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Revista Brasileira de Educação

versión impresa ISSN 1413-2478versión On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.24  Rio de Janeiro  2019  Epub 26-Nov-2019

https://doi.org/10.1590/s1413-24782019240060 

Artigos

Fundamentos para educação física: a circulação da biologia e da psicologia na imprensa periódica de ensino e de técnicas (1932-1960)

Fundamentos para la educación física: la circulación de la biología y la psicología en la prensa periódica de enseñanza y técnicas (1932-1960)

Juliana Martins Cassani I  
http://orcid.org/0000-0001-6332-7930

Amarílio Ferreira Neto II  
http://orcid.org/0000-0002-3624-4352

Lucas Oliveira Rodrigues de Carvalho II  
http://orcid.org/0000-0001-9489-8795

Wagner dos Santos II  
http://orcid.org/0000-0002-9216-7291

IFaculdade Vale do Cricaré, São Mateus, ES, Brasil.

IIUniversidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil.


RESUMO

Analisa as práticas de apropriação dos articulistas às teorias da biologia e da psicologia em circulação na imprensa periódica de ensino e de técnicas (1932-1960). Possui como fonte a Revista de Educação Física e a Revista Educação Physica e utiliza como pressupostos teórico-metodológicos os conceitos de análise pela materialidade e práticas de apropriação. Os artigos desses periódicos ofereciam as bases para o processo de escolarização da educação física, constituindo-a como moderna, racional e científica. A publicação desse rol de saberes buscava formar uma nova concepção de professor, mostrando-lhe a necessidade de conhecer as características dos alunos, para que os exercícios fossem adequadamente dosados. Essas teorias foram apropriadas e materializadas em dispositivos de leitura, com a finalidade de orientar o docente em relação ao ensino da disciplina. A pesquisa sinaliza que o diálogo com a biologia e a psicologia implica a produção de uma teoria prática para a educação física.

PALAVRAS-CHAVE: educação física; bases teóricas; imprensa periódica

RESUMEN

Analiza las prácticas de apropiación de autores a las teorías de biología y psicología en circulación en la prensa periódica de educación y técnicas (1932-1960). Su fuente es la Revista de Educación Física y la Revista Educación Physica, y utiliza como supuestos teórico-metodológicos los conceptos de análisis a través de la materialidad y las prácticas de apropiación. Estos artículos sirvieron de base para el proceso de escolarización de la educación física, constituyéndolo como moderno, racional y científico. La publicación de esta lista de conocimientos buscó formar una nueva concepción del maestro, mostrándole la necesidad de conocer las características de los estudiantes, para que los ejercicios se dosificaran adecuadamente. Estas teorías fueron apropiadas y materializadas en dispositivos de lectura, con el propósito de orientar la enseñanza de la disciplina de los maestros. La investigación indica que el diálogo con la biología y la psicología implica la producción de una teoría práctica para la educación física.

PALABRAS CLAVE: educación física; bases teóricas; prensa periódica

ABSTRACT

It analyzes the practices of author’s appropriation of the theories of biology and psychology in the periodical press of education and techniques (1932-1960). It has, as a source, the Revista de Educação Física (Journal of Physical Education) and Revista Educação Physica (Physical Education Journal), and uses, as theoretical and methodological assumptions, the concepts of analysis through materiality and appropriation practices. These articles provided the basis for the process of schooling of physical education, constituting it as modern, rational and scientific. The publication of this list of knowledge sought to form a new conception of teacher, showing him the need to know the characteristics of the students, so that the exercises were properly dosed. These theories were appropriated and materialized in reading devices, with the purpose of orienting the teacher in relation to the teaching of the discipline. The research indicates that the dialogue with biology and psychology implies the production of a practical theory for physical education.

KEYWORDS: physical education; theoretical basis; periodical press

INTRODUÇÃO

“O que é educação física?”. Essa pergunta, lançada por Fernando de Azevedo em 1919, em sua obra Da educação física: o que ela é, o que tem sido e o que deveria ser,1 anunciava a compreensão do autor sobre a educação física como um método científico cujos princípios estavam alicerçados nas teorias da biologia, as quais garantiriam a demonstração rigorosa dos resultados que poderia atingir. Para Azevedo (1960), a articulação da educação física com a biologia e a psicologia contribuiria para a formação integral do ser humano, em que a educação moral seria influenciada pela correta realização dos exercícios, desenvolvendo a “[...] vontade e o hábito do esforço inteligente” (Azevedo, 1960, p. 43).

Essa mesma problematização foi levantada posteriormente por Lourenço Filho, em 1933. Sua indagação não sugeria definições a priori sobre aquilo que se considerava o “grande problema da Educação Física” à época, isto é, ser “ginástica ou esporte”. O autor buscou ampliar as tensões apresentadas no cenário educacional, pois, em sua perspectiva, a educação física não se restringia a esta ou àquela prática, mas se estendia à sua escolarização, fundamentada no projeto de formação integral, no qual não se distinguia “[...] educação física, de uma educação intelectual e de uma educação moral” (Lourenço Filho, 1933, p. 5).

A defesa pela inserção da educação física na escola assentava-se no rol de saberes que lhe oferecia “[...] bases mais sólidas, que a ciência dia a dia lhe [fornecia]” (Lourenço Filho, 1933, p. 5, grifo nosso). Fazia-se, portanto, imperativo o reconhecimento dos fundamentos teóricos em que ela se baseava e se expandia, já que, outrora, “[...] dominavam-na ideias simplistas como a [...] anatômica” (Lourenço Filho, 1933, p. 5). Feitas as suas críticas, foi o próprio Lourenço Filho (1944, p. 10) quem resguardou a complexidade do campo da biologia, sobretudo porque, na visão do autor:

[...] o que é certo é que o aspecto biológico é fundamental. Mesmo que não prescindamos dos demais, para responder a objeções, diremos que a educação é como um triângulo [...]. O aspecto biológico se representará, queiramos ou não, como a base de toda a construção. (Lourenço Filho, 1944, p. 10)

Em meio às tensões sugeridas por Lourenço Filho (1933, 1944) sobre os ramos das ciências que fundamentavam a educação física, era “importantíssimo” que o professor se apropriasse, como também salientou Azevedo (1937a, p. 15), das “[...] matérias fundamentaes ou subsidiarias da educação physica, [a fim de corresponder aos anseios por uma] orientação nova na formação do pessoal do ensino”. Era de sua preparação que dependia o êxito da “grande obra” em inserir a educação física nos currículos escolares, pois, “[...] á medida que [ela] vae tomando este caracter scientifico, [aumentavam-lhe] as responsabilidades” (Azevedo, 1937a, p. 16).

Ambas as matérias demonstram que a elaboração de teorias e o desenvolvimento de pesquisas orientadoras do ensino da educação física já circulavam na imprensa periódica de ensino e de técnicas desde a década de 1930. O fato de as bases epistemológicas não serem consensuais, como visto em Lourenço Filho (1933, 1944), nos sugere processos de negociação cuja finalidade era anunciar a natureza do conhecimento científico, moderno e sistematizado como aquele que oferecia as bases para o processo de escolarização da educação física, não retirando a sua potencialidade.

Diante do exposto, este artigo teve como objetivo analisar as práticas de apropriação (Certeau, 2002) dos articulistas às teorias da biologia e da psicologia em circulação na imprensa periódica de ensino e de técnicas (1932-1960).2 Assumimos o argumento central de que essas teorias circularam nos impressos para formar uma “nova” concepção de professor e, ao fazê-lo, forneciam possibilidades de ensino para a educação física, materializadas em dispositivos de leitura.

