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Revista Brasileira de Educação

versión impresa ISSN 1413-2478versión On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.24  Rio de Janeiro  2019  Epub 22-Mayo-2019

https://doi.org/10.1590/s1413-24782019240019 

Artigos

O que os professores (não) podem dizer? A experiência canadense e a “Escola sem Partido”

Qué (no) pueden decir los maestros? La experiencia canadiense y la “Escola sem Partido”

Tatiana Feitosa de Britto I  
http://orcid.org/0000-0002-4530-3668

ISenado Federal, Brasília, DF, Brasil.


RESUMO

Este artigo aborda o debate em torno do movimento Escola sem Partido em contraste com o escopo da liberdade de expressão dos professores de escolas públicas de educação básica no Canadá. A experiência canadense é analisada com base em legislação e decisões judiciais emblemáticas, contribuindo para estabelecer um marco de reflexão para o debate brasileiro. Os achados identificam quatro balizas adotadas naquele país: espaços ampliados de controle da expressão docente como consequência dessa identidade profissional; interdição de discursos discriminatórios ou de ódio pelos professores; valorização da dissonância cognitiva como ferramenta pedagógica para abordar temas sensíveis em sala de aula; e possibilidades de engajamento crítico no campo da política educacional. A análise conclui que o binômio confiança/responsabilidade norteia a interpretação da liberdade de expressão dos professores canadenses, em contraposição a premissas e práticas do Escola sem Partido.

PALAVRAS-CHAVE: Escola sem Partido; liberdade de expressão; Canadá; professores

RESUMEN

Este artículo aborda el debate sobre el movimiento Escola sem Partido en contraste con el alcance de la libertad de expresión de los maestros de escuelas públicas de educación básica en Canadá. La experiencia canadiense se analiza a partir de la legislación y de las decisiones judiciales emblemáticas, contribuyendo a establecer un marco de reflexión para el debate brasileño. Los hallazgos indican cuatro dimensiones del tema en aquel país: existencia de espacios ampliados de control de la expresión docente como consecuencia de la identidad profesional docente; interdicción de discursos discriminatorios o de odio por los maestros; valorización de la disonancia cognitiva como herramienta pedagógica para abordar temas sensibles en el aula; y posibilidades de críticas sobre la política educativa. El análisis concluye que el binomio confianza/responsabilidad orienta la interpretación de la libertad de expresión de los maestros canadienses, en contraposición a premisas y prácticas del movimiento Escola sem Partido.

PALABRAS CLAVE: Escola sem Partido; libertad de expresión; Canadá; maestros

ABSTRACT

The paper discusses the policy debate prompted by Escola sem Partido in contrast with the scope of freedom of expression for public schoolteachers in Canada. The Canadian experience is drawn from legislation and landmark case law so as to provide a frame to reflect on the Brazilian debate. Our findings point to four dimensions of the issue in Canada: extended sites of control for teachers’ expression due to their professional identity; interdiction to engage in discriminatory or hate speech; value attached to cognitive dissonance as a pedagogical tool for addressing sensitive topics in class; and possibilities for engaging in political advocacy in the education field. The analysis concludes that the binomial of trust/responsibility guides the interpretation of teachers’ freedom of expression in Canada, in contrast with premises and practices of Escola sem Partido.

KEYWORDS: Escola sem Partido; freedom of expression; Canada; schoolteachers

INTRODUÇÃO

Com base em análise sobre a experiência canadense, este artigo busca contribuir para o debate sobre a liberdade de expressão dos professores brasileiros no âmbito das propostas encampadas pelo movimento Escola sem Partido. Não se trata de identificar lições que possam ser transpostas de um país a outro, tendo em vista contextos históricos, sociais e institucionais singulares, mas sim de trazer uma perspectiva de análise comparativa que demonstre como um sistema educacional descentralizado e heterogêneo, em uma sociedade capitalista democrática e pluralista, como o Canadá, define e justifica parâmetros para a liberdade de expressão da categoria docente.

Para tanto, o texto apresenta, primeiro expondo um panorama do movimento Escola sem Partido, as normas sociais e a legislação canadense sobre o tema, bem como as balizas que emergiram das principais decisões judiciais relacionadas à liberdade de expressão dos professores naquele país. Em seguida, expressa algumas considerações finais resultantes do contraste da experiência canadense com os termos da proposta em debate no Brasil.

O MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO

O artigo 5º da Constituição Federal assegura a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato; a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença; assim como a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Na seção dedicada à educação, definida como direito de todos e dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade, a Carta inclui entre os princípios do ensino a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, além do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. A esses princípios constitucionais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional acrescenta o respeito à liberdade e o apreço à tolerância.

