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Revista Brasileira de Educação

versión impresa ISSN 1413-2478versión On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.24  Rio de Janeiro  2019  Epub 13-Jun-2019

https://doi.org/10.1590/s1413-24782019240020 

Artigos

O Programa Bolsa Família e o acesso e permanência no ensino superior pelo Programa Universidade para Todos: a importância do “eu me viro”*

El Programa Bolsa Família y el acceso y permanencia en la enseñanza superior por el Programa Universidade para Todos: la importancia del “yo me viro”

IPontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil.


RESUMO

Este artigo tem como objeto de pesquisa um grupo de alunos de baixa renda matriculados em cursos de ensino superior, cuja trajetória está associada a duas políticas públicas federais brasileiras: o Programa Bolsa Família e o Programa Universidade para Todos. Buscou-se compreender as trajetórias desses estudantes e suas estratégias individuais e/ou familiares para que eles pudessem acessar e permanecer na universidade, além de analisar seus pontos de vista sobre ambos os programas. A pesquisa baseou-se em nove entrevistas semiestruturadas com alunos de uma universidade sem fins lucrativos situada no interior do estado de São Paulo. As entrevistas sugerem que esse grupo reduzido de pessoas foi submetido a altas doses de esforço e de privação pessoal que podem ser considerados elevados mesmo em sociedades que pretendem ser meritocráticas. A presença constante de situações que denotam o “eu me viro” nos percursos escolares e no curso superior atual corrobora esse entendimento. O Programa Universidade para Todos é mais valorizado que o Bolsa Família, uma vez que se encaixa melhor em uma compreensão de ser uma política entendida como meritocrática, em vez de apenas uma política de transferência de renda.

PALAVRAS-CHAVE: Programa Universidade para Todos; Bolsa Família; ensino superior

RESUMEN

Este artículo tiene como objeto de investigación un grupo de alumnos matriculados en cursos de enseñanza superior, cuya trayectoria está asociada a dos políticas públicas federales brasileñas: el Programa Bolsa Família y al Programa Universidade para Todos. Se buscó comprender las trayectorias de esos estudiantes y sus estrategias individuales y/o familiares para que ellos pudieran acceder y permanecer en la universidad además de analizar sus puntos de vista sobre ambos programas. La investigación se basó en nueve entrevistas semiestructuradas con alumnos de una universidad sin fines de lucro situada en el interior del estado de São Paulo. Las entrevistas sugieren que este grupo reducido de personas fue sometido a altas dosis de esfuerzo y de privación personal que pueden ser considerados elevados, incluso em sociedades que pretenden ser meritocráticas. La presencia constante de situaciones que denota el “yo me viro” en los itinerarios escolares y en el curso superior actual corrobora este entendimiento. El Programa Universidade para Todos es más valorado que el Programa Bolsa Família, ya que éste encaja mejor dentro de una comprensión de ser una política meritocrática, em vez de sólo una política de transferencia de renta.

PALABRAS CLAVE: Programa Universidade para Todos; Programa Bolsa Família; enseñanza superior

ABSTRACT

This article focuses on a group of poor students enrolled in higher education courses whose trajectory is associated with two Brazilian federal public policies: the cash transfer Programa Bolsa Família and the Programa Universidade para Todos. It aims to understand the trajectories of these students and their individual and/or family members strategies so that they could access and remain at the university, as well as analyze their views on the Bolsa Família and the Programa Universidade para Todos. The research was based on semi-structured interviews with nine students of a non-profit university located in the state of São Paulo. The interviews suggest that this small group of people have been subjected to high doses of effort and personal deprivation that may be considered high even in societies that claim to be meritocratic. The constant presence of situations that denote the “I did myself” in the school pathways and in the current higher course corroborates this understanding. The Programa Universidade para Todos comes to be well valued than the Bolsa Família, since it fits better in an understanding of being a “meritocratic” policy, rather than the cash transfer policy.

KEYWORDS: Programa Universidade para Todos; Bolsa Família; higher education

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objeto de pesquisa investigar um grupo de alunos de origem pobre, matriculado em cursos de ensino superior, cuja trajetória está associada a dois programas públicos federais brasileiros focalizados: o Programa Bolsa Família e o Programa Universidade para Todos (Prouni). Trata-se de um grupo pequeno de pessoas que experimentou aquilo que muitos autores qualificam como destinos escolares atípicos, improváveis, de jovens socialmente desfavorecidos que obtiveram êxito nos estudos (Nogueira, 2014; Portes, 2015). Para que se possa ter noção do número reduzido de jovens de famílias beneficiadas com o Bolsa Família e que hoje estão na universidade, informações do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), disponibilizadas no sítio do Ministério do Desenvolvimento Social referentes a dezembro de 2016 para todo Brasil, indicam que apenas 1,2% deles, entre 18 e 29 anos, frequentava curso superior ou pós-graduação.1 No Brasil, a taxa líquida de matrículas no ensino superior de jovens entre 18 a 24 anos em 2015 era de 18,1%.2

O Programa Bolsa Família e o Prouni possuem critérios de elegibilidade e públicos-alvo distintos, embora ambos se destinem a pessoas de baixa renda (definidos por critérios diversos) e pode-se dizer que até certo ponto um complementa o outro. O primeiro é um programa de transferência de renda condicionada criado em 2003 pelo governo federal a partir da unificação e transformação de outras políticas de transferência de renda existentes. É destinado às famílias pobres, definidas pelo Ministério da Cidadania/Secretaria Especial do Desenvolvimento Social (Brasil, 2015) como aquelas que possuem renda de até R$178,00 mensais por pessoa. Na saúde, é exigido acompanhamento pré e pós-natal para mães e nutricional e de vacinação para as crianças. Na educação, exige-se frequência escolar mínima de 85% para crianças entre 6 e 15 anos e de 75% para jovens entre 16 e 17 anos. Ao longo de sua existência, o programa cresceu progressivamente e, dez anos após sua implementação, atendia a cerca de um quarto da população brasileira (Campello, 2013).

O Programa Universidade para Todos (Prouni) destina-se “à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais de 50% ou de 25% para estudantes de cursos de graduação em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos” (Brasil, 2005).3 A bolsa de estudo integral somente pode ser conferida aos alunos cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até um salário-mínimo e meio.4 Já as bolsas parciais são concedidas a alunos cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até três salários-mínimos.5 Para a concessão de bolsas, integrais ou parciais, é preciso que o aluno tenha cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral. A escolha do curso depende da nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o estudante precisa conseguir 75% de aprovação no total de disciplinas cursadas em cada período letivo (Almeida, 2015, p. 51). Tais características, como veremos, têm grande importância na maneira como os estudantes avaliam o Prouni. Em 2014, dez anos após sua formulação, o Prouni havia concedido 2.227.038 bolsas, das quais 1.296.935 eram integrais e 930.103 mil, parciais (Marques, 2015, p. 55).

Como se pode notar, o Bolsa Família tem como um de seus públicos-alvo crianças e jovens de até 17 anos, dos quais se exige frequência escolar mínima, e o Prouni destina-se a estudantes universitários que, em um sistema educacional seriado como o brasileiro, iniciam o curso de graduação com 17 ou 18 anos. Interessante notar que indícios do Prouni já estavam presentes no programa de governo do então candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, que o relacionava com programas de transferência de renda existentes indicando a complementaridade aqui sugerida. A proposta número 19 do documento intitulado “Uma escola do tamanho do Brasil” visava “Criar um Programa de Bolsas Universitárias, no âmbito do Programa Nacional de Renda Mínima, para beneficiar 180 mil estudantes carentes que estudem em cursos de qualidade comprovada e que, em contrapartida, realizem trabalho social comunitário” (Prado e Ant, 2002, p. 31).

As perguntas que fundamentaram esta pesquisa podem ser descritas da seguinte maneira. Como foram as trajetórias desses estudantes e suas estratégias individuais e/ou familiares (antes e depois do ingresso no ensino superior) para que eles pudessem acessar e permanecer em uma universidade? Que importância eles atribuem às políticas de inclusão, tais como o Programa Bolsa Família e o Prouni em seu percurso acadêmico? O lócus desta pesquisa é uma universidade sem fins lucrativos situada no interior do estado de São Paulo que possui alunos bolsistas do Prouni.6 As informações deste artigo baseiam-se em entrevistas semiestruturadas realizadas com nove estudantes, selecionados aleatoriamente do cadastro da instituição, e que possuíam experiência nos dois programas considerados (Prouni e Bolsa Família).

PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS/BOLSA FAMÍLIA: PERFIL DOS ALUNOS7

De um total aproximado de 18 mil alunos matriculados em cursos de graduação, o cadastro da universidade pesquisada apresentava em 2016 informações de 2.073 alunos bolsistas do Prouni (11% do total, aproximadamente). Desse conjunto, 120 alunos (6,1% do total de bolsistas) faziam parte de grupos familiares que recebiam ou tinham recebido benefício do Programa Bolsa Família. Todos os bolsistas do Prouni da universidade possuíam bolsas integrais, não havendo a concessão de bolsas parciais. É preciso destacar que, diferentemente da pesquisa de Almeida (2014), que privilegiou bolsistas do Prouni de instituições com fins lucrativos, a pesquisa que originou este texto foi feita com estudantes de uma universidade sem fins lucrativos. Como veremos mais adiante, os bolsistas do Prouni são a “nata” do grupo social de onde provêm (Almeida, 2014, p. 196); além disso, a vivência desses estudantes em instituições de ensino superior sem fins lucrativos implica algumas diferenças em relação aos bolsistas do segmento privado lucrativo. Trata-se, sobretudo, do reconhecimento social atribuído a essas universidades, que, como tal, é sempre relacional. Sampaio, ao tratar especificamente das instituições de ensino superior católicas, indica que essas instituições, desde a sua formulação na década de 1940, sempre reivindicou para si status diferencial, “seja como responsável pelo ensino em nome do Estado, [...] seja como provedora de um setor confessional alternativo, financiado nos mesmos moldes do ensino público” (Sampaio, 2000, p.48). Elementos de distinção estão presentes nas falas dos alunos pesquisados por Almeida (2014, p. 207) que frequentavam instituições sem fins lucrativos em comparação com os demais:

[...] o subgrupo considerado mais seleto são os portadores tanto do reconhecimento da dimensão escolar, já que pertencentes a cursos e universidades tidas como mais prestigiadas (PUC e Mackenzie) e, a um só tempo, possuidores de atributos que os colocam com vantagens na dimensão “cultural” do capital simbólico [...] A boa infraestrutura propiciada pela instituição universitária, também, configura-se como elemento distintivo.

Do conjunto de alunos da universidade pesquisada, que como vimos possui certa especificidade em termos de reconhecimento e prestígio dentro do segmento privado superior do Brasil, os alunos do Prouni faziam parte do grupo de estudantes mais pobres. Nesse sentido, números do cadastro da universidade indicaram que aqueles que recebiam ou já tinham recebido recursos do Bolsa Família perfaziam, entre os mais pobres da universidade, o grupo mais vulnerável socioeconomicamente. Como afirmou uma entrevistada do curso de direito que, quando perguntado se havia mais alguém que ela conhecia em sua sala que recebia o Bolsa Família, respondeu:

Não, tinha, tinha pessoas do Prouni, mas não da situação de precariedade como a minha [que recebe o Bolsa Família]. (Entrevistada, direito, 43 anos)

De maneira sintética, receber ou ter recebido o Bolsa Família aumentava as chances de esses alunos terem cursado o ensino médio somente em escola pública, de ter pai ou mãe com escolaridade inferior ao grupo dos demais alunos, com destaque para a elevada proporção, seja de pais, seja de mães, com ensino fundamental (completo ou incompleto). A porcentagem de pais apenas com ensino fundamental (completo ou incompleto) do grupo Prouni/Bolsa Família era de 38,4%, ou seja, 14,3 pontos percentuais superiores ao verificado em relação à instrução dos pais dos alunos somente Prouni. Em relação às mães dos alunos ex-beneficiários do Bolsa Família, 43,3% possuíam ensino fundamental completo, ante 31,4% dos demais alunos Prouni, diferença um pouco inferior àquela observada entre os pais (11,9 pontos), mas nem por isso menos significativa. No tocante às marcações de cor/raça, a porcentagem de estudantes que recebiam ou já tinham recebido o Bolsa Família que se declararam pretos ou pardos (54,2%) era mais que o dobro do verificado entre os demais alunos prounistas (25,4%). A proporção entre mulheres e homens era de 67,5% e 32,5%, em favor das mulheres do grupo Prouni/Bolsa Família, um pouco mais elevada quando se considerou o grupo dos bolsistas que nunca receberam o benefício (60% e 40%). Destaca-se que os alunos bolsistas ingressaram na universidade com uma idade média de 20,5 anos, acima, portanto, daquela esperada em um sistema de ensino seriado como o brasileiro, a saber, entre 17 e 18 anos. No que se refere à renda do aluno, os números denotam as dificuldades financeiras desse conjunto de estudantes, os quais possuem renda mensal 12% inferior em relação aos demais bolsistas do Prouni.

PERCURSO METODOLÓGICO

O Anexo 1 apresenta informações dos alunos(as) entrevistados(as). Utilizamos como técnica de pesquisa entrevistas semiestruturadas organizadas com base em um roteiro de questões composto de quatro blocos temáticos. O instrumento para coleta de informações previa algumas questões principais em cada bloco, mas com liberdade para que novas questões pudessem ser incluídas de acordo com a dinâmica das entrevistas. Os temas e as perguntas foram elaborados considerando-se o conhecimento acumulado em leituras de trabalhos que tratam de acesso e permanência de estudantes pobres no ensino superior, muitos dos quais utilizados neste artigo, além das hipóteses que nortearam a investigação. O primeiro bloco, por exemplo, intitulado caracterização do(a) entrevistado(a) e de sua família, continha perguntas sobre a trajetória educacional dos familiares do(a) entrevistado(a) e dele(a) mesmo(a) antes de seu ingresso na universidade. Interessava compreender, nesse bloco, o papel que a família exercia para facilitar (ou não) os percursos escolares longevos, dos quais trataremos mais adiante. O segundo e terceiro blocos traziam questões relacionadas ao ingresso e permanência na universidade, dois temas caros aos estudantes pobres matriculados no ensino superior, como atesta a literatura sobre o Prouni e sobre outras políticas de acesso que serão vistas na sequência. Perguntas relacionadas ao Prouni e ao Bolsa Família foram realizadas no bloco sobre permanência. O último bloco apresentava questões relativas à sociabilidade dos(as) entrevistados(as).

Todas as entrevistas ocorreram entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro de 2017, nas dependências da universidade. Os alunos convidados a participar foram selecionados aleatoriamente do cadastro de alunos bolsistas da instituição, desde que atendessem aos seguintes critérios: ser bolsista do Prouni e fazer parte de famílias que recebiam ou já tinham recebido recursos do Programa Bolsa Família. Os contatos iniciais foram feitos por e-mail. Aqueles que manifestaram interesse em participar da pesquisa foram contatados por telefone para agendar dia, horário e local de melhor conveniência para a entrevista. As transcrições das entrevistas foram feitas de maneira que pudesse preservar a linguagem oral, suprimindo informações que permitissem identificar o(a) entrevistado(a). As falas foram inicialmente categorizadas considerando os blocos temáticos previstos no instrumento da pesquisa. Como veremos a seguir, a exposição dos resultados da pesquisa preservou, em linhas gerais, a sequência e a estruturação previstas no roteiro da pesquisa.

TRAJETÓRIAS EDUCAIONAIS ATÍPICAS

Para que possamos compreender a longevidade desses jovens pobres no sistema escolar, torna-se importante analisar o caminho percorrido por eles antes de ingressarem no ensino superior. Trata-se, como veremos, de um percurso altamente seletivo, que faz com que somente “sobreviva” a “minoria dos melhores”, utilizando em sentido livre expressão cunhada por Elias e Scotson (2000). É necessário considerar que esse processo altamente seletivo, que impõe barreiras para o progresso educacional dos mais pobres, não se inicia com o advento das políticas aqui consideradas, sendo uma espécie de problema constante a perpassar a história das instituições escolares brasileiras (Freitag, 2005; Portes e Cruz, 2007; Saviani, 2004).