Uma leitura desse corpus documental evidencia características semelhantes àquelas presentes na imprensa periódica destinada à área mais ampla da educação, sobretudo por também publicar, à época, matérias com o objetivo de orientar a prática e a formação dos profissionais que atuariam nas instituições escolares. Pela proficuidade com que a área da história da educação tem assumido esses impressos, ou seja, como fonte e objeto de estudo, temos acompanhado o processo com o qual eles têm oferecido as bases para a consolidação de uma trajetória de pesquisas sobre o tema.

Entre os pesquisadores que têm se dedicado ao assunto, Catani (1994) afirma que as revistas especializadas em educação configuram uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do campo educacional, fazendo circular informações sobre o trabalho pedagógico, o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico das disciplinas, a organização dos sistemas, as reivindicações da categoria do magistério, a participação dos agentes produtores dos periódicos na organização dos sistemas de ensino e na elaboração dos discursos que visam instaurar as práticas exemplares.

Sob essa perspectiva, a imprensa periódica educacional constitui fonte de análise privilegiada e núcleos informativos, permitindo ao historiador explicitar as predominâncias, as recorrências temáticas e informações sobre os autores, ao mesmo tempo que é possível acenar para os “[...] modos de construir e divulgar o discurso legítimo sobre as questões de ensino e o conjunto de prescrições ou recomendações sobre formas ideais de realizar o trabalho docente” (Catani e Sousa, 1999, p. 11).

Por sua vez, Carvalho (2001) dedica-se à análise pela materialidade dos impressos destinados ao professorado, tomando-os como fontes e como objetos, focalizando as estratégias de difusão, imposição e apropriação dos saberes pedagógicos inscritos nesses documentos. O foco da autora encontra-se na análise desses documentos como dispositivos que organizam o tempo e o espaço escolar, que normalizam o conhecimento dirigido ao ensino, assim como as práticas que visam às aprendizagens dos alunos. Essa ênfase permite ao historiador diversificar as suas análises para a multiplicidade de dispositivos materiais, considerados objetos culturais com finalidades específicas.

Para a autora, os impressos destinados ao professorado foram produzidos alicerçados na moderna pedagogia como “arte de ensinar”, configurando-se como “caixas de utensílios”, nas quais eram prescritas “coisas para usar”, modelos para serem imitados pelos professores, roteiros de lições e práticas exemplares; e baseados na concepção da pedagogia da escola nova, oferecendo fundamentos teóricos científicos e filosóficos para a prática docente, por meio de “coleções pedagógicas” (Carvalho, 2001).

Em diálogo com essas pesquisas, compreendemos que a imprensa periódica de ensino e de técnicas da educação física (Ferreira Neto, 2005a) possuía finalidades semelhantes às dos impressos educacionais analisados pela história da educação. Publicados a partir de 1930, em formato revista (tamanhos livro e A4), esses impressos educacionais lutavam pela escolarização, pela formação profissional e por legislações específicas para a educação física. Os articulistas também faziam circular metodologias para o ensino dos exercícios e dos métodos ginásticos, bem como publicavam referenciais teóricos que ofereceriam suporte para a prática pedagógica.

Esses achados evidenciam as preocupações dos impressos com o ensino da educação física, aproximando a natureza dessas fontes à daquelas analisadas por Catani (1994), Catani e Sousa (1999) e Carvalho (2001). Concomitantemente a essas semelhanças, Ferreira Neto (2005a) captou matérias específicas sobre os esportes, as quais buscavam aprofundar os conhecimentos dos leitores em relação a suas instalações, seus materiais, seu detalhamento técnico e seus noticiários acerca de organizações esportivas. Com base nessas características e em diálogo com Faria e Pericão (2008), o autor passou a denominá-la de imprensa periódica de ensino e de técnicas, pois uma publicação técnica se refere àquela que trata exclusivamente de determinados temas, em nosso caso, os esportes. Assim, no interior dos impressos de ensino da educação física, também se desenvolveu um tipo de imprensa técnica, fazendo com que imprensas de diferentes naturezas dialogassem nas páginas das revistas destinadas ao professorado.

Logo, conforme discute Cassani (2018), o desenvolvimento da imprensa técnica na imprensa de ensino ressalva que, para a inserção e consolidação da educação física no projeto de escolarização, também era preciso divulgar as especificidades no que tange ao que, como, quando, para quem e onde ensinar e aprender os esportes. Para atender ao fim mais amplo da educação física, fosse para o trabalho na escola, fosse em outros espaços, não era possível desassociar as duas formas de imprensa, que se retroalimentavam mutuamente.

TEORIA E MÉTODO

Tomamos como referência os estudos de Roger Chartier (2002) sobre a análise dos impressos. Nessa perspectiva, consideramos as fontes como produtos de relações entre diferentes autores e editores, compreendendo-as como objetos culturais, por meio dos quais saberes, modelos e formas de pensar são colocados à leitura. O autor oferece-nos as bases para focalizarmos os múltiplos dispositivos que foram produzidos estrategicamente pelos articulistas a fim de “induzir” à leitura do impresso, pois “[...] deve-se lembrar que não há texto fora do suporte que o dá a ler, e sublinhar o fato de que não existe a compreensão de um texto, qualquer que seja, que não dependa das formas através das quais ele atinge o leitor” (Chartier, R., 2002, p. 127).

Em apropriação a Anne-Marie Chartier (2002), as fontes foram assumidas como dispositivos, porque reconhecemos as inventividades e os diferentes interesses dos articulistas em produzir os debates postos em circulação nos periódicos, assimilados por realidades representadas e instituídas. Para procedermos à análise, também mobilizamos os conceitos de usos e apropriações (Certeau, 2002), que constituem formas diferentes de interpretações que dialogam, todo o tempo, com as práticas produtoras de ordenamento, ou seja, as teorias da biologia e da psicologia encarnadas e postas à leitura nos impressos, oferecendo as bases para o ensino da educação física.

Baseados em Carvalho (2006), levamos em conta a intrínseca relação entre o texto escrito e as maneiras pelas quais ele chega ao leitor. Analisamos o modo como os impressos se constituem como produto de estratégias editoriais de difusão e conformação dos saberes pedagógicos. Assim, os dispositivos de leitura utilizados pelos editores e articulistas foram considerados prescrições didático-pedagógicas, as quais se conformam e se articulam com as normas pedagógicas veiculadas pelas revistas.

A justificativa para a periodização das fontes (1932-1960) apresenta motivos internos e externos ao objeto. Internamente, o ano de 1932 refere-se à publicação dos primeiros números das revistas que possuem o perfil editorial discutido por Ferreira Neto (2005a), dedicado a orientar a prática e a formação dos profissionais que atuariam nas instituições escolares. São elas: a Revista de Educação Física e a Revista Educação Physica. Os motivos externos estão associados ao ano de término da imprensa periódica de ensino e de técnicas, 1960, pois, cumprindo os seus propósitos, acabou por fenecer, “[...] faltando encontrar o seu lugar no século XXI” (Ferreira Neto, 2005a, p. 776).

Com a inserção da educação física na escola e a regulamentação da formação de professores em nível superior, os editores e articulistas entenderam que caberia aos cursos de formação ensinar os futuros professores sobre a organização e o planejamento de suas práticas pedagógicas. De acordo com Ferreira Neto (2005a, 2005b), como o espaço legal da educação física fora garantido pelas contribuições desses impressos, paulatinamente, pós-1960, o periodismo passou a figurar como publicações científicas, fruto da necessidade de a comunidade acadêmica orientar a área por meio de pesquisas vinculadas à graduação, à pós-graduação, às sociedades científicas e às associações de categoria profissional.

Fundamentados nessas especificidades, tomamos como referência o mapeamento anterior produzido por Cassani (2018), em um total de 1.783 artigos, publicados na Revista Educação Física (REF) (1932-1960), Revista Educação Physica (REPhy) (1932-1945), Boletim de Educação Física (BEF) (1941-1958), Revista Brasileira de Educação Física (RBEF) (1944-1952) e Arquivos da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (AENEFD) (1945-1966).

