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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.23  Rio de Janeiro  2018  Epub 26-Nov-2018

https://doi.org/10.1590/s1413-24782018230090 

Artigos

Relações intergovernamentais no exercício do PAR: redes semânticas tecidas para tipificar as bases federativas do regime de colaboração

INTERGOVERNMENTAL RELATIONS IN THE EXERCISE OF PAR: SEMANTIC NETWORKS CREATED TO TYPIFY THE FEDERATIVE BASES OF THE COLLABORATION REGIME

RELACIONES INTERGUBERNAMENTALES EN EL EJERCICIO DEL PAR: REDES SEMÁNTICAS TEJIDAS PARA TIPIFICAR LAS BASES FEDERATIVAS DEL RÉGIMEN DE COLABORACIÓN

Emmanuelle Arnaud Almeida I  
http://orcid.org/0000-0002-2921-5430

Antonio Cabral Neto II  
http://orcid.org/0000-0001-7506-0807

IInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil.

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.


RESUMO

O texto apoia-se na teoria do federalismo cooperativo, com foco nas categorias que fundamentam a busca da unidade na diversidade: descentralização, autonomia e cooperação. A pesquisa é qualitativa, com base em análise documental e de conteúdo de entrevistas semiestruturadas, organizada por categorias temáticas, com a elaboração de redes semânticas. Discute-se que o Plano de Ações Articuladas funciona mediante uma distribuição territorial de poder entre União, estado e município, buscando romper com a tradição política de clientelismo na educação. Porém as preferências locais são pouco consideradas, e as assimetrias regionais permanecem, além de haver compromissos não cumpridos e falta de transparência. As responsabilidades conjuntas demandam clareza no compartilhamento de poder e comunicação eficaz entre os entes e a superação de áreas de sobreposição e interpenetração. Conclui-se que o Plano de Ações Articuladas se sustenta em relações intergovernamentais cujo cerne está na prevalência da autoridade hierárquica entre os entes.

PALAVRAS-CHAVE: federalismo cooperativo; relações intergovernamentais; plano de ações articuladas

ABSTRACT

The text is based on the theory of cooperative federalism, focusing on the categories that underlie the search for unity in diversity: decentralization, autonomy and cooperation. The research is qualitative, based on documentary analysis and content of semistructured interviews, organized by thematic categories, with the elaboration of semantic networks. It is argued that the Plano de Ações Articuladas operates through a territorial distribution of power between the Union, state and municipality, seeking to break with the political tradition of clientelism in education. However, local preferences are poorly considered, and regional asymmetries remain, in addition to unfulfilled commitments and lack of transparency. Joint responsibilities demand clarity in sharing power and effective communication between entities, and overcoming areas of overlap and interpenetration. It is concluded that the Plano de Ações Articuladas is based on intergovernmental relations whose core is the prevalence of hierarchical authority between entities.

KEYWORDS: cooperative federalismo; intergovernmental relations; plan of articulated actions

RESUMEN

El texto se apoya en la teoría del federalismo cooperativo, con foco en las categorías que fundamentan la búsqueda de la unidad en la diversidad: descentralización, autonomía y cooperación. La investigación es cualitativa con base en análisis documental y de contenido de entrevistas semiestructuradas, organizada por categorías temáticas, con la elaboración de redes semánticas. Se discute que el Plano de Ações Articuladas funciona mediante una distribución territorial de poder entre Unión, estado y municipio, buscando romper con la tradición política de clientelismo en la educación. Sin embargo, las preferencias locales son poco consideradas, y las asimetrías regionales permanecen, además de haber compromisos no cumplidos y falta de transparencia. Las responsabilidades conjuntas demandan claridad en el intercambio de poder y comunicación eficaz entre los entes, y la superación de áreas de superposición e interpenetración. Se concluye que el Plano de Ações Articuladas se sustenta en relaciones intergubernamentales cuyo núcleo está en la prevalencia de la autoridad jerárquica entre los entes.

PALABRAS CLAVE: federalismo cooperativo; relaciones intergubernamentales; plan de acción articulada

INTRODUÇÃO

Uma análise circunstanciada sobre a educação deve, necessariamente, levar em consideração a complexidade das relações que envolvem a organização político-territorial adotada pelo Estado, os limites históricos e sociais que demarcam o federalismo no Brasil e seus desdobramentos na área educacional. A organização do Estado brasileiro em estrutura federativa é um dos balizadores mais importantes do processo político no Brasil, influenciado no desenho das políticas sociais e nas ações de reforma do Estado (Abrucio, 2005). A partir da década de 1980, como consequência do processo de redemocratização do país, enalteceu-se a descentralização das políticas sociais para estados e municípios. Porém essa descentralização foi efetivada sob a conjuntura de um país heterogêneo, caracterizado por desigualdades de capacidades administrativa, técnica e financeira, sobressaindo, assim, a necessidade de mecanismos de coordenação federativa das ações. É fundamental encontrar uma associação entre as bases conceituais do federalismo e a educação para entender como se tem efetivado a cooperação por meio do pacto federativo, cooperação esta que se consubstancia em regime de colaboração.

A partir das modificações pelas quais a federação brasileira vem passando desde a redemocratização do país, observa-se a instauração de programas e iniciativas que visam ao fortalecimento da coordenação federativa por parte do governo federal, entre os quais se destaca o Plano de Ações Articuladas (PAR). Segundo Haddad (2008), o PAR apresenta um caráter plurianual e multidimensional, e sua temporalidade o protege daquilo que tem sido o maior impeditivo do desenvolvimento do regime de colaboração: a descontinuidade das ações, a destruição da memória do que foi adotado, a reinvenção, a cada troca de equipe, do que já foi inventado. No entanto, é preciso refletir sobre o PAR enquanto plano estratégico de governo e analisar até que ponto o resultado obtido com sua implementação realmente o protegeu de tais situações.

Considerando que há tênues limites entre os espaços de poder compartilhados pelos entes federados, por vezes previstos na Constituição, busca-se uma maior clareza no compartilhamento do poder, mantendo a interdependência entre os entes por meio de regras claras de atuação em cada nível de governo. Questiona-se: O PAR fortalece o regime de colaboração? Seria possível afirmar que o PAR efetiva as regras do jogo federativo? Originando-se de uma pesquisa sobre o PAR no contexto do federalismo brasileiro, o objetivo deste artigo é examinar como se caracterizam as relações intergovernamentais no exercício do PAR, à luz das bases federativas do regime de colaboração.

Na perspectiva metodológica de investigar a interdependência nas relações entre os entes federados, três categorias analíticas foram definidas - descentralização, autonomia e cooperação - como norteadoras da investigação. Assim, o campo de investigação e a seleção dos sujeitos de pesquisa envolveram os três níveis de governo: União, estado e município. Sobre os instrumentos e as estratégias de pesquisa, foram escolhidas as técnicas de levantamento de dados com análise documental e realização de entrevistas semiestruturadas com os atores-chave do processo. A investigação com a União envolveu a realização de entrevistas com dois representantes do Ministério da Educação/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (MEC/FNDE), responsáveis por acompanhar o PAR dos municípios, bem como desenvolver a articulação interna entre a secretaria executiva e outras secretarias do MEC no que se refere às atividades relativas ao PAR. No âmbito do estado, escolheu-se a Paraíba, e realizaram-se entrevistas com dois representantes da Secretaria Estadual de Educação. As investigações com o ente municipal foram realizadas com o município de Campina Grande, Paraíba, e contemplaram entrevistas com todos os secretários que atuaram na gestão do PAR 2007-2010 e 2011-2014, desde a elaboração até o monitoramento do PAR, totalizando três respondentes, como também com cinco integrantes da equipe local.