No tocante à questão da desigualdade de acesso aos sistemas de ensino, Forquin (1995) demonstrou que esse tema tem tido destaque na pesquisa educacional desde meados da década de 1960, seja na Europa, seja nos Estados Unidos. Os resultados dessas investigações, realizadas com base em diferentes amostras e metodologias, apontaram para um “fato estatístico maciçamente irrecusável”, qual seja, a desigualdade de acesso à educação entre os grupos sociais, “abalando a crença ‘liberal’ segundo a qual a expansão dos sistemas de ensino, a facilitação (legal ou material) do acesso aos estudos, a difusão das crenças e expectativas ‘meritocráticas’ eram em si mesmas fatores suficientes de ‘democratização’” (Forquin, 1995, p. 23). Relatórios como o de Plowden, para a Grã-Bretanha, ou o famoso Relatório Coleman, para os Estados Unidos, indicaram que a origem das desigualdades de desempenho dos alunos reside muito mais nas diferenciações de ordem familiar e social do que nas disparidades de ordem material ou pedagógica das escolas (Forquin, 1995, p. 32). Nesse sentido, uma série de investigações com foco nas atitudes e comportamentos das famílias, suas estratégias em relação ao acesso e permanência nos sistemas de ensino ganha força. No Brasil, é a partir da década de 1990 - em parte propiciado pelo interesse em considerar as histórias dos sujeitos dentro da pesquisa educacional (Portes, 2015), em parte pelo movimento de expansão e universalização do ensino fundamental obrigatório brasileiro, iniciado uma década antes e que contribuiu para a expansão das matrículas no ensino médio e superior verificada nos decênios seguintes (INEP, 2017; Oliveira, 2007) - que se verificou um conjunto mais amplo de produções acadêmicas a respeito de itineráiros escolares longevos e improváveis desse grupo de estudantes proveniente de famílias pobres.

Vários autores têm chamado atenção para a importância das transições escolares no percurso educacional, as quais tendem a ser implacáveis com os estudantes mais pobres. Como afirmam Junior, Mont’Alvão e Neubert (2015, p. 123-124):

A severa seletividade inicial faz com que apenas os mais capazes, talentosos e esforçados alunos de origem desfavorável alcancem as etapas seguintes. Seus atributos individuais acabam por ser valorizados pelo sistema de ensino e tendem a sobrepujar as desvantagens sociais. Assim, após as etapas iniciais, em geral as crianças em situação de desvantagem que vencem esses obstáculos demonstram talentos inatos e desenvolvem habilidades que tendem a facilitar êxito em etapas posteriores, o que tende a atenuar gradativamente os efeitos da origem

Viana (2014) alerta sobre a importância dos chamados “êxitos escolares parciais” nas trajetórias longevas. Segundo a autora,

Ainda que parciais, tais êxitos constituíram trunfos para a mobilização escolar dos próprios filhos/alunos e de suas famílias, ou seja, eles contribuíram para a instauração de uma espécie de “lógica do sucesso”, que apontava para a possibilidade de continuidade dos estudos, fomentando investimentos na escolarização daquele(a) filho(a) pela família. (Viana, 2014, p. 13-14)

Nas entrevistas realizadas, podem-se perceber várias situações que denotam esses êxitos parciais, especialmente nos(as) entrevistados(as) mais jovens que ingressaram na universidade em idade próxima daquela que seria desejada em um sistema seriado como o brasileiro, isto é, próximo dos 18 anos. Chama atenção o esforço desses sujeitos e de suas famílias em mobilizar recursos e acionar pessoas para fugir da escola pública de má qualidade. Vejamos alguns exemplos:

Assim, no primeiro e segundo ano começou a faltar muitos professores na rede pública. Então teve... Era constante professor de matemática, vinha substituto, de português, de ciências [...] E os professores começaram a faltar, e aí eu falei: “Não, eu preciso mudar isso”. Aí, na minha cidade tinha escola técnica, a ETEC, e eu falei pra minha mãe: “Mãe, eu não tenho aula de matemática, como que eu vou progredir?”. Aí eu falei: “Não, eu vou tentar por conta a... uma ETEC”, aí, muito assim, minha mãe disse que não ia conseguir me ajudar muito com estudo, olha, aí eu falei: “Não, mãe, pode deixar que eu me viro”. (Entrevistada, educação física, 23 anos)

Na pré-escola eu estudei na escola do meu bairro mesmo, que era pública, e não me lembro agora o nome. E aí, na primeira série eu ainda fiquei lá, até minha mãe me transferir no SESI. E aí da segunda a oitava eu estudei no SESI [...]. Aí no colegial eu tinha uns amigos que estudavam numa ETEC em São Caetano [...]. E nessa época minha tia tinha uma pizzaria. A gente morava na mesma rua. E eu trabalhava nessa pizzaria com ela. Aí eu queria muito passar no vestibulinho da ETEC. Aí eu fiquei um tempo sem trabalhar... seis meses eu me lembro [...] E aí eu fiquei estudando bastante, meu sonho de vida era passar lá. Aí eu passei e fui estudar na ETEC. (Entrevistada, biologia, 20 anos)

[...] eu sempre quis, assim, sair da minha escola municipal, da minha escola pública, isso sempre foi um desejo, assim, prestei várias bolsas, várias provas de exames de bolsas para escolas particulares, desde a quarta série. (Entrevistado, medicina, 21 anos)

É uma Fundação que eles colocam... para tornar integral a escola. Como eu moro em um bairro que é periferia, e normalmente eles fazem CDHU, eles colocaram um desse. Eu estudava de manhã na escola, à tarde eu tinha aula na Fundação. (Entrevistada, arquitetura, 20 anos)

Nota-se que são histórias cujo ponto comum foi o esforço de sair da escola pública de má qualidade e ingressar em escola pública de boa qualidade, no caso as escolas técnicas, ou em escolas particulares ou fundações que, exatamente por ofertarem um ensino melhor, são bastante disputadas, inclusive com processo seletivo para admissão. No caso da primeira entrevistada, destaca-se a ênfase dada nas expressões “eu me viro”, “eu vou tentar por conta”, denotando a importância conferida ao esforço pessoal nessa transição exitosa para o ensino médio. No segundo caso, fica claro que esse esforço não é somente pessoal, mas envolve também a família, uma vez que a entrevistada, para poder estudar para o exame de admissão na escola técnica, precisou deixar de trabalhar na pizzaria e, portanto, sua mãe teve que absorver a queda na renda proveniente desse trabalho. O terceiro caso retrata explicitamente o desejo de sair da escola pública, assim como a dificuldade em prestar o exame para bolsa em escola particular. A noção do “eu me viro”, nesse caso, aparece conjugada com o próprio trabalho do entrevistado no sentido de viabilizar seus estudos e, além disso, continuar contribuindo com a renda da família, como atesta o depoimento seguinte.

[...] Aí minha rotina era basicamente... eu acordava por madrugada, início da manhã, ia para a lavoura de diferentes tipos e aí depois eu voltava à tarde, quase próximo do horário da aula, tomava banho e ia para a aula. Então basicamente isso. E aí, isso... e aí foi uma rotina mais cansativa, exaustiva, às vezes várias vezes dormia na aula. (Entrevistado, medicina, 21 anos)

O sentido do “eu me viro”, que como vimos abrange não apenas o indivíduo, mas também a sua família, indica certo desamparo em relação às instituições escolares que não estariam fazendo a sua parte em propiciar condições para um melhor aprendizado. São pessoas que parecem sempre estar correndo atrás de algo para compensar um déficit inicial dado pela sua posição social. Pesquisa de Almeida, realizada com cerca de 50 alunos prounistas do estado de São Paulo, indicou também grande descontentamento em relação ao ensino público. Uma série de problemas presentes no espaço da escola pública marca a trajetória desses alunos, tais como a falta constante de docentes, problemas com a formação dos professores, precariedade das instalações materiais, entre outras. A saída é semelhante à observada nas entrevistas, ou seja, “se virar” para sair da escola pública de má qualidade e seguir na direção de escolas públicas melhores, tais como escolas técnicas ou escolas localizadas no centro da cidade (Almeida, 2014, p. 187-190).

O “eu me viro” aparece concretamente em muitas outras situações, como estudar por aulas no YouTube, apostilas baixadas pela internet, entre outras ações, como se pode ver a seguir.