Ao considerarmos o objetivo desta pesquisa, assumimos como fontes específicas a REF e a REPHy. A REF, chancelada pela Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), buscava propagar orientações para o ensino da educação física fundamentadas nos princípios pedagógicos da instituição. Já a REPhy foi organizada por intelectuais civis e publicada pela Companhia Brasil Editora S.A., entidade de caráter privado e comercial. O objetivo da revista era divulgar os fundamentos científicos da educação física e os programas de exercícios a serem aplicados nas instituições escolares, constituindo-se como referência no Brasil e em outros países (Revista Técnica, 1932).

Nesses impressos, averiguamos os artigos que ofereciam as bases teóricas para o ensino da educação física alicerçados na biologia e na psicologia. Essas áreas de conhecimento foram organizadas de acordo com as aproximações entre a natureza epistemológica e os objetos de estudo dos diferentes grupos de ciências, em um processo que reconhece o diálogo estabelecido pelos intelectuais entre as distintas áreas do saber. A Tabela 1 apresenta a distribuição quantitativa dos artigos, por periódico.

Tabela 1 - Distribuição dos artigos. 

Fundamentos para a educação física Periódicos
REF REPHy Total
Biologia 24 67 91
Psicologia 10 13 23
114

REF: Revista Educação Física; REPHy: Revista Educação Physica.

Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Elaboração dos autores.

Além da análise desses artigos, com o intuito de melhor compreender o modo como os fundamentos da biologia e da psicologia se materializaram em orientações para o ensino da educação física, foram consultadas também as matérias de natureza prescritiva publicadas pelos periódicos.

A seleção dos artigos foi delimitada pela leitura prévia dos títulos que remetiam a orientações para o ensino da educação física, presentes na versão escrita do Catálogo de periódicos de educação física e esporte (Ferreira Neto et al., 2002). Nesse momento, não buscamos terminologias específicas nos títulos, selecionando aqueles com um conteúdo que se aproximasse da prescrição e orientação didático-pedagógica do professor. Entretanto, no processo de aproximação e registro fotográfico das fontes, também foi necessário ler o seu conteúdo, artigo por artigo, a fim de delimitar o seu corpus documental. O manuseio dos impressos foi importante para selecionarmos os artigos sem identificação de títulos, autoria e/ou sem descrições textuais. Nesse caso, a escolha das fontes ocorreu pela análise de seu conteúdo e de sua forma, o que não teria sido possível caso considerássemos apenas a leitura dos títulos dispostos no catálogo.

Em um primeiro momento, elaboramos um banco de dados no Microsoft Excel para cada revista, contendo: ano de publicação; ano da revista; número; página da matéria; sessão do índice/sumário; autores; título; descrição do conteúdo; e referenciais teóricos utilizados. Posteriormente, criamos um banco de dados para cada periódico no software IBM® Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®) Statistics - version 22, atribuindo variáveis para essas informações, a fim de procedermos aos cruzamentos entre elas.

O uso desse programa como instrumento para organização das fontes possibilitou uma visão ampliada do objeto da pesquisa, visto que, diante de um número expressivo de artigos e da periodização, que abrange 29 anos, foi preciso estabelecer o cruzamento entre todos os dados. Tal procedimento ajudou na localização e no manuseio do corpus documental, assim como favoreceu a compreensão da forma e do conteúdo das fontes.

Referenciamo-nos pela análise crítico-documental proposta por Bloch (2001, p. 79), pois ela nos permite ler o que está presente ou ausente nos periódicos, afinal, “[...] os textos ou os documentos, mesmo os aparentemente mais claros e mais complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-los”. Nesse processo, os impressos foram compreendidos como artefatos dotados de intencionalidades, produzidos por indivíduos ou grupos que, em determinado momento, acenaram para as bases teóricas que contribuíram para a inserção e consolidação da educação física nos currículos escolares.

MATÉRIAS SUBSIDIÁRIAS PARA A ESCOLARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA: BIOLOGIA E PSICOLOGIA

As discussões sobre os modelos de formação humana fundamentados na eugenia e no higienismo, conforme discutido por Cassani (2018), requeriam o enquadramento da educação física nos domínios da biologia geral. Com o propósito de assegurar-lhe natureza científica, os intelectuais em circulação na imprensa periódica de ensino e de técnicas se apropriaram de estudos da grande área da biologia para elaborar as teorizações específicas da educação física. Ao delimitarem os exercícios corpóreos como seu objeto de pesquisa, esses articulistas foram conduzidos “[...] a grandes diretrizes da moderna biologia, que também [mantinham] articulação com demais campos do conhecimento, como a fisiologia” (Salzano, 1935, p. 7).

O caráter racional requerido à educação física conferia-lhe os mesmos marcos que “[...] assinalavam os limites da metodologia biológica” (Salzano, 1935, p. 7), incumbindo-lhe estudos cuja centralidade era estabelecer relações entre as diversas funções do homem em movimento. O estatuto científico e metódico atribuído à educação física permitia-lhe o aprofundamento na realidade do organismo humano, especificamente dos exercícios corporais, formando “[...] uma imagem aproximada da verdade mas sempre uma imagem e não a própria realidade” (Salzano, 1935, p. 7).

Essa constatação, baseada em Wilhelm Knell, conferia aos estudos da educação física princípios que se assemelhavam aos conhecimentos originários da biologia, retroalimentando a ciência e a produção do conhecimento considerado positivo na resolução de problemas. A educação física, desse modo, cooperava para responder às indagações levantadas no campo mais macro da biologia.

Ante essas prerrogativas, o diálogo dos intelectuais com esse grupo de ciências e com suas ramificações, como a anatomia, antropometria, fisiologia, morfologia, biotipologia e biomecânica, organizou e constituiu a área da educação física inserindo-a nos problemas educacionais. Para consolidar esse processo, o uso de teorias da biologia serviu para a produção de uma teoria prática da educação física, na qual o professor compreendia a “[...] influência que os exercícios físicos exerciam sobre o organismo e de que modo deveria dosá-los, seriá-los e aplicá-los” (Salzano, 1935, p. 9, grifo nosso).

Paulatinamente, circularam nos impressos matérias que elaboraram a teorização para a educação física fundamentada na psicologia, por meio da qual se requeria o mesmo estatuto atribuído à biologia. Isto é, para a educação física ser racional, metódica e científica, era preciso incorporar aos estudos das capacidades físicas todo o conhecimento relacionado às capacidades psíquicas. Afinal, “[...] quem [poderia] [...], cientificamente, separar umas das outras?” (Olinto, 1933).3

Algo recente à época, a apreciação dos estudiosos da educação física à personalidade humana e à “[...] intervenção dos dados dessa ciência, na [sua] técnica e na [sua] teorização” (Lourenço Filho, 1935, p. 1) fora gerado pelas descobertas no campo da psicologia sobre a totalidade do ser humano. A ampliação da concepção de corpo, do seu valor e de sua relação com o espírito buscava consolidar a inseparabilidade entre o pensamento e a ação, entre as ações do corpo, os valores do espírito e o seu caráter. Esses princípios foram também assumidos pela educação física em suas práticas de apropriação às teorias da psicologia.

O diálogo dos articulistas com esses estudos constituía-se como argumento sobre a impossibilidade de o campo maior da educação configurar-se em compartimentos estanques, como se a educação intelectual e a educação moral fossem desassociadas da educação física. Ora, o profissional que atuaria com o ensino da ginástica ou esportes também fazia educação intelectual ao ensinar a “[...] precisão de movimentos, agudeza de raciocínio e, bem assim, educação moral (aceitação das regras do jôgo, com compreensão social, disciplina sentimental, treino de esforço, etc.” (Lourenço Filho, 1935, p. 1).

