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Revista Brasileira de Educação

versión impresa ISSN 1413-2478versión On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.25  Rio de Janeiro ene./dic 2020  Epub 04-Mayo-2020

https://doi.org/10.1590/s1413-24782020250028 

Artigos

As equipas de autoavaliação: as representações dos atores educativos

Self-evaluation teams: representations of educational actors

Los equipos de autoevaluación: las representaciones de los actores educativos

Maria João Carvalho I  
http://orcid.org/0000-0002-6870-849X

Ana Cristina Folgado Ferreira II  
http://orcid.org/0000-0001-9097-9336

IUniversidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal.

IIUniversidade do Porto, Porto, Portugal.


RESUMO

A avaliação das escolas e das políticas educativas vem assumindo um papel central cuja emergência e expansão não conhece desaceleração. Considerando a autoavaliação da escola, desenvolvemos um estudo de caso, num agrupamento de escolas de Portugal, procurando conhecer as representações dos professores relativamente à equipa de autoavaliação e aos impactos de seu trabalho. Os dados foram coletados com a aplicação de um inquérito a 217 professores e a realização de 16 entrevistas semiestruturadas. Concluímos que a autoavaliação estava centrada na equipa que a dinamizava, com fraco envolvimento dos professores e pouco impacto no desempenho desses profissionais. Desenvolvida em resposta às pressões externas de avaliação, das escolas e das políticas educativas, a autoavaliação não foi ainda capaz de promover todo o seu potencial de melhoria.

PALAVRAS-CHAVE: autoavaliação da escola; equipas de autoavaliação; professores

ABSTRACT

The evaluation of schools and educational policies has assumed a central role whose emergence and expansion is not slowing down. Considering the school’s self-evaluation, we developed a case study in school cluster in Portugal, seeking to know the teachers’ representations regarding the self-evaluation team and the impacts of their work. Data collection resulted from the application of a questionnaire survey to 217 teachers and 16 semi-structured interviews. We concluded that the self-evaluation was centered on the team that carried it out, with poor teacher involvement and little impact on their performance. Developed in response to external evaluation pressures, of schools and educational policies, self-evaluation has not yet been able to realize its full potential for organizational improvement.

KEYWORDS: school self-evaluation; self-evaluation teams; teachers

RESUMEN

La evaluación de las escuelas y las políticas educativas ha asumido un papel central, cuyo surgimiento y expansión no se está desacelerando. Teniendo en cuenta la autoevaluación de la escuela, desarrollamos un estudio de caso, en un grupo de escuelas en Portugal, buscando conocer las representaciones de los maestros en relación con el equipo de autoevaluación y los impactos del trabajo de este equipo. Los datos fueron recolectados a través de una encuesta de 217 maestros y 16 entrevistas semiestructuradas. Llegamos a la conclusión de que la autoevaluación se centró en el equipo que lo hizo dinámico, con una participación débil de los maestros y poco impacto en su desempeño. Desarrollado en respuesta a las presiones externas de la evaluación, las escuelas y las políticas educativas, la autoevaluación aún no ha sido capaz de promover todo su potencial de mejora.

PALABRAS CLAVE: autoevaluación escolar; equipos de autoevaluación; profesores

AS RAZÕES DA AVALIAÇÃO

Numa época de crise e de questionamento quanto ao financiamento do sector público, as decisões políticas tomadas têm sido justificadas e naturalizadas por meio de narrativas racionalizadoras e legitimadoras (Lima, 2006, p. 21) que pretendem transmitir a ideia de que o Estado está preocupado com os interesses dos pais e dos encarregados de educação/contribuintes e com a qualidade dos serviços educativos prestados, o que de resto é também a principal preocupação do mercado educacional.

É nesse alinhamento que a avaliação dos alunos, dos professores, das escolas, do sistema educativo e das políticas educativas adquire um papel central e incontornável cuja emergência e expansão não conhece desaceleração, nem esconde o sentido político e económico que lhe subjaz.

Respondendo a um imperativo de transparência e de prestação de contas, o paradigma avaliativo envolve também a comunicação e a divulgação de resultados, quer dos exames nacionais, quer da avaliação externa das escolas, quer, ainda, de estudos realizados, tanto no nível nacional como internacional.

A avaliação assume, assim, um papel indispensável à ação reguladora e controladora do Estado sobre o setor público que tem sido sustentada por retóricas discursivas com origens muito diversas e razões muito diferentes, quando não mesmo contraditórias (Afonso, 2010a; Alaíz, Góis e Gonçalvez, 2003; Azevedo, 2005), as quais não serão alheias à complexidade que a própria organização educativa encerra.

Na análise da questão da multiplicidade de enfoques que a avaliação da escola pode fazer surgir, Afonso (2010a) realça que estes dependem da tónica dominante do discurso que os veicula. Nesse sentido, os argumentos podem dizer respeito à questão ideológica do controlo e da vigilância; referências, mais ou menos explícitas, à competitividade das economias, à eficácia dos sistemas educativos; à compensação pela descentralização administrativa e pela autonomia; à melhoria da qualidade de educação; do direito à informação dos cidadãos contribuintes; ao apoio à decisão política; ao suporte a estratégias de comparativismo educacional e à livre escolha parental em contexto de quase mercado e aos modelos de accountability, ainda que parcialmente.

Referindo-se às razões da avaliação da escola que decorrem do posicionamento dos pais e dos encarregados de educação nesse domínio, Azevedo (2005) identifica os papéis de consumidor, cliente e cidadão. Na esteira do autor, na assunção do papel de consumidor, esse ator social requer da escola a informação necessária para fazer a melhor opção no que concerne ao binómio custo-benefício. Se colocado no papel de cliente, busca garantias de qualidade do serviço e informação atualizada e, por fim, enquanto cidadão, solicita a informação necessária para fomentar a responsabilidade coletiva perante a educação, nos campos político, social, cultural e empresarial, pois a educação é um assunto de todos.

De facto, a avaliação consequente compromete as escolas, mas também a condução política e a ação administrativa (Azevedo, 2005), pelo que a avaliação não é unicamente entendida como necessária às organizações educativas. Nesse sentido, de acordo com Granjo (2009), impõe-se também a avaliação das próprias políticas educativas, da eficácia e eficiência do seu desempenho, porquanto não é possível pretender-se que a qualidade da educação seja independente da própria qualidade das políticas que a enformam.

