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Revista Brasileira de Educação

versión impresa ISSN 1413-2478versión On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.24  Rio de Janeiro  2019  Epub 07-Ago-2019

https://doi.org/10.1590/s1413-24782019240034 

Resenha

Manoel Bomfim: autêntico pensador latino-americano

Breno Augusto da Costa I  
http://orcid.org/0000-0002-9251-9533

Adriano Euripedes Medeiros Martins I  
http://orcid.org/0000-0003-0640-3567

IInstituto Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.

MOTA, S.. Manoel Bomfim: autêntico pensador latino-americano. Florianópolis: Insular, 2015.


A coleção “Pensadores da Pátria Grande” propõe-se a apresentar algumas personalidades que lutaram pela unidade continental latino-americana. O volume nove da coleção aborda o pensador Manoel José do Bomfim (1868-1932), então escrito pelo professor Sergio Ricardo Ferreira Mota.

A obra foi dividida em quatro capítulos e conta com alguns elementos pós-textuais, como uma vasta seleção de referências, a cronologia biográfica de Bomfim e uma relação de obras por ele publicadas. No prólogo da obra, Mota afirma que seu intuito é publicizar os textos escritos acerca de Bomfim, considerado por ele um autêntico pensador latino-americano, abordando especialmente algumas ideias desenvolvidas no clássico A América Latina: males de origem, de 1905.

O primeiro capítulo é dedicado à trajetória de vida de Bomfim, nascido em Aracaju, em 8 de agosto de 1868, tendo dedicado seus estudos superiores à medicina, primeiro na Bahia e depois no Rio de Janeiro. Após atuar como médico, dedicou-se à educação, inicialmente como professor, depois ocupando postos na gestão educacional e, posteriormente, tornando-se deputado federal, além de ser jornalista. Com base na tematização realizada pelo autor, concebemos que é possível entrever no pensamento educacional de Bomfim os primórdios das concepções da Escola Nova. Em 1905, publicou o já citado A América Latina, em que desenvolveu o conceito de parasitismo como chave para a compreensão da exploração metropolitana dos povos latinoamericanos. Posteriormente publicou também três livros sobre as condições da nação brasileira: em 1929, O Brasil na América; em 1930, O Brasil na história; e, em 1932, O Brasil nação, falecendo então na cidade do Rio de Janeiro em 21 de abril desse mesmo ano. Mota indica que poucos foram os estudos que se debruçaram sobre as obras de Bonfim até então, entretanto se percebe hoje o despertar do interesse em pesquisas sobre o pensamento desse estudioso. Também são realizados alguns apontamentos sobre as possíveis causas do esquecimento acerca da figura de Bomfim, entre as quais a própria produção do filósofo, que contrariava os interesses das classes dirigentes, provocando seu deliberado encobrimento; as posições nacionalistas de Bonfim, confundidas como lusófobas, o que o indispôs perante a imprensa, que em grande parte era controlada por lusodescendentes; e uma coletânea de textos (des)organizada por Carlos Maul e publicada na “Coleção Brasiliana” (volume 47), responsável por apresentar uma visão destorcida do pensamento de Bomfim, contribuindo negativamente para a sua publicidade. O capítulo é encerrado trazendo o movimento de retomada do pensamento de Manoel Bonfim a partir da década de 1950, ressaltando a atualidade do seu pensar.