Para Lourenço Filho (1933), a organização didática das disciplinas entre aquelas de natureza intelectual, moral e física não significava desarticulação entre elas. Desse modo, a circulação das teorias da psicologia nos impressos contribuiu para que os processos educativos fossem compreendidos intrinsecamente a um pensar, a um sentir e a um agir, conferindo importância semelhante à educação física e às demais disciplinas no processo de formação integral dos sujeitos.

BIOLOGIA E PSICOLOGIA: O LUGAR DA EXPERIÊNCIA, DA DEMONSTRAÇÃO E DO MÉTODO

Matérias como as de Hollanda Loyola (1940) expressavam como o estudo e a observação do conhecimento das diferentes funções do indivíduo implicavam a definição de um método que melhor empregasse os exercícios à máquina humana. Isto é, as apropriações das teorias da biologia permitiam, na educação física, atestar a confiabilidade de um método para a sistematização de práticas racionais. O autor discutiu a necessidade de criação de um método de educação física para o Brasil com base na análise dos princípios fisiológicos de métodos que eram considerados, em seu ponto de vista, os mais difundidos no país, à época - o método sueco, a ginástica calistênica e o método francês.

Para isso, utilizou-se a curva do esforço dispendido na execução de uma lição dos métodos, porque ela demonstrava o seu grau de racionalismo fisiológico. Loyola (1940) justificou a opção em investigar a gradação da energia aplicada nos métodos, por ser ela mais relevante do que a própria diversidade dos exercícios empregados. Em sua visão, se esse tipo de análise não fosse feito, os homens seriam submetidos “[...] a exercícios violentos [com] graves consequencias para seu equilíbrio funcional” (Loyola, 1940, p. 12).

Especificamente no tocante à calistenia e ao método francês, o autor comparou as orientações fisiológicas presentes em ambos, com o intuito de discutir sobre a elaboração de um método eclético, racional e científico no Brasil, conforme Figuras 1 e 2.

Fonte: Loyola (1940, p. 13).

Figura 1 - Curva de esforço físico no método calistênico. 

Fonte: Loyola (1940, p. 13).

Figura 2 - Curva de esforço físico no método francês. 

As Figuras 1 e 2 representam o esforço físico na realização dos exercícios da calistenia e do método francês. A crítica do autor à calistenia referia-se à forma violenta como a gradação dos movimentos era desenvolvida: parte do grupo 1 (exercícios de braços e pernas) subia rapidamente ao máximo da lição, que consiste no grupo 7 (exercícios de sufocação), descendo abruptamente ao grupo 8 (exercícios gerais de ombros e espáduas). Para Loyola (1940), a imagem demonstrava que, em relação aos princípios fisiológicos, não havia preparação anterior para a execução de grandes esforços, com o objetivo de aquecer o organismo.

Já quanto à curva de esforço do método francês, Loyola (1940) afirmou ser essa a mais racional entre os métodos analisados em seu estudo. Suas lições eram compostas de: exercícios de aquecimento (das evoluções aos exercícios com a caixa torácica - 1 ao 7); gradação até o esforço máximo, de modo lento e contínuo, expresso na corrida (12); e realização de exercícios de volta à calma, fazendo com que o aluno retornasse ao seu estado inicial (15 ao 17). Não havia oscilações bruscas ou violentas. Toda a lição era feita com gradações fisiológicas normais.

O estudo de Loyola (1940) inseriu-se em um cenário de tensões colocadas à época sobre a institucionalização do método francês como aquele adotado oficialmente pelo governo.4 Em meio a essas lutas de representações (Chartier, 1990), as análises do autor pretendiam, naquele contexto, duas ações:

  1. convencer o professor sobre o melhor método a ser utilizado nas aulas de educação física, visto que, sem aqueles princípios, tudo seria empírico, artificial;

  2. fortalecer a importância de os intelectuais assumirem os princípios de gradação e continuidade fisiológicos criados pela escola francesa, para elaborarem um método próprio.

O método francês era um norteador, portanto um guia a ser seguido na criação de um futuro método brasileiro.

Também no âmbito dos estudos do Estado-maior do exército, o primeiro-tenente Rocha (1941) afirmou que, entre os problemas a serem resolvidos pela educação física, não haveria lugar para as improvisações nem para os exageros, pois os conhecimentos da fisiologia ofereceriam as bases para o treinamento racional, em uma adaptação progressiva do organismo a determinado trabalho. O exercício muscular moderado e dosado de acordo com a capacidade fisiológica dos alunos aperfeiçoaria as suas faculdades de coordenação, asseguraria a economia na despesa fisiológica, oferecendo amplitude máxima às possibilidades de execução dos movimentos.

A análise das fontes anuncia que a circulação das teorias da fisiologia apresentava finalidades distintas e que se retroalimentavam: matérias como as de Salzano (1935) justificavam o estudo científico dos exercícios corpóreos, de acordo com os preceitos da biologia; e publicações como as de Loyola (1940) e Rocha (1941) se apropriavam dessas diretrizes para mostrar aos professores como eles deveriam organizar a sua prática pedagógica. Essas proposições para a educação física estavam alicerçadas no próprio fazer científico da biologia, em que os métodos da observação e da experimentação eram utilizados para aprofundamento dos objetos de pesquisa. Na educação física, o uso desses métodos tinha como objetivo constituí-la como ciência, criando um arcabouço teórico-prático para orientar a atuação do professor. O empenho dos articulistas estava em produzir e validar um conhecimento de natureza científica e racional:

A adoção desse principio implica naturalmente na escolha de exercícios adequados e na definição de uma finalidade a atingir que consulte, pela pratica dos exercícios físicos, o desenvolvimento harmonico do corpo, a correção da fórma, o equilibrio das funções orgânicas e a preparação utilitaria para uma vida produtiva. (Loyola, 1940, p. 13)

Concomitantemente aos estudos da fisiologia, os intelectuais apropriavam-se das bases da anatomia, pois elas permitiam a apreciação das “exatas e verdadeiras” proporções do movimento humano (Canessa, 1944). Ao professor, seria inadmissível orientar, dirigir e administrar as suas aulas sem dominar as teorias das estruturas e funções humanas. As modernas conceituações da anatomia ofereciam aos professores conhecimentos sobre o ser humano como um todo complexo, indissociável e dinâmico, “[...] em uma visão global [...] como estrutura variável e influenciável, objeto e fim da educação” (Canessa, 1944, p. 14).

A circulação de estudos da anatomia nos impressos assegurava o entendimento do motor humano, para que o docente atuasse de maneira racional nos processos educativos. Para alcançar a eficiência dos processos de ensino, os articulistas atribuíam aos periódicos papel semelhante àquele assumido pelos cursos de formação em educação física, veiculando teorias que orientassem a prática pedagógica de instrutores e monitores (Azevedo, 1937a). Ao almejarem proporcionar-lhes conhecimento completo e eficiente, as revistas incentivavam os professores a estudar essas teorias pelo seu aperfeiçoamento com a prática, como visto em Canessa (1944).

A fim de orientar os profissionais que atuariam na educação física, os articulistas publicavam matérias baseadas nos conhecimentos da anatomia, demonstrando-lhes como essas teorias constituíam a estrutura da própria mecânica do movimento, ou seja, a realização do exercício em si. Essas teorias eram materializadas em dispositivos de leitura presentes em matérias que buscavam prescrever a atuação docente e orientar a formação profissional, conforme demonstram as Figuras 3 e 4.

Fonte: Goss (1939, p. 22-23).

Figura 3 - Natação elementar. 

“Respiração

[...] explicar [aos alunos] que antes de entrar na água devem inspirar; quando estão caindo devem prender a respiração; e quando voltam á superfície podem expirar vagarosamente.