Eu estudava por conta também... aí tinha apostila, eu e meu amigo, a gente resolvia os exercícios... Não é uma apostila muito boa, sendo sincera. Mas tinha exercício. Se você procura a resposta na internet, você acha [...]. Não foi muito fácil, não. (Entrevistada, educação física, 23 anos)

Então, eu procurava muito na internet. Eu procurava bastante provas que tinham… que as pessoas já tinham feito… e eu ficava tentando resolver provas. Eu estudei pela internet, praticamente. Videoaula. (Entrevistada, biologia, 20 anos)

Sim, para fazer isso eu estudei sozinha. Daí fiz esse processo [cursinho pré-vestibular popular] e daí ingressei. Todos os sábados, aulas o dia inteiro no núcleo de estudos. E a partir daí cada um vai estudando e aprofundando... estudando sozinha depois. [...] É bem puxado. (Entrevistada, ciências sociais, 31 anos)

Eu sou muito esforçada, eu estudo bastante, eu penso muito mesmo, estudo bastante de madrugada, em qualquer lugar, então eu acho que eu tô sempre estudando, então acho que com meu esforço eu vou conseguir chegar. (Entrevistada, direito, 43 anos)

A importância atribuída ao esforço pessoal como forma de justificar o êxito em trajetórias educacionais longevas aparece em outras pesquisas semelhantes. Em seu trabalho, Lahire (1997) demostrou como o êxito escolar de filhos de famílias com baixo capital econômico, cultural e escolar muitas vezes se deve à constituição de uma “moral da perseverança” que implica certa capacidade de inculcar nos filhos determinadas atitudes e comportamentos, tais como se submeter à autoridade escolar, ser dócil e, sobretudo, cultivar a autonomia.

Autonomia vista como autodisciplina corporal (saber conter desejos, portar-se bem, ficar calmo, escutar, levantar a mão antes de falar, começar a trabalhar sem que o professor tenha a necessidade de intervir, imprimir regularidade ao trabalho, ao esforço, ser ordenado...) e como autodisciplina mental (saber fazer um exercício sozinho, sem ajuda do professor, sem perguntar nada, fazer uma leitura silenciosa e resolver por si mesmo um problema, saber se virar sozinho ao fazer um exercício escolar somente com as indicações escritas...). O termo “autonomia” parece cristalizar um conjunto de características valorizadas do ponto de vista escolar. (Lahire, 1997, p. 58-59, grifos nossos)

Torna-se importante considerar que a transmissão desse capital social para os filhos envolve a criação de vínculos e relações com os pais, não sendo algo direto, tampouco automático. Lahire encontrou diversas situações em que pais com elevado capital cultural não conseguiam transmiti-lo aos filhos. Inversamente, pais com baixa escolaridade, mas com disposição de tempo e empenho, conseguiam um efeito de socialização escolar para os filhos altamente positivo (Lahire, 1997, p. 30). Coleman faz uma boa síntese desse processo:

É claro que o desenvolvimento da criança é fortemente afetado pelo capital humano possuído por seus pais. Mas, esse capital pode ser irrelevante para as crianças se os pais não são parte integrante da vida dos filhos, se esse capital é empregado exclusivamente no trabalho ou em algum lugar fora de casa. O capital social da família é a relação entre as crianças e seus pais (e, se a família inclui outros membros, com eles também). Assim, se o capital humano possuído pelos pais não for complementado pelo capital social presente nas relações familiares, é irrelevante para o crescimento educacional da criança se os pais têm muito ou pouco capital humano. (Coleman, 2007, p. 88, tradução livre)

Com base no caminho traçado por Lahire, Portes (2010) identificou nas trajetórias escolares de seis alunos de origem pobre que ingressaram em cursos de grande prestígio na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no período entre 1990 e 1996, um trabalho de “inculcação de uma ordem moral doméstica ao filho” que valoriza a determinação, a luta, a força de vontade, elevada autoestima, superação, entre outras atitudes denotadoras de esforço próprio tendo em vista o sucesso escolar. Em um trabalho que analisou as trajetórias de estudantes pobres de Salvador recém-chegados ao ensino superior, Costa e Cunha (2007, p. 8) afirmam:

Essa questão do esforço próprio é bastante recorrente. Dadas as barreiras consideráveis que esses jovens enfrentam, o sentimento de que são grandes lutadores - e vencedores - em um mundo adverso é um traço comum a muitos deles. Um certo olhar sociológico tenderia a minimizar esse elemento, tratando-o como mera “ideologia”. No entanto, podemos tratar essa busca de superação como uma característica particular que, ao lado de ressaltar a desigual estrutura social de oportunidades, põe à vista a dimensão individual como também importante para pensarmos.

Resultados de uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, instituição ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), que visou compreender os valores políticos nas periferias do município de São Paulo, corroboram as falas dos alunos prounistas pesquisados. Tal investigação realizou 63 entrevistas em profundidade com 5 grupos focais de moradores da periferia do município de São Paulo, com renda inferior a 5 salários-mínimos e que tinham votado no PT nas eleições de 2002 a 2012, mas que deixaram de votar no partido nas eleições subsequentes (2012, 2016). A despeito de não se configurar como um trabalho acadêmico, fato explicitado nos objetivos do trabalho e, portanto, dele não se poder esperar o rigor em método e procedimentos de uma investigação desse tipo, além de flertar com um quase determinismo econômico sobre os fenômenos da cultura e da política, o relatório aponta algumas questões relacionadas ao mérito e ao esforço pessoal que nos permitem fazer comparações com as falas dos universitários considerados neste trabalho. Uma das conclusões da pesquisa é que entre os moradores da periferia entrevistados há uma supervalorização do mérito nas trajetórias pessoais.

  • Para ser alguém na vida são necessários trabalho e esforço.

  • Embora saibam que as oportunidades não são as mesmas para todos e que é preciso democratizá-las, apresentam discurso consistente de que não existem barreiras intransponíveis - “com esforço tudo é superado”.

  • Esse pensamento tem ressonância especialmente entre os mais jovens cuja percepção de “limites” de ascensão são ainda mais largos que dos mais velhos. (Fundação Perseu Abramo, 2017, slide 21)

Nesse contexto de valorização do mérito, a escola desempenha um papel fundamental como legitimadora de percursos de sucesso. De acordo com o referido relatório,

escola é ferramenta para mobilidade social: é a chave de acesso para ser “alguém na vida”, é o primeiro passo numa trajetória linear: se tem acesso ao estudo, vai bem na escola e consegue um diploma, logo, conquistará um bom emprego, poderá acessar o consumo e terá um “lugar no mundo”. (Fundação Perseu Abramo, 2017, slide 38)

INGRESSO NA UNIVERSIDADE

Passemos agora para o ingresso na universidade. Nesse tocante, chama atenção, em primeiro lugar, a importância que o ENEM alcançou para esses alunos pela condição de propiciar entrada deles na universidade. Todos afirmaram ter ingressado na universidade por intermédio do ENEM e valorizavam como esse programa ampliou o leque de possibilidade de escolha de uma instituição de ensino superior para estudar. Nas palavras de um aluno entrevistado por Gonçalves (2017, p. 161): “É como se fosse um trampolim, que joga quem é de classe baixa no trampolim. A pessoa pula e entra na faculdade”.

Almeida (2014, p. 240) também salienta a importância do ENEM como passaporte para o ensino superior para estudantes pobres. Em sua visão, o formato do exame, que privilegia interpretação de textos e situações ligadas à vida cotidiana, em detrimento de conteúdos de disciplinas obrigatórias, favorece esses alunos que tiveram que lidar com os percalços da escola pública em suas formações, mencionados nas páginas anteriores. Em relação aos estudantes mais novos, nota-se que a escolha da universidade na qual atualmente estudam não foi a primeira opção, sendo precedida por tentativas, sem sucesso, em universidades públicas e pela experiência de ter feito cursinho pré-vestibular, com muito esforço. Vejamos alguns depoimentos que mais uma vez denotam a importância do “eu me viro” nessas trajetórias:

Então, na verdade eu queria prestar UNICAMP [...] Aí eu comecei pagar cursinho com esse dinheiro que trabalhei... E era noturno. Fiz cursinho um ano, prestei UNICAMP. Não passei na primeira fase. [...] Aí fiz o ENEM e tirei uma nota muito boa de novo e fiz o processo do Prouni, né? E coloquei minha primeira opção aqui. (Entrevistada, educação física, 23 anos)

Ah... os vestibulares são muito difíceis, muito difíceis. Eu passei, eu sei que eu passei na primeira fase da UNESP, que eu lembro. Mas é que, assim, no primeiro ano eu comecei, nossa, vou estudar para o vestibular, só que depois começou, começou a bater que, ah, era o último ano também na minha escola. Não dava tempo de estudar pro vestibular e aproveitar tanto. (Entrevistada, arquitetura, 20 anos)