Os dados foram tratados de forma qualitativa mediante análise de conteúdo, na modalidade de categorias temáticas, pois primou pela descoberta, no texto, de ideias constituintes, manifestas em enunciados e em proposições portadoras de significações, fundamentando-se na presença de temas. Em termos operacionais, a codificação das entrevistas foi realizada por meio do programa ATLAS.ti 7.5, que possibilita estabelecer relações entre os códigos para a formação de redes semânticas (networks).1 As network views são importantes para facilitar a construção de conexões entre os conceitos e interpretar as descobertas, comunicando-as de forma eficaz, pois, em contraste com os modelos lineares e as representações sequenciais, as apresentações do conhecimento em redes se assemelham mais à forma como o pensamento humano é estruturado (ATLAS.ti, 2013). Após a identificação das falas dos sujeitos de pesquisa, indicou-se a numeração correspondente à entrevista realizada, seguido do tipo de ente federado que representou o participante.2 ­Considerando a riqueza dos achados de campo, a organização do texto concentrou-se na análise das redes semânticas relacionadas às categorias descentralização, autonomia e cooperação, discutindo-as mediante os conceitos teóricos sobre federalismo cooperativo que orientaram a investigação.

DESCENTRALIZAÇÃO, AUTONOMIA E COOPERAÇÃO: CATEGORIAS DE UM FUNDAMENTO QUE BUSCA A UNIDADE NA DIVERSIDADE

O federalismo proporciona uma organização que permite a ação de um governo compartilhado para determinados fins comuns, com a ação autônoma de unidades subnacionais, para fins relacionados com a manutenção das particularidades locais. As relações de importância primária são aquelas que se estabelecem entre as unidades constituintes de uma federação e o governo central (Cameron, 2001). A educação possui um papel de destaque no pacto federativo, pois, reconhecida como um direito fundamental no atual aparato constitucional do Brasil, está alinhada à organização político-administrativa designada no federalismo cooperativo da Constituição Federal de 1988 - que tem como princípios a descentralização político-normativa, a autonomia das unidades federativas e a cooperação - devendo ser organizada pelos entes em regime de colaboração.

Nesse contexto de relações verticais, em que nem o governo federal nem as unidades constituintes são subordinados um ao outro, a conjugação de esforços que permitam a congruência entre descentralização, autonomia e cooperação torna-se fundamental para que se tenha, efetivamente, um regime de colaboração no âmbito do PAR.

DESCENTRALIZAÇÃO COMO PRINCÍPIO DO PACTO FEDERATIVO

No campo da descentralização, uma de suas supostas virtudes é o aumento da autonomia de decisão e melhorias na capacidade de resolução de problemas, mediante transferência de atribuições e competências para os níveis subnacionais de governo. Ao analisar a rede semântica representativa da categoria descentralização, observaram-se evidências sobre a existência dos seguintes códigos (Figura 1).

Fonte: Banco de dados da pesquisa (2016). Elaborado pelos autores com auxílio do programa ATLAS.ti 7.5.

Figura 1 - Rede semântica da categoria descentralização. 

“Distribuição territorial de poder” reúne as citações que demonstram a divisão de competências entre os entes; “Assimetria entre os entes” refere-se aos fatores institucionais e ao grau de assimetria entre eles; “Preferências locais” revela se o PAR considerou os interesses das unidades constituintes; “Monitoramento das ações” combina as citações relacionadas ao acompanhamento dos resultados por parte dos entes; “Estruturas intergovernamental e intragovernamental” agrega as falas que retratam as estruturas institucionais e políticas criadas para a implementação do PAR; e “Institucionalização das atividades” retrata as estruturas e processos formais que canalizam a atividade intergovernamental.

DISTRIBUIÇÃO TERRITORIAL DE PODER

O conjunto das informações sobre esse código está expresso em seis citações, as quais simbolizam que os representantes dos entes entendem que, na divisão de competências instituída na etapa de elaboração do PAR, assumiram responsabilidades para executar ações, mas ao mesmo tempo reclamam da própria distribuição dessas competências, deixando o município com poucas alternativas de atuação perante os escassos recursos de que dispõe. Para representar essa compreensão, apresenta-se a fala do entrevistado P7-SME:

o que talvez ainda hoje não tenha tido uma clareza muito grande do MEC é que na medida em que você coloca mais responsabilidade para o município, o recurso não tá respondendo a essa responsabilidade... então a gente foi assumindo muita responsabilidade enquanto ente municipal, mas o aporte de recursos pela União não foi compatível com esse alargamento dessas competências no município. (P7-SME, 2016)

Considerando a dispersão do poder decisório, ao distribuir poderes entre os entes federados por meio da divisão de competências, a descentralização molda o equilíbrio entre as unidades constituintes afetando, portanto, seu comportamento e também suas relações mútuas (Cameron, 2001). O PAR trouxe ao município uma gama de oportunidades para apresentar suas demandas, com base na oferta de programas e recursos que o MEC dispôs. Os entes municipais depararam-se com tantas proposições que abarcaram tudo quanto puderam, ou seja, aceitaram as ofertas para não perder as oportunidades. Entretanto existiam as contrapartidas que os municípios assumiram quando firmaram tal pacto com o MEC. E parece que elas pesaram no orçamento do município que, se supõe, não dispunha de reserva para cumprir tantas contrapartidas.

Conforme presume Camini (2010), por meio das diretrizes estabelecidas e assumidas pelos entes, a União estaria exercendo influência no direcionamento de projetos e ações educacionais com o consentimento dos municípios, ações condicionadas, entretanto, pelos critérios de adesão estabelecidos. Isso se concretiza, pois, se a demanda é induzida pelo MEC, os municípios têm suas ações direcionadas pelo governo central, mesmo que não consigam cumprir com sua parte do acordo. Consoante com Abrucio (2002, p. 154), entende-se que “a fragilidade dos instrumentos de cooperação e coordenação entre as esferas de poder constitui um grande obstáculo ao sucesso da descentralização”.

ASSIMETRIA ENTRE OS ENTES FEDERADOS

A distribuição territorial de poder evidencia a existência de “Assimetria entre os entes”, retratando o posicionamento dos entrevistados acerca de uma problemática do federalismo brasileiro: as heterogeneidades que demarcam o país. Originária da diversidade entre as regiões, as heterogeneidades brasileiras, sejam elas de cunho socioeconômico, cultural e político, criam assimetrias entre os entes federados que impõem limites à efetivação das políticas educacionais (Abrucio, 2010; Abrucio e Sano, 2013; Dourado, 2013). Cinco falas ratificam esse panorama, destacando-se duas como representativas do conjunto:

Temos uma rede heterogênea de secretários municipais. A gente tem secretários que estão mais avançados, tem uma secretaria bem estruturada, bem organizada e [...] tem outros que esperam que a gente faça, então é um pouco nesse sentido, “Ah, esse aqui é um planejamento que vai me ajudar em alguns anos e eu vou fazer isso” e outro Ah, esse é um documento que eu vou fazer e mandar pro MEC”, então tem essas dificuldades, o nosso papel é não deixar que isso aumente. (P1-União, 2016)

É preciso ter grandes programas para podermos pensá-los como grandes ofertas de oportunidades para um país enorme como o nosso, mas nem sempre o grande programa tem como aterrissar em solo municipal. (P5-SME, 2016)

Talvez o PAR, na tentativa de padronizar algumas iniciativas na área da educação básica, tenha criado uma estrutura para recepcionar os pedidos dos municípios, podendo reduzir essa diversidade, muito embora essa tarefa seja um desafio com longo caminho para conseguir resultados efetivos de superação. No caso do PAR, a distribuição territorial de poder destaca ainda mais as assimetrias regionais, justamente pelo fato de que os entes não podem ser enquadrados em uma única estrutura, ou seja, a dispersão do poder decisório torna-se diminuta no âmbito do PAR, prevalecendo a concentração do poder decisório do MEC.

