar o princípio do Público, na divulgação das práticas educativas e saberes desenvolvidos pelos professores. Com isso, divulga-se a inovação e pode-se ampliar seu potencial para outras realidades escolares.

Além dos princípios propostos por Nóvoa (2009), outro ponto analisado nas práticas de formação continuada docente noticiadas é a modalidade de formação adotada. Para isso, baseamo-nos no trabalho realizado pela Fundação Carlos Chagas, coordenado por Davis, Nunes e Almeida (2011). A primeira modalidade foca na figura do professor e a segunda direciona-se para o desenvolvimento das equipes escolares e das escolas. Evidenciamos nas análises que a maior quantidade de práticas centram-se na figura do professor, privilegiado em PF1, PF3, PF7, PF8, PF9 e PF10. Essas práticas apresentam o foco maior no professor para que esse profissional possa aprimorar sua prática e construir novos conhecimentos, partindo dos seus interesses e conhecimento, de situações vivenciadas e de conhecer a si mesmo (autoformação). Citamos exemplos: “[...] o professor possa trilhar o seu próprio caminho formativo” (PF9) e “Ao longo da leitura, é fácil dizer ‘isso já aconteceu comigo, na minha escola ou na minha aula’.” (PF10).

As práticas PF1, PF3, PF8, PF9 e PF10 são formações nas quais o professor tem a opção de escolher se deseja ou não realizar/participar. Davis, Nunes e Almeida (2011, p.16) ressaltam “[...] a formação continuada é central para o desenvolvimento subjetivo e profissional dos professores e faz parte de um projeto pessoal, como uma escolha necessária para que se possa dar sentido e valor à atividade docente”. Ainda dentro dessa modalidade as autoras destacam que “[...] a busca por aprimoramento é marcada pela aspiração de ganhar novos conhecimentos, de superar desafios, de empreender mudanças no conhecido e no familiar”. (DAVIS; NUNES; ALMEIDA, 2011, p.19). O foco dessa modalidade é mais o professor, e não o fortalecimento de grupos de professores e desenvolvimento da instituição; é uma formação individual, e não coletiva.

Davis, Nunes e Almeida (2011) evidenciam dentro dessa modalidade a abordagem de déficit, pois esse modelo visa suprir a falta (déficit) de conhecimentos que não foram trabalhados ou não foram aprofundados na formação inicial do professor. Por conseguinte, esses conhecimentos devem ser trabalhados de forma mais intensa, englobando professores experientes e professores iniciantes, e geralmente as propostas são elaboradas por outros agentes, sem incluir as considerações dos professores. Os autores enfatizam que muitas vezes as formações são criadas em um único formato, pois “[...] a meta é atingir o conjunto dos professores, independentemente de seu sexo, de sua idade, de seu tempo de experiência, da disciplina que ministra e de seus interesses”. (DAVIS; NUNES; ALMEIDA, 2011, p.18).

Já PF2, PF4, PF5 e PF6 pertencem à modalidade que se direciona para o desenvolvimento das equipes escolares e das escolas. É visível nessas práticas o objetivo de desenvolver a equipe de docentes e, consequentemente, a instituição. Dentro dessa modalidade destacamos o coordenador pedagógico como principal responsável pelos processos de formação continuada nas escolas. A única prática formativa que ressaltou a participação do coordenador foi a PF2, como se pode notar no excerto: “A gente não queria nenhum pacote pronto, e foi aí que eles entram para nos ajudar”, diz Ricardo Francisco, membro do conselho de gestão da escola e diretor pedagógico de ensino fundamental 2 e ensino médio” (PF2).

Essa modalidade de formação continuada é a que mais impulsiona inovações dentro da escola, principalmente, como destaca Arias (2016), as inovações fundamentais, que visam a uma maior mudança na escola, sendo também inovações institucionais, que englobam um maior número de integrantes. Davis, Nunes, Almeida (2011, p. 26) afirmam que “só faz sentido propor programas de Formação Continuada se eles forem capazes de desencadear mudanças pertinentes e necessárias nas escolas, capazes de auxiliá-las a atender mais e melhor sua clientela”.

E o lugar das tecnologias nas formações continuadas inovadoras? Em uma síntese dos aspectos destacados ao longo do texto, pode-se inferir que as tecnologias digitais só não estiveram presentes explicitamente na PF6, embora a respectiva notícia mencione que a formação continuada se deu a partir de métodos ativos. Assim, pressupomos que o caráter de inovadora da formação continuada docente dá-se num binômio com a tecnologia. Nas dez práticas analisadas, as tecnologias ocuparam especialmente dois lugares: formação continuada para o uso/implementação da tecnologia na prática do professor e como recurso/meio para a formação docente.