Na verdade, foi assim, eu me inscrevi na UFSCAR em análise de gestão ambiental em primeira opção, e aí eu não passei. Eu passei na minha segunda opção, que era o Prouni aqui. (Entrevistada, biologia, 20 anos)

Eu tinha o mito de não querer fazer em uma instituição privada, mesmo com o Prouni. Por causa de, tipo, às vezes assim, a instituição, a escola particular, no ensino médio, elas te estimulam a passar nas federais, nas estaduais, então aquilo ficou na minha cabeça. Quando eu consegui o Prouni, meus pais falaram: “Você vai e ponto” [...] eu prestei acho que dez ou onze vestibulares diferentes, entre particulares, públicas [...] eu passei aqui, das particulares, no ABC paulista, na UNIVAS, em Alfenas, das federais, passei pra segunda fase da UNESP e passei na federal do Rio de Janeiro, pelo ENEM também. (Entrevistado, medicina, 21 anos)

No trabalho de Almeida (2014, p. 192-193), que entrevistou alunos em sua maioria de instituições privadas com fins lucrativos, muitos nem sequer tentaram a universidade pública, pois era um “sonho muito longe”, “uma coisa inacessível”. Importante salientar que, de acordo com os depoimentos anteriores, frequentar um curso de graduação em uma instituição privada apresentou-se como algo totalmente ausente das escolhas possíveis para jovens de baixa renda, mesmo possuindo notas boas e de poderem contar, em princípio, com o Prouni. Nesse sentido, é importante levar em consideração que, para alunos com experiência no Bolsa Família, o destino provável para o ensino superior não tem sido, como se poderia supor à primeira vista, em instituições públicas (Piotto, 2014, p. 135), mas sim no setor privado, com bolsas de estudo. Os microdados do CadÚnico de 2016 corroboram essa compreensão: considerando aqueles que frequentavam curso superior, 51% estavam matriculados na rede particular, ante 49% matriculados na rede pública.

Para os entrevistados mais velhos, acima de 30 anos, o fator decisivo para escolherem o curso de graduação e, dentro de um repertório possível, a universidade na qual estudavam se relacionava aos vínculos que tiveram com instituições religiosas. Vejamos alguns exemplos:

Então me converti ao cristianismo protestante na época. Comecei a frequentar a igreja... [...] Só que pouco tempo depois surgiu a oportunidade de eu ir estudar em Petrolina (PE), fazer seminário em teologia. Como eu era muito envolvido na área religiosa, eu pensei “Pô, eu quero crescer nessa área, eu quero... eu quero me capacitar teologicamente”. E aí eu aceitei a proposta que foi feita. [...] Então, ele [padre] ofereceu uma bolsa integral, então eu agradeço muito a ele, porque, assim, se não tivesse sido a visão dele de... da educação de capacitar os jovens pra educação teológica, talvez eu não tivesse aqui na universidade. (Entrevistado, filosofia, 31 anos)

Eu entrei no convento. Mas sempre fui muito pra frente e alimentando o desejo da psicologia. E aí, por diversas razões, o processo de graduação na congregação com validação de uma faculdade, ou de uma coisa assim, vai ficando pra depois, pois o processo formativo tem outras coisas que vêm antes. Como ficou a sociologia e reapareceu em mim depois desse tempo todo? Por causa da minha atuação na pastoral da juventude, da minha militância social, de todas as lutas que foram empreendidas nesse tempo. (Entrevistada, ciências sociais, 31 anos)

Eu estudei parte no Piauí e outra parte no [...] Maranhão, ensino fundamental e médio. Mas aí, teve uma trajetória que eu passei pelo convento, fiquei muito tempo no convento e... e lá podia ter uma opção se você queria parar; se você terminou o ensino médio, elas perguntavam: “Você quer dar uma pausa pra, ou quer continuar estudando?”. A pausa para estudar mais a parte da doutrina, né? (Entrevistada, direito, 43 anos)

No esforço de analisar a permanência dos alunos do Prouni com base na literatura existente sobre o tema, Santos (2015) identifica um conjunto de trabalhos que salienta a importância desse programa no que se refere ao incentivo para a volta dos estudos de pessoas com mais de 25 anos, às dificuldades compartilhadas por alunos socioeconomicamente desfavorecidos quando ingressam no ensino superior: os mais velhos precisam lidar com outros obstáculos que pressupõem doses suplementares de empenho e esforço, isso porque “o pertencimento a faixas etárias mais velhas tende a ser acompanhado de maiores responsabilidades econômicas e familiares no domicílio e, logo, menor disponibilidade para os estudos” (Santos, 2015, p. 168). O fator distintivo da amostra considerada neste trabalho foi o peso que as instituições religiosas tiveram na trajetória desses alunos mais velhos no sentido de favorecer a continuidade dos estudos e ingresso na universidade. O aprofundamento desta investigação, assim como de outras relacionadas a esse tema, poderá sugerir se se trata de um fenômeno específico da universidade pesquisada ou se está presente também em outros contextos.

PERMANÊNCIA: UM PEIXE FORA D’ÁGUA

Após o ingresso na universidade, que como vimos é antecedido por um percurso escolar altamente seletivo, pleno de esforços pessoais e familiares, inicia-se uma nova série de dificuldades em relação a se adaptar nesse novo ambiente. É bem verdade que a transição para o ensino superior é algo sentido por todos os estudantes, não sendo exclusivo dos alunos mais pobres. No entanto, como muitos deles são os primeiros de suas famílias a ingressarem em um curso superior, não há um repertório prévio que possa ser acionado para filtrar esses impactos. Fica evidente nos depoimentos que se trata de uma adaptação penosa, que muitas vezes evidencia a falta de preparo desses jovens nas instituições de ensino na qual estão, apesar de todos os seus esforços em se “virarem”. Termos e conceitos que são “naturalmente” reconhecidos pelos demais colegas, devem ser objeto de aprendizado para eles. Vejamos alguns exemplos:

Bem, foi difícil, foi de fato chegar, e quase me senti parte de um outro mundo. Eu me senti peixe fora d’água... [na universidade]. Completamente sem rumo, assim... (Entrevistada, ciências sociais, 31 anos)

Mas quem sempre estudou em escola particular teve facilidade pra fazer resumo, fazer trabalho [...] foi um baque, assim, pra mudar... Você tem liberdade, as palavras acadêmicas são diferentes da escola. Aqui tem nome específico pra tudo, palavras específicas da profissão. Isso você encontra dificuldades mesmo, é... [...]. Então isso você tem que aprender sozinha mesmo, com livros e didática do professor. (Entrevistada, educação física, 23 anos)

Por exemplo, fotossíntese era uma coisa que sabia o básico. Em biologia todo mundo sabia o que era e como acontecia, porque era todo mundo de escola particular... [...] Eu tinha até vergonha de falar porque eu achava que, sei lá, eu não sabia de nada.[...] Eu sempre senti que aqui era meio que um desfile de moda. E aí eu me senti bastante bem mal por isso até. E minha mãe que me ajudava um pouco nesse começo. Eu falava: “Mãe, me dá umas roupas porque, nossa, as pessoas vão como se fossem pro shopping lá”. [...] Eu não tava, assim, nas festas, porque as festas da universidade são muito caras. Então, por isso, eu também dava bastante festa na minha casa. Porque não tinha que pagar, né? Era um jeito de dar uma driblada nisso. (Entrevistada, biologia, 20 anos)

Eu tive no primeiro semestre, quando... como eu venho de uma família assim... muito... muito sofrida, muito, não tem estrutura nenhuma financeira, quando eu entrei na faculdade, eu, assim, foi um baque, não sei se é a palavra certa, se não tem um... meio que eu tomei um susto. Eu entrei na sala, era a única diferente. [...]. Porque, quando eu entrei, entrei de chinelo, não tinha nem... tava frio e eu não tinha nem um agasalho pra usar. Eu tinha vergonha de falar pras pessoas também. Que tava precisando. (Entrevistada, direito, 43 anos)

Algumas características extraídas das entrevistas ajudam a compreender como essas dificuldades de fato são vividas. No primeiro caso, a menção à imagem de um peixe fora d’água, de estar completamente sem rumo dentro da universidade, revela a estranheza que o lugar e suas pessoas provocaram na entrevistada. Um mundo que não lhe pertencia e que agora teria que ser enfrentado. O segundo e o terceiro exemplo têm em comum a sensação de que a formação que as entrevistadas tiveram, mesmo que melhor em relação a outras pessoas de seu convívio social, não foi suficiente para prepará-las adequadamente para a universidade, sobretudo quando comparado com os alunos de escolas particulares. Aquilo que era “natural” para estes últimos, saber elaborar um resumo, saber nomes específicos e conceitos de sua área de atuação, precisava ser aprendido na base do “eu me viro”. O terceiro depoimento evidencia como o vestuário também é um importante demarcador de diferenças no espaço universitário. Comprar roupas e calçados usados pela internet foi uma alternativa da entrevistada para poder conviver no “shopping” universitário com as demais colegas, tal como se referiu. De igual maneira, o “eu me viro” aparece também nas redes de sociabilidade, no caso, por exemplo, de fazer festa em casa para compensar o fato de não poder ir às baladas pagas. O último depoimento evidencia o “baque” que foi ingressar em um curso superior, assim como o sofrimento de estar de chinelo e sem agasalho em pleno frio.