B - Mergulhar na água

Sentar no bordo da piscina. Colocar os pés na goteira. Afastar os joelhos [...]. Curvar à frente sobre a água, até que os dedos quasi a toquem, depois cair fazendo que as mãos entrem no líquido primeiro, e todo o corpo numa linha reta”.

Fonte: Goss (1939, p. 27, grifos do original).

Figura 4 - Ensino da respiração na natação elementar. 

As Figuras 3 e 4 referem-se a uma matéria assinada por Gertrude Goss, autora do livro Swimming analysed, editado pela empresa A. S. Barnes (Nova York), uma das colaboradoras da REPHy. Nela, a autora apresentou princípios baseados em experiência para ensinar progressivamente a natação racional e eficiente. Os detalhamentos técnicos para a realização das bases da modalidade, como eliminação do medo da água, respiração e relaxação, flutuação e mudanças de posições do corpo na água, foram descritos de maneira textual e imagética. Os desenhos foram enumerados e acompanhavam a narrativa escrita. Ou seja, eles foram incorporados ao texto, sem necessidade de fazer menções textuais indicativas a eles.

Já a matéria de Rezende (1932) visou à divulgação do esporte e, com o objetivo de desconstruir a “extrema” complexidade do basquete “à primeira vista” do leitor, mostrou as suas “partes componentes”: manejo de bola, passe, lance, corrida, salto, habilidade individual e defesa. As Figuras 5 e 6 referem-se a esse artigo.

Fonte: Rezende (1932, p. 20-21).

Figura 5 - O “ABC” do basket ball

Legenda:

“Braços abertos, promptos para abaixar-se ou levantar-se; tronco erecto, pés separados; joelhos levemente dobrados. Esteja promto para saltar se o passe vier alto. [...] 2 - Uso:

Tornar o passe ou lance do adversario mais difficil e, si possivel, intercepta-lo”.

Fonte: Rezende (1932, p. 23).

Figura 6 - O “ABC” do basket ball: defesa. 

Para demonstrar a sua “notável simplicidade”, o autor descreveu textualmente como fazer os movimentos específicos do basquete, os pontos importantes a serem observados, bem como as tendências defeituosas, esclarecendo quando usar essas diferentes “partes componentes”, tudo sempre acompanhado de imagens, como visto nas Figuras 5 e 6.

Em ambos os textos (Goss, 1939; Rezende, 1932), o ensino dos exercícios estava fundamentado no estatuto de ciência moderna requerido pela educação física, em que a produção de um conhecimento verdadeiro estava alicerçada na experiência e em fatos demonstrados rigorosamente. De modo semelhante às áreas da biologia e psicologia, o que caracterizava a educação física como ciência era o uso de métodos para demonstrar “[...] a maneira ou ordem que se segue em busca de algo, [...] para chegar a um fim que se deseja” (Raposo, 1958, p. 11). Nessas matérias especificamente, o uso do método ficou evidenciado pelo esforço dos autores em demonstrar, de forma mais clara, sequenciada e precisa, como ensinar a natação e o basquete, facilitando a compreensão do professor sobre a correta de realização dos exercícios.

Os recursos textuais e imagéticos utilizados pelos autores também anunciavam o processo com o qual os intelectuais se apropriaram dos conhecimentos anatômicos, com o intuito de orientar as práticas de ensino dos professores. Os usos desses dispositivos de leitura, como esquemas, figuras e fotografias, encontravam as suas bases no estudo teórico-prático da anatomia, pois esta considerava esses recursos visuais como materiais didáticos e “auxiliares valorosos”, tanto para professores como para alunos (Canessa, 1944).

Associavam-se a esses recursos os enunciados escritos, que, para Canessa (1944), tinham valor consagrado e particular na anatomia. Eles registravam os princípios anatômicos fundamentais e eram anteriores a qualquer dispositivo visual utilizado para colaborar com os processos de ensino e de aprendizagem. Da mesma maneira, para que houvesse apropriação desses conhecimentos, inscritos em enunciados, era preciso ampliá-los para outros procedimentos metodológicos: “[...] Adquiridos de certo modo teòricamente, [esses saberes] devem ser objetivados mediante um oportuno esquema gráfico que esclareça e fixe a descrição” (Canessa, 1944, p. 17).5

Os desenhos utilizados nas matérias, de modo “claro, simples e de linhas precisas”, foram considerados por Canessa (1944) um dos recursos mais importantes para o ensino da anatomia e sua aplicação no ensino da educação física. Desenhar constituía o melhor instrumento “[...] para que o que canse o ouvido a vista distraia, que é a maneira de dar-lhe maior interesse” (Canessa, 1944, p. 18), evitando que escapassem detalhes no processo de observação das funções humanas.

Essa concepção de ciência moderna visava ao estudo minucioso dos segmentos do corpo humano, a fim de elucidar a complexidade do exercício corpóreo e suprimir todas as dúvidas em relação à sua correta realização, pois todos os desenhos eram visualizados apenas por linhas - que representavam as articulações e os músculos mobilizados para aquela ação. Era pelo desenho que havia compreensão da totalidade do fenômeno estudado e se demonstrava o próprio conhecimento sobre a forma humana, desde que representada fácil e detalhadamente.

Do ponto de vista da psicologia, as matérias orientadoras da atuação docente materializavam princípios discutidos por Freitas (1938), como a observação e a exatidão. Para o autor, a observação era a ação de atenção sensorial. Ela permitia ao espírito do leitor fixar objetos, pessoas, em um exame detalhado, cujas finalidade e qualidade essencial eram a exatidão. Do mesmo modo, a memória (motora e intelectual) fornecia as bases para o sequenciamento preciso dos movimentos, orientando todo o progresso dos exercícios.

Fosse pelo conteúdo, fosse pela forma das matérias, os conceitos de observação, ação e memória eram mobilizados nos impressos para oferecer fundamentos da psicologia aos princípios didáticos da educação física, contribuindo para o seu processo de escolarização. O ensino e a aprendizagem dos esportes, da ginástica, dos jogos e das danças significavam considerar todo o conhecimento produzido pela observação em ação de espaços, movimentos e aparelhos necessários para a sua prática. Essa exata definição das especificidades dos exercícios físicos formava as bases para uma disciplina científica que possuía objetos de ensino a serem aprofundados. Gradativamente, os processos de ensino ganhavam complexidade, assumindo-se como referência a memória das aprendizagens anteriores.

Desse modo, os impressos apresentavam-se como materiais didático-pedagógicos orientadores do aprender do professor, que lançaria mão da sua memória para repetir os movimentos enunciados nos impressos, quer por textos, quer por imagens. Ao mesmo tempo, a revista oferecia-lhe suporte para as suas práticas de ensino, já que, em situação de aula, ele também recorreria à sua memória para ensinar aos seus alunos a realizarem progressivamente os exercícios.

A pesquisa de Retz (2019), ao analisar os usos das imagens como estratégias editoriais para orientar a prática pedagógica dos professores de educação física nesses periódicos (1932-1960), também compreende que esses recursos imagéticos constituíam dispositivos de modelização da leitura (Carvalho, 2006), cujo propósito era colaborar com a formação daqueles que ensinavam a educação física fundamentados na ideia do fazer para aprender e do aprender fazendo (Ferreira Neto et al., 2014). Ou seja, os professores também deveriam ser bons executantes, para que tivessem condições de ensinar os exercícios. Assim, a observação das imagens em articulação com os textos escritos oferecia modelos para os leitores se apropriarem corporalmente dos exercícios. Nesse caso, as imagens faziam parte do projeto editorial desses periódicos, com o intuito de escolarizar a educação física.