Esses princípios encontram-se no cerne da disputa em torno do chamado movimento Escola sem Partido, que se caracteriza como uma “associação informal, independente, sem fins lucrativos e sem qualquer espécie de vinculação política, ideológica ou partidária” (Escola sem Partido, 2017). O movimento declara ter-se inspirado em iniciativa similar fundada nos Estados Unidos e alega que numerosas escolas no Brasil, públicas e privadas, da educação básica à educação superior, são alvo de elevado “grau de contaminação político-ideológica” em virtude da doutrinação por parte dos professores (Escola sem Partido, 2017). Segundo o movimento, haveria um proselitismo docente propagando ideologias esquerdistas, contrárias a diversos valores sociais, como a família tradicional e o livre-mercado, os valores cristãos e a própria ordem capitalista. Também haveria apropriação de direitos parentais relacionados ao ensino de preceitos morais conformes às convicções de cada família.

Como evidências, a página do movimento na internet, além de compilar artigos favoráveis a suas bandeiras, apresenta testemunhos enviados por pais e alunos; vídeos e áudios com o que é apontado como flagrantes de doutrinação em salas de aula; e cópias de postagens feitas por professores em redes sociais (Escola sem Partido, 2017). A página também apresenta dados de uma pesquisa de opinião publicada pela revista Veja, com três mil respondentes, que integrou reportagem especial sobre a educação brasileira.

A reportagem, com características de editorial, destaca a qualidade “medíocre” do sistema educacional brasileiro e a aparente cegueira da sociedade para esse problema. As supostas razões para esse descasamento entre a realidade e a percepção social teriam duas vertentes, segundo a revista. De um lado, a má formação inicial dos professores, gerando docentes ignorantes e adeptos de visões esquerdistas arcaicas e simplistas sobre os fenômenos sociais. De outro, a visão equivocada da própria categoria docente sobre sua missão precípua, já que, enquanto 78% dos professores entendiam sua principal tarefa como “formar cidadãos”, apenas 8% declaravam ser o ensino das matérias escolares sua missão central (Weinberg e Pereira, 2008).

A lógica de ação do Escola sem Partido adota uma mescla de monitoramento e de intimidação dos docentes. O movimento defende que alunos e pais - sob a proteção do anonimato, se assim o desejarem - denunciem práticas de “doutrinação” experimentadas nas escolas por meio da exposição pública dos supostos doutrinadores. O movimento disponibiliza também um modelo de “notificação extrajudicial”, que pode ser utilizado pelos pais, igualmente de forma anônima, como uma espécie de aviso aos professores. Os termos desse documento incluem a afirmação de que a liberdade de ensinar não se confunde com a liberdade de expressão em sala de aula, assim como a ameaça expressa de que eventuais práticas de doutrinação seriam não apenas amplamente divulgadas, mas também judicializadas, gerando penalidades criminais e ações civis de reparação de danos.

Outra linha defendida pelo movimento é a inclusão de cartazes em todas as salas de aula do país, listando os seguintes “deveres do professor” (Escola sem Partido, 2017):

  • O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.

  • O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.

  • O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

  • Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa - isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

  • O professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

  • O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.

Brait (2016) esclarece que o primeiro registro formal do Escola sem Partido foi uma página na internet criada em 2004 pelo advogado e promotor que até hoje atua como seu coordenador e sua face mais visível. Mas foi só uma década depois, no contexto da crise institucional de 2014, que a visibilidade do movimento cresceu e suas propostas foram amplificadas, seja nas redes sociais, seja nos protestos contra o governo do Partido dos Trabalhadores. Foi também nesse período que diversos projetos de lei foram apresentados por legisladores em âmbito municipal, estadual e federal com o objetivo de incorporar as ideias do movimento ao ordenamento jurídico. Alguns desses projetos agregavam às propostas mais gerais do Escola sem Partido vedações expressas à abordagem de educação sexual e de questões de gênero no ambiente escolar.

À medida que as propostas do Escola sem Partido ganhavam terreno no debate político, cresciam também as reações contrárias a elas. Sindicatos de professores, estudantes secundaristas e ativistas da educação criticavam o movimento, caracterizando-o como uma mordaça, que pregava a censura e, sob o manto de uma suposta neutralidade, promovia uma agenda conservadora, anacrônica e autoritária. Para os críticos, essa agenda desconsidera valores fundamentais da diversidade e do pluralismo, distorcendo os verdadeiros problemas da educação brasileira e fomentando táticas intimidatórias e a judicialização das relações sociais, de modo que pudesse minar a confiança entre os atores no seio da escola (Ação Educativa, 2016).

As disputas sobre o Escola sem Partido têm-se desenvolvido não só nas casas legislativas, mas também no Poder Judiciário. A primeira lei aprovada pelos apoiadores do movimento, no estado de Alagoas, teve sua constitucionalidade contestada e foi liminarmente suspensa pelo Supremo Tribunal Federal em 2017. Outras normas posteriormente aprovadas têm seguido o mesmo caminho. Na decisão de 2017, o relator apontou vários conflitos entre a lei do Escola sem Partido e a Constituição, destacando também que seu teor contrariava tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

A agenda do movimento, contudo, permanece em pauta na arena política, e o resultado final dessa disputa ainda está por vir.