Depoimentos coletados por Débora Piotto com cinco estudantes de camadas populares matriculados em curso de alta seletividade na Universidade de São Paulo (USP) vão na mesma direção. A autora constatou em vários relatos dos alunos o sentimento de “estar fora do lugar”, de não pertencimento com os lugares e códigos da universidade. Vejamos um exemplo:

Era muito complicado para mim, é, num primeiro momento, estar estudando com o pessoal que eu servia no bar. [...] teve uma megafesta [...] tudo o que eu queria no momento era ter uma bandeja na não, para mim saber o que fazer! [risadas] Na festa eu percebi como eu estava, sei lá, um pouco deslocado, como eu não estava ainda, não sei exatamente te dizer, dentro daquele universo ainda, ainda não era o meu, eu queria a bandeja e, eu via um amigo meu [...] reclamando, indignado, porque estava sem telefone para ligar internet, sendo que minha preocupação naquele momento era: “O que eu vou comer? Como é que eu vou me manter aqui?”. (Piotto, 2014, p. 146)

Portes também alerta para as dificuldades presentes nas relações de sociabilidade, em especial sobre a questão de vestuário. Ao tratar do relacionamento com colegas de uma entrevistada da UFMG, o autor relata:

[...] a impossibilidade de [Alice] expressar de forma clara a sua condição social ao grupo, que possui uma série de práticas sociais distantes de suas possibilidades (ter carro, andar bem vestido, poder comprar livro, participar de amigo-oculto caro, almoçar em restaurante, sair nos finais de semana, ir a barzinho, ir a kart) [...] “Fui uma adolescente louca por roupas, discos, viagem, privada desses bens por colegas que os tinham”. Por seu turno, Alice se vê na necessidade de negar a sua origem social, mesmo explicitando à turma que não tem dinheiro. Mas até o quarto semestre ela ainda não tinha relevado às colegas que seu pai é motorista de caminhão. “Não tive coragem”. (Portes, 2014, p. 201)

No depoimento da aluna de direito, a única beneficiária direta do Bolsa Família entre os entrevistados, é interessante constatar como o rol de estratégias para a manutenção no ambiente universitário pode incluir a própria afirmação da pobreza em um contexto marcado por alunos mais ricos. No caso em questão, a aluna parece ter se convertido em uma espécie de “projeto social da classe”, o que lhe trouxe algumas vantagens, a despeito de “escancarar” sua condição de ser pobre e destinatária do Bolsa Família.

Então eu, eu comentei com a... cheguei numa menina da sala, nem tinha muita intimidade com ela, e falei assim: que eu tinha sido roubada com todos os meus documentos e que eu não sabia como eu ia fazer até eu receber o Bolsa Família, eu tinha esses cinquenta reais. Então ela comentou, era uma aula de uma professora que, muito boa, [...] ela valoriza muito, assim, essa questão de Direitos Humanos, e então ela comentou na aula dela que eu tinha sido roubada, que a gente, que era uma estudante, uma pessoa que já estava no curso universitário, e eles arrecadaram quase trezentos reais nesse dia. (Entrevistada, direito, 43 anos)

Desde então, o processo de socialização da aluna parece ter sido facilitado justamente por sua condição de pobreza. Em um processo inusitado, a própria pobreza, que antes parecia ser o mote da exclusão, foi utilizada pela aluna enquanto estratégia de aproximação com os demais colegas:

Entrevistada: E aí começou a... foi então, até então, eles não sabiam que eu precisasse de alguma coisa, a partir desse momento eles começaram a perguntar: “Se você precisar de alguma coisa, não tenha vergonha, pode falar”.

Entrevistador: Entendi. E aí a sua relação com eles foi...

Entrevistado: Aí, começou daí. Parece que eu precisei ser roubada, perder meus documentos... (Entrevistada, direito, 43 anos)

Situação análoga, também marcada por ambivalências, foi relatada no depoimento de um aluno da USP, Marcos, descrito na já mencionada pesquisa de Piotto (2014). Nesse caso, sua condição de estudante-trabalhador foi utilizada como forma de propiciar uma melhor convivência com os colegas. Mas com determinado custo.

Apoiar-se na sua história de vida foi um recurso muito importante para auxiliar Marcos na tarefa de encontrar um lugar no novo mundo que lhe apresentava. Todavia, segundo sua avaliação, dificultou ainda mais a convivência com os colegas, pois ela acabava, em suas palavras, “proletarizando” tudo e relacionando-se com representações e não com pessoas concretas que se tornaram seus novos companheiros no ensino superior. Se, por um lado, afirmar-se como estudante-trabalhador foi bom, pois o ajudou a enfrentar a nova situação, por outro, foi ruim, em sua opinião, já que impedia a real convivência com o outro. (Piotto, 2014, p. 147)

Em relação ao apoio que esses estudantes obtêm de suas famílias, a análise de investigações realizadas até o momento sugere que há dois padrões distintos. De um lado, famílias que, dentro de suas possibilidades, dão integral suporte ao estudo dos filhos, absorvendo em todo ou em parte a renda que estes poderiam ter se estivessem somente trabalhando. É claro que, dentro da situação de precariedade dessas famílias, esse apoio é caracterizado por um planejamento precário e por um horizonte curto. “São famílias que vivenciam uma realidade material que não conseguem prever (nem controlar). Apenas conseguem ir fazendo adaptações possíveis para que o filho não jogue por terra o esforço empreendido [...]” (Portes, 2010, p. 66).

De outro lado, famílias cujo alcance educacional dos filhos se encerra no ensino médio, podendo ser este profissionalizante ou não. O prolongamento dos estudos para o ensino superior seria, portanto, de responsabilidade financeira dos próprios filhos, obrigando-os, naturalmente, a ter que trabalhar para se sustentar na universidade. Vejamos como esses casos são retratados, o que, mais uma vez, indica a importância do “eu me viro” nessas trajetórias:

Então mesmo assim eles não podiam ajudar, porque são famílias de pedreiros e faxineiros, então não tem... não tinha mesmo, mesmo que quisesse não tinha, financeiro não tinha como me ajudar, e não tinha como apoiar porque eles não tinham noção mesmo da... que era bom estudar, né? (Entrevistada, direito, 43 anos)

Se você quiser você paga, eu [pai] não vou pagar medicina porque eu sei que isso vai passar, é só agora que você tá pensando, porque você acha que você não vai conseguir. Tipo, eu só pago medicina se você quiser bem, se não quiser, você dá seu jeito. (Entrevistado, medicina, 21 anos)

Em relação ao trabalho, os esforços em conjugar trabalho e estudo para se manter na universidade evidenciam situações extenuantes repletas de grande sacrifício próprio, seja financeiro ou emocional.

Então eu vinha de manhã, deixava eles [filhos] na creche, ficava na faculdade e às vezes, por meses, eu não almoçava. Comia um pão de queijo ou dois com café, e era o meu almoço [...]. Como a gente tá conversando, e eu não preciso ter vergonha de falar, então eu precisei, para aumentar um pouco a renda, eu optei por fazer faxina, então eu ia, às vezes eu fazia mesmo pros próprios colegas, porque não dava mais, eu estava almoçando pão de queijo, todos os dias. (Entrevistada, direito, 43 anos)

Você, da meia-noite às seis, você descobre que na faculdade é um tempo muito precioso. Então, basicamente, é o horário do nosso estudo acentuado [...] no começo era mais difícil, tanto que eu vendia bolos para complementar a renda, quando eu queria ir numa competição, alguma coisa, eu vivia vendendo bolos, doces aqui na faculdade [...] trabalhos mesmo à noite ou de finais de semana, para complementar a renda, então isso é comum entre os alunos Prouni. (Entrevistado, medicina, 21 anos)

Trata-se de “estudantes batalhadores” cuja vivência universitária está marcada por uma tripla responsabilidade: dar conta das tarefas familiares, profissionais e estudantis (Almeida, 2014, p. 227).