No primeiro lugar, diferentes tecnologias digitais são apresentadas aos professores para conhecerem, experimentarem nos cursos e debaterem sobre o assunto, com o propósito de que eles refletissem sobre a sua utilização em suas práticas pedagógicas. Algumas formações tiveram como foco a incorporação das tecnologias na prática do professor (PF2, PF4 e PF7) enquanto outras tiveram como conteúdo e discussão o tema da tecnologia (PF1 e PF9). Esse lugar da tecnologia é evidente nos trechos das notícias:

Os conteúdos [do curso de formação] são divididos em cinco eixos temáticos: revisão curricular, formação geral, desenvolvimento pessoal, uso de tecnologias digitais e gestão escolar. (PF9)

[...] é mostrar caminhos possíveis para o uso concreto de tecnologias no cotidiano escolar. (PF7)

[...] transição para o digital e incorporem à sua prática uma nova cultura, que inclui ferramentas e recursos tecnológicos. (PF4)

[...] para apoiar a implementação de uma cultura digital entre educadores [...]. (PF2)

Em tempos de rápidas mudanças tecnológicas, o evento também irá estimular o debate sobre como mesclar o ensino tradicional e o inovador, além de apresentar experiências e ferramentas para apoiar o trabalho do professor. (PF1)

Por sua vez, o segundo enfoque teve como objetivo o uso das tecnologias no percurso formativo, como lugar de acesso a plataforma/grupo (PF3, PF8 e PF9), como meio de acesso ao conteúdo (PF10), como forma de assinatura do material (PF8) e, por fim, como meio de acompanhamento dos formadores (PF5). Destacam-se as práticas nessa seguinte perspectiva:

A equipe da empresa promove encontros presenciais e faz acompanhamento virtual. (PF5)

O título tem distribuição gratuita e está disponível para download [...]. (PF10)

[...] montagem de kits educacionais, que são enviados para quem assina o material. [...] as educadoras associadas também podem participar de um grupo fechado no Facebook [...]. (PF8)

Ele entra na plataforma [online] e faz parte de uma comunidade de aprendizagem. (PF9)

Já no espaço da comunidade, a plataforma [online] estimula o compartilhamento de experiências e a troca de boas práticas. (PF3)

Nesse sentido, observamos as diferentes formas de utilização das tecnologias para o processo de formação docente, como defende Kenski (2015, p. 427):

[...] na incorporação de propostas educacionais que têm, por meio do acesso e uso fluente dos múltiplos meios digitais de comunicação, a possibilidade de transpor os limites físicos e temporais das salas de aula e alcançar as pessoas que querem, que têm interesse, e estão conectadas na mesma sintonia, independentemente do tempo e do espaço em que se encontram.

Elaborar propostas para que os professores possam, de forma independente, acessar e realizar os processos formativos contribui para desenvolver sua autonomia e aperfeiçoar seu conhecimento com base em suas reais necessidades. Em PF1, PF3, PF5, PF8, PF9 e PF10 observamos que a proposta de formação é de livre adesão dos professores e que também podem selecionar os conteúdos nos quais querem se aprofundar, como expresso nos seguintes trechos:

A plataforma [...] aposta na autoavaliação e na troca de experiências para incentivar que o posso possa trilhar o seu próprio caminho formativo. [...] Cada um pode focar naquilo que tem mais interesse e ver quais são os gaps [lacunas] de formação. (PF9)

[...] utiliza o próprio ambiente escolar como espaço de formação para estimular a autonomia dos educadores. (PF2)

[...] incentiva o desenvolvimento autônomo dos participantes. (PF5)

Conforme Imbernón (2009) e Hernández et al. (2000), os programas de formações inovadores precisam incentivar a inovação por meio de uma organização em que o docente possua uma posição ativa no processo. Nessa direção, o professor é percebido no papel de protagonista na formação, que reflete e desenvolve práticas educativas em acordo com necessidades e oportunidades do seu contexto escolar. Nóvoa (2009) considera importante o professor estudar, refletir e aprimorar sua prática, para que assim consiga realizar mudanças no contexto educativo que está inserido. Com base nessa análise, percebemos como categoria emergente do uso das novas tecnologias na formação continuada o desenvolvimento da autonomia docente.