Tal perspetiva e tais políticas não estão à margem das influências externas que se têm feito sentir desde a década de 1980 em virtude da convergência entre os modelos de gestão empresarial e os de regulação dos sistemas educativos nacionais que, de acordo com Barroso (2003), tendencialmente vão revelando um “sistema educativo mundial”, por efeito de “contaminação” e “hibridismo”.

Daqui resultam sérias implicações no papel do Estado que deixa perscrutar a ideia de um Estado avaliador e/ou Estado regulador, “que devolve responsabilidades e exige resultados, através de uma instrumentação claramente de controlo” (Simões, 2010, p. 16), outorgando à avaliação das escolas a função de “instrumento de promoção da qualidade, nomeadamente em matéria de organização e de mobilização eficiente de recursos” (Azevedo, 2005, p. 19).

OS SENTIDOS DA AVALIAÇÃO

Com efeito, a descentralização de meios veio justificar a realização da avaliação das escolas, num contexto de autonomia crescente, com o consequente aumento de responsabilidade, transparência e necessidade de prestação de contas perante o poder central e a sociedade (Azevedo, 2010; Costa e Ventura, 2002). Dessa forma, a prestação de contas é apresentada como contraponto necessário à substituição da gestão direta e centralizada do governo do Estado, agora deslocada para a esfera da autorregulação que a governança induz, isso ainda que se possa questionar o grau de efetiva descentralização e da real autonomia.

Quanto à definição de objetivos e de patamares de resultados escolares há, com efeito, todo um conjunto de indicadores, de valores de referência ou de patamares, relativamente aos quais se averigua o grau de afastamento entre os resultados obtidos e os estimados, se comparam performances entre escolas, se conclui sobre a produtividade de cada uma delas e se apontam as boas, ou as desadequadas, gestões escolares (Eurydice, 2004).

Contudo, o uso de indicadores ou de referenciais que traduzam com a objetividade e o rigor possível o alcance da qualidade socialmente desejável pode ser uma nova forma de conduzir as políticas e de avaliar o caminho seguido (Ambrósio, 2002). Ainda assim, defende o autor, não se deve pôr de parte o confronto de olhares e juízos que sustentem a intencionalidade das políticas de avaliação: não se deverá também deixar cair a dimensão ética de qualquer que seja a avaliação e do uso social que se faz dos seus resultados.

Essa avaliação, de inspiração neopositivista e focada em medições quantitativas, induz efeitos nefastos sobre as dinâmicas das escolas. Um dos efeitos será o de valorizar apenas o que é mensurável e evitar tudo aquilo que possa pesar negativamente na medição. No fundo, trata-se de uma avaliação mais orientada aos objetivos, e menos aos processos, que faz uma previsão dos outputs em função dos inputs, agindo como se tudo o que importa em educação fosse passível de ser mensurável, assim “desvalorizando os processos e os resultados mais difíceis de contabilizar” e “valorizando sobretudo as dimensões mensuráveis, comparativas e avaliativas da educação” (Lima, 1997, p. 55).

Refletindo criticamente sobre a questão dos impactos negativos de uma avaliação especialmente focada em aspetos quantitativos e comparativos, Afonso (2013) é de opinião de que, para além do risco de os professores se verem impelidos a preparar para os testes, faz-se também presente um controlo organizacional por parte dos diretores, ou outros responsáveis pela gestão, que muitas vezes se revela no aumento do individualismo e da competição entre os docentes. Desse modo, as formas de avaliação estão cada vez mais subordinadas à produção de resultados mensuráveis e à remeritocratização elitista da escola pública (Afonso, 2013, p. 280), com o sistema a exigir que os exames externos sejam feitos numa idade cada vez mais precoce (agora já no 4º ano de escolaridade) e a desvalorizar definitivamente os contributos de uma avaliação formativa.

Com efeito, enquanto as escolas são tentadas a orientar as suas práticas para a preparação dos alunos para os exames, isto é, a realizar o “teach to the test” (Ball, 1993, p. 17), vão relegando para segundo plano certo tipo de aprendizagens, porventura as mais edificantes e humanizantes, mais dificilmente mensuráveis, como a educação para a democracia e para a participação, o desenvolvimento do espírito crítico, a solidariedade etc. (Sá, 2008).

Assumindo uma perspetiva técnico-instrumental, a avaliação da qualidade da educação está associada, quase sempre, a normas marcadas por uma objetividade segura, quiçá cega, traduzidas num resultado/produto final, em que a excelência se associa à eficácia com que tais patamares são atingidos (Praia, 2002), reveladora, apenas, de uma parte da realidade educativa. Nesse sentido, o autor entende que a avaliação dos resultados dos alunos definida como uma avaliação de tipo linear de correspondência direta entre os objetivos enunciados e os atingidos por meio, nomeadamente, dos exames nacionais, mostra-se frágil para uma análise adequada da realidade organizacional, muito diferenciada, e a exigir outros instrumentos de avaliação complementares.

Efetivamente, dentro de um paradigma quantitativo, a avaliação institucional das escolas pode ser entendida como um instrumento tecnicista de aferição da eficácia e da eficiência de cada estabelecimento escolar, e do sistema educativo em geral, colocando a organização escolar sob escrutínio no momento de justificar a despesa diante dos resultados obtidos, por subordinação aos limites dos recursos financeiros públicos.

Todavia, Azevedo (2005) entende que a disponibilidade de dados de referência e de comparação entre escolas tem aspetos muito positivos, considerando que induz a vontade de conhecer as circunstâncias que, em cada estabelecimento escolar, explicam os valores obtidos e, dessa forma, potenciam uma leitura de contexto com uma função compensadora dos resultados devastadores que os rankings, por exemplo, tantas vezes causam.

Mais ainda, Azevedo (2005) defende que uma avaliação séria das escolas evidencia a pobreza e os efeitos perversos e nocivos dessas formas de “avaliação”, tão preguiçosas e tão simpáticas para os media, referindo que não sendo possível evitar a “classificação” das escolas, importará promover uma informação mais ampla, integrada e plural.

Num outro plano, no terreno, muitas escolas e os seus atores vivem a angústia de uma imagem pública depreciativa e generalista, com a qual não se identificam, entendendo não corresponder nem à sua realidade, nem às suas práticas. Nesse sentido, algumas escolas veem na avaliação oportunidades de provar o distanciamento entre a realidade do trabalho que desenvolvem e a imagem mediática extensível ao conjunto de todas as escolas, lesiva do seu profissionalismo, e da qual se pretendem demarcar.