O PROGRAMA UNIVERISDADE PARA TODOS E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Como os estudantes entrevistados avaliavam o Prouni? De maneira geral, as respostas obtidas não se diferenciaram das percepções de alunos prounistas presentes em outras investigações. Tenderam a valorizar o Prouni, pois por meio desse programa houve a oportunidade de ingressar na universidade, mas são críticos em relação ao fato de que o acesso é uma etapa da vivência no ensino superior. O Prouni, nesse sentido, deixa de lado outras questões importantíssimas relacionadas à permanência, entendida aqui em sentido amplo, tais como transporte, moradia, alimentação, compra de material e até vestuário, como já visto. Vejamos alguns exemplos:

Essa oportunidade de cursar uma faculdade, de um jovem pobre negro cursar uma faculdade, de expandir seu conhecimento e talvez possibilitá-lo de participar de competições mais iguais, isso é muito rico. Mas, ao mesmo tempo, é... As dificuldades são inúmeras, porque você consegue uma bolsa, mas você não tem um lugar, como nos Estados Unidos, você não tem um lugar pra se manter [...] Assim, ele tá na universidade, mas estrutura ele não tem. (Entrevistado, filosofia, 31 anos)

Porque o Prouni, ele é ótimo, ele me deu essa oportunidade de estar aqui na universidade [...] Mas eu sinto que a gente é colocado aqui e só, sabe? Não tem nenhum tipo de assistência. É como se jogassem as pessoas do Prouni e pronto. Não tem nenhum tipo de assistência que ajude a gente mesmo em permanência. Essa é a palavra. Permanência. (Entrevistada, biologia, 20 anos)

Sim. Ah, é porque ele me abriu uma porta que provavelmente eu não conseguiria, porque arquitetura é um curso caro, e eu também não teria condições de ficar me matando em um cursinho por muitos anos para passar. Então o Prouni foi uma saída de eu atingir, de chegar ao curso com uma qualidade boa. (Entrevistada, arquitetura, 20 anos)

Eu acho um excelente programa, que precisa ser melhorado sim. Por exemplo, umas das formas que precisa ser vista é a moradia. [...] Eu tenho condições de me manter na faculdade porque é bolsa 100%, porque isso facilita a vida e tudo mais, mas por outro lado fica a desejar no sentido de moradia. (Entrevistada, ciências sociais, 31 anos)

Mesmo o entrevistado do curso de medicina, que por estar em curso integral faz jus ao auxílio permanência previsto pelo Prouni, mostra as insuficiências desse auxílio. Tal como ele mesmo afirma:

[...] é uma bolsa permanência de R$400,00, ninguém consegue sobreviver, permanecer, numa cidade como esta que tem um custo elevadíssimo. (Entrevistado, medicina, 21 anos)

Interessante constatar nessa entrevista que o aluno sugere que os prounistas, além de bolsa permanência com mais recursos, deveriam ter ajuda psicológica para enfrentar os percalços de lidar com o mundo da universidade. Ou seja, a manutenção e a permanência no ensino superior não dizem respeito somente à questão econômica stricto sensu, mas envolvem acolhimento psicológico e acadêmico.

Nosso trabalho em si é ouvir pessoas, resolver problemas dos outros, tudo isso vira... forma uma bola de neve que só vai aumentando até que, tipo, te atropele, te massacre. Então esse apoio psicossocial que não tem, o Prouni não tá preparado para ter e não tem esse preparo. (Entrevistado, medicina, 21 anos)

Importante constar que os entrevistados indicaram situações em que se sentiram ou testemunharam algum tipo de discriminação. Vejamos os exemplos:

Eu já ouvi também “Ah, você tá na faculdade por que, além de ser negra, você é Prouni... se não fosse isso você não iria conseguir”. (Entrevistada, ciências sociais, 31 anos)

Como, por exemplo, alguém já teve uma discussão em sala e um cara falou assim: “Ah... é... mas... se meu pai tá trabalhando pra conseguir pagar, porque o seu não trabalha pra conseguir pagar?”. Aí eu fiquei, ah, não sei por onde eu começo explicar isso, sabe? [...] Ah, isso foi no meio da sala de aula, na frente de um professor [...]. Eu já ouvi diretamente, tipo, eu tive uma colega, eu ouvi de uma colega que o pai dela que pagava minha faculdade, por causa de ser contribuinte. Eu tirei uma nota do bolso e falei: “Isso é o quanto ele paga nos meus seis anos”. Eu ouvi de outra colega que... uma outra colega minha ouviu que não sabe por que existem programas como o Prouni, sendo que o pai dessa pessoa acordava cedo pra trabalhar. Tipo, minha colega ouviu isso. Ela me falou, e na hora que ela me contou eu falei: “Nossa, que legal, eu acordava às quatro da manhã pra trabalhar e estudar”. [...] Eu tinha um professor no primeiro semestre que ele achava que um aluno que trabalhava não poderia fazer medicina. Não sei de onde ele tirou isso, tipo, mas ele falava isso. (Entrevistado, medicina, 21 anos)

Os depoimentos coletados nas entrevistas sugerem que o preconceito, seja por parte dos alunos pagantes, seja por parte de professores, faz parte da vivência desses jovens no ensino superior. No entanto, diferem dos resultados da pesquisa bibliográfica sobre o tema realizada por Santos (2015, p. 173), na qual consta: “as relações entre bolsistas e alunos pagantes não são descritas como conflituosas [...] As situações de discriminação parecem, assim, não ser frequentes”. De qualquer maneira, o aprofundamento da investigação poderá dizer se se trata de um sentimento próprio do grupo de alunos entrevistados ou se é algo que permite algum tipo de generalização.

Se o Prouni, apesar de seus problemas, é valorizado pelos entrevistados, o mesmo não se pode dizer em relação ao Programa Bolsa Família, pelo menos com a intensidade verificada no primeiro. Torna-se importante frisar que os entrevistados foram selecionados em um cadastro com informações obtidas por meio de questionário com os bolsistas do Prouni. Nesse questionário havia uma pergunta que indagava se ele ou alguém de sua família recebia ou tinha recebido o Bolsa Família. Somente os alunos que responderam afirmativamente a essa questão foram selecionados para participar das entrevistas. No entanto, duas entrevistadas afirmaram que nunca receberam o benefício:

Então, eu não peguei o Bolsa Família, acho que minha família não pegou isso. Eu acho que, assim, eu conheci o programa é... Não sei se minha família chegou a usar, mas é para muito baixa renda mesmo. (Entrevistada, educação física, 23 anos)

Mas eu não recebo Bolsa Família. (Entrevistada, biologia, 20 anos)

Os outros que haviam recebido valorizaram o programa naquilo que ele trouxe de benefícios para outros familiares, nem tanto para si próprio diretamente:

Eu vi pouco do Bolsa Família. [...] Para mim já foi... em casa já foi de muita ajuda. E eu vejo o programa trazendo hoje para minhas irmãs, para minha irmã que recebe e para as outras que já receberam. (Entrevistada, ciências sociais, 31 anos)

Minha mãe e minha irmã já participaram [...]. A minha história é independente do Bolsa Família. A minha história tem relação com o Prouni, com o Bolsa Família não. (Entrevistado, filosofia, 31 anos)

A exceção fica por conta da entrevistada do curso de direito, titular do benefício.