Analisando diversos países nesse quesito, Cameron (2001) argumenta sobre a dificuldade de representantes intergovernamentais nos Estados Unidos, com 50 estados, ou na Rússia, com 89 unidades subnacionais, de fazerem negociações em uma mesma sala. Para o autor, a Rússia, com assimetria muito substancial entre seus entes, deve conduzir suas relações, até certo ponto, com uma série de processos intergovernamentais relativamente independentes, pois alcançar a coerência é um grande desafio. Por essa perspectiva, a descentralização consolidou-se por meio da consideração do município como ente federado, mas não existe, no Brasil, a regulamentação sobre qual seria o lugar em que haveria a tomada de decisão conjunta.

Para os municípios em que o PAR é considerado apenas um documento a mais, devem ser repensadas as estruturas estabelecidas para a gestão educacional, pois possivelmente ainda devem prevalecer nesses lugares a dissociação entre o planejamento governamental e a montagem dos aparatos destinados à gestão pública. Aproximando a realidade brasileira aos exemplos referidos por Cameron (2001), fica claro que as assimetrias do Brasil se tornam mais evidentes e complexas, pois aqui não existem apenas dois entes federados, e sim três, o que deveria reforçar cada vez mais a consideração das especificidades locais.

PREFERÊNCIAS LOCAIS

A descentralização como princípio do federalismo pressupõe que sejam consideradas as preferências locais que caracterizam os entes. Essa temática é abordada em catorze falas, evidenciando algumas interpretações. Primeiro, para a União, o PAR é um instrumento que torna possível o conhecimento da realidade municipal; para o Estado, aparece com opções pré-concebidas que não permitem a customização dos planos, e, para o município, não retrata com fidelidade a realidade local, não leva em consideração as diferenças regionais e, por conseguinte, deixa de contemplar as necessidades de políticas municipais. As citações selecionadas como representativas dessa interpretação são:

O PAR municipal já vinha com as opções pré-concebidas. O município ali, podia se posicionar favoravelmente a acolher, ou não, aquele tipo de oferta. Ainda assim, uma vez deliberando sobre qual seria a posição do município, isso ainda estaria submetido ao julgamento do governo federal para dizer: vou apoiar ou não. (P4-Estado, 2016)

Não houve domínio mais apurado nem da estratégia de planejamento, nem de monitoramento, e, muito menos, no avanço para que se conseguisse, junto ao governo federal, uma compreensão de quem era o município e quais eram suas necessidades, não houve essa customização. (P5-SME, 2016)

Avalia-se que, considerando os interesses da União, o PAR, no que se refere a diagnóstico, reúne informações sobre a realidade educacional local, porém, quando se trata da elaboração dos planos de ação em si, reforça-se o entendimento de que mantém o município preso a uma estrutura padrão que não considera as especificidades. Se fosse o contrário, as prioridades estabelecidas pelas unidades descentralizadas poderiam contrariar com as de outras unidades, bem como com as metas nacionais. Porém, quando se trata do PAR, não há espaço para esse tipo de conflito, porque a estrutura é padrão e operacionalmente não permite essa liberdade aos entes, isto é, o Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle do Ministério da Educação (SIMEC) não contém opções como “inserir novas ações”, “editar o texto da ação” ou “excluir ação”. Nesse caso, concretizou-se apenas uma desconcentração administrativa.

MONITORAMENTO DAS AÇÕES

Tendo em vista que o PAR prevê três formas de execução das subações - assistência técnica do MEC, assistência financeira do MEC e executada pelo município -, o monitoramento das ações assume papel de destaque no processo, código presente em treze citações. As falas deixam claro que não há um acompanhamento instituído. Da parte da União, há um posicionamento para reconhecer que há falha nesse quesito. Da parte do estado, há a afirmação de que o acompanhamento ficou a cargo do município, porém não há instrumento para isso, e da parte do município aparece uma crítica sobre a falta de acompanhamento. Falas que ilustram essa apreciação:

Não, não temos acompanhamento, fizemos algumas amostragens, mas não temos efetivamente... “Esses municípios quando for fazer isso e isso... estão em tal situação”, não temos essas informações. (P1-União, 2016)

a avaliação do que não foi possível realizar, por que não foi? Eu acho que negativa é a falta do monitoramento também, tanto da parte do município como também da parte do MEC. (P8-Equipe_SME, 2016)

Para encontrar uma associação mais clara entre as ações do PAR e os resultados positivos na educação municipal, cada dimensão do PAR deveria ser monitorada. Como o módulo de monitoramento, que existia no PAR 2007-2010, foi extinto no PAR 2011-2014, ocorreu uma falha no acompanhamento das ações, o que seria essencial para garantir a melhoria da qualidade da educação. Enquanto coordenador das políticas, o MEC atuou de forma centralizadora com a etapa de planejamento, mas parece negligenciar a etapa de acompanhamento dos resultados. Não se pode acreditar que isso seria uma concessão de autonomia ao município, não é esse o caso, até porque seria incoerente, especialmente porque não foi explicado ao município que essa seria tarefa dele.

ESTRUTURAS INTERGOVERNAMENTAL E INTRAGOVERNAMENTAL

A descentralização federativa pressupõe a criação de estruturas de âmbito intergovernamental e intragovernamental que favoreçam as relações entre os entes, conforme evidenciam nove falas. No sentido intergovernamental, a principal ação instituída foi a utilização de um sistema de informações, o SIMEC, para gerenciar a tomada de decisão administrativa no ambiente do PAR (Brasil, 2009c). Nesse sistema são coletadas, processadas e transmitidas as informações sobre o planejamento plurianual para a educação pública municipal, gerida pelos governos federal e municipal no que diz respeito às ações compartilhadas, com a finalidade de facilitar o processo decisório intergovernamental. Conforme retrata a fala de P2-União: “como o PAR traz essa inovação do uso do sistema SIMEC, Módulo PAR, as dificuldades eram muitas, mas elas hoje estão basicamente sanadas”.

Quanto à estrutura interna dos governos, os relatos enfatizam os ganhos proporcionados pelo PAR na gestão de processos internos: o entrevistado da União P1 explicita que o PAR e o uso da tecnologia da informação proporcionaram benefícios reais no tocante à celeridade dos processos:

Os processos hoje que o PAR proporcionou, ele é bem rápido em relação a toda a legislação que existia antes; ele é bem mais rápido mesmo, muito mais rápido... a gente tem tido bons retornos em relação a isso, à celeridade dos processos. Sim, teve uma iniciativa governamental, educacional, mas na governança assim... nos procedimentos técnicos, da parte interna, que não aparece muito, ela avançou muito... e menos papéis transitando, tudo mais eletrônico, muitas coisas mudaram com isso, tanto que tem sido referência para outras iniciativas do governo. (P1-União, 2016)

Nessa linha de ação, a Controladoria-Geral da União (CGU) realizou, no segundo semestre de 2014, o II Concurso de Boas Práticas da CGU, do qual participaram órgãos e entidades do Poder Executivo Federal sediados em todo o território nacional. Entre as categorias do concurso, o MEC concorreu e venceu em “Fortalecimento dos controles internos administrativos”, apresentando o PAR como prática de melhoria de processos em virtude do uso da ferramenta eletrônica (CGU, 2014). Segundo o MEC, com o PAR, graças à automatização das rotinas, o tempo gasto no processo de repasse de recursos às entidades foi reduzido de sete meses para cinco dias (CGU, 2014). Por si só, essa mudança já representa um grande avanço em direção à melhoria da gestão pública.