Por isso, muitas escolas, na busca de reconhecimento e credibilidade, entendem a avaliação como indispensável à restituição de parte da confiança perdida, e outras utilizam mesmo os resultados da avaliação externa e interna como estratégia de marketing para captar mais alunos e como instrumento de promoção (Costa e Ventura, 2002).

Considerando “a emergência do paradigma da educação contábil” (Lima, 1997, p. 55), importa refletir sobre o novo estatuto do conhecimento, no qual o saber científico pós-moderno se faz depender do critério técnico que, assim, determina o critério de verdade (Lyotard, 1979).

Com efeito, segundo Lyotard (1979, p. 83), “os mais ricos não compram cientistas, técnicos e aparelhos para saber a verdade, mas para aumentar o poder” de “dominar os jogos de linguagem” nos quais quem paga mais, tem mais possibilidade de ter mais razão. Considera o autor que o conhecimento, nas narrativas pós-modernas, legitima as opções políticas que servem o capital, com base em pesquisas científicas que o próprio capital financia.

Não obstante, e afastada de uma desconfiança de outros tempos, parece cada vez mais consistente a ideia de que a avaliação das escolas implica e reforça o profissionalismo docente, o desejo de realização, a exigência de aperfeiçoamento das práticas pedagógicas e o desenvolvimento de uma ética profissional marcada pela responsabilidade e pelo cuidado (Afonso, 2010a, 2010b; Alaíz, Góis e Gonçalvez, 2003; Alves e Machado, 2008; Azevedo, 2005, 2007; Costa, 2007).

Contudo, não desvalorizando a pluralidade de razões justificativas da avaliação institucional das escolas, em última análise, esta justificar-se-ia plenamente se unicamente entendida como essencial à melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem e capaz de gerar impacto na melhoria dos resultados dos alunos.

Efetivamente, a autoavaliação da escola pode resultar de uma necessidade interna por parte de seus atores, que os leve a procurar fazer um aprofundamento sobre as diferentes dimensões da organização escolar. Assim entendida, desenvolve-se no intuito de gerar um conhecimento - que resulta em poder sobre si próprio -, isto é, uma autoavaliação de escola que entende a relação conhecimento/poder numa perspetiva de empowerment dos atores educativos, que lhes permite, inclusivamente, fazer uma abordagem crítica a outras propostas de autoavaliação que se distinguem pelo seu sentido único e homogeneizante (Afonso, 2011, 2013; Alarcão, 2001; Berger e Terrasêca, 2011; Simões, 2010; Teodoro, 2008, 2011).

Pesem, embora, todas as possibilidades em aberto, queremos acreditar que os atores educativos serão sempre capazes de usar as curtas margens de autonomia que as opções políticas e administrativas constrangem, fazer a sua inserção crítica na realidade envolvente (Freire, 1987) e edificar uma avaliação das suas escolas, e dos seus alunos, como “um instrumento importante de democratização, de conhecimento e de desenvolvimento emancipatório” (Afonso, 2010a, p. 358).

AS EQUIPAS DE AUTOAVALIAÇÃO

Desde a lei n. 31/2002 que a legislação portuguesa determina a realização de um processo de autoavaliação a desenvolver “em permanência” e “com carácter obrigatório” (artigos 5º e 6º). No referido normativo, em que se aprova o sistema de avaliação dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, estão consignadas as orientações de carácter geral a ter em conta na realização da autoavaliação, enquanto pontos comuns, nomeadamente o projeto educativo, a organização e gestão, o clima e ambiente educativos, a participação da comunidade educativa e o sucesso escolar.

No âmbito do regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, o decreto-lei n. 75/2008 preconiza, em seu preâmbulo, “a consolidação de uma cultura de avaliação”.

No mesmo sentido, o decreto-lei n. 137/2012 veio reforçar “a valorização de uma cultura de autoavaliação” com a “consequente introdução de mecanismos de autorregulação e melhoria dos desempenhos pedagógicos e organizacionais”, consignando, desse modo, a necessidade de regulação, de controlo e de melhoria da qualidade de ensino.

Com efeito, a trajetória da autoavaliação das escolas em Portugal é marcada pela promulgação do despacho conjunto n. 370/2006, de 5 de abril, tendo sido criado um grupo de trabalho cujo propósito passaria, sobretudo, pela conceção do quadro de referência da avaliação externa e a elaboração de um documento metodológico, especialmente vocacionado à preparação das organizações educativas para a avaliação externa.

A avaliação externa procurou, desde logo, constituir-se como um elemento estratégico útil para os próprios avaliados, sendo que o grau de utilidade que essa intervenção pode ter depende, no entender da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC), da forma como as escolas se organizam e se preparam para prestarem contas em sede de avaliação externa. O facto de o quadro de referência contemplar um domínio específico para a autoavaliação, Capacidade de autorregulação e melhoria da escola, entre os cinco domínios que o compunham, pretendeu ser indutor do desenvolvimento dos processos de autoavaliação das escolas.

Não obstante o esforço da IGEC e o apelo à autoavaliação, os sucessivos relatórios de atividade da avaliação externa foram dando conta das dificuldades que as escolas vão tendo em matéria de práticas sustentadas de autoavaliação.

Assim, por exemplo, no relatório de avaliação externa das escolas 2007/2008, é referido que a maioria das escolas observadas tinha “processos não sistematizados de autoavaliação, muitas vezes sem a percepção do valor do trabalho desenvolvido” (IGE, 2009, p. 5).

Também no ano letivo 2008/2009, as apreciações produzidas e as classificações atribuídas no domínio referente à capacidade de autorregulação e melhoria da escola/agrupamento evidenciam “a ausência de planeamento, a pouca consistência do processo de autoavaliação e a falta de envolvimento da comunidade educativa”, sendo que a elevada incidência dos pontos fracos neste domínio revelou a “inexistência de uma auto-avaliação estruturada e de planos consistentes para a melhoria” (IGE, 2010, p. 56).

No final do primeiro ciclo avaliativo, durante o qual foram avaliadas 1.107 escolas, a IGEC fez um balanço global, que pode ser consultado no relatório avaliação externa das escolas 2006/2011, tendo apurado que o domínio Capacidade de autorregulação e melhoria da escola foi o que obteve os resultados mais baixos, entre os cinco domínios do quadro de referência da altura, sendo que 48,8% das escolas obteve a classificação Suficiente, 4,5% de escolas obtiveram a classificação de Insuficiente e em 7,6% das escolas verificaram-se processos de autoavaliação sem sustentabilidade (IGE, 2012, p. 23).