A EXPERIÊNCIA CANADENSE: DAS LEIS À JURISPRUDÊNCIA

Os marcos legais relativos à liberdade de expressão dos professores canadenses decorrem da chamada Carta de Direitos e Liberdades (Charter of Rights and Freedoms), incorporada à Constituição daquele país em 1982. O artigo 2º dessa Carta arrola, entre as liberdades fundamentais asseguradas a todos pela sociedade canadense, a liberdade de pensamento, crença, opinião e expressão. Na prática, eventuais litígios envolvendo esse dispositivo costuma girar em torno da liberdade de expressão, propriamente dita. A própria Suprema Corte do Canadá já declarou, nesse sentido, que a “liberdade de ter opiniões é mais ampla do que a de agir com base nelas”.

Além desse artigo, também o artigo 15 da Carta, relacionado à igualdade e ao direito a não discriminação, já foi invocado em questões relacionadas à liberdade de expressão docente. Esse dispositivo estabelece que todos são iguais perante a lei e têm o direito de igual proteção e benefício sem discriminação, especialmente de raça, nacionalidade ou origem étnica, cor, religião, sexo, idade ou deficiência.

O artigo 1º, por sua vez, é outro dispositivo muito relevante. Ele apresenta parâmetros para uma exegese sistemática dos demais dispositivos da Carta. Esse artigo dispõe que os direitos e liberdades garantidos na Carta sujeitam-se tão somente a limites razoáveis prescritos em lei, que possam ser justificados em uma sociedade livre e democrática. Essa cláusula, conhecida como a “cláusula dos limites razoáveis”, baliza a ponderação de direitos individuais e coletivos em conflito, explicitando que a garantia de direitos e liberdades do cidadão é sempre interpretada de modo qualificado, e nunca absoluto.

Sendo um país de tradição jurídica mista, que combina normas codificadas com o direito consuetudinário da jurisprudência, o Canadá adota testes legais sistemáticos em seus julgamentos, que garantem certa uniformidade lógica nos julgados. Nos casos envolvendo alegações relativas à liberdade de expressão, dois testes são usualmente empregados para a solução dos litígios. O primeiro verifica se, de fato, o caso pode ser caracterizado como uma violação da liberdade de expressão; o segundo avalia se essa violação pode ser justificada pela cláusula dos limites razoáveis prevista no artigo 1o da Carta.

Além do texto constitucional, o tema é objeto, de modo indireto, das normas provinciais que regem a educação no país. Com um sistema educacional altamente descentralizado, a normatização da educação básica canadense se dá, essencialmente, no âmbito de suas dez províncias e da regulamentação infralegal no nível do distrito escolar. Todas as províncias contam com uma lei específica sobre educação, e cerca de metade delas tem também lei específica regulamentando a profissão docente.

Apesar das diferenças entre as províncias, Delaney (2007, p. 31-41) argumenta que as leis de educação canadenses compartilham similaridades importantes. No que se refere aos professores e às expectativas a que estão sujeitos, o autor identifica quatro grandes temas:

  1. o ensino do currículo prescrito;

  2. mecanismos de accountability;

  3. requisitos para a manutenção da ordem e da disciplina escolar; e

  4. profissionalismo.

A ideia de profissionalismo, a par de se fazer presente na legislação, aparece nos códigos de ética dos sindicatos docentes provinciais e nos padrões para a categoria, estabelecidos por órgãos de regulamentação profissional, como o Colégio dos Professores de Ontário e a Agência Regulatória dos Professores de British Columbia. Trata-se de uma noção associada não apenas à posse de certas qualificações e expertise, mas também a um discurso normativo em torno de condutas esperadas diante da responsabilidade atribuída ao profissional docente pelo conjunto da sociedade. O pilar desse discurso normativo, no Canadá, é a confiança depositada nos profissionais docentes, que conforma a construção de uma identidade para a categoria.

Nesse sentido, um elemento-chave na legislação e na jurisprudência canadense é a expectativa de que os professores espelhem modelos de conduta para os alunos. A consequência disso é que existe um nível elevado de escrutínio público sobre o comportamento docente, que se estende para além dos muros da escola e estabelece parâmetros de conduta mais elevados para a categoria em comparação com outros profissionais ou cidadãos comuns. Em tempos de engajamento digital na internet e nas redes sociais, essa dimensão expandida do controle sobre a expressão docente ganha contornos ainda mais amplos (MacKay, Sutherland e Pochini, 2013; Mackenzie, 2016; Scarfo e Zuker, 2011).

