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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

versão impressa ISSN 0104-7043versão On-line ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.32 no.70 Salvador abr./jun 2023  Epub 29-Ago-2023

 

Editorial

APRESENTAÇÃO

José Leonardo Rolim de Lima Severo1  *
http://orcid.org/0000-0001-5071-128X

Dinora Tereza Zucchetti2  **
http://orcid.org/0000-0002-7122-1025

1Universidade Federal da Paraíba

2Universidade Feevale


As experiências de implementação de modelos de Escola em Tempo Integral têm se proliferado intensamente no Brasil em decorrência de um movimento discursivo de institucionalização da Educação Integral como princípio pedagógico para o desenvolvimento curricular nas políticas de Educação Básica.

O Plano Nacional de Educação (2014-2024), a Base Nacional Comum Curricular e o Novo Ensino Médio, por exemplo, expressam como tem se construído um discurso de inovação promissora em torno da Educação Integral no cenário das políticas educacionais no Brasil e da Escola de Tempo Integral como dispositivo institucional que lhe é referente. Contudo, do ponto de vista histórico, as experiências de ampliação do tempo escolar sob o princípio da Educação Integral não configuram circunstâncias específicas da atualidade. O que, no presente, cerca esse fenômeno com elementos contextuais próprios é o caráter inovador creditado à Educação Integral para a superação de fissuras da escola tradicional. A produção de sentido que pauta a ascensão da Educação Integral e em Tempo Integral no debate público sobre a educação decorre, justamente, de um investimento de expectativas de inovação atreladas a uma complexa trama de interesses políticos que a tomam como um credo capaz de aglutinar diferentes objetivos de aprendizagem, dos mais críticos e progressistas aos mais conservadores e (neo)eficientistas.

Como qualquer outra concepção pedagógica, o sentido de Educação Integral emerge de disputas simbólicas e políticas que fazem prevalecer alguns desses objetivos em detrimento de outros, de modo que a análise de experiências de implementação da Escola em Tempo Integral não prescinde de uma abordagem crítica do que se entende como Educação, nas formas de organização dos tempos e espaços formativos, na compreensão de aprendizagem e desenvolvimento humano e na expressão da finalidade social da própria instituição escolar. Desse modo, é preciso desnaturalizar o discurso de Educação Integral para que se possa enxergar os rastros políticos e sociais dos caminhos que a trouxeram à atualidade como um grande paradigma pedagógico, além de compreender o que se anuncia, sob o seu signo, como inovação no interior das escolas ou na perspectiva da intersetorialidade entre as políticas sociais e o trabalho em rede a fim de integrar, no mínimo, duas pontas de um mesmo fio: a educação (sentido lato) e a educação escolar (enquanto sistema oficial, em seu sentido stricto). Isso implica a necessidade de uma Pedagogia Integradora para analisar e propor alternativas para a escola como lócus de articulação de saberes, sujeitos e territórios. Faz-se necessário problematizar a qualidade da educação que se oferece a um território, o que implica considerar perspectivas para o seu desenvolvimento pretendido nos âmbitos social, econômico, cultural e político.

Contudo, pode-se dizer que a tendência de eficientismo social e verticalização curricular que define a formulação das políticas educacionais em curso no Brasil, como a BNCC e o Novo Ensino Médio, nas quais a Educação Integral ocupa lugar central, compromete uma perspectiva de escola que se percebe como integrada a um determinado território social e que nele encontra elementos que contextualizam e dão sentido ao projeto formativo almejado. Igualmente, deslegitima saberes e lógicas educativas que escapam ao domínio de competências, enfraquecendo o protagonismo e a criatividade como princípios de autorias docentes e discentes na construção de experiências educativas mais críticas, dinâmicas e colaborativas com os entre lugares na/para além da escola. Em consequência, essa tendência distancia-se de uma concepção de escola justa e plural uma vez que, ao induzir a padronização curricular, alimenta o fetiche da homogeneização. Cabe questionar, assim, o que tem sido proposto em nome da Educação Integral no discurso oficial, mas também quais são as alternativas viáveis para (re) fundar esse princípio na defesa de uma escola socialmente integradora e pedagogicamente capaz de mobilizar e integrar dimensões do desenvolvimento humano com vistas à formação de sujeitos críticos, participativos e engajados em um projeto de sociedade democrática.

O presente dossiê - que temos a honra de apresentar - foi estruturado pelo objetivo de reunir produções acadêmicas nacionais e internacionais sobre os diferentes sentidos de Educação Integral e suas derivações em experiências de implementação da Escola em Tempo Integral, reconhecendo a pluralidade de enfoques e as contradições inerentes à agenda das políticas educacionais contemporâneas. Dessa forma, os textos que o compõem aportam contribuições significativas para a leitura crítica do lugar construído para a Educação Integral no campo da Pedagogia e na formulação de políticas públicas.