Relativamente à forma como o PAR é organizado, os entrevistados relembram as dificuldades enfrentadas pela equipe local3 para compreender a estrutura do PAR e discorrem sobre os entraves de assimilação tanto da lógica sistêmica quanto do desenho em si:

A estrutura do PAR não é de fácil compreensão. Ela é lógica. Ela traz um encadeamento muito bonito, eu até posso dizer assim, eu compreendo que a estrutura de criação do PAR, as quatro grandes dimensões, os indicadores que se alocam em cada dimensão, todos são bastante oportunos. [...] Porém, no campo da execução mais objetiva, o PAR, nesse emaranhado de ações e subações, ele é algo para especialistas. O PAR não é papo de amadores. E as gestões municipais, em geral, se sucedem no perfil de amador. (P5-SME, 2016)

O conteúdo de cada uma das dimensões, áreas e indicadores do PAR é bastante vasto, justamente pelo fato de congregar muitos programas. Assim, é possível perceber que se exige do município um domínio mais apurado sobre a educação, pois, conforme afirma o secretário P6: “antes de tudo, desse instrumento, há a necessidade da gente ter uma compreensão de qual é a finalidade da educação pública, porque não é simplesmente você entender de Plano de Ação Articulada, você tem que entender de educação” (P6-SME, 2016). Em termos operacionais, observa-se que a dificuldade de manuseio do SIMEC foi sendo minimizada com a repetição do uso da ferramenta, no entanto, quanto ao conteúdo, a superação das dificuldades é mais lenta.

INSTITUCIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADE

Com as ações do PAR, houve a institucionalização de atividades, código que reúne três citações, destacando-se aqui mais um ponto positivo do PAR: as ações direcionadas para a correção de fluxo, do Programa de Correção de Fluxo Escolar,4 desencadearam o desenvolvimento da política educacional Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Entre as citações que representam essa interpretação, destaca-se:

Se você pegar o PAR, ele tinha um indicador que tratava de correção de fluxo, e essa política de correção de fluxo evoluiu para o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, então você vê o quanto o PAR evoluiu. O PNAIC foi um programa que deu tão certo que nós criamos o Pacto de Fortalecimento do Ensino Médio [...], num foi isso, e ele nasce lá do indicador que mensurou a correção de fluxo. (P2-União, 2016)

Essas ações estão previstas no decreto n. 6.094 (Brasil, 2007a), que estabelece, entre outros objetivos, a alfabetização de todas as crianças até, no máximo, 8 anos e o incentivo à leitura nas salas de aula. Os entrevistados reconhecem a importância do PAR e, além disso, conseguem visualizar uma situação em que houve a transposição de uma ação para a institucionalização de uma política educacional. Do ponto de vista do regime de colaboração, esse seria um exemplo de iniciativa exitosa na área da educação. Além disso, o PNAIC aproxima-se do ideal de pacto federativo porque prevê a articulação das ações entre os entes federados, mediante pactos estaduais, para sua implementação, uma vez que estabelece regras, como a adesão do município condicionada à do estado.

Pensar sobre a descentralização como teor do federalismo significa associá-la não apenas a um deslocamento de atribuições de execução, mas também ao entendimento de que o que se descentraliza é a tomada de decisão, que fornece, por si só, incentivos para mobilização e ação por parte dos entes, pois, ao descentralizar, os governos subnacionais desfrutam de responsabilidade e poder para assumir a liderança em uma ampla gama de questões (Clarke, 2007).

AUTONOMIA EM UM CONTEXTO DE TRADIÇÕES INSTITUCIONAIS

Na rede semântica da categoria autonomia, ilustrada na Figura 2, ficam evidentes os seguintes códigos:

  • tradição política: relacionado a fatores históricos, à força da tradição e às experiências políticas;

  • autogoverno: reúne citações que retratam as decisões dos entes sobre suas iniciativas, suas opções políticas e capacidade de tomar decisões;

  • mudanças de gestão: agrega falas que demonstram influência da troca de governo na gestão do PAR; e

  • bases de convergência delimitadas: combina citações relacionadas à autonomia relativa na formulação de políticas educacionais.

Fonte: Banco de dados da pesquisa (2016). Elaborado pelos autores com auxílio do programa ATLAS.ti 7.5.

Figura 2 - Rede semântica da categoria autonomia. 

TRADIÇÃO POLÍTICA

A política social é um mecanismo de grande apelo político, pois, por possuírem ligação direta com o eleitorado, os programas sociais manifestam-se como fontes de legitimidade de massa (Pierson, 1995). A tendência central dos relatos do código “Tradição política”, com oito citações, enaltece que, tradicionalmente, o atendimento aos municípios se dava por meio de projetos, que os secretários P5 e P7 chamaram de “balcão do MEC”. As características específicas da formação das elites locais brasileiras refletiram as tradições institucionais locais (Anderson, 2009). As falas que representam o conjunto vinculado a essa interpretação e retratam esse cenário são:

Cada programa do MEC, cada setor, publicava uma resolução que dizia que receberia projetos para atender tais iniciativas, analisaria esses projetos e, conforme seu orçamento e a condição, aprovaria os melhores projetos e financiaria. Isso aí era um ciclo... que pode-se dizer que era um ciclo vicioso, assim... Geralmente, quem apresentava os melhores projetos, e quem tinha interesse naquela área, receberia algum apoio e você continuaria sempre ajudando os que tinham maior capacidade técnica. A gente tem exemplos de municípios que nunca receberam nenhum apoio antes disso... aí, depois do PAR, mudou. (P1-União, 2016)

Foi uma mudança de estratégia do Ministério da Educação que antes tinha uma forma de atendimento de financiamento das políticas da educação por projetos de balcão, ou seja, eram demandas espontâneas que os municípios iam lá e os estados iam lá em busca de recursos, naquele tempo a gente chamava de recursos de balcão. [...] Pra chegar ao MEC, o município do interior da Paraíba, por exemplo, você tinha que encontrar o deputado da região, o deputado da região botar o prefeito debaixo do braço, tá certo, gastar uma passagem pra ir pra Brasília e levar esse prefeito pra conhecer o MEC. (P7-SME, 2016)

O legado político foi rompido para dar lugar a uma nova forma de atendimento, baseada nos critérios e padrões estabelecidos no PAR. Ao analisar essa tradicional maneira de apoiar os municípios, observa-se que esses hábitos estão ligados à própria formação histórica do país. As heterogeneidades brasileiras desembocaram, em grande medida, em uma complexa estratificação dos territórios no que se refere à importância econômica e demográfica, resultando em desigualdades de capacidades administrativa, técnica e financeira dos estados e municípios (Costa, 2003; Rocha, 2013). Ao longo do tempo, vê-se que essas discrepâncias de capacidades vão sendo acentuadas, pois as relações de poder se tornaram cada vez mais evidenciadas.

O PAR inaugurou uma nova forma de relações intergovernamentais, pois sua natureza sistêmica e informatizada tornou mais impessoais relações antes totalmente personalizadas. Seria um começo, o início de um processo de ruptura da tradição política brasileira, pois, embora o clientelismo continue existindo, os municípios menos articulados não são deixados à margem. A força da tradição e as experiências políticas irão afetar a capacidade de uma federação de manter ou reformular suas relações intergovernamentais (Cameron, 2001). É importante assinalar que, ao tentar romper com esse legado, o MEC institui novos arranjos na área educacional para incluir municípios que antes não possuíam relacionamento com esse ente federado, ou seja, a mudança se deu no sentido positivo da inclusão.