O segundo ciclo avaliativo arrancou em 2011, com alterações significativas, nomeadamente quanto ao quadro de referência. Com a passagem de cinco para três domínios, o domínio Capacidade de autorregulação e melhoria desaparece do quadro de referência. A apreciação da autoavaliação é remetida a um campo de análise designado por Autoavaliação e melhoria, a fazer parte do terceiro domínio, Liderança e gestão, o que valida uma subordinação das equipas de autoavaliação ao órgão de gestão das escolas (Afonso, 2013).

Na análise de conteúdo aos relatórios de avaliação externa das escolas, relativos ao ano 2012/2013, foi possível constatar que a Autoavaliação e melhoria é o campo de análise que menos vezes é considerado ponto forte, correspondendo a 3% de todas as asserções positivas. Quanto às asserções pela negativa, o campo concernente à autoavaliação é o segundo mais prevalecente, sendo tido como área a melhorar em 16% das asserções negativas (IGEC, 2015).

Importa referir que o ano de 2019 marca um novo ciclo da atividade da avaliação externa de escola, agora com quatro domínios, entre os quais o da autoavaliação que, ao constituir-se como domínio próprio, ganha protagonismo e revela a crescente importância que lhe é atribuída. Nesse âmbito, passa a ser considerado como referente, por parte da equipa de avaliação externa, o modo como a autoavaliação se desenvolve, a sua consistência e impacto na organização escolar, aspetos que não permitem a sua menorização relativamente a outros da dinâmica organizacional.

Assim, em virtude das orientações legais e da própria avaliação externa de escolas desenvolvem-se em Portugal dispositivos, instrumentos e processos de autoavaliação que, numa primeira instância, são da responsabilidade das equipas de autoavaliação, a mesma que se apresenta como um dos aspetos mais relevantes a ter em conta (Afonso, 2010a; Fialho, 2009a, 2009b; Gomes e Fialho, 2013; Rocha, 2013), pois da sua constituição depende o sucesso da autoavaliação das escolas. Será essa a equipa responsável por promover, animar e concretizar a autoavaliação, que definirá objetivos, recursos e etapas, o que justifica que os elementos que a constituem tenham formação específica em avaliação e metodologias de investigação, sem descurar a importância do saber no âmbito das dinâmicas socioculturais, científicas e pedagógicas (Alves e Machado, 2008; Fialho, 2009a, 2009b). Porém, nem a equipa nem a sua ação podem ser marginais à intervenção ao conselho geral, ao empenhamento da direção e ao acompanhamento do conselho pedagógico, como uma forma de proporcionar o envolvimento generalizado dos diferentes membros da comunidade educativa.

Se é inequívoco que esse processo, por ser complexo, exige que os seus elementos sejam dotados de competências técnicas, também não podemos votar ao esquecimento a importância de que essa equipa seja capaz de mobilizar a comunidade educativa, visando práticas de participação favorecedoras de um clima de abertura e de transparência (Fialho, 2009a) que auxiliam a que o processo se torne consequente, tanto quanto instrumental. E, nessa linha, a autoavaliação deve ser entendida dentro dos parâmetros da razoabilidade, evitando objetivos demasiado holísticos porque megalómanos, deve ser objeto de discussão sobre o que se quer saber, os modos de obter a informação, os “informantes” a privilegiar, o tipo de instrumento a utilizar e os próprios critérios ou escalas de avaliação. Essa equipa deve manter o processo sistemático, ou seja, deve desenvolvê-lo em permanência permitindo que a informação flua para fora do seu núcleo reduzido, facultando informação frequente para evitar relatórios demasiado extensos que ninguém lê e que deixem de ser exequíveis pela ausência de operacionalidade que o excesso de burocracia transporta e que só se traduz na necessária resposta ao cumprimento exigido pelos normativos.

O diretor da escola, primeiro responsável pela nomeação dos elementos que a constituem, deve considerar a importância de ter recursos humanos com uma imagem credível na comunidade educativa para que o processo seja gerador de confiança e respeito (Fialho, 2009a; Pinto, 2010), tanto quanto valorizado para que o processo não fracasse enquanto instrumento a serviço da melhoria.

Em termos de grandeza, essa equipa não deve ser excessivamente numerosa. De resto, Alaíz, Góis e Gonçalvez (2003) são de opinião que tal circunstância limita a sua própria operacionalidade, o mesmo acontecendo no caso de a equipa ter menos de cinco elementos (Pinto, 2010). Importa, isso sim, que seja representativa de toda a comunidade educativa e que, porque se pode revelar vantajoso, dela fazer parte um elemento do conselho geral e outro do conselho pedagógico (Alaíz, Góis e Gonçalvez, 2003). A sua coordenação e gestão deverá ficar a cargo de alguém que revele capacidade de liderança mesmo que isso possa significar “a formação de subgrupos que assumam a coordenação das diferentes dimensões a avaliar” (Fialho, 2009a, p. 115).

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

Considerando a problemática da autoavaliação na organização escolar, o papel da equipa de autoavaliação na respetiva dinâmica e as motivações e tensões que o processo autoavaliativo desencadeia, desenvolvemos um trabalho empírico que procurou dar resposta às seguintes questões de partida:

  • Quais as representações simbólicas dos professores relativamente à equipa de autoavaliação da organização escolar?

  • Em que medida os professores conhecem e participam no processo de autoavaliação?

  • Qual o impacto do trabalho da equipa de autoavaliação na organização escolar?

O trabalho empírico desenvolvido trata-se de um estudo de caso num agrupamento de escolas da Zona Norte de Portugal, com percurso metodológico que contemplou uma dimensão quantitativa e uma qualitativa.

A dimensão quantitativa envolveu a aplicação de um inquérito por questionário aos educadores do ensino pré-escolar e professores do ensino básico e secundário, designados por professores. Os dados foram coletados entre 7 e 28 de abril de 2015. Todo o procedimento e a respetiva fundamentação foram submetidos à aprovação do serviço de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar, do Ministério da Educação e Ciência.1

O instrumento de coleta de dados foi concebido pelas autoras do estudo, tendo sido previamente validado e revisto. A análise da respetiva precisão e fiabilidade foi feita mediante a determinação da consistência interna do questionário, por meio do Alfa de Cronbach, com recurso ao programa SPSS 22.0. O valor obtido para o Alfa de Cronbach foi de 0,853, o que nos permitiu concluir que o inquérito aplicado, operacionalizado com os dados empíricos coletados concretamente no âmbito do estudo, tem boa consistência, de acordo com Pestana e Gageiro (2005).