O artigo intitulado Educação Integral e Democracia, de autoria de Renata Gerhardt de Barcelos e Jaqueline Moll, situa o debate na perspectiva das lutas pela democratização da educação escolar no Brasil, percorrendo contribuições de importantes referenciais no debate nacional, a exemplo de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Paulo Freire e Maria Nilde Mascellani. A partir disso, explicita movimentos de construção de políticas para a ampliação da jornada escolar em sua relação com projetos de sociedade. Sara Mónico Lopes, Jenny Gil Sousa e Maria Antónia Barreto, autoras do artigo Educação Permanente, intervenções e desenvolvimento no Ensino Superior, também assumem a Educação Integral como um princípio para a democratização da educação, associando-a à multiplicidade de contextos, sujeitos e estratégias educativas para valorizar experiências de aprendizagem que se refletem em possibilidades de desenvolvimento integral das pessoas. O artigo pauta-se por um estudo de caso da oferta formativa em uma universidade portuguesa.

No artigo Didática e Educação Integral: perspectivas de professoras/es de escolas públicas na Paraíba, José Leonardo Rolim de Lima Severo empreende um argumento sustentando que, como princípio pedagógico, a Educação Integral demanda ser traduzida didaticamente em elementos organizadores do ensino consonantes com a perspectiva de aprendizagem como desenvolvimento integral das pessoas. O autor sistematiza o argumento a partir de pesquisa desenvolvida junto a docentes de escolas públicas no estado da Paraíba, explorando sentidos e modos de ação articulados ao planejamento, às metodologias de ensino e às estratégias de avaliação mobilizadas por 162 sujeitos.

Os sentidos constituem uma categoria central na reflexão desenvolvida por Dinora Tereza Zucchetti e Jeane Félix da Silva, autoras do artigo Sentidos de educação integral de docentes e familiares: uma discussão sobre o direito à educação. A partir do princípio da dialogia, as autoras exploram sentidos atribuídos a experiências de educação integral em duas escolas públicas localizadas na região metropolitana de Porto Alegre que trabalham com jornada escolar de tempo ampliado. Ressalta-se a importância do compromisso ético da escola com o direito a aprender e a relevância de práticas educativas inspiradas por uma pedagogia capaz de integrar sujeitos, saberes e territórios. O mote da construção de relações comunitárias entre a escola e seus contextos se faz presente na reflexão desenvolvida por Rodrigo Manoel Dias da Silva, autor do texto Escola, relações locais e construção de comunidade: ensinar e aprender sobre o território municipal nos anos iniciais da escolarização. O autor discute como o ensino de Ciências Humanas nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em escolas do Rio Grande do Sul aborda o território municipal e relações comunitárias. A base empírica da reflexão advém de dados coletados junto a professoras mediante a realização de entrevistas semiestruturadas. O texto aponta a potencialidade dos saberes das Ciências Humanas na configuração de currículos que ensejem a valorização dos territórios e o engajamento dos atores escolares em projetos de desenvolvimento comunitário, um aspecto da Educação Integral.

A implementação de modelos de escola de tempo integral, ou de “tiempo completo”, como usualmente se utiliza em contextos de fala hispânica, tem desdobrado desafios que impactam as condições de trabalho docente. Assim como constatam pesquisas sobre o trabalho docente em escolas de tempo integral no Brasil, o estudo de Fernando Iván Ceballos Escobar evidencia o paradoxo entre as expectativas de aprendizagem e as condições de trabalho docente em escolas da região de Colima, no México. O artigo intitulado Ampliar el horário y disminuir las condiciones de trabajo docente analisa efeitos trazidos pela implementação da jornada escolar ampliada na vida pessoal e profissional de docentes do Ensino Fundamental. Sob condições que dificultam seu trabalho, as/os docentes tendem a se mobilizar coletivamente na busca por alternativas, embora não sejam suficientemente articuladas para modificar o cenário de políticas públicas. Também o artigo intitulado O trabalho docente no contexto das escolas cidadãs da Paraíba, de Hedgard Rodrigues da Silva e Dalila Andrade Oliveira, colabora com a compreensão sobre os impactos das políticas adotadas no estado paraibano nas dimensões administrativas e pedagógicas das escolas, revelando a influência de discursos privatizantes e de mecanismos de regulação pela via da meritocracia, da responsabilização e da instabilidade do trabalho de professoras/es.

No artigo La educación con perspectiva de género para la formación integral del alumnado, elaborado por Rocio Cárdenas Rodríguez, Gema Otero Gutierrez e Maria Carmen Monreal Gimeno, se discute como o não-enfrentamento da desigualdade de gênero perpetua limitações estruturantes em todas as esferas do processo educativo. Defendendo que a educação para as relações de gênero é uma dimensão nuclear da formação integral na escola, as autoras estabelecem princípios e diretrizes para a construção de estratégias coeducativas marcadas pela não diferenciação de meninas e meninos, garantindo um enfoque inclusivo e cooperativo capaz de desconstruir estigmas sexuais e de gênero.