AUTOGOVERNO

O modo pelo qual os municípios atuaram para gerenciar o PAR, seja na elaboração ou em sua execução, simboliza que sua implantação não deu conta, por si só, de sanar os problemas decorrentes da falta de capacidade administrativa dos municípios. Isso pode ser constatado por meio do código “Autogoverno”, com sete relatos destacando a delegação das atividades do PAR para atores que não são os principais responsáveis pela educação do município, como consultorias e pessoas do setor de informática. Nas palavras do representante da União: “a gente estranha que o secretário abre muito mão do seu papel de secretário, ele delega para outra pessoa fazer... tem um menino da informática ou alguém com mais conhecimento” (P1-União, 2016). Esse posicionamento também está presente nas demais falas, remetendo à suposição de que isso pode ocorrer em outros municípios, tanto na Paraíba quanto nos demais estados: “o município ainda delega a sua responsabilidade para outros. A gente tem, ainda fortemente, a presença de consultorias” (P3-Estado, 2016).

A falta de capacidade técnica, aliada à inexistência de uma cultura de planejamento e, ainda, às dificuldades relacionadas ao uso de sistemas de informação, faz com que os dirigentes municipais recorram às consultorias ou outras pessoas que, em detrimento de uma atuação participativa, acabaram preenchendo as informações do PAR de forma ocasional. Ao se considerar a fala do secretário P5, “para conviver no ambiente do PAR é preciso dominar competências que não chegam de modo aleatório” (P5-SME, 2016), percebe-se que são essas capacidades que faltam às entidades subnacionais. No exercício de seu autogoverno, os municípios, então, encarregaram terceiros da tarefa de pensar a realidade educacional local e planejar as ações para o horizonte plurianual.

MUDANÇAS NA GESTÃO

Quando se pensa na continuidade das ações para a melhoria da qualidade da educação, sobrevém a ideia de que a troca das equipes, ocasionada por mudanças de governo, podem se erigir como um impeditivo dessa lógica. É nesse terreno que se assenta a tendência central das falas em torno do código “Mudanças de gestão”, com dez citações. A fala do representante do ente estadual P3, que ilustra o conjunto desse código, é veemente nesse quesito:

Há também muita mudança na gestão municipal, uma rotatividade muito grande. [...] Então, quando você começa a compreender e começa a utilizar o instrumento, há uma mudança. Então há uma ruptura sempre. E isso com certeza se reflete em vários aspectos da educação, também no planejamento, com o PAR [...] Eu acho que a própria estrutura que existe nos estados e municípios, de política de descontinuidade, você, mesmo tendo um instrumento que está no sistema, que propõe um planejamento para o município, né, como uma política de estado e não de governo... as pessoas costumam negar um pouco isso e, como o PAR, ele é, no caso dos municípios, elaborado na mudança de gestão, existe aquela tendência de fazer de qualquer jeito porque não vai haver continuidade da gestão, ou então ser feito com cuidado, com zelo, com responsabilidade, mas a gestão posterior não considerar porque não foi autor do processo. (P3-Estado, 2016)

As palavras do respondente deixam claras duas dificuldades político-administrativas: primeiro, as mudanças de gestão causam uma ruptura naquilo que foi formulado nos planos de ação, pois as eleições ocorrem na metade da execução dos planos, ou seja, passados dois anos, poderá haver uma alteração na equipe gestora da SME. Segundo, além da ruptura inevitável que acontecerá caso haja alteração da equipe gestora do PAR, há no Brasil uma tradição do que P3 chamou de “política de descontinuidade”, pois os sucessores, em geral, decidem por não dar seguimento ao que foi planejado por outrem, causando prejuízos à população. É a prática de uma autonomia que se manifesta de forma muito desanimadora. E, de modo bastante negativo, esse cenário afeta a realidade brasileira na área da educação.

BASES DE CONVERGÊNCIA DELIMITADAS

O ideário em torno dessa temática confirma que a autonomia municipal, no âmbito do PAR, é um elemento regulado, restrito pela própria natureza normativa do Plano de Metas. Na busca por elementos de sustentação da autonomia, evidencia-se uma situação em que a coordenação federativa exercida pelo MEC vem com a consequência de subtrair a autonomia dos entes federados. Aquilo que está mais latente na avaliação desse código, com oito falas, repousa no entendimento do município de Campina Grande de que a autonomia municipal é mínima, pois está subordinada aos interesses de base central. O relato a seguir ilustra com clareza a interpretação desse código:

Se a gente pensar a autonomia de um lado e a colaboração de outro, como atuar em parceria sem perder a identidade? A autonomia do município é subsidiária da vontade federal, ela é incrível. Porque, eu volto a colocar a questão de ser um ente federado com personalidade própria, o município, a rigor, ele não costumiza dentro das políticas as suas necessidades, ele não tem vez pra fazer isso, ele não consegue nem ser diferente do município vizinho, porque a autonomia municipal, ela não é uma autonomia que permita ao gestor daquela área geográfica construir em torno da ideia de município um conjunto de deliberações que preserve justamente esse perfil daquele município e não do outro. (P5-SME, 2016)

A autonomia fundamentada no federalismo cooperativo possui, por sua própria natureza, um encontro assentado em limites definidos, porém o que se percebe é que o limiar entre a concessão e a restrição é bastante tênue. Conforme argumenta Camini (2010, p. 540), “a fragilização da autonomia dos entes federados e, por vezes, até a sua subordinação, pode ocorrer dada a dependência do acesso a recursos para o financiamento das ações geradas nesta dinâmica”. Isso porque, na ânsia por obter recursos e assistência, os municípios aderem à maioria das ações do PAR, muitas vezes sem sequer observar a disponibilidade orçamentária para cumprir com as contrapartidas acordadas.

COOPERAÇÃO DESBALANCEADA ENTRE O GOVERNO CENTRAL E AS UNIDADES CONSTITUINTES

A cooperação visa ao equilíbrio de poder entre a União e as unidades subnacionais, considerando, na divisão de responsabilidades entre os entes, ações conjuntas, com atividades planejadas e articuladas. A rede semântica da categoria cooperação (Figura 3) revela uma tríade em volta do seu significado: primeiro, o código “Responsabilidades conjuntas”, que reflete a existência de projetos de auxílio mútuo, e, segundo, “Comunicação entre os entes”, que retrata as ações sobre o diálogo entre as unidades constituintes. O código “Áreas de sobreposição e interpenetração”, que aparece como consequência da interdependência entre os níveis de governo, pauta-se na aparição de campos de justaposição na atuação dos entes; enquanto “Compromissos não cumpridos” retrata a presença de ações não realizadas pelo MEC. A terceira entidade da tríade é o código “Clareza no compartilhamento do poder”, que se refere à existência de regras claras de atuação em cada nível de governo. Como consequência, os achados revelam a existência do código “Transparência nas iniciativas”, que reflete o grau em que a clareza das iniciativas torna os processos abertos ao domínio público.

Fonte: Banco de dados da pesquisa (2016). Elaborado pelos autores com auxílio do programa ATLAS.ti 7.5.

Figura 3 - Rede semântica da categoria cooperação. 

RESPONSABILIDADES CONJUNTAS

As “Responsabilidades conjuntas” estão relacionadas à existência de arranjos de cooperação entre os entes. Esse código, com quinze relatos, retrata as relações entre as unidades estadual e municipal na elaboração/execução do PAR. O auxílio mútuo entre o MEC e os municípios é um elemento concreto, mas não havia ficado claro como essas relações se qualificam entre estado e município, especialmente na singularidade da Paraíba.