Outro aspecto do discurso normativo em torno dos professores canadenses refere-se a seu papel de “guardiães culturais”. Nesse pensamento, os docentes encarnam a categoria a que o conjunto da sociedade delegou a tarefa de transmitir seus princípios e ideais às novas gerações. Piddocke, Magsino e Manley-Casimir (1997, p. 205-208) apontam que, se os ideais esposados pelos diferentes atores do sistema convergem, essa perspectiva não causa dúvidas ou problemas. Contudo, quando há divergências relevantes entre os ideais compartilhados pelos professores e aqueles prevalecentes na comunidade escolar ou na localidade em que a escola se situa, podem ser impostas restrições ao discurso docente, seja por atores externos e da própria escola, seja por mecanismos tácitos de autocensura dos próprios professores.

Entre esses valores, têm destaque aqueles expressamente contidos na Constituição do país. Assim, as leis, normas sociais e a jurisprudência entendem que o apreço a esses valores - tais como o multiculturalismo, a diversidade, a tolerância e a não discriminação - deve ser absorvido e reproduzido pelo sistema público de educação e pelos professores, como porta-vozes de tais preceitos. De modo geral, diferentes decisões judiciais lidaram com docentes que contradiziam esses valores, não só em sua prática profissional, mas também fora dela, e permitiram que sua liberdade de expressão fosse tolhida por considerarem que o discurso por eles adotado impedia a manutenção de um ambiente escolar positivo, causava dano (real ou potencial) aos alunos e impactava negativamente a reputação e a integridade do próprio sistema de ensino.

De fato, esses dois atores - os alunos e as estruturas de governança dos sistemas de ensino - fazem parte de uma complexa teia de relações e interesses que afetam a liberdade de expressão dos professores. Kindred (2009) aponta que, se, por um lado, a liberdade de expressão é normalmente entendida como um direito individual a ser protegido dos excessos do Estado, no contexto educacional ela envolve múltiplos componentes, incluindo pais, alunos, professores, gestores escolares, órgãos profissionais, sindicatos e ministérios da educação. Nesse emaranhado de atores, Clarke (2013) identifica uma trilogia de interesses fundamentais, composta pelos pais, pelas crianças e pelo Estado. Potenciais conflitos entre essa trilogia podem manifestar-se de modo mais agudo quando os professores abordam temas “sensíveis” em sala de aula - como as questões tipicamente ligadas à moralidade, religião, sexualidade ou política.

Nem todos esses atores recebem a mesma primazia para tomar decisões sobre a educação dos alunos canadenses. As cortes daquele país reconhecem o papel primordial dos pais na educação e no desenvolvimento moral dos filhos. No entanto, os direitos parentais não são considerados absolutos. Eles se fundamentam na noção do “melhor interesse da criança”, um conceito que também se encontra presente na legislação educacional de diferentes províncias, embora tenha suas próprias dificuldades de operacionalização.

Disputas em torno do direito dos pais de receber notificações por escrito para que seus filhos possam ser retirados de classe quando se abordem temas de natureza sensível do ponto de vista sexual ou religioso, por exemplo, ilustram as dificuldades nesse quesito. Há províncias, como Alberta, em que esse direito está inscrito na legislação. No entanto, essa possibilidade vem sendo judicialmente questionada em outras províncias, que consideram que ela é capaz de comprometer a segurança emocional e o sentido de pertencimento das crianças impedidas de participar de atividades escolares dirigidas a todos os alunos (Clarke, 2010).

Outro ponto de tensão para o escopo da liberdade de expressão docente diz respeito ao papel dos professores como funcionários de determinado distrito escolar, que, por sua vez, submete-se a uma determinada estrutura de governança provincial. Assim, professores que expressem abertamente no contexto escolar visões críticas à política educacional oficial podem enfrentar dificuldades. Os sindicatos são aliados importantes nesse campo de disputa, na medida em que são capazes de negociar convenções coletivas garantindo certa autonomia profissional aos docentes (Clarke e Trask, 2014), além de apoiarem financeiramente a defesa judicial de professores em litígio por esse tipo de questão.

A seção seguinte explora decisões judiciais que estabeleceram precedentes no campo da liberdade de expressão docente e discute como esse emaranhado de leis, discursos normativos e atores se traduzem na prática da jurisprudência.

A EXPERIÊNCIA CANADENSE NA PRÁTICA: QUATRO BALIZAS

Com base nas normas legais e nos discursos normativos que as fundamentam, as cortes canadenses, na esfera provincial e federal, têm avançado na definição do escopo da liberdade de expressão dos professores da educação básica à medida que casos concretos de litígio chegam a elas. A análise da jurisprudência identifica quatro balizas específicas estabelecidas pelo Judiciário daquele país.

A primeira baliza relaciona-se ao já mencionado aspecto ampliado do controle da liberdade de expressão docente decorrente da identidade profissional da categoria. Ainda nos anos de 1980, dois casos considerados emblemáticos confirmaram que a identidade profissional docente vai além dos muros e horários da escola.