Esse instrumento de coleta incluiu seis itens de resposta fechada em escala de concordância de 5 pontos e uma pergunta de escolha múltipla, diretamente relacionadas com a equipa de autoavaliação e com o seu papel no desenvolvimento do processo autoavaliativo do agrupamento. Para caracterizar a população em estudo, foram ainda coletados dados relativos à idade, sexo, habilitações literárias, anos de serviço e nível de ensino.

A dimensão qualitativa da coleta de dados empíricos assentou na realização de 16 entrevistas semiestruturadas e posterior análise de conteúdo. Nesse âmbito, nosso percurso empírico não teve a preocupação de medir, quantificar ou traduzir em números os dados coletados, mas, antes, procurou proporcionar aos atores educativos/participantes o privilégio da palavra e a possibilidade de construção das suas representações simbólicas relativamente ao fenómeno em estudo.

DIMENSÃO QUANTITATIVA DO ESTUDO EMPÍRICO

A população sobre a qual recaiu a investigação era composta por 217 professores de um agrupamento da Zona Norte de Portugal. De acordo com os resultados apurados, a média das idades dos inquiridos era de 49,8 anos, tendo o respondente mais novo 33 anos e o mais velho contava com 64 anos. Relativamente à distribuição por sexo, verificou-se que 69,3% eram mulheres. No que diz respeito às habilitações literárias, 1,5% dos professores tinham um curso médio, 75% eram licenciados, 22,6% tinham mestrado e 0,9% tinham doutoramento.

Retomando alguns aspetos que dizem respeito ao instrumento de coleta de dados, designadamente às seis questões do inquérito, as respostas dos inquiridos foram dadas em escala de concordância de 5 pontos. Deste modo, o valor máximo teórico para cada questão é de 5 pontos, o valor mínimo teórico é de 1 ponto e o valor médio teórico é de 3 pontos.

A Tabela 1 apresenta as médias empíricas obtidas para cada uma das questões do inquérito e o respetivo desvio padrão. Para uma análise com maior detalhe, apresentamos também a estatística descritiva da distribuição percentual das respostas para cada uma das seis questões colocadas aos professores.

Tabela 1 - Estatística descritiva das questões do inquérito e distribuição percentual das respostas. 

Questões

  • Média empírica

  • (pontos)

Desvio padrão Discordo totalmente Discordo Não concordo nem discordo Concordo Concordo totalmente
A autoavaliação do agrupamento é da exclusiva responsabilidade da equipa e dos órgãos de gestão. 1,98 0,996 35,9 44,1 6,9 12,4 0,7
A equipa de autoavaliação tem um desempenho em prol da eficácia e da eficiência do agrupamento. 3,79 0,807 1,4 6,9 15,9 62,8 13,1
A equipa de autoavaliação deve ter condições especiais para desenvolver o seu trabalho. 3,87 0,793 0,7 4,1 22,1 53,8 19,3
A autoavaliação do agrupamento funcionaria eficazmente mesmo sem equipa de autoavaliação. 2,57 0,998 9,0 50,3 17,9 20,0 0,0
O trabalho da equipa de autoavaliação contribui para a melhoria do meu desempenho profissional. 3,11 1,015 5,5 23,4 31,7 33,1 6,2
Os critérios de seleção dos membros da equipa de autoavaliação são claros e explícitos. 2,94 0,934 6,9 21,4 46,2 21,4 4,1

Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Elaboração das autoras.

Analisando os resultados obtidos, verificamos que a questão 1 foi aquela que obteve o valor médio mais baixo, revelando que os professores estão bastante convictos de que o processo de autoavaliação do agrupamento não deve ser da exclusiva responsabilidade da equipa de autoavaliação ou dos órgãos de gestão do agrupamento.

Considerando a distribuição percentual das respostas à questão 1, destacam-se as elevadas percentagens de professores que discordam totalmente (35,9%) e que discordam (44,1%) do sentido da proposição. Desse modo, os professores reconhecem ter um papel a desempenhar na dinâmica autoavaliativa do agrupamento a que pertencem e rejeitam delegar o seu contributo para esse desenvolvimento.

Relativamente à questão 2, a equipa de autoavaliação tem um desempenho em prol da eficácia e da eficiência do agrupamento, a média empírica obtida foi de 3,79 pontos, sendo a segunda questão mais pontuada. Tendo em atenção a estatística descritiva da distribuição percentual das respostas, é de assinalar a elevada percentagem de professores que concordam (62,8%) e que concordam totalmente (13,1%) com a proposição. Diríamos, pois, que esses resultados revelam uma perceção muito favorável do desempenho da equipa de autoavaliação no desempenho do agrupamento.

A terceira questão do inquérito colocada aos professores, A equipa de autoavaliação deve ter condições especiais para desenvolver o seu trabalho, foi a que alcançou a pontuação média mais elevada, chegando aos 3,87 pontos. Atendendo a que 19,3% dos atores educativos concordam plenamente com a pergunta e que 53,8% concordam, verificando-se em sentido contrário que 4,1% discordam e que 0,7% discordam totalmente, os resultados permitem inferir que os professores valorizam e reconhecem o trabalho dessa equipa.

A valorização e o reconhecimento da ação desenvolvida pela equipa de autoavaliação podem também ser confirmados pelos resultados obtidos na questão 4. Com efeito, alcançando uma média negativa, as respostas dos professores indicam que estes não veem que a autoavaliação do agrupamento funcionasse bem sem a equipa que a dinamiza.

Os resultados indicam que 50,3% dos professores discordam e 9% discordam totalmente que a autoavaliação do agrupamento funcionasse eficazmente mesmo sem uma equipa de autoavaliação. Diríamos, portanto, que a existência dessa equipa potencia o processo autoavaliativo ao torná-lo mais organizado e sistematizado em virtude do trabalho dela.