O papel dos estados na elaboração/execução do PAR municipal não foi definido pela União, ou seja, inexistiram diretrizes que direcionassem uma atuação nesse sentido. Cada estado operou de maneira distinta, conforme sua conveniência. O MEC desenvolveu apenas um estímulo, por vezes informal, quanto à colaboração nessa direção, mas percebe-se que não houve coordenação federativa nesse sentido. A fala a seguir ilustra esse entendimento:

Alguns iam in loco, outros faziam polos, é um desenho que cada estado ficava um pouco à vontade para elaborar. Mas ele era muito restrito à elaboração. Uma vez pronto, essa pessoa não teria mais trabalho. O que a gente quer é que seja um trabalho mais constante e que não seja elaborado aquele documento, mas que seja elaborado aquele documento em consonância com a política pública para o estado inteiro, um arranjo educacional para o estado inteiro [...] tem casos que a gente vê que eles trabalham bem com isso, mas tem casos que eles são bem... eles não se reconhecem, cada parte fica sozinha... então é um desafio. (P1-União, 2016)

As responsabilidades entre estados e municípios só foram conjuntas em alguns casos, quando houve disposição das partes para atuarem dessa forma e, mesmo assim, estacionou na fase de elaboração do PAR. Essa constatação também se dá porque a resolução FNDE n. 29/2007, artigo 15 (Brasil, 2007b), preceitua que os estados “poderão” colaborar com assistência técnica e/ou financeira “adicional”, para a execução e o monitoramento dos convênios firmados com os municípios, ou seja, não se firma que os estados “deverão” colaborar. E, ainda assim, o teor do artigo não engloba a “elaboração” do PAR, mas somente os convênios firmados para a “execução” do PAR.

COMUNICAÇÃO ENTRE OS ENTES

A comunicação é parte integrante das associações existentes para o auxílio mútuo entre as unidades federativas do Brasil. Os termos utilizados pelos respondentes, nas treze citações, tais como “colaboração”, “aproximação”, “diálogo”, “agregador”, “ponte”, remetem à suposição de que o relacionamento entre o município e o MEC está mais próximo. Por exemplo: “a gente está conseguindo ter uma colaboração mais forte agora. Foi uma mudança de cultura nossa, falo como FNDE e Ministério da Educação, e da relação deles conosco, então teve essa diferença, esse avanço” (P1-União, 2016); “houve uma mudança de estratégia no que diz respeito ao diálogo com o MEC. O relacionamento dos municípios com o MEC passou a ser mais próximo, se encurtou a distância institucional entre as secretarias, os municípios e o MEC” (P7-SME, 2016). Os entrevistados destacam o encurtamento da distância entre o MEC e o município, sendo esse o núcleo central das falas dos respondentes. Demonstra-se, destarte, haver um avanço nas relações intergovernamentais nesse aspecto.

ÁREAS DE SOBREPOSIÇÃO E INTERPENETRAÇÃO

Como resultado da cooperação no desenvolvimento de ações, surgem as questões relacionadas à sobreposição e à interpenetração. São dois os núcleos de sentido envolvidos nesse código, que possui sete citações. No primeiro, ressaltou-se que as ações previstas no PAR foram de encontro ao que era feito no município, em direção à interpenetração. O respondente da União posiciona-se dizendo que, no que se refere a planejamento, partia do pressuposto de que a maioria dos municípios não possuía atividade nesse sentido. E, em respeito a diagnóstico, caso houvesse alguma ação, esta deveria ser pontuada, conforme sua condição de realização, e incorporada ao PAR. Essa compreensão é compartilhada pelos representantes do governo estadual e por um dos secretários do município de Campina Grande.

A gente partia do pressuposto de que grande parte, a grande maioria, não tinha uma proposta, a gente até acha que alguns poderiam ter. Nunca houve algum com “eu tenho a minha forma de planejamento diferenciada”, nunca apareceu para gente isso. (P1-União, 2016)

Teve coisa que a gente já fazia e que foi incorporado ao PAR. A partir do momento em que a gente incorporou como ações do PAR, foi incorporada como ações do PAR, porque eram ações da secretaria, não era... a gente não via como ação separada, né? (P7-SME, 2016)

Em uma visão crítica, avalia-se que essas ideias estão mais inclinadas no sentido de uma subordinação do município ao que reza o PAR. Os representantes de Campina Grande, especificamente, não reclamaram para si uma opção que lhes permitisse uma direção inversa, de inserir no PAR o que era feito pelo município, ou seja, foi preciso deixar de lado seu programa local para adotar o que propunha o PAR, ou optar por rejeitar o que está nele, mas não houve uma opção de substituir o que vem predeterminado por aquilo que é feito localmente. Como dilema da interdependência, deveria ser debatido aqui quais foram as alternativas escolhidas como meio de equalizar os interesses das esferas de governo, mas parece que as opções tropeçaram nas estratégias hierárquicas. Ainda assim, pelas discussões já firmadas, observa-se que mesmo as necessidades específicas dos municípios não sendo contempladas no PAR, estes acabavam por aderir à maioria das oportunidades que lhes eram oferecidas.

O segundo núcleo de sentido refere-se à sobreposição de programas que envolvem a coordenação do MEC. As citações que ilustram esse sentido são:

Ainda há uma sobreposição de ações, sobretudo na questão da formação, ainda não houve esse ganho de articular todas essas ações e, assim, todas as formas que são apresentadas para ofertar a formação, então tá assim muito solto. [...] Em nível de formação, ainda há uma desarticulação muito grande e aí isso não dialoga com o que está posto lá no PAR. (P3-Estado, 2016)

Na área de formação de professores havia três iniciativas que buscavam os mesmos sujeitos, iniciativas muito profusas, que se sobrepunham, como, por exemplo, para os professores alfabetizadores, os programas PROFA e Proletramento, mas não suficiente, ainda tinha o Gestar, então essas três iniciativas buscavam as mesmas coisas, programas coexistentes para enlouquecer quem estava nos sistemas. Na área de gestores escolares havia o Progestão, um programa muito amplo, aí acaba com isso e começa colateralmente o programa Escola de Gestores, então vamos oferecer dois caminhos para os mesmos sujeitos, novamente. Na área da diversidade a gente ainda viu que isso se proliferou bastante. (P5-SME, 2016)

A Dimensão 2 do PAR, Formação de Professores e de Profissionais de Serviços e Apoio Escolar, conferiu notoriedade a um assunto controverso na gestão educacional, pois essa profusão de programas para a formação de professores levanta o debate não apenas sobre a sobreposição de ações e interpenetração de áreas de poder, mas também se associa à fragmentação dessas ações. Decorrente da própria estrutura organizacional do MEC, são diversas as secretarias que acabam não se comunicando para lançar seus programas, causando essa ineficiência na gestão pública. Corroborando o que expõe o secretário P5 sobre a formação de alfabetizadores, em um estudo sobre as políticas públicas de alfabetização, Viédes e Brito (2015, p. 166) analisaram a trajetória dos programas do governo federal com essa temática, entre eles PCN em Ação - Alfabetização, GESTAR, PROFA, PRALER, PRÓ-LETRAMENTO, e concluíram “que se constituem como programas de governo que ganham um nome diferente, porém com formatos quase idênticos”.