O primeiro deles envolvia um processo movido por uma professora, Dian Cromer, contra o sindicato ao qual se filiava. Por haver criticado enfaticamente uma colega durante uma reunião de pais e mestres na escola em que trabalhava e mantinha seus filhos, Cromer recebeu uma sanção disciplinar do sindicato, fundamentada no código de ética profissional da categoria. Ela recorreu à justiça alegando ter-se expressado na qualidade de mãe, e não de professora, e que, por isso, a sanção disciplinar violava sua liberdade de expressão individual. O Judiciário, contudo, arguiu que os professores carregam consigo sua identidade profissional 24 horas por dia, 7 dias por semana, e manteve a sanção disciplinar.

O segundo caso envolvia um casal de professores, John e Ilze Shewan, que processou o distrito escolar que empregava a ambos. Professores em uma comunidade pequena e conservadora do interior do país, o casal sofreu sanções funcionais por má conduta profissional após terem de comum acordo publicado foto da esposa seminua em uma revista masculina. Em recurso à justiça, o casal alegou tratar-se de fato ligado a sua vida privada, sem relação com o exercício profissional. Embora em segunda instância a penalidade imputada aos Shewan tenha sido abrandada, a corte manteve o entendimento de que a sanção era devida, tendo em vista o efeito adverso que a publicação causara na comunidade escolar. Na decisão, a justiça defendeu que a natureza peculiar do trabalho docente exigia padrões de conduta mais elevados do que aqueles aplicados a outras categorias ou aos cidadãos comuns.

Analisando o caso Shewan três décadas depois de julgado, Mackenzie (2016) questiona se seu desfecho teria sido o mesmo hoje, considerando a evolução das normas sociais na seara comportamental. Ainda que não se possa obter uma resposta conclusiva a essa indagação, a autora lembra que a decisão judicial não se baseou em suposta ou alegada obscenidade da publicação, mas sim nos efeitos negativos sobre o ambiente escolar. Se esses fossem novamente experimentados, é possível que a sanção ao casal fosse mantida.

A segunda baliza definida pela jurisprudência sobre o escopo da liberdade de expressão dos professores canadenses relaciona-se a temas e discursos vedados por confrontarem valores fundamentais da sociedade canadense.

O caso mais famoso nesse campo foi uma ação penal movida pelo Estado contra um professor de estudos sociais, James Keegstra, que em sala de aula pregava o antissemitismo e chegava a negar a ocorrência do Holocausto. Keegstra foi demitido em 1983 e perdeu sua licença docente em 1985, mas a ação penal só se concluiu em 1990. Esse julgamento confirmou a constitucionalidade da legislação canadense contra o discurso de ódio e tornou-se um marco no país (Khan, 1997). Vale mencionar, contudo, que a demissão de Keegstra da carreira docente foi justificada com base em sua não aderência ao currículo provincial, bem como por fazer doutrinação, ao não admitir o dissenso de suas visões históricas espúrias.

Outro caso importante, de meados dos anos de 1990, foi movido por um professor, Malcom Ross, também acusado de promover publicamente o antissemitismo, ainda que fora do ambiente escolar, por meio da publicação de livros, entrevistas e artigos de jornal. Provocado pela reclamação de um pai, o distrito escolar aplicou sanções funcionais severas a Ross, sob o motivo de discriminação contra a população judaica, chegando a suspendê-lo de suas funções. A sanção inicialmente incluía o remanejamento do professor para uma função não docente e sua demissão sumária caso viesse a reincidir na conduta discriminatória. Recorrendo à justiça, Ross arguiu que sua liberdade de expressão individual estava sendo violada pelo distrito escolar. O caso chegou à Suprema Corte Canadense, que considerou a conduta de Ross discriminatória, ponderando que, mesmo se exercida fora de sua prática profissional, esse tipo de atitude envenenava o ambiente escolar, impedindo a escola de ser um espaço de tolerância e livre intercâmbio de ideias, no qual todos se devem sentir igualmente livres para participar. O prejuízo causado aos alunos, mesmo se potencial e não comprovado na prática, foi a consideração central da Suprema Corte para decidir que a violação da liberdade de expressão do professor, nesse caso, se justificava.

Destaque-se, contudo, que a corte aplicou a cláusula dos limites razoáveis da Carta de Direitos e Liberdades do Canadá para alterar a dosimetria da sanção estipulada pelo distrito escolar. A penalidade de demissão sumária por reincidência, mesmo se Ross estivesse exercendo função não docente, foi considerada excessiva pelos juízes, já que a sanção só se justificava pela sua posição como professor, e, portanto, “guardião cultural” dos valores e mensagens da sociedade canadense para as jovens gerações (Dickinson, 2005).

Essa decisão emblemática gerou precedente que determinou sanções aplicadas a professores manifestando discursos discriminatórios de outra natureza, como a discriminação racial e a homofobia, ainda que fora do ambiente escolar (Clarke e MacDougall, 2004; Dickinson, 2003).

A terceira baliza decorrente de decisões judiciais sobre a liberdade de expressão docente está relacionada à abordagem de temas sensíveis e controversos em sala de aula. Dois casos julgados no início dos anos 2000 estabeleceram exemplos importantes para confirmar o entendimento de que a educação básica no Canadá não deve ser entendida como espelho dos valores parentais, mas como janela para outras visões de mundo que permitam o desenvolvimento do pensamento crítico e a consolidação de uma sociedade plural e tolerante.