Porém, quando se colocou a questão na melhoria do desempenho profissional dos próprios professores, de que trata a questão 5, estes não foram tão afirmativos, não concordando que o trabalho da equipa de autoavaliação tivesse um impacto significativo na sua atividade enquanto docentes. Dos resultados obtidos, é de salientar que 31,7% dos respondentes têm um posicionamento neutro, isto é, nem concorda, nem discorda que a equipa de autoavaliação tenha impacto no seu desempenho enquanto docente. Ainda assim, 33,1% dos professores considerou que a equipa de autoavaliação teve efeitos positivos no seu desempenho, contra 23,4% que discordaram da proposição. Nos extremos da escala, verificou-se que 6,2% dos professores concordaram totalmente que o trabalho da equipa de autoavaliação contribui para a melhoria do seu desempenho, enquanto 5,5% discordam totalmente.

Sobre os critérios de seleção dos membros da equipa de autoavaliação, a que se reporta a questão 6, o resultado obtido para a média empírica ficou abaixo do valor médio, registando 2,94 pontos. Daí inferirmos que os professores não se consideram bem informados ou esclarecidos sobre tal. No entanto, como mostra a Tabela 1, é de salientar a elevada percentagem de atores educativos que não se posiciona, nem pela afirmativa, nem pela negativa, quando questionados nesse âmbito. Com efeito, 46,2% é o valor mais alto obtido para a opção neutra da escala.

Assim, descortina-se o pouco envolvimento desses atores educativos no processo de autoavaliação - e o consequente distanciamento -, o que justificaria o fraco impacto do trabalho da equipa de autoavaliação no desempenho desses profissionais.

O inquérito por questionário aplicado no nosso estudo contemplou, ainda, uma questão de escolha múltipla que pretendeu coletar dados no âmbito das perceções dos professores relativamente às competências a privilegiar na escolha dos elementos constituintes da equipa de autoavaliação.

Assim, quando questionados sobre qual a característica mais importante que um membro da equipa de autoavaliação deve ter - dado um conjunto de seis opções -, 57,2% dos atores educativos selecionou, em primeiro lugar, o conhecimento da realidade do agrupamento (Gráfico 1).

Fonte: Banco de dados da pesquisa. Elaboração das autoras.

Gráfico 1 - Distribuição percentual relativa às características mais importantes dos membros da equipa. 

A capacidade para potenciar a participação de todos é a segunda característica mais importante, com 22,8% das respostas dos inquiridos. Manter uma boa articulação com os órgãos de gestão ou ser inovador e empreendedor são características com pouca expressão, com 6,9% e 6,2%, respetivamente, das respostas dadas. Ter conhecimento específico na área foi a primeira opção apenas para 4,8% dos respondentes. Por último, conhecer a legislação é a característica menos importante para o universo em estudo, sendo a mais importante apenas para 2,1% dos atores educativos.

DIMENSÃO QUALITATIVA DO ESTUDO EMPÍRICO

O trabalho empírico desenvolvido contemplou ainda uma dimensão qualitativa. Nesse âmbito, o instrumento de coleta de dados escolhido foi a entrevista semiestruturada. Elaborado pelas autoras, o guião consta da Tabela 2, em consonância com os objetivos traçados.

Tabela 2 - Guião das entrevistas semiestruturadas. 

Como foi constituída a equipa de autoavaliação?
Conhece os critérios utilizados na constituição da equipa de autoavaliação?
Quais as características que os membros da equipa de autoavaliação devem ter?
Qual o modelo de autoavaliação que está a ser implementado?
Até que ponto o processo de autoavaliação é apenas uma preparação para a avaliação externa?
Em que medida o trabalho da equipa de autoavaliação contribui para a melhoria do seu desempenho docente?
Conhece os resultados da autoavaliação da escola? Como são divulgados?
Conhece os Planos de Melhoria do agrupamento? Como são os resultados do processo de autoavaliação?
De que forma participa no processo de autoavaliação do agrupamento?

Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Elaboração das autoras.

As entrevistas foram gravadas em suporte áudio e posteriormente transcritas para facilitar a respetiva análise de conteúdo.

Neste trabalho foram realizadas 16 entrevistas semiestruturadas, tendo-se procedido à respetiva codificação (Tabela 3).

Tabela 3 - Codificação dos entrevistados. 

Codificação Entrevistados em função dos cargos desempenhados
E1 Diretora de Turma
E2 Coordenadora dos projetos do agrupamento
E3 Coordenador do departamento de Línguas e Humanidades
E4 Coordenador da Equipa de Autoavaliação; Assessor Pedagógico
E5 Diretor de Turma
E6 Presidente do Conselho Geral
E7 Professora membro da Equipa de Autoavaliação
E8 Coordenador dos Diretores de Turma do ensino secundário
E9 Professora membro do Conselho Geral
E10 Subdiretor do agrupamento
E11 Professora de Matemática
E12 Professora de História
E13 Coordenador do Departamento de Expressões
E14 Adjunto do Diretor; Coordenador de estabelecimento
E15 Professora de Francês
E16 Coordenadora do Departamento de Matemática e Ciências

Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Elaboração das autoras.

A categoria em que agrupamos os dados contidos no corpus de prova julgados pertinentes emergiu segundo um procedimento aberto - daí seu carácter exploratório -, ainda que, inevitavelmente, limitado às questões de partida do nosso estudo empírico. Por isso, tratou-se, até certo ponto, de um processo indutivo, mesmo que circunscrito pelos objetivos do estudo que estiveram subjacentes à elaboração do guião das entrevistas.

Constituído o corpus documental e realizada a leitura flutuante procedemos à codificação das unidades de registo, fazendo, assim, emergir um conjunto de subcategorias, também designadas por indicadores, que “ajudam a compreender melhor o sentido de cada categoria, de acordo com a óptica dos inquiridos” (Esteves, 2006, p. 116). No fundo, é ao agrupar o conjunto de unidades de registo que remetem à determinada categoria que esta se consubstancia e ganha consistência interna. A Tabela 4 apresenta a dimensão, categorias e subcategorias.

Tabela 4 - Dimensão, categorias e subcategorias. 

Equipa de Autoavaliação Constituição da equipa de autoavaliação

  • - nomeação

  • - critérios de seleção

  • - características dos membros

Impacto do trabalho da equipa de autoavaliação

  • - desempenho docente

  • - resultados

  • - plano de melhoria

Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Elaboração das autoras.

A opção metodológica de realização de entrevistas semiestruturadas para coleta de dados teve como função complementar os dados reunidos por meio dos inquéritos aplicados, permitindo explorar resultados não esperados, validar resultados obtidos e, ainda, poder ir mais em profundidade (Fortin, 2009).