Fundamental para a concretização do princípio da memória, a lei do exercício preconizava a repetição dos exercícios pelos alunos, a fim de que, nos processos de aprendizagens, se tornasse mais fácil “reagir” de acordo com as especificidades dos movimentos (Sharman, 1939a). Todo aprendizado era reação e todas as coisas eram aprendidas fazendo-as, fossem as habilidades motoras, aprendizagens mentais, sentimentais, fossem os procedimentos morais (Sharman, 1939b).

O agir para aprender, nesse caso, fazia-se imperativo, pois os estudos do conjunto de exercícios que constituíam a educação física sob “[...] uma quantidade ilimitada de palestras sobre os valores e técnicas do esporte não estabeleceriam as reações desejadas. [...] Quanto mais a reação é praticada, mais cuidadosa, pronta, fácil e exata será” (Sharman, 1939a, p. 12, grifo nosso).

Especificamente a matéria sobre o ensino da natação elementar, na Figura 7, também nos mostra a apropriação da lei do efeito, discutida na psicologia. Os procedimentos ensinados na matéria antecediam as orientações presentes na Figura 4, sobre o modo correto de respirar em ambiente líquido. A articulação entre ambas as figuras acena para o uso da referida lei nos processos de ensino e aprendizagem na educação física.

Fonte: Crabbe (1934, p. 50).

Figura 7 - Uma lição de crawl

A matéria presente na Figura 7 teve como objetivo propor uma lição para o ensino do nado crawl, sob autoria de Buster Crabbe, nadador e campeão olímpico. Nela, há enunciados textuais que conduziam o leitor ao como fazer os movimentos registrados pelas fotografias, em que o autor simulou estar na piscina para ensinar a técnica do nado crawl. As fotografias contidas na Figura 7 também recorreram a desenhos de setas para mostrar, com maior precisão, os exercícios a serem realizados com os braços e com o tronco, favorecendo a compreensão dos profissionais que ministrariam a educação física.

A lição também explicitou como a natureza didático-pedagógica das revistas lhes permitia circular e serem usadas de modo ágil e preciso pelos leitores. Por ser um suporte material de poucas páginas, quando comparado ao livro, os periódicos poderiam ser manuseados cotidianamente, em diferentes lugares. Com literatura clara e ilustrada, o impresso assumia o papel de orientador antes mesmo da prática da lição (na escola ou em outros espaços). Era preciso observá-lo com atenção para que o professor posteriormente fizesse “[...] um ensaio sobre um pequeno banco tendo á frente estas photographias” (Crabbe, 1934, p. 51). Dessa maneira, o estudo dos exercícios físicos e a sua vivência corporal antecediam a própria atuação docente.

A orientação para o uso do banco no ensino da natação também configurava o periódico como um material didático, sob duas intencionalidades: por sua materialidade e pelo seu conteúdo; e por indicar caminhos que facilitassem os processos de ensino e de aprendizagem, sugerindo o uso de outros recursos didático-pedagógicos, como o banco.

Nas Figuras 4 e 7, colocou-se em evidência a necessidade de o aluno praticar a correta inspiração e expiração na natação, porquanto ambos são os princípios elementares para todo o processo de aprendizagem na modalidade. Respirar corretamente, ou seja, com a cabeça inclinada para um dos lados, significava alcançar níveis de satisfação e experiências positivas tais que os alunos ficariam motivados a buscar reações semelhantes. Evitava-se a inspiração com a cabeça imersa na água, pois os seus resultados acarretariam reações desagradáveis aos alunos, desmotivando-os a aprender a natação.

Essas relações de causalidade elaboradas no campo da psicologia e apropriadas pela educação física buscavam a criação de metodologias que, sob determinadas condições e circunstâncias, favoreciam o ensino e as ações que dele eram geradas. Com o foco nos processos de aprendizagem, o trabalho girava em torno do desenvolvimento de o aluno desejar agir de determinada maneira. O artigo presente na Figura 7 se refere à necessidade de ele atingir suficiente habilidade na respiração da natação, entretanto ampliamos esse conceito para a aprendizagem de outros exercícios, por meio dos quais o aluno iria adquirir o estado de presteza e o desejo de realizar a mesma técnica muitas vezes.

Nesse caso, a apropriação da lei de causa e efeito conferia rigor metodológico aos processos de ensino e de aprendizagem da educação física, tal como ocorria no fazer científico considerado moderno. Por meio dela, foram desenvolvidos procedimentos didáticos que focalizavam situações de satisfação incidental, suficientes para motivar o aprendizado. Como afirma Sharman (1939a, p. 13), “[...] as situações de ensino devem ser planeadas de modo que os alunos possam conseguir o sucesso satisfatório por um esforço razoável. Se alguém falha sempre, [ou] desanimará [ou] deixará de tentar”.

Por isso, havia a necessidade de conhecer as características biológicas e psicológicas dos alunos, a fim de dosar adequadamente os exercícios e conduzi-los a reações convenientes e agradáveis. Como efeito dessas iniciativas, notavam-se a eficiência nos processos de ensino e a melhoria nos resultados do aprendizado, “[...] assegurados quando um aluno, movido por um intenso desejo ou precisão, tem oportunidade de praticar corretamente uma atividade de modo tal que aufere muitas satisfações” (Sharman, 1939a, p. 13).

Com o objetivo de fornecer as ferramentas necessárias para que o professor promovesse o desenvolvimento das aprendizagens dos alunos, perante essas leis específicas, os articulistas publicavam matérias que estavam centralizadas na precisão na realização dos movimentos. Os detalhamentos com os quais eles abordavam as diferentes atividades mostram como o diálogo entre a biologia e a psicologia proporcionou, na educação física, a criação de diferentes metodologias de ensino. As Figuras de 8 a 13 oferecem suporte para essa análise:

Fonte: Weldon (1940, p. 23-25).

Figura 8 - Manejo do dardo. 

“Neste modo de segurar o dardo, o lançador empunha-o pela parte superior do cordel, por forma que o dedo médio contorne a seta [...]. [Mills traz] a javelina às costas. Êle mantêm os ombros regularmente alçados, virando-se ligeiramente em seguida”.

Fonte: Weldon (1940, p. 23-25).

Figura 9 - Aproximação do dardo. 

Fonte: Lima (1942, p. 15-16).

Figura 10 - Braçada no nado de costas. 

Legenda:

“Estando o braço estendido ao longo do corpo, o movimento é iniciado de maneira semelhante a elevação do braço no plano da frente. [...] o braço começa a se afastar para fora e para trás, até a mão atingir uma posição um pouco alem da cabeça”.

Fonte: Lima (1942, p. 15-16)

Figura 11 - Braçada no nado de costas 

Fonte: Paraense (1949, p. 17).

Figura 12 - Baseball: executando o bunt

Legenda: “Como segurar a bola num bom lançamento”.

Fonte: Paraense (1949, p. 17).

Figura 13 Baseball: segurando a bola. 

As Figuras de 8 a 13 dizem respeito a matérias cujo objetivo era ensinar aos professores: o arremesso de dardo, do atletismo (Figuras 8 e 9); a braçada do nado de costas, da natação (Figuras 10 e 11); e determinadas jogadas do baseball (Figuras 12 e 13). Em Weldon (1940), vimos descrições detalhadas dos movimentos e sua correlação com as imagens, todas enumeradas ao longo do texto. Já em Lima (1942) e Paraense (1949), as fotografias e os desenhos não foram enumerados, e a eles não foram feitas referências, estando incorporados aos textos. Em todas as figuras, praticava-se o esporte em ambientes ao ar livre, sugerindo-nos que os princípios do higienismo eram apropriados pelos intelectuais para orientar o ensino de diferentes exercícios, não apenas aqueles em que havia a indicação da referida doutrina.

Conforme estudo de Cassani (2018), o higienismo circulava nos periódicos, oferecendo as bases para que a educação física fosse realizada ao ar livre e de modo natural. Como um projeto de formação, focalizava a saúde física do ser humano, visando também à qualidade do seu estado de saúde espiritual. De acordo com essa concepção, o bem-estar do espírito não era um meio para a saúde física, mas um fim em si mesmo, em uma influência recíproca entre corpo e espírito.