Em 2002, após uma década de litígio, foi encerrado o processo aberto pelo professor Richard Morin contra o distrito escolar que o retirou do quadro após ter dado início a um projeto com alunos do 9o ano sobre os vários sentidos de religião, que envolveu um contundente documentário sobre o fundamentalismo cristão. A decisão, favorável a Morin, acarretou até mesmo um pagamento de indenização. Levado à segunda instância, o caso discutiu profundamente o sentido da liberdade acadêmica para os professores da educação básica e a relação desse conceito com a liberdade de expressão em sentido amplo. Apesar de divergências entre os juízes, a decisão da maioria afirmou o valor da liberdade acadêmica como ferramenta para expor os alunos a diferentes pontos de vista, entendendo a livre expressão dos professores como um direito não só deles, mas também de seus alunos. Segundo essa perspectiva, a liberdade acadêmica - um conceito mais restrito que se refere ao grau de autonomia que um professor tem no contexto de determinado programa curricular - deve ser vista de modo complementar à liberdade de expressão docente: juntas elas garantem o exercício da profissão de professor com autonomia, em um contexto de confiança e responsabilidade (Clarke, 2013).

É importante mencionar que a cláusula dos limites razoáveis não chegou a ser invocada nesse caso (Waddington, 2011). Embora a decisão tenha refutado o poder absoluto dos diretores de escola de banir certos temas de sala de aula, remanesceu a possibilidade de que, em futuros casos concretos, possa haver restrições pontuais, amparadas pela noção de limites razoáveis prevista na Carta de Direitos e Liberdades. Mas esses limites, como diz a Carta, precisam estar amparados em lei e passar pelo crivo do detalhado teste legal que verifica sua proporcionalidade, razoabilidade e justificativa.

Outro processo decidido nessa época foi movido por um professor de pré-escola e 1o ano do fundamental, James Chamberlain, que foi impedido pelo distrito escolar de adotar como recurso pedagógico livros paradidáticos que retratassem famílias homoparentais. O distrito alegava que o material contrariava as visões esposadas pela maioria das famílias que atendia, muitas delas praticantes de religiões tradicionais. O caso, levado até a Suprema Corte do Canadá, concluiu que a ação dos gestores discriminava as famílias homoparentais e contrariava os valores pluralistas e inclusivos da sociedade canadense em geral. Nesse sentido, o julgamento reforçou a importância do conceito de dissonância cognitiva como ferramenta pedagógica, até mesmo para as crianças mais novas, a fim de apresentar-lhes visões de mundo nem sempre convergentes com as de seus pais. O objetivo, segundo a corte canadense, é o de fomentar a tolerância, o respeito e o acolhimento das minorias (Mackay, 2009). Essa decisão, de certo modo, desafiou a supremacia parental absoluta na definição do que deve ser o melhor interesse da criança (Clarke, 2013).

O espaço dado pela jurisprudência para o tratamento de questões sensíveis ou controversas não implica, contudo, que os professores canadenses estejam sempre dispostos a fazê-lo. De fato, as odisseias legais empreendidas pelos professores que levaram seus empregadores a julgamento, mesmo se vitoriosos ao final, ensejaram altos custos pessoais e financeiros a seus proponentes (Waddington, 2011). Além disso, como sublinha Hoben (2015), o modelo educacional hegemônico hoje, que sobrevaloriza a eficiência e os resultados de testes padronizados de desempenho dos alunos, contribui para que muitos professores se autocensurem, evitando tratar de questões sociais complexas, que possuem versões distintas para explicar as falhas sistêmicas para sua superação, tais como o racismo e a desigualdade social, por exemplo.

Por fim, uma última baliza decorrente de decisões judiciais a respeito da liberdade de expressão docente diz respeito à possibilidade de que os professores, em sua qualidade de especialistas em educação, manifestem-se criticamente sobre as políticas educacionais adotadas pelos governos de suas províncias. Esse tema está imbricado com questões de direito trabalhista, já que se refere à relação dos professores com seus empregadores (Clarke e Trask, 2013). Quatro casos, todos envolvendo disputas entre um sindicato docente em particular e a associação que reúne os distritos escolares da província em que se situam, British Columbia, sinalizam que os parâmetros nessa seara têm como fundamento básico a prevenção de prejuízos aos alunos. Esse foi o argumento utilizado para que manifestações políticas envolvendo paralisações em dias de aula fossem proibidas, visto que interferiam diretamente na oferta educacional. Foi também esse o argumento que impediu que professores utilizassem roupas e símbolos contrários à política de testes padronizados da província no dia em que tais provas eram aplicadas. A explicação era de que esse tipo de manifestação poderia afetar negativamente o resultado dos alunos.