COMPROMISSOS NÃO CUMPRIDOS

Outro problema evidenciado é a existência de “Compromissos não cumpridos”, código com sete citações, todas com a intenção de demonstrar que há ações não realizadas pelo MEC. As falas a seguir ilustram o conjunto dessa análise:

Quando o município estava monitorando no primeiro ciclo, ele verificava que o MEC não... que aquela assistência técnica não foi oferecida, embora tenha sido proposto fazer. Era mais uma constatação, não havia muito o que ser feito não, era uma constatação, ficava no âmbito de uma constatação. (P2-União, 2016)

A equipe acolhia a decisão do MEC, não ficava satisfeita. [...] Algumas ações não receberam o apoio do MEC, e isso de certa forma desestimulou um pouco a equipe, na medida em que você priorizava determinadas ações e essas ações não eram reconhecidas pelo MEC, ou seja, não ter contemplado todas as ações que foram definidas como prioridade, de certa forma desestimulou um pouco a equipe e a própria secretaria. (P7-SME, 2016)

Ao longo do tempo, o MEC decidiu reduzir as ações em que se compromete com assistência técnica e/ou financeira no âmbito do PAR. Comparando o Guia prático de ações do PAR 2011-2014 em relação ao PAR 2007-2010 (guias de 2007 e 2009), constata-se que o número de indicadores com assistência do MEC foi reduzido consideravelmente (Quadro 1). Na Dimensão 1 do PAR, eram catorze indicadores que apresentavam alguma subação com previsão de assistência técnica e/ou financeira do MEC em 2007. Esse número foi reduzido para onze em 2009 e, no PAR 2011-2014, caiu para cinco, mas deve-se considerar que novos indicadores foram acrescentados, ou seja, proporcionalmente essa redução foi ainda maior. Essa situação se repete nas dimensões 2 e 3, com redução gradual do número de indicadores.

Quadro 1 - Comparativo dos indicadores com assistência técnica/financeira do MEC. 

Dimensão Guia de 2007 (PAR 2007-2010) Guia de 2009 (PAR 2007-2010) Guia de 2011 (PAR 2011-2014)
1. Gestão educacional 14 11 5
2. Formação de professores e de profissionais de serviços e apoio escolar 10 5 4
3. Práticas pedagógicas e avaliação 7 3 2
4. Infraestrutura física e recursos pedagógicos 14 8 11
Total de indicadores com assistência técnica/financeira 45 27 22
Porcentagem de indicadores com assistência técnica/financeira 86,5% (do total de 52) 51,9% (do total de 52) 26,8% (do total de 82)

Fonte: Brasil (2007c, 2009a, 2011). Dados trabalhados pelos autores.

A Dimensão 4, que no PAR 2007-2010 possuía vários indicadores com assistência do MEC, mas que tinha esse número razoavelmente equilibrado com as demais dimensões, em especial a Dimensão 1, passou a concentrar, no PAR 2011-2014, 50% do total de indicadores com assistência prevista, mesmo com uma queda em relação a 2007. Ora, se o percentual de indicadores com ações do MEC caiu de 86,5% em 2007 para 26,8% em 2011, significa dizer que, no primeiro ciclo, as responsabilidades estavam concentradas mais na esfera do MEC e, no segundo (PAR 2011-2014), foram concentradas no município.

Na divisão de competências não há uma consonância na distribuição das responsabilidades que caracterize uma interdependência mais balanceada. Ao distribuir poderes entre os entes, as relações mútuas deveriam privilegiar um equilíbrio mais adequado entre o governo central e suas unidades constituintes (Cameron, 2001; Elazar, 2011). Ressalta-se, ademais, que nem sempre as medidas anunciadas resultam na sua real execução, o que pode impactar na relação de confiança entre os envolvidos pelo não cumprimento dos compromissos assumidos (Camini, 2010).

CLAREZA NO COMPARTILHAMENTO DO PODER

Quando se debate sobre a distribuição do poder decisório, observa-se que o comportamento dos entes vai ao encontro da necessidade de “Clareza no compartilhamento do poder”, código que reúne sete citações. O cerne das expressões dos entrevistados é a ausência de regras claras de atuação em cada nível de governo, pois, em que pese a Constituição Federal de 1988 ter firmado as bases legais para o regime de colaboração, há, ainda, um cenário de incertezas que continua imperando no contexto da educação básica. Como exemplo, destacam-se as palavras do respondente do ente estadual P3: “se a gente olhar na própria relação federativa, a gente sabe que existe as competências também, desde lá na LDB, e isso é muito... existe um embate muito forte sobre isso, porque se estabelecem as competências, mas não se diz o como” (P3-Estado, 2016). A fala do representante do ente municipal P5 também exemplifica essa análise:

Há, ainda, um desalinhamento entre a autonomia e a colaboração. De verdade, de verdade, a colaboração é linda no papel, mas quando chega, para que se diga quem é quem na colaboração, quem faz o que, isso não se estabelece. E se estabelece, minimamente, por força da lei. Mas nunca por conta de um diálogo regido pela autonomia. Então talvez o nosso país ainda tenha muito a caminhar na discussão desse modelo gerencial, político-administrativo, político-econômico-administrativo, para que essa modelagem permita ao município ser “o município”, ser “este município”. (P5-SME, 2016)

O conjunto das ideias presentes nas citações reforça a discussão sobre a necessidade de uma melhor articulação entre os entes para efetivar o regime de colaboração e concretizar o federalismo cooperativo na área da educação. Como a Constituição de 1988 já sinalizou diretrizes nesse sentido, fazendo menção à autonomia e ao regime de colaboração, resta regulamentar as estratégias e as ações necessárias para cumprir o compromisso legal (Cury, 2010; Dourado, 2013). No âmbito do PAR, estima-se que, em uma visão mais alargada, este representa uma atividade que promove um exercício em prol do regime de colaboração - exercício no sentido de treino, de preparação. O PAR repousa nas regras do jogo federativo, mas não recai no dilema da tomada de decisão conjunta nem no “jogo de empurra”, pois, ao coordenar o PAR, o MEC procurou definir a atuação de cada ente. Acontece que esses papéis não ficaram claros, porque não houve um chamamento para a participação das unidades subnacionais na fase de concepção do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), Plano de Metas e PAR, e na fase de elaboração não ficou claro que o PAR não seria mais um pedido, uma cobrança do MEC, e sim um projeto conjunto.

No contexto do federalismo cooperativo, há um conjunto de deliberações para a atribuição de competências entre os diferentes níveis de governo, tanto para a formulação quanto para a implementação de políticas públicas (Obinger, ­Leibfried e Castles, 2005). Essas disposições são evidentes no âmbito do PAR, pois há a distribuição de responsabilidades para os entes nacional e local. No entanto, os municípios podem ter demonstrado dificuldade de compreender seu papel, mesmo havendo no SIMEC, em cada subação, a clara definição do ente responsável pela execução. Por sua vez, os parâmetros do SIMEC podem ser insuficientes para tornar o desenho do PAR de fácil apreensão aos entes locais. Essa situação é compreensível, tendo em vista que no decorrer da trajetória das instituições públicas os compartimentos estanques deixam de existir para dar lugar a uma necessidade constante de discussão intergovernamental, visando à negociação e a uma melhor definição das jurisdições dos níveis de governo (Cameron, 2001).

As dificuldades de compreensão do papel do município no PAR foram tão substanciais que levaram o MEC a divulgar, em dezembro de 2009, mais um manual de instruções, além de todos os já publicados, destinado ao esclarecimento da lógica envolta nos planos de ação do PAR. Esse documento, intitulado Guia de acompanhamento das ações monitoradas no PAR dos municípios, traz informações sobre:

  • subações que antecedem a execução do programa;

  • subações de execução do programa;

  • subações posteriores à execução do programa (Brasil, 2009b).

Com esse documento, o MEC intenciona, em primeiro lugar, tornar mais claro o desenho atribuído aos planos; depois, chamar o município à responsabilidade para executar as subações que foram a ele atribuídas; em terceiro lugar, dizer que os planos são compartilhados, por isso cada um tem seu papel, e, finalmente, explicar que o município não deve esperar pelo MEC, pois, caso não tenha havido uma comunicação top-down, o ente local deve ir em busca de informações. Dito isso, julga-se que o MEC deveria ter imputado essa lógica dentro do SIMEC: um simples agrupamento de subações em grupos de antecedentes, de execução e de consequentes poderia ter minimizado a confusão de interpretações que gerou nos municípios, e, ainda, deveria melhorar a sistemática de execução das ações sob sua responsabilidade, pois o papel de estabelecer uma conexão com o município é seu, e não o contrário.