Experiências de implantação de jornada escolar ampliada e de modelos de escola de tempo integral são analisadas pelos artigos: Programa Mais Educação: indução e descontinuidade, de Carlos A. Diniz Junior e Saraa César Mól; O projeto de educação em tempo integral no estado do Amazonas como garantia do direito à educação como desenvolvimento humano, de Angela M. G. de Oliveira e Zilda Gláucia Elias Franco, e Privatização do currículo e fomento ao empreendedorismo juvenil: uma análise do ensino médio de tempo integral na rede estadual do Rio de Janeiro, de Carlos Soares Barbosa e Filipe Cavalcanti. Os textos convergem para o entendimento de que as políticas que visam implementar modelos de escola de tempo integral e de ampliação de jornada escolar são pautadas por interesses neoliberais que obstacularizam a construção de uma escola atenta ao seu papel de promotora do desenvolvimento humano e da justiça social.

A problemática do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional é tratada por três trabalhos. O artigo intitulado As percepções de docentes sobre o ensino médio integrado: projetos em disputa, de Ana Kelly Arantes, Sandra S. Della Fonte, Talita E. Andrade Soares e Denilson J. Marques Soares, destaca como 1.077 professores/as de 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia se posicionam em torno do ideário que sustenta o ensino praticado nesses Institutos, sinalizando a coexistência de diferentes projetos societários que levam a concepções diversas sobre o trabalho docente e suas relações com questões sociais mais amplas. Já o artigo intitulado A dimensão afetiva na formação integrada da educação profissional, de Claudia Lima e Dinamara Feldens, focaliza, a partir de um estudo documental e bibliográfico, a importância dos afetos e suas implicações nas aprendizagens, argumentando que se situam em uma dimensão do processo formativo privilegiada para a (re)construção do princípio da integralidade no Ensino Médio Integrado. Ana Cláudia Ferreira e Maria de Fátima Rodrigues Pereira, autoras do artigo O Ensino Médio Integrado ao Técnico: revisão sistemática (2013-2019), desenvolvem uma metassíntese de pesquisas de pós-graduação stricto sensu sobre o tema, concluindo que, embora a produção acadêmica sinalize uma potencialidade emancipatória na integração, se faz necessária uma agenda de resistência às exigências impostas pelo capital, as quais negam o ideário da transformação social.O artigo intitulado Formação continuada em uma escola de educação integral em tempo integral, de Silvana Capobiango e Vânia F. Angelo Leite, oferece contribuições para o debate sobre processos formativos e a construção de saberes docentes na perspectiva da escola como comunidade de práticas. A partir de pesquisa realizada em uma escola situada no município de Niterói-RJ, as autoras sinalizam possibilidades de configuração de espaços para formação continuada que ampliam repertórios das professores, de modo que possam assumir a autoria curricular para além das prescrições advindas da Base Nacional Comum Curricular.

Na seção estudos, Débora Luana Kurz e Everton Bedin apresentam o artigo O ensino de ciências nos anos iniciais: um panorama das pesquisas nacionais, que tem por objetivo analisar as contribuições das pesquisas realizadas sobre o Ensino de Ciências da Natureza nos anos iniciais do Ensino fundamental, no período de 2009-2019, a partir de um Estado do Conhecimento realizado na Plataforma de Teses e Dissertações da CAPES.

Finalmente, cabe ressaltar que, em um contexto de paradoxos, os sentidos de Educação Integral precisam ser disputados desde uma perspectiva pedagógica crítica e progressista de sociedade. Consideramos que os artigos que compõem o dossiê pavimentam com referências plurais um caminho de reflexões para que, como pesquisadoras/es e docentes, estejamos atentos às promessas inovacionistas embutidas nas políticas de/para a Educação Integral, reconhecendo as contradições que se instalam no seio do seu processo de formulação, execução e avaliação. Assumir a Educação Integral e em Tempo Integral como princípio para a construção de uma escola socialmente justa e potencializadora do desenvolvimento humano desdobra a necessidade de construção de uma Pedagogia Integradora capaz de articular sujeitos, saberes e territórios no empreendimento coletivo de transformar realidades comunitárias.

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Doutor em Educação (UFPB). Pós-Doutorado em Teoria da Pedagogia (USP). Professor Adjunto do Departamento de Habilitações Pedagógicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa - PB, Brasil. E-mail: jose.leonardo@academico.ufpb.br

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Doutora em Educação (UFRS). Professora titular do Programa de Pós-graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social da Universidade Feevale, Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: dinora@feevale.br

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