Em contrapartida, manifestações críticas expressas em documentos dirigidos aos pais, seja pessoalmente, seja nos murais das escolas, ou mesmo em cartas enviadas às casas dos alunos, foram consideradas admissíveis. A condição era de que essas manifestações críticas apresentassem mensagens balanceadas e apartidárias, com foco exclusivo nos méritos ou deméritos da política educacional segundo a perspectiva da categoria docente.

Registre-se, por fim, que praticamente nenhum dos casos relatados foi decidido por unanimidade. De fato, o escopo da liberdade de expressão dos professores canadenses, embora se encontre razoavelmente demarcado, é um território que ainda pode ser disputado e apresenta contornos que se podem modificar a partir de decisões futuras sobre casos concretos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A premissa que fundamenta as decisões sobre o escopo da liberdade de expressão dos professores canadenses é o alto grau de confiança depositado nesses profissionais pela sociedade. Essa premissa parece ser o oposto do que sugerem o discurso e a prática do Escola sem Partido. A desconfiança, que se estende dos professores aos livros didáticos e chega ao próprio sistema educacional, é a tônica adotada pelo movimento, com sua abordagem de monitoramento permanente e utilização de táticas intimidatórias.

Essa desconfiança tem o potencial de gerar efeitos deletérios nas rotinas escolares. Ela alimenta um ambiente de hostilidade, no qual os professores se sentem acuados e os alunos são estimulados a adotar a execração pública como o modo padrão de resolução de conflitos. Dessa maneira, limitam-se as possibilidades de engajamento em diálogos produtivos na comunidade escolar - que constituem o cerne do que significa o próprio conceito de educação.

Confrontados com docentes que porventura apresentem visões claramente enviesadas e impedem o dissenso e o debate - fazem “doutrinação”, na terminologia do movimento -, seriam mesmo as denúncias anônimas e as ameaças jurídicas a melhor atitude a tomar? Seriam esses os caminhos mais adequados para promover a accountability dos professores? Seria razoável imaginar que o diálogo franco com a administração da escola e, se necessário, com os gestores locais pudesse gerar frutos mais promissores? A perspectiva de confronto permanente que o movimento incentiva estaria de acordo com o objetivo de pleno desenvolvimento da pessoa que a Constituição brasileira atribui à educação?

O outro lado da moeda da premissa de confiança adotada no Canadá é a responsabilidade dos professores. Um alto nível de confiança tem como contrapartida uma expectativa de alto grau de responsabilidade por parte dos profissionais docentes, que se materializa no dever de prevenir danos ou prejuízos aos alunos. Prejuízos, nesse sentido, devem ser entendidos de modo amplo, incluindo não só perturbações da rotina escolar que afetam o aprendizado, mas também danos potenciais ligados a abordagens discriminatórias contra determinados indivíduos e grupos populacionais.

De toda maneira, nos casos analisados pelo Judiciário canadense, o prejuízo real ou potencial precisou ser demonstrado e embasado em argumentos sólidos e exemplos concretos. Somente com essas demonstrações é que foram admitidas certas restrições à liberdade de expressão dos professores. Alegações genéricas sobre suposto proselitismo esquerdista, amparadas por evidências pontuais e artigos opinativos, dificilmente passariam por esse crivo de modo que pudesse justificar uma legislação de amplo alcance para limitar o que os professores brasileiros podem (e não podem) dizer.

Outro contraste da abordagem experimentada no Canadá em relação à proposta do Escola sem Partido refere-se ao espaço assegurado para o tratamento de temas sensíveis ou controversos na escola. A jurisprudência canadense valoriza a dissonância cognitiva como ferramenta pedagógica e o direito de aprender dos alunos como sujeitos distintos de seus pais. Isso traz certas prerrogativas de autonomia para a profissão docente, garantindo-lhe alta densidade.

No entanto, ao defender a primazia absoluta dos valores parentais em questões relacionadas à moralidade e à educação sexual, o movimento brasileiro abriga uma perigosa visão para a discussão de gênero e para a inclusão de alunos e famílias LGBT. Do ponto de vista dos alunos, os efeitos podem ser danosos àqueles que não se conformam aos modelos binários e heteronormativos, além de potencialmente terem implicações na própria saúde sexual e reprodutiva dos jovens, privados do acesso a informações relevantes sobre métodos contraceptivos e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo.

Essa abordagem, de certo modo, adota uma perspectiva tecnicista e de baixa densidade para a atividade docente. Para o Escola sem Partido, o papel do professor deve ficar sumariamente restrito à transmissão de informações, supostamente isentas de qualquer viés político ou moral. O ponto central dessa perspectiva é a ideia de neutralidade.

A noção de neutralidade é, sem dúvida, atraente e está presente em algumas discussões empreendidas pela jurisprudência canadense. Alguns juízes, ao reafirmarem os limites da liberdade de expressão docente, destacaram expressamente a importância de que as escolas não sejam transformadas em campos de disputa política e que os docentes tenham em mente sua posição privilegiada em relação a um público cativo e assimetricamente situado. A redação dos “deveres do professor” defendidos pelo Escola sem Partido também carrega essa visão de neutralidade.