Mas foi graças ao Bolsa Família que eu consegui entrar, chegar na graduação e conseguir me manter mesmo nas dificuldades. Mesmo que... tendo dias que eu não tinha nada pra comer, mas, quando chegava próximo daquela data, eu sabia que eu ia ter o dinheiro e que eu ia conseguir, né? (Entrevistada, direito, 43 anos)

Duas hipóteses podem ser acionadas na tentativa de compreender as posturas evasivas (caso das entrevistadas que negaram receber o benefício) ou de que o programa não apresentou benefício direto para as entrevistadas. Em primeiro lugar, o possível efeito que as manifestações de rua, ocorridas em junho de 2013 e acentuadas em 2015, 2016, com grande repercussão na imprensa, nas quais se via um ataque expressivo aos gastos sociais do Estado por parte de setores das classes média e alta, sobretudo ao Bolsa Família. Em um ambiente frequentado majoritariamente por jovens de classe média, e já tendo experimentado situações de preconceitos com alunos Prouni, pode ser que as entrevistadas não se sentissem à vontade para falar que foram beneficiárias do Bolsa Família. Outra hipótese pode ser retirada do já mencionado relatório da Fundação Perseu Abramo. Nele se verificou que os entrevistados valorizavam os programas sociais dos governos petistas, mas com uma gradação. Programas que privilegiavam o mérito para dele participar, como o Prouni, que seleciona alunos baseados na nota do ENEM, eram mais valorizados que outros, como o Bolsa Família, que são destinados a todos que possuem determinada renda mensal.

COMENTÁRIOS FINAIS

Existe algum limite para o fortalecimento de ideias e práticas que valorizem o mérito e o esforço pessoal/familiar como forma de ascensão em uma sociedade? Trata-se de uma questão de difícil resposta.

O que as entrevistas sugerem é que esse grupo reduzido de pessoas, que experimentou destinos escolares atípicos para jovens socialmente desfavorecidos, foi submetido a altas doses de esforço e de privação pessoal. Algumas evidências apresentadas nas páginas anteriores corroboram o entendimento do recurso ao “eu me viro” nos percursos escolares e no curso superior atual dos estudantes entrevistados. Vimos que esse sentido não abarca apenas o indivíduo, mas também sua família e indica certo desamparo em relação às instituições públicas, que não estariam fazendo a sua parte em propiciar um ensino de melhor qualidade. Situações frequentes em que são acionados recursos pessoais e/ou familiares para escapar da escola pública no ensino fundamental apareceram amiúde nos relatos dos alunos.

O ingresso no ensino superior é outra etapa a exigir custo adicional. A análise das entrevistas indicou que a escolha da universidade na qual estudavam não foi a primeira opção, sendo precedida por tentativas frustradas de acesso em instituições públicas. De igual maneira, a interrupção dos estudos após a conclusão do ensino médio para então trabalhar faz com que muitos desses alunos voltem a estudar em idade superior à de seus colegas de curso. Uma vez dentro da universidade, há outras dificuldades a serem enfrentadas. Ficou evidente nos depoimentos que se trata de uma adaptação penosa, que muitas vezes indica a falta de preparo desses estudantes nas instituições de ensino anteriores, apesar de todos os esforços em “se virarem”. Termos e conceitos que são “naturalmente” reconhecidos pelos demais colegas são objeto de um aprendizado adicional para eles, em especial para aqueles que retomaram os estudos após um grande hiato nos estudos. Além de tudo, enfrentam muitas vezes preconceito por serem beneficiários de políticas de inclusão.

Deparamo-nos assim com uma faceta perversa e excludente do nosso sistema em desfavor dos estudantes provenientes de famílias pobres em suas trajetórias educacionais. A julgar pelas informações apresentadas, o pequeno grupo de alunos de camadas sociais menos favorecidas socioeconomicamente que chegou ao ensino superior foi submetido a processos de hiperseletividade em etapas anteriores, que exigiu doses extras de motivação, empenho e desenvolvimento de habilidades pessoais, navegando em um sistema altamente hierarquizado que “naturalmente” os expeliria. Nesse sentido, foi importante constatar nas entrevistas que a questão da permanência não envolve apenas a dimensão econômica, mas outras, tais como a acadêmica, a sociabilidade, os afetos etc.

As políticas de inclusão social em questão, Prouni e Bolsa Família, favoreceram essa jornada exitosa? Considerando a análise das entrevistas realizadas, pode-se responder que sim. Nesse sentido, o Prouni chega a ser mais valorizado que o Bolsa Família, uma vez que este se encaixa melhor dentro de uma compreensão de ser uma política “meritocrática”, mais que a transferência de renda. Acrescentemos a isso o fato de que os estudantes estavam ligados ao Prouni no momento da entrevista. Já o Bolsa Família parece ser algo distante, uma vez que, na maioria dos casos, os entrevistados não eram os beneficiários diretos do programa, mas sim sua família, ou ainda pelas hipóteses discutidas acerca da percepção do programa após 2013. Ambas as políticas favoreceram aquilo que o documentário de Ana Fonseca sublinhou como “questão de oportunidade” (2017), que foi rapidamente potencializada pelo esforço e pelo mérito pessoal/familiar, possibilitando trajetórias longevas e atípicas, com todos os sofrimentos, reveses e preconceitos aqui antes discutidos.

Resta-nos finalmente indagar sobre a pertinência de se refletir sobre mecanismos de transição de beneficiários do Bolsa Família para outras políticas de acesso ao ensino superior, tal como o Prouni, como forma de enfrentar a atipicidade tão marcante nas trajetórias aqui mencionadas.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer a Maria Ligia de Oliveira Barbosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pelos seus comentários em relação a uma versão anterior deste artigo.

REFERÊNCIAS

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*Esta pesquisa foi fnanciada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processos número 2016/03926-0 e 2017/02126-2.

1Informações disponíveis em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/index.php?grupo=212. Acesso em: 9 jan. 2017.

2Informações disponíveis em: http://www.observatoriodopne.org.br/indicadores/metas/12-ensino-superior/indicadores. Acesso em: 5 dez. 2017.

3Torna-se importante considerar, como lembra Almeida (2015), que o Prouni faz parte de uma linhagem de políticas de incentivos públicos às instituições de ensino superior privadas com fins lucrativos originadas na década de 1970. Em sua compreensão, o programa surge a partir de pressões do setor privado lucrativo em relação à crônica situação financeira dessas instituições provocada pela crise econômica dos governos de Fernando Henrique Cardoso no decênio de 1990. Nas palavras de Martins (2014, p. 7), “o Prouni contribuiu para reproduzir empresas educacionais mastodônticas que ficam isentas de praticamente todos os tributos que recolhiam”. Para mais informações sobre o processo de formação do setor privado lucrativo brasileiro e sua relação com o Prouni, consultar Almeida (2014), especialmente o capítulo II.

4Ou seja, R$1.431,00 considerando o valor do salário-mínimo de 2018.

5Considerar R$2.862,00, para valores de 2018.

6De acordo com a Declaração de Sigilo para Utilização de Informações Socioeconômicas, avaliada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, não foram divulgadas informações que permitam identificar a universidade e os alunos.

7As informações descritas nesta seção foram fornecidas pelo cadastro de alunos bolsistas da universidade. A elaboração das informações foi realizada pelos autores deste texto. Agradecemos aos gestores dos programas de bolsa da universidade a disponibilidade das informações e a generosidade com a qual acolheram a pesquisa que originou este texto. Por nossa solicitação, foi incluída, no processo de recadastramento dos bolsistas em 2016, uma questão que indagava se o estudante provinha de famílias que receberam ou recebiam, no momento do recadastramento, recursos do Programa Bolsa Família.

Anexo 1 - Informações dos alunos(as) entrevistados(as)

Entrevistado Idade Sexo Data da entrevista Local de nascimento Curso
1 20 Feminino 10 de novembro de 2016 Floriano, Piauí Biologia
2 20 Feminino 22 de junho de 2017 São José dos Campos, São Paulo Arquitetura
3 21 Masculino 8 de maio de 2017 São Sebastião do Dourado, Minas Gerais Medicina
4 23 Feminino 1 de novembro de 2016 Livramento, Bahia Educação física
5 30 Feminino 24 de outubro de 2017 Pedreiras, Maranhão Pedagogia
6 30 Feminino 25 de maio de 2017 Campinas, São Paulo Ciências sociais
7 31 Masculino 24 de novembro de 2016 São Raimundo Nonato, Piauí Filosofia
8 31 Feminino 7 de dezembro de 2016 Campo Formoso, Bahia Ciências sociais
9 43 Feminino 3 de maio de 2017 São Miguel do Tapuia, Piauí Direito

Recebido: 19 de Junho de 2018; Aceito: 14 de Dezembro de 2018

André Pires é doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). E-mail: anpires@gmail.com

Paulo Cesar Ricci Romão é mestre em educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Professor do Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal (UniPinhal). E-mail: pcromao1@icloud.com

Victor Marques Varollo mestrando em educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). E-mail: victor.marques.varollo@gmail.com

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