Evidenciamos nos processos a preocupação de unir os professores com a preocupação de estimular o diálogo, partilha e reflexão. Assim, almejava-se conectar os docentes de uma forma que possibilitasse a criação de um coletivo que tivesse em comum inquietações e necessidades - vínculo esse impulsionado pelos meios tecnológicos. Dessa forma, a composição de uma comunidade aprendente é ainda mais possível. Esse movimento é visível nos seguintes fragmentos:

Ele entra na [plataforma] e faz parte de uma comunidade de aprendizagem. (PF9)

A segunda camada envolve a criação das chamadas Comunidades de Aprendizagem, em que os indivíduos se encontram e compartilham o mesmo propósito [...]. (PF5)

as educadoras associadas também podem participar de um grupo fechado no Facebook [...]. (PF8)

Já no espaço da comunidade, a plataforma estimula o compartilhamento de experiências e a troca de boas práticas. (PF3)

Tais práticas estão de acordo com princípios da inovação institucional, pois colaboram para realizar mudanças da cultura da escola, ao incidir em propostas que envolvem o trabalho coletivo em um projeto comum pois, como reforçam Nóvoa e Vieira (2017, p. 24) “ninguém possui a profissão sozinho. Precisamos de aprender a compor o coletivo docente, construindo ‘comunidades de prática’ que tenham uma ação consistente em processos de inovação pedagógica e de pesquisa, mas também na formação de professores”.

Essa forma de organização é destacada por Kenski (2015, p.438a) como a constituição de redes, na qual os professores “aprendem os princípios e as práticas de como atuar em equipes. Vivenciam e incorporam novas formas de ensinar e aprender mediadas por tecnologias de colaboração e interação”. A autora ainda enfatiza que “a cultura contemporânea está ligada à ideia de interconexão e de inter-relação entre as pessoas, e delas com os mais diversos espaços virtuais de produção e disponibilização de informações”. (KENSKI, 2015, p. 431a).

Considerar a inserção da cultura digital na formação do futuro professor quanto dos atuantes nas escolas é fundamental para o momento presente, no qual precisamos buscar novos caminhos e vislumbrar novas oportunidades. “Na atualidade, as tecnologias digitais oferecem novos desafios. As novas possibilidades de acesso à informação, interação e de comunicação, proporcionadas pelos computadores (e todos os seus periféricos, as redes virtuais e todas as mídias), dão origem a novas formas de aprendizagem” (KENSKI, 2003, p. 4). As novas formas de construir conhecimento demandam a conexão com as exigências da sociedade atual. Nesse sentido, evidenciamos os seguintes pontos nas notícias das práticas analisadas:

[...] chama a atenção para o fato de que o educador deve estar em constante atualização. (PF9)

Um espaço para o professor compartilhar ideias, aprender na prática e sair pronto para mudar a dinâmica de sua própria sala de aula. (PF7)

[...] entender como poderiam implementar as metodologias e exigências trazidas pela educação neste século, em vez de apenas conhecê-las. [...] as práticas precisam ser revistas até mesmo por conta do avanço dos grandes grupos na área da educação. [...] As tecnologias chegaram, não tem mais para onde correr. (PF4)

[...] para repensar práticas e identificar novas possibilidades de atuação. (PF2)

Em tempos de rápidas mudanças tecnológicas, o evento também irá estimular o debate sobre como mesclar o ensino tradicional [...]. (PF1)

Os professores encontrando-se em constante processo de aperfeiçoamento contribuirão para promover mudanças na escola em busca de enfrentar os desafios exigidos para se atingir um ensino de qualidade. Elencamos, então, por meio dessa análise, outra categoria emergente: processos formativos alinhados ao tempo e às necessidades sociais e educacionais (cultura digital).

Para que se atinjam os objetivos e não se perca a direção da inovação, é essencial que se tenha uma ligação com as construções conceituais e a maneira de agir do docente, além de sua aceitação e ações favoráveis. Os professores, reconhecendo que há uma outra forma de agir, adaptam e modificam sua prática, aprimorando suas próprias compreensões e competências profissionais (HERNÁNDEZ et al., 2000).

Importante ressaltarmos a compreensão de que não é só a formação dos professores que garantirá a qualidade das práticas educativas. Recorrendo a Imbernón (2009), é preciso entender que dimensões ligadas às condições de trabalho e o reconhecimento profissional são igualmente importantes. Trata-se de uma visão mais ampla, que implica “analisar a formação como elemento de luta pelas melhorias sociais e profissionais e como promotora do estabelecimento de novos modelos relacionais na prática da formação e das relações de trabalho” (IMBERNÓN, 2009, p. 49).

Isso é fundamental para que a inovação não se transforme em apenas um adjetivo, pois como destaca Carbonell (2002, p. 20), “outras vezes, a inovação é um simples rótulo, pois já se sabe que na educação, como em outros âmbitos sociais, é muito comum mudarem-se apenas os nomes das coisas e deixar tudo exatamente igual”.

Considerações finais

Com a pesquisa pode-se concluir que as práticas de formação continuada docente divulgadas no portal Porvir como inovadoras podem efetivamente ser caracterizadas como tal. Embora em sua maioria centrados na figura do professor, seus percursos formativos abrangem estratégias, como mobilizar a reflexão e a melhoria da prática com uso de tecnologia e metodologias ativas; a partilha de experiências; o cuidado com a pessoa do professor e a profissionalidade docente. Fica evidente nos percursos noticiados o papel do professor no lugar de protagonista, agente de sua formação.