O segundo capítulo tem como título “Um pensador original” e inicia com uma citação de Darcy Ribeiro, concebendo que Bomfim foi “um pensador original, o maior que geramos, nós, latino-americanos” (p. 43). Segundo Sergio Mota, Bonfim antecipou as reflexões desenvolvidas por pensadores como Raymundo Faoro, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, o próprio Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Josué de Castro, Sergio Buarque de Holanda, Roberto Simonsen e Florestan Fernandes. Bomfim é apontado como um pensador à frente de seu tempo, pois, décadas antes da Semana de Arte Moderna, acusou o parasitismo econômico das metrópoles como causador dos males latinoamericanos. Rechaçando as postulações ideológicas da ciência da época, a qual responsabilizava o povo pelos seus males, como a miséria, subalternidade etc., por meio de conceitos fantasiosos como raça e miscigenação, o pensador explicitava os determinantes históricos, políticos, sociais e econômicos da espoliação econômica da Latinoamérica, que propiciava e mantinha o ciclo de exploração colonial. Cinco décadas antes de Faoro, o pensador sergipano assinalava a forma como o Estado brasileiro, em vez de constituir-se de forma autóctone, foi elaborado de forma que privilegiasse os donos do poder. O conceito de parasitismo social adquire grande relevância, pois, em vez de repetir cegamente a tese marxista de que a luta de classes é o que move a história, o pensador apresenta-nos que a luta não é de classes, mas sim de parasitas contra parasitados, ou seja, países metropolitanos, espoliadores, contra os subdesenvolvidos, explorados. Há que ressaltar que o filósofo reconhecia o papel desempenhado pelas elites dos países oprimidos como sendo o de sabotadoras, porque se aliavam aos espoliadores para explorarem o povo.

O terceiro capítulo aborda uma qualificação reiterada várias vezes ao longo do texto, sendo até mesmo utilizada como subtítulo da obra: Manoel Bomfim como um autêntico pensador latino-americano - uma vez que se debruçou sobre os problemas brasileiros e, por extensão, latinoamericanos, pois tratam-se de territórios que enfrentaram o mesmo parasitismo social e, por isso, desenvolveram estruturas sociais, políticas, culturais e econômicas similares. Nesse capítulo, são ressaltadas algumas citações de Darcy Ribeiro e de outros pensadores - aliás, a obra deliberadamente contém um número bastante alto de citações, pois o autor desejava reapresentar os intérpretes de Bomfim para mostrar como suas reflexões oferecem um panorama dos males da Latinoamérica e seus reais determinantes. O tratamento que o pensador deu ao tema constituiu aquilo que poderia ser entendido talvez como o primeiro libelo antirracista do Brasil. O capítulo é encerrado trazendo alguns apontamentos sobre o pensamento de Bonfim acerca dos povos indígenas e africanos e a questão do racismo rechaçado por ele.