Segue-se a apresentação dos resultados da dimensão qualitativa do nosso estudo empírico.

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DA DIMENSÃO QUALITATIVA

CONSTITUIÇÃO DA EQUIPA DE AUTOAVALIAÇÃO

Sobre a equipa de autoavaliação, a generalidade dos atores educativos desconhece como esta foi constituída e revela ter uma ideia difusa sobre os elementos que a compõem, sendo certo que tais informações e esclarecimentos não foram abordados em reuniões de departamento ou nas áreas de secção disciplinar:

Não sei como foi constituída a equipa, tenho uma ideia… (E3)

Não faço ideia e também não procurei, mas o jogo não está aberto… (E12)

Eu não sei como foi constituída a equipa, sei quem são as pessoas. (E14)

Nós vemos muito pouco esse processo de autoavaliação, infelizmente, se calhar não somos devidamente informados. (E9)

Para já, se me perguntares qual é a equipa de autoavaliação eu não sei, nós devíamos saber quem são os membros, porque é que foram escolhidos, quais as razões. (E9)

Com efeito, no que diz respeito a essa matéria, constatou-se que apenas os entrevistados pertencentes aos órgãos de gestão e às estruturas intermédias conhecem os moldes de constituição da equipa de autoavaliação, ainda que, mesmo entre esses, nem todos tenham revelado conhecer completamente os termos do processo, tendo declarado:

A equipa de autoavaliação… acho que foi constituída no pedagógico. Definiram-se as equipas de trabalho e uma delas ficou responsável pela avaliação interna. (E2)

A equipa de avaliação interna foi constituída com base no critério da total liberdade da escolha dos elementos, havendo um elemento que coordena a equipa, designado pela direção da escola, e a partir daí teve a liberdade de escolher os elementos que achou necessários. (E4)

A escolha do coordenador da equipa é da responsabilidade do diretor. A partir daí tem de se ter em conta que é este que escolhe a equipa de acordo com aquilo que ele entende que é o perfil indicado, aquilo que é pertinente para trabalhar com ele. (E7)

Foi proposto um nome para a coordenação, concordamos em pedagógico com esse nome desde que essa equipa fosse multidisciplinar e representasse vários ciclos e tivesse pessoas de fora da escola. (E16)

Eu penso que isso foi uma competência da direção, tendo em conta a observação dos indivíduos que têm condições consideradas melhores, mais eficazes para desempenhar essa função. (E6)

Nesse sentido, e de acordo com as respostas construídas pelos atores entrevistados, o coordenador da equipa foi designado pelo diretor, sob proposta aprovada em conselho pedagógico e no conselho geral, tendo-lhe sido atribuídos todos os poderes de decisão no âmbito do processo de autoavaliação do agrupamento.

Assim sendo, esse procedimento parece configurar o consignado reforço da hierarquização do poder dos gestores, assessores e outras tecnoestruturas decorrentes de um quadro legal-normativo, que o decreto-lei n. 75/ 2008 consubstancia (Lima, 2009, 2011), legitimando processos cada vez mais desvinculados de contextos coletivos de decisão, de discussão e de intersubjetividade, isto é, cada vez mais restritos às cúpulas decisórias, às assessorias e às equipas de gestão intermédia.

Daí que não tenham sido discutidos os critérios que presidiram as decisões tomadas em matéria de avaliação interna do agrupamento e, para além do coordenador da equipa, nenhum ator educativo tenha tido acesso ou conhecimento sobre eles.

Não faço a mínima ideia qual é o critério e por quê… (E1)

Não conheço os critérios, não foram divulgados aos docentes, nunca me informaram dos assuntos; agora, eu penso que são escolhidos no conselho pedagógico, onde não tenho assento, logo não sei como foram escolhidos. (E9)

Não conheço os critérios. (E7)

Critérios?... Há conversas… tenho alguma ideia que há membros que estão na equipa porque têm mais experiência… mas não conheço os critérios. Parto do princípio de que foram critérios válidos. (E11)

Desconheço os critérios utilizados. (E15)

Os critérios… acho que não estão escritos. (E2)

É com pena que eu digo que as equipas existem, mas os professores não sabem como é que existem, não há parâmetros definidos, é tudo muito difuso e centrado. (E3)

Verifica-se, não obstante, um ambiente de confiança no coordenador, na equipa de autoavaliação e no desenvolvimento do processo, atendendo a que, até certo ponto, os entrevistados, perante o desconhecimento, presumem que tudo está a decorrer como expectável: presumem a composição da equipa, presumem os critérios que subjazem a todo o processo, presumem que os membros da equipa são pessoas com competências para desempenhar esse papel e presumem que tudo estará a decorrer na normalidade, como se percebe das seguintes declarações:

[...] se há critérios, devem estar escritos. Não faço a mínima ideia de quem são os elementos da avaliação interna, mas consigo, se calhar, adivinhar. (E11)

Parto do princípio de que foram critérios válidos. (E11)

Dos elementos que conheço acho que a equipa de autoavaliação representa bem o seu papel. (E11)

O coordenador, sendo a autoavaliação do agrupamento, penso que terá ido buscar um elemento a cada um dos ciclos. (E8)

Penso que a equipa é constituída por pessoas com experiência, voluntários, pessoas que são reconhecidas pelos colegas para desempenhar essas funções. (E11)

Também é importante encontrar gente dos mais variados quadrantes, a ideia é ter um grupo o mais heterogéneo possível. (E10)

Quando questionados sobre as características que os membros da equipa de autoavaliação deveriam ter, os atores educativos referiram consistentemente que é importante ter um conhecimento real e prático do agrupamento (E1, E2, E3, E8, E13).