TRANSPARÊNCIA NAS INICIATIVAS

A transparência na administração pública configura-se como uma base fundamental para a efetivação do pacto federativo. Essa temática reúne cinco citações e indica a presença de problemas na execução do PAR, especialmente no que se refere ao armazenamento de dados antigos. O secretário P5 relata que o módulo de acompanhamento de obras foi substituído por outra versão, mas as informações anteriores se perderam, as quais tinham sido inseridas pelo gestor anterior, deixando uma lacuna de difícil solução, pois não se sabia onde resgatar tais informações que, acreditava-se, estavam armazenadas e protegidas no SIMEC. Fazendo uma alusão às palavras do ministro Fernando Haddad, quando lançou o PDE e disse que o PAR evitaria “a destruição da memória do que foi adotado” (Haddad, 2008, p. 12), o secretário P5 critica a mudança, afirmando: “o PAR que foi criado, também com intuito de dizer que era um grande repositório da memória nacional, bastou trocar o sistema que a memória nacional foi pelo ralo”.

Paralelamente, quando questionados sobre a consulta pública ao PAR 2011-2014, os entrevistados P1 e P2, da União, informam que ela não está disponível. Isso significa que só é possível visualizar as informações do PAR 2011-2014 quando se possui a senha do SIMEC, ou seja, fere-se o princípio da transparência, pois o acesso à informação ficou restrito. Isso repercute, portanto, no âmbito da transparência, em pouca iniciativa para o conhecimento popular, em vez de existirem processos abertos ao domínio público com linhas claras de responsabilidade democrática, nos termos sugeridos por Cameron (2001).

Adicionalmente, como já foi discutido antes, o MEC não respondeu aos pedidos formalizados pelo município no PAR, deixando-o à espera do que iria ser atendido sem saber se seria, como ou quando seria. O MEC também feriu o aspecto da transparência ao não acompanhar os resultados das ações. Mesmo que deixasse essa tarefa a cargo do município, não se preocupou em reunir informações que permitissem a visualização de um panorama nacional da execução do PAR.

CONCLUSÃO

Ao investigar o PAR, verificou-se um contexto que envolve o federalismo cooperativo e suas nuances, perpassando por categorias como a descentralização, a autonomia e a cooperação e, simultaneamente, o arcabouço instituído para sustentar essa política educacional, a saber: relações intergovernamentais cujo cerne está na dependência do ente local perante o nacional, prevalecendo a autoridade hierárquica entre os entes.

Para concluir, destacam-se os elementos promissores e os contraproducentes encontrados com a pesquisa. A melhoria do relacionamento com os municípios, os quais reconhecem as ofertas mediadas pelo PAR como relevantes para a gestão da educação, aliada à redução das distâncias e à tentativa de rompimento da tradição política de clientelismo, representa benefícios para a gestão das relações intergovernamentais. Adicionalmente, os ganhos obtidos com o uso da tecnologia da informação utilizada no SIMEC são incontestáveis. Porém falta gerenciar todas as etapas da gestão educacional (planejamento, execução e avaliação) de uma forma melhor.

Em contrapartida, a fragilidade da capacidade técnica e as dificuldades de manuseio da tecnologia da informação conduziram os gestores educacionais a transferir seu papel para terceiros em detrimento de uma atuação mais presente no planejamento do PAR. No entanto, o impasse mais concreto está relacionado à autonomia dos municípios, pois as prioridades estabelecidas pelas unidades descentralizadas permaneceram restritas aos interesses da unidade central. Esse ponto é bastante controverso no PAR, pois, em vez de proporcionar o fortalecimento do regime de colaboração na prática, tem evidenciado limites que impedem sua efetivação nesse contexto.

Sendo autônomos, os municípios deveriam valer-se de seus próprios meios, vontades e princípios para conceber as políticas educacionais. De acordo com os princípios federativos, esse deveria ser um movimento espontâneo, intrínseco ao processo de planejamento. O motivo pelo qual isso acontece já está bastante claro: os processos de elaboração e de execução do PAR não caracterizam a descentralização, e sim um processo de desconcentração administrativa.

Ao pensar no provimento das políticas sociais como uma responsabilidade de todos os entes, deveria haver uma ação conjunta que caracterizasse a existência de projetos de auxílio mútuo, mas isso não foi possível constatar na construção do PAR. Nas relações intergovernamentais, a ausência de transparência da gestão do PAR também implica deformidades quanto à clareza no compartilhamento do poder, considerando não haver regras claras de atuação em cada nível de governo. O papel dos estados na elaboração/execução do PAR dos municípios não está evidente, pois cada estado opera conforme sua conveniência, tornando marcante a estratégia do MEC de relacionamento direto com os municípios, pois inexistiram diretrizes nacionais que direcionassem uma atuação no intuito de relações entre os três entes.

Por fim, avalia-se que, se os sistemas políticos nos quais prevalece o federalismo caracterizam-se pela interdependência mútua, o equilíbrio entre as relações intergovernamentais é, portanto, decisivo para que haja eficácia na combinação de unidade e diversidade. Do ponto de vista do pacto federativo, considera-se que o PAR garante a unidade, pois se trata de uma política uniforme para todos os municípios, mas o faz em detrimento da diversidade, por não primar por um processo cooperativo que equacione a assimetria entre os entes. O equilíbrio é um objetivo-chave aqui, originando-se pelo movimento que congrega circunstâncias locais específicas com a necessidade de coordenação das políticas.

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1Uma rede é definida como um conjunto de nodes (nós) e links (ligações), por isso, para construir as semantic networks (redes semânticas), o que se faz é determinar links para expressar mais claramente a natureza das relações entre os conceitos, ligando conjuntos de elementos semelhantes em um diagrama visual (network view) de nodes (ATLAS.ti, 2013). Para a pesquisa, fez-se uso das funções específicas de nodes do tipo code families (categorias) e links do tipo code-code-relations para a construção de networks e, consequentemente, network views.

2Por exemplo, P1-União refere-se ao primeiro entrevistado, o qual é representante do ente União; P5-SME identifica o quinto entrevistado, que representou o dirigente da Secretaria Municipal de Educação (SME) de Campina Grande; P9-Equipe_SME é o nono respondente, integrante da equipe da SME de Campina Grande, sempre nessa lógica.

3Orienta-se que a equipe técnica local seja composta por: dirigente municipal de educação, técnicos da SME e representantes dos diretores de escola, dos professores da zona urbana e da zona rural, dos coordenadores ou supervisores escolares, do quadro técnico-administrativo das escolas, dos conselhos escolares e, quando houver, do Conselho Municipal de Educação (Brasil, 2008, p. 6).

4A ação de correção do fluxo está vinculada ao indicador 3.2.4 - Política específica de correção de fluxo e compreende subações para a superação das dificuldades de aprendizagem, para a prevenção da distorção idade-série, bem como atividades para reverter a situação de fracasso escolar, sendo organizada por três instituições: Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação (GEEMPA), Instituto Alfa e Beto (IAB) e Instituto Ayrton Senna (Brasil, 2009a).

Recebido: 04 de Agosto de 2017; Aceito: 05 de Março de 2018

Emmanuelle Arnaud Almeida é doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). E-mail: emmanuelle.almeida@ifpb.edu.br

Antônio Cabral Neto é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: cabraln@ufrnet.br

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