Quando interpretadas as inovações que esses percursos formativos mobilizam, concluímos que o foco é para as inovações marginais e adicionais, ou seja, mudanças que incidem em uso de novas metodologias de ensino, especialmente com uso de tecnologias digitais, com foco na aprendizagem dos estudantes. Nessa direção, avalia-se que apenas duas práticas formativas analisadas desenvolvem percursos formativos com a promoção de inovações fundamentais e institucionais, ou seja, em uma mudança no contexto profissional a partir do fortalecimento de uma equipe escolar que reflete acerca de suas concepções educativas, investiga suas práticas e busca melhorias na sua escola. Nessa perspectiva, o emprego das tecnologias amplia-se do lugar de meio para ensinar e colabora para a criação de uma cultura digital na escola.

É importante destacar que para compreender as características de uma formação continuada de professores realmente “inovadora” não se pode apenas considerar a descrição do seu percurso formativo, distante do contexto da prática educativa e profissional dos professores em formação, a escola. Portanto, mais do que mapear essas práticas formativas, sugerimos prolongar estudos que visem investigar os efeitos da formação docente e suas relações com as tecnologias digitais nas aprendizagens dos estudantes. Entendemos que esse processo tem que considerar um tempo para análise dessas correlações, mas é assim que se pode realmente inferir uma inovação proveniente da formação continuada.

Por outro lado, com a pesquisa concluímos que já existem práticas formativas no Brasil, divulgadas pelo Portal Porvir, que valorizam o professor como protagonista, colaborativo, reflexivo, criativo, crítico em seus percursos formativos e de seus pares, quando conhecem e refletem sobre o emprego de tecnologias em suas práticas e seus próprios processos de (auto)formação. Pressupomos que existam muitas mais, no entanto, carecem de meios virtuais para divulgá-las. Daí um compromisso também para as instituições formadoras, universidades e Secretarias de Educação: criarem seus canais de comunicação com o público, para divulgarem o que já está acontecendo na formação continuada de seus professores e inspirar outras práticas inovadoras.

Diante disso, é importante pesquisar essa temática, para que se sistematizem conhecimentos científicos que contribuam para escolas e instituições formadoras encontrarem novas estratégias para alcançar melhorias na educação, considerando a formação dos professores e as aprendizagens de seus estudantes em novos percursos e lugares com tecnologias, a fim de produzir inovações. Inferimos que, mesmo em um contexto de inovação, as práticas de formação docente investigadas não atingem a totalidade das instituições educativas, especialmente as públicas, tampouco apresentam reverberações para políticas públicas. É preciso criar condições nos sistemas educacionais para que a inovação aconteça.

2 Em buscas na BDTD IBICT e Portal de Teses CAPES, no ano de 2019, com os descritores inovação AND formação continuada docente OR de professores foram localizadas apenas duas teses (FERREIRA, 2013; PINTO, 2008) e três dissertações (FIGUEIRÊDO, 2008; MATOS, 2010; MACEDO, 2011).

3 Como a descrição das práticas formativas ocuparia muito espaço no artigo, sistematizamos essas informações em outro documento; caso o leitor tenha interesse, pode ter acesso em: https://drive.google.com/file/d/15otmnB0n2bgk04cAvIJlPeHZBuE9XPr8/view?usp=sharing.

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Recebido: 19 de Abril de 2021; Aceito: 10 de Novembro de 2022

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Doutoranda em Educação (UDESC); Mestre em Educação (UDESC); licenciada em Pedagogia (FURB), Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: arlinethome@gmail.com

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Doutora em Educação Científica e Tecnológica (UFSC). Professora na Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, Santa Catarina, Brasil. E-mail: danitomiobr@gmail.com

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Esta pesquisa, em acordo com a RESOLUÇÃO Nº 510, DE 7 DE ABRIL DE 2016, que dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, não precisou ser registrada, nem avaliada pelo sistema CEP/CONEP, por tratar-se de uma “II - pesquisa que utilize informações de acesso público”. No entanto, adotou-se o rigor ético com os dados online, em conformidade com a política do contexto investigado “Portal Porvir - Inovações em Educação”, que permite: “1. O conteúdo produzido pelo Porvir pode ser reproduzido, em partes ou na íntegra, desde que seja publicado com a mesma licença [Licença Pública Creative Commons Atribuição-Não Comercial-Compartilha Igual 4.0 Internacional] e não seja usado para fins comerciais. 2. As republicações de textos ou infográficos devem incluir o nome do autor e o crédito para o Porvir, além do link para o conteúdo original” (https://porvir.org/sobre-nos/).

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