No entanto, embora seja razoável defender que os professores devam evitar expressar preferências partidárias ou religiosas em sala de aula e não possam favorecer alunos com base em suas visões pessoais, os “deveres do professor” propostos pelo Escola sem Partido vão muito além e seriam operacionalmente muito mais complexos. Como se poderia verificar, por exemplo, se a alegação genérica de que os professores devem evitar emitir sua opinião é cumprida na prática? Considerando a importância de se desenvolver a cidadania e a participação social, seria razoável exigir que os professores fossem proibidos de encorajar seus alunos a participarem de movimentos cívicos envolvendo manifestações ou atos públicos? Como - e quem poderia - avaliar se as principais versões e visões concorrentes sobre temas socioculturais ou econômicos em sala de aula foram devidamente apresentadas?

A defesa da neutralidade como garantia do pluralismo de ideias é bem-vinda. Entretanto, como aponta a liminar que suspendeu a aplicação da primeira lei estadual encampando as propostas do Escola sem Partido, a neutralidade absoluta pode ser, na melhor das hipóteses, uma utopia (Brasil, 2017). Como sujeitos contextualmente situados, as visões de mundo de cada professor são inexoravelmente ligadas a sua história e posicionalidade específica.

Reconhecer esse fato não transforma os professores em monarcas absolutos da sala de aula (“class monarchs”, nos termos de Hess, 2010), totalmente livres e isentos de responsabilidade profissional. Esse reconhecimento, na verdade, permite afirmar e cobrar o dever de cada professor de exercer seu discernimento pedagógico ao lidar com temas complexos, respeitando as diretrizes curriculares existentes e os parâmetros acadêmicos vigentes em seu campo de atuação. Assim, é fundamental que os docentes abram espaço para o diálogo com respeito e tolerância em sala de aula, observando os preceitos da Constituição brasileira e o requisito de prevenção de danos aos alunos, que a jurisprudência canadense adota.

Na pior das hipóteses, o discurso da neutralidade pode encobrir dogmatismos que rotulam de doutrinação qualquer perspectiva divergente da sua (Brasil, 2017). Ainda, cabe lembrar que a crítica do movimento Escola sem Partido dirige-se apenas a um lado do espectro ideológico - difusamente definido como a “esquerda” - e deixa de reconhecer os vieses presentes em posições contrárias. Segundo o movimento, a doutrinação “de direita” nas escolas seria uma prática pouco comum, já que haveria tentativas organizadas e sistematizadas de doutrinação esquerdista na educação brasileira (Escola sem Partido, 2017). O movimento deixa de reconhecer seus próprios vieses, ao cercar-se do apoio de grupos religiosos, grupos políticos conservadores e entusiastas do livre mercado.

REFERÊNCIAS

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2British Columbia Public School Employers’ Association v. British Columbia Teachers’ Federation, 2005. British Columbia Court of Appeal 393.

3British Columbia Teachers’ Federation v. British Columbia Public School Employers’ Association, 2009. British Columbia Court of Appeal 39.

4British Columbia School Employers’ Association, School district n. 73 v. British Columbia Teachers’ Federation, 2011. CanLII 22936 (BC LA).

5British Columbia Teachers’ Federation v. British Columbia Public School Employers’ Association, 2013. British Columbia Court of Appeal 241.

6Chamberlain v. Surrey School District n. 36 (2002), [2002] 4 SCR 710, 2002. Supreme Court of Canada 86.

7Irwin Toy Ltd. v. Quebec (Attorney general), 1989, 1 S.C.R. 927.

8Kempling v. The British Columbia College of Teachers, 2004. BCSC 133.

9Morin v. Regional Administration Unit #3 (P.E.I.), 2002. PESCAD 9.

10R. v. Keegstra, 1990. 3 S.C.R. 697.

11R. v. Oakes, 1986. 1 S.C.R. 103.

12Re Cromer and British Columbia Teachers’ Federation, 1986 CanLII 143. British Columbia Court of Appeal.

13Re Peel Board of Education and Ontario Secondary School Teachers’ Federation, 2002, 105 L.A.C. (4th) 15 (Ont. Arb. Bd.).

14Ross v. New Brunswick School District n. 15, [1996] 1 SCR 825.

15Shewan v. Board of School Trustees of School District #34 (Abbotsford), 1987 CanLII 159 (BC CA).

16Trinity Western University v. British Columbia College of Teachers, 2001, 1 SCR 772, 2001. Supreme Court of Canada 31.

Recebido: 21 de Setembro de 2018; Aceito: 28 de Janeiro de 2019

Tatiana Feitosa de Britto é mestre em educação pela University of British Columbia (Canadá). Consultora legislativa no Senado Federal. E-mail: tbritto@senado.gov.br

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