Sob os fundamentos da ciência, a educação higiênica pretendia corrigir “[...] a fraqueza organica, [produzir] figura symetrica, [desenvolver] os músculos, [dilatar] o thorax, [augmentar] a vitalidade e a resistencia, pondo a saùde sobre um pedestal firme” (Educação hygienica do povo, 1938, p. 9). A educação física desenvolveria o vigor físico necessário para o equilíbrio da vida humana, a felicidade da alma, buscando a preservação da pátria e a dignidade da “espécie” (Educação hygienica do povo, 1938).

Assim como ocorre com a matéria referenciada na Figura 7, o nado de costas foi proposto para ser ensinado em outro espaço que não a piscina. As fontes acenam para uma didática específica da natação em que a apropriação e o aperfeiçoamento de exercícios eram feitos em ambientes que antecediam e preparavam os alunos para o contato direto com água, o que contribuía para o seu processo de aprendizagem. As recomendações de ambas as fontes nos mostram processos didáticos e metodológicos por meio dos quais o ensino deveria ocorrer em ambientes mais simplificados, para, gradativamente, ser vivenciado em situações reais de aplicação. Ao mesmo tempo, a análise dos artigos sugere que, para fins higiênicos, a natação também deveria ser praticada em rios e praias, como visto em Azevedo (1937b).

Por serem esportes cuja ação principal está no manejo de aparelhos e no deslocamento dos braços - o lançamento do dardo, a braçada da natação e o uso do taco no baseball (Figuras de 8 a 13) -, os autores atribuíam maior ênfase aos exercícios dessas “alavancas corporais”, de diferentes formas: pelo modo (in)correto de manusear os aparelhos, bem como pela posição das mãos e movimentação dos ombros e dos braços. Estudavam-se cada uma das grandes regiões funcionais do membro superior (ombro, cotovelo e mão) e, progressivamente, o comportamento de todos os outros segmentos corporais, a fim de que a ação principal fosse realizada. Esse modo de abordar os esportes evidencia o diálogo dos autores à didática da anatomia, em que ressaltava a necessidade de estudar os conjuntos parciais do corpo, compreendidos como “[...] centros de interesse ou problemas parciais, dentro do conjunto apreciado globalmente no princípio” (Canessa, 1944, p. 21).

Há, nesse caso, usos diferenciados pelos articulistas no que se refere ao conteúdo das matérias, especificamente sobre a anatomia. Nos artigos que discutiam as suas bases teóricas, vimos o trabalho minucioso para demonstrar as estruturas dos segmentos corporais (em seus sistemas ósseo e muscular). Já nas matérias cuja centralidade era oferecer subsídios para a intervenção docente, em situação de aula (Figuras de 4 a 13), esses conhecimentos foram mobilizados e apropriados para o trabalho com as especificidades técnicas dos diferentes exercícios físicos. Assim, as publicações sobre a anatomia eram necessárias para que o professor compreendesse, em um primeiro momento, as suas teorias, bem como os processos didáticos nelas fundamentados. Posteriormente, o leitor entenderia as bases para a correta realização dos exercícios.

Compreendermos que as apropriações dos articulistas ao método centralizado nas alavancas corporais foram mobilizadas e ampliadas pelos estudos da psicologia, que focalizavam a melhoria das aprendizagens por unidades completas. Conforme os princípios da anatomia, as matérias de natureza didático-pedagógica apresentavam detalhadamente as estruturas dos segmentos corporais, com o objetivo de mostrar para o professor o trabalho com as especificidades técnicas dos exercícios. Já sob os fundamentos da psicologia, essas mesmas técnicas e habilidades seriam mais bem aprendidas pelos alunos se praticadas como um todo. Nesse caso, aprender a lançar o dardo significava realizar movimentos das articulações do ombro, cotovelo e mão, como se fosse uma única habilidade - em uma ação mais econômica e eficaz do que se fosse aprendido em pequenas partes.

Esse modo de aprendizagem, por unidades inteiras de trabalho, implicava considerar que, para quase todos os tipos de aprendizado motor ou intelectual, as disciplinas “penetrariam” melhor na memória dos alunos pelo uso do método integral de aprendizagem, “[...] do que o fazer em partes para depois ajuntá-las e formar o todo” (Sharman, 1939b, p. 9).

O exame do corpus documental específico sobre psicologia acena para a necessidade de incorporação de teorias, como a do aprendizado concomitante e associado, aos procedimentos metodológicos destinados ao ensino das alavancas corporais. A interpretação das matérias assinadas por Weldon (1940), Lima (1942) e Paraense (1949), pelo diálogo com Sharman (1938a), explicita as contribuições da psicologia no que concerne aos processos de aprendizagem dos alunos, discutindo acerca da necessidade de conhecer os seus interesses e fornecendo os meios para isso.

Para Sharman (1939a), baseado em William Heard Kilpatrick,6 os alunos sempre somariam outras aprendizagens às primeiras “coisas ensinadas”. Se houvesse progresso na habilidade e nas técnicas aprendidas, os alunos demonstrariam maior desenvolvimento e fluidez em seus movimentos. Assim, os objetivos determinados a priori seriam alcançados, fazendo com que o professor obtivesse êxito em suas práticas de ensino.

Esse processo era compreendido como aprendizado primário. Com base nele, o aluno poderia imaginar os processos de manufatura de equipamentos (como o dardo, a bola e o taco), a qualidade da água da piscina ou a quantidade de cloro utilizada. Embora importantes, essas aprendizagens de associação não significariam avanços específicos nas habilidades de lançar o dardo, manejar a maça do baseball e fazer a braçada na natação (Figuras de 8 a 13).

Além dessas experiências, os alunos poderiam demonstrar atitudes articuladas com as primeiras ações ensinadas. Essas aprendizagens concomitantes eram tão necessárias quanto os aprendizados primários, pois expressavam o comportamento dos alunos com outras pessoas, seus princípios e seus ideais, sendo de grande importância para a educação. Com o objetivo de favorecer o aprendizado concomitante entre os alunos, cabia ao docente ampliar os seus métodos de ensino, potencializando os “[...] aprendizados simultâneos e [o seu papel] [...] em moldá-los em atitudes firmes e desejáveis” (Sharman, 1939a, p. 13).

A análise das fontes permite-nos inferir que circulavam, à época, teorias da psicologia que atribuíam ao professor o papel de controlar os processos de aprendizagem, como a lei da causalidade, cujo aprendizado do aluno sempre responderia a um estímulo externo. Nesse caso, recaía sobre o docente a responsabilidade de tornar as experiências dos alunos sempre favoráveis, a fim de atingir resultados satisfatórios que retroalimentariam o seu interesse em melhorar os seus níveis atuais de habilidades motoras. Esse é o caso de procedimentos metodológicos que foram prescritos nos impressos, como a “demonstração habilidosa e rara do professor”, incentivada pelos estudos da psicologia (Sharman, 1939b), estimulando os alunos a sempre se interessarem por novos progressos.

É preciso levar em conta a diversidade de teorias oriundas da psicologia em circulação nos impressos e que, por vezes, havia tensões entre elas. Se Freitas (1938) e Sharman (1939b) entendiam a necessidade de o professor ser um excelente executante para que o aluno alcançasse êxito no desenvolvimento dos exercícios físicos, Raposo (1957b) e Ramos (1936) mostram-nos que não havia consenso em relação a essa prática.