O quarto capítulo, retomando as influências que a medicina exerceu no pensamento e aparato conceitual de Manoel Bomfim, trata do diagnóstico e da terapêutica dos males da Latinoamérica. Após explicitar os caracteres socioculturais, políticos e econômicos do Brasil no tempo do pensador sergipano, o autor do livro aproxima-o dos intentos de tomada de consciência dos povos latinoamericanos de suas condições de existência, assim o conceito de parasitismo social ganha relevância, uma vez que explica as condições de espoliação e opressão a que estão submetidos esses povos. Sergio Mota problematiza a questão conceitual, dado que o conceito lançado por Bonfim tem origem biologicista, podendo ser inadequado para o campo social e político. Seu veredicto ressalta a necessidade de considerar preliminarmente que Bomfim era médico e o emprego do termo de acordo com diferentes acepções era comum na época. Além disso, acrescentaríamos que Bomfim alcançou o máximo de consciência crítica até então, cabendo às gerações futuras refinar essa conceituação em prol de uma compreensão mais justa. Dessa forma, acreditamos que fica justificado o uso dessa conceituação por ele, evitando críticas nesse sentido. Tal como indica a citação de Ronaldo Conde Aguiar apontada por Mota, o parasitismo social concretiza-se na relação de espoliação e exploração realizada por uma nação dominante e uma dominada, entre uma classe dirigente e outra explorada. A obra aborda também a doutrina Monroe, que por meio do lema “América para os americanos” escondia a substituição do imperialismo - antes, europeu e depois, cada vez mais, estadunidense. Tanto o colonialismo europeu e suas formas atualizadas e renovadas quanto a doutrina Monroe são formas do mesmo fenômeno. Para lidar com esse mal, ou seja, sua terapêutica, nos termos de Bomfim, é a difusão da educação pública. Expressando sua indignação com os baixos índices de educação e desenvolvimento técnico no Brasil, qualificados por ele como monstruosos e espantosos, o sergipano explicitou em diferentes obras o papel da educação na superação da realidade desumana das massas brasileiras. A grande questão, e isso foi explicitado por Álvaro Vieira Pinto (1982, 2005), outro autor que também merece nossa reapropriação, é que a educação formal de um país, ou seja, aquela disseminada em escolas, universidades e outras instituições, é conduzida pelas mesmas classes dirigentes que se mancomunam com os interesses externos para explorarem o povo. Portanto, mais que investir cegamente em educação, pois esta pode simplesmente ser dirigida à manutenção do estado atual, é preciso investir na formação de educadores engajados em formar cidadãos conscientes de sua necessidade de participação no desenvolvimento do país e conceber cientistas e pensadores dedicados a pensar a nossa própria realidade e os problemas aqui encontrados com base em experiências intelectuais autóctones. Buscar aparatos conceituais e metodológicos alheios, além de grave delito intelectual, favorece a manutenção da situação atual. O livro de Sergio Mota é encerrado abrindo brechas para a aproximação entre o pensamento de Manoel Bomfim e o movimento decolonial e outras iniciativas, tais como a Comissão econômica para a América Latina (CEPAL), a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), o Centro Latino-Americano de Pesquisa em Ciências Sociais (CLAPCS) e o pensamento de Enrique Dussel. As reflexões acerca do racismo, das condições sociais e econômicas dos países latinoamericanos são coerentes com as interpelações da filosofia da libertação de Dussel (2017, p. 67 e segs.) e, levando em conta a definição de Maldonado-Torres (2018, p. 44), Bomfim foi capaz de realizar o giro decolonial, à medida que propôs uma série de reflexões enraizadas na realidade nacional e capazes de superar a colonialidade implícita em diferentes conceitos de matriz europeia.

Desde muito tempo, houve quem se dedicasse a pensar a verdadeira libertação latinoamericana, pagando, embora, o amargo preço do soterramento acadêmico perpetrado por uma ciência e filosofia alheias à nossa realidade. Importante para a retomada de consciência dos determinantes das deploráveis condições de existência do povo brasileiro e para a compreensão do quadro de espoliação econômica e influenciação cultural que sofremos, o resgate do pensamento de Bomfim é uma das mais importantes tarefas da intelectualidade brasileira. O pensador sergipano deve ocupar lugar de destaque nas produções do movimento decolonial, notadamente para (re)pensar a educação, psicologia educacional, metodologia científica, sociologia e ciências políticas e econômicas.

REFERÊNCIAS

BOMFIM, M. O Brasil na América: caracterização da formação brasileira. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929. [ Links ]

BOMFIM, M. O Brasil na história: deturpação das tradições, degradação política. Rio de Janeiro: Francisco Alves , 1930. [ Links ]

BOMFIM, M. O Brasil nação: realidade da soberania brasileira. 2 v. Rio de Janeiro: Francisco Alves , 1932. [ Links ]

BOMFIM, M. A América Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. [ Links ]

DUSSEL, H. Filosofia da libertação: crítica à ideologia da exclusão. São Paulo: Paulus, 2017. [ Links ]

MALDONADO-TORRES, N. Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. In: BERNARDINO-COSTA, J.; MALDONADO-TORRES, N.; GROSFOGUEL, R. (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018. [ Links ]

VIEIRA PINTO, A. Sete lições sobre a educação de adultos. São Paulo: Cortez, 1982. [ Links ]

VIEIRA PINTO, A. O conceito de tecnologia. II v. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. [ Links ]

Recebido: 08 de Maio de 2018; Aceito: 18 de Março de 2019

Breno Augusto da Costa é mestrando em educação profissional e tecnológica pelo Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM). E-mail: brenobac@gmail.com

Adriano Euripedes Medeiros Martins é doutor em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM). E-mail: adrianomartins@iftm.edu.br

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