Raposo (1954b) questionou os estudos sobre o caráter associados aos determinismos biológicos. O autor referia-se às leis de causalidade, por meio das quais o dinamismo humano se definiria a priori pelos princípios fisiológicos. Já as pesquisas correlacionistas não deixaram de considerar os traços biológicos gerais como ponto de partida para a compreensão da constituição do caráter, mas também reconheciam que o meio ambiente poderia “[...] modificá-lo para melhor ou para pior” (Raposo, 1957b, p. 44). Para Ramos (1936), a psicologia comportamental, cujo foco estava na “fórmula behaviorista S-R (estímulo-reação)”, já não era suficiente para compreender as reações humanas.

Nesse sentido, a teoria gestalt mostrava que estímulos simples não despertariam respostas simples nos indivíduos e que, por si só, o processo de estimulação-resposta não explicava a psique humana - constituída como um todo indivisível. Eram as vivências e os interesses do ser humano que formavam a sua personalidade global, responsável por determinar uma reação pessoal a um estímulo futuro. Assim, associada à fórmula behaviorista anteriormente citada, “S-R”, também se requeria a função da personalidade como intermediária dos processos de estímulo-resposta (Ramos, 1936).

É desse conjunto de teorias que emergiu a necessidade de conhecer as vivências que seriam favoráveis à formação da personalidade do aluno, a fim de que o professor contribuísse para o desenvolvimento de suas valências positivas (que exprimiam uma correta formação do comportamento), ou prevenisse, afastasse e evitasse as valências negativas. Nesse caso, a demonstração do gosto e da motivação, por parte dos alunos, oferecia pistas de reações biológicas e educativas acertadas, que serviam como parâmetro para identificar se as atividades estavam adequadas e correspondiam aos interesses das crianças e dos adolescentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste artigo foi analisar as práticas de apropriação dos articulistas às teorias da biologia e da psicologia em circulação na imprensa periódica de ensino e de técnicas (1932-1960). A análise das fontes evidenciou as práticas dos autores em inserir a educação física, do ponto de vista científico, nos domínios da biologia geral. Especialmente, os estudos da anatomia contribuíram para que os articulistas desenvolvessem metodologias nos impressos que melhor explicitassem os objetos de ensino da educação física, apresentando aos professores dispositivos de leitura que lhes permitiam ver, de modo exato e verdadeiro, o movimento humano.

O diálogo com a biologia e a psicologia mostrava para os leitores a importância de se conhecer as características dos alunos, a fim de dosar adequadamente os exercícios e conduzi-los a reações convenientes e agradáveis. Especificamente, o uso da psicologia contribuiu para que o ensino da educação física fosse sistematizado com base em experiências de aprendizagem sempre favoráveis, atribuindo responsabilidade ao professor em relação aos estímulos externos que provocariam nos alunos o interesse por novos progressos.

Nesse sentido, os usos dessas teorias também serviram como estratégias editoriais para inserir e consolidar a educação física nos currículos, pois, para que ela se constituísse paulatinamente como disciplina escolarizada, era fundamental a presença de um professor que ensinasse pelo exemplo e pela demonstração, orientando aquilo que os alunos aprenderiam.

O processo de análise do corpus documental salientou a imprensa periódica de ensino e de técnicas como um suporte material que possuía características didático-pedagógicas e cuja finalidade era orientar as práticas de ensino e a formação dos profissionais para atuarem com a educação física. Sob essa perspectiva, a Revista de Educação Física e a Revista Educação Physica ofereceram referenciais teóricos que sustentaram a atuação docente, fornecendo possibilidades para a realização das sessões de educação física.

Nesse caso, são os estudos da biologia e da psicologia que nos oferecem as bases para afirmar que a elaboração de teorias na educação física sempre implica praticá-las. As fontes sinalizam um fazer que, nos periódicos, está imbricado ao ensinar e ao aprender pela experiência direta com os exercícios. Inserido no projeto de formação integral do sujeito, esse fazer entrelaça indissociavelmente o corpo, o intelecto e a moral.

Diante do exposto, acenamos para a necessidade de pesquisas que investiguem as práticas de apropriação dos articulistas às obras que fundamentaram a produção e a circulação dos métodos ginásticos europeus nas revistas, uma vez que esses métodos se configuraram como os orientadores da prática pedagógica da educação física.

De igual modo, fica-nos a necessidade de estudos que compreendam as perspectivas teóricas e a sua materialização em critérios para a realização de grupamentos homogêneos e práticas avaliativas que, ora foram prescritos por médicos, ora requeridos como responsabilidade dos professores. O que estava colocado como pano de fundo desse debate era a ampliação das teorias anatomofisiológicas para as biopsicossociofilosóficas, que ofereceriam as bases para o ensino da educação física.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às seguintes agências de fomento o auxílio financeiro destinado à pesquisa: Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES), Edital Universal n. 006/2014 - processo n. 67.6438.25; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), edital universal 2018, processo n. 435195/2018-2; Bolsa Produtividade CNPq Nível 2.

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1A obra possui três edições (1916, 1920, 1960). No artigo, dialogamos com a edição de 1960.

2Este artigo constitui um desdobramento do projeto guarda-chuva Da imprensa periódica de ensino e de técnicas da educação física: trajetórias de prescrições pedagógicas (1932-1960), que investiga como os objetivos, as metodologias, os detalhamentos técnicos, os conteúdos de ensino e a avaliação eram sistematizados em periódicos da área. Projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES), edital universal n. 006/2014 - processo n. 67.6438.25.

3O diálogo com ambos os grupos de ciências também anunciou as estratégias dos intelectuais em conferir à educação física e à sua inserção nos programas escolares lugar de importância no processo de constituição identitária do povo brasileiro. Afirmativas como “[...] foi-se o tempo em que se pretendia contrapor os exercícios físicos aos psíquicos” (Olinto, 1933) confirmavam a necessidade de compreender o impacto dos exercícios físicos sobre o bem-estar do indivíduo e o seu sentimento de solidariedade, despertando a inteligência, o aperfeiçoamento da moral e a elevação dos “pensamentos nobres” dos brasileiros. Da eficiência física do jovem dependeria a sua vida em sociedade e, por meio dos valores gerados pelos exercícios, ele aprenderia a cooperar com os demais, sabendo ganhar e perder honestamente. Assim, a apropriação das teorias da psicologia também tinha como objetivo valorizar a atuação do professor de educação física como aquele que, ao “[...] ampliar seu raio de ação na assistência à formação da juventude brasileira” (Raposo, 1957a, p. 5), exercia papel fundamental para que o aluno desenvolvesse valores, por meio dos quais enfrentaria os problemas cotidianos.

4Trata-se da obra Réglement Géneral d’Éducation Physique (Méthode Française), criada pela Escola Normal de Ginástica e de Esgrima de Joinville-Le-Pont (França), na década de 1920. Ela foi publicada em 1934 (Estado-maior do Exército, 1934), constituindo-se como orientadora da educação física em todas as unidades do Exército, inclusive na Escola de Educação Física do Exército. Em 1937, o regulamento nº 7 foi oficializado como o método que fundamentaria o ensino da educação física nas instituições secundárias.

5De acordo com Canessa (1944), o avanço da arte cinematográfica colaborou para que ela fosse aplicada como um recurso didático ao ensino da anatomia, o que também contribuiu para o uso de imagens a fim de orientar a prática docente nos periódicos da educação física.

6Pedagogo americano, colega e sucessor de John Dewey.

Recebido: 07 de Fevereiro de 2019; Aceito: 19 de Julho de 2019

Juliana Martins Cassani é doutora em educação física pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professora da Faculdade Vale do Cricaré (FVC). E-mail: julianacassani@gmail.com

Amarílio Ferreira Neto doutor em educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: amariliovix@gmail.com

Lucas Oliveira Rodrigues de Carvalho é mestrando em educação física pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: lucasorcarvalho@gmail.com

Wagner dos Santos é doutorando em educação física pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professor na mesma instituição. E-mail: wagnercefd@gmail.com

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