Porém, alguns dos entrevistados foram mais longe e, mais do que privilegiar um conhecimento prático do agrupamento, manifestaram-se no sentido de entender como perfeitamente dispensável certa formação específica na área:

O importante é ir para o terreno ver, conhecer, porque eu acredito que o conhecimento empírico resulta melhor numa autoavaliação mais realista e objetiva. (E4)

O mais importante é ter uma perspetiva do agrupamento. Depois, o resto é teoria: com um pouco de trabalho certamente se conseguirá. (E10)

Eu sempre fui a favor da experiência em detrimento da teoria; a teoria é vazia. (E12)

Dentro da equipa, se calhar, a pessoa que está à frente da criação dos documentos que estão na base dessa autoavaliação deveria ser alguém que percebesse um pouco e tivesse formação em avaliação, o resto da equipa, não; têm de conhecer a realidade da escola. (E16)

Em sentido contrário, outros participantes entrevistados, em menor número, não mitigando a importância do conhecimento sobre o agrupamento, sustentaram que, sem formação específica na área, não seria possível desenvolver um processo de autoavaliação válido e criterioso:

Eu defendo, e sempre defendi, que a base teórica é fundamental em qualquer atividade, ainda mais em matéria de avaliação. (E1)

É essencial a formação específica na área, senão não se consegue. (E2)

Em termos de qualificação… devem dominar também algumas técnicas próprias da avaliação, para que a autoavaliação seja criteriosa e não enviesada. (E3)

Eu acho que é mais importante ter formação específica sobre as matérias, porque o conhecimento do agrupamento consegue-se se houver empenho da nossa parte. Agora, se nós conhecermos muito bem o agrupamento, mas não dominarmos as matérias, não será fácil adquirir esse domínio. (E8)

As preocupações dos atores educativos, que as entrevistas permitiram revelar, passaram também pela problematização da isenção e da confiança que se espera de uma equipa de autoavaliação e da sua relação com outros poderes e interesses dentro da organização escolar. Nesse âmbito, declararam:

[...] têm de ser imparciais e não devem ser influenciáveis. (E1)

[...] têm de ser isentos. (E4)

Tem de ser alguém em quem se confie. (E9)

Para mim, a equipa não pode ser pressionada, tem de ter ética profissional, tentar ser o máximo possível imparcial e estar com distanciamento dos interesses da gestão. (E12)

Devem ser responsáveis e justos. (E16)

Foi ainda referido, apresentando uma lógica divergente, que é importante que a equipa de autoavaliação se encontre “em sintonia com a direção para que esta lhe abra as portas” (E13).

Foram ainda apresentadas outras características, consideradas importantes, designadamente “ser rigoroso” (E1), “ser pragmático” (E4) e ter um “espírito crítico” (E1, E3, E4, E6).

Em termos relacionais, os atores educativos declararam que os membros da equipa de autoavaliação deveriam conseguir “chegar a todos os públicos” (E14), “se calhar, ser dialogantes” (E16), “ter um bom relacionamento com todos os profissionais” (E3) e “criar empatias com os colegas” (E8).

Numa ótica de projeção da imagem do agrupamento, com base no trabalho da equipa de autoavaliação, foi referido que:

Na equipa tem de haver gente que tenha capacidade de sistematização porque é uma dificuldade dar visibilidade àquilo que se faz, tirar partido. Pelo que é importante que haja uma pessoa que seja capaz de sistematizar aquilo que se vai fazendo. Para mim, isso é fulcral. (E10)

[...] deve saber comunicar muito bem e que consiga sintetizar todo o manancial de informação que é recolhido. (E14)

Quanto à constituição da equipa, resta acrescentar que esta não contempla a figura do amigo crítico, enquanto olhar externo, geralmente ligado a instituições de ensino superior, com formação específica em matérias de avaliação e cujo papel se destina a prestar apoio à equipa no âmbito do desenvolvimento do processo de autoavaliação.

Sobre essa opção, o coordenador da comissão e um dos seus membros entrevistado sustentaram que tal aspeto foi ultrapassado porque se entendeu que:

Ao convidar três elementos parceiros nossos a fazer parte desta equipa, entendemos não necessitar de um amigo crítico, porque trazem outras perspetivas. (E4)

Dentro desta equipa, fazem parte pessoas externas e muitas vezes têm um papel crítico interessante: temos um elemento da câmara, um elemento das forças de segurança e um elemento da área empresarial. (E7)

TRABALHO DA EQUIPA DE AUTOAVALIAÇÃO

Sobre os impactos do trabalho da equipa de autoavaliação nas dinâmicas do agrupamento, e concretamente sobre as que concernem às práticas pedagógicas dos professores, há um alargado consenso que aponta a todo um caminho que está ainda por percorrer nesse âmbito.

Com efeito, quando questionados sobre os contributos do trabalho dessa equipa na melhoria do seu desempenho enquanto docentes, os entrevistados declararam que o trabalho da equipa de autoavaliação tinha pouco impacto nas suas práticas letivas e apresentava-se sem capacidade de operar mudanças (E1, E7, E9, E13).

Nesse sentido, o processo de autoavaliação é visto como “inconsequente” (E3) ou praticamente inconsequente pelo facto de “nós, os docentes, não sabermos praticamente nada sobre o processo de autoavaliação do agrupamento e, por isso, são poucas as consequências” (E11).

Ficou, ainda, implícita nas respostas dos docentes uma certa rejeição a essa ideia de que a equipa de autoavaliação exerce um poder transformador sobre o desempenho do ator educativo:

Contributos? No meu desempenho? Nada! (E12)

Eu penso que ainda é cedo para que o trabalho desta equipa contribua para a melhoria do meu desempenho. (E16)

Não obstante, percebe-se que os professores inquiridos reconhecem que um processo de autoavaliação de agrupamento deveria ter potencial de mudança e de melhoria, justificando esse insucesso pelo facto de tal procedimento não ter tido tempo, para já, de se consolidar e de se aperfeiçoar:

O trabalho da avaliação interna deveria potenciar um melhor desempenho dos docentes, e vai ter de fazê-lo. Neste momento, não tem essa capacidade. (E4)

Penso que, neste momento, a equipa de autoavaliação ainda não tem impacto do desempenho dos docentes. (E13)

Na verdade, não temos tido grande autoavaliação. (E10)

O impacto da equipa de autoavaliação provavelmente ainda não chega ao desempenho dos docentes, e aquilo que nós desejamos é que venha a chegar, mas acho que neste momento ainda não chega. (E10)

Este processo de autoavaliação, como está, ainda deixa muito espaço para a sua própria melhoria, fundamentalmente porque está no início, e eu acho que ainda não há propriamente uma cultura de avaliação. (E10)

Em contracorrente, um ator educativo foi de opinião de que o trabalho dessa equipa tem efeitos positivos no seu desempenho na medida em que lhe proporciona “momentos de reflexão conducentes a alterações de práticas” (E15).

Quanto à forma como são divulgados os resultados da avaliação interna, alguns dos professores entrevistados declararam não ter deles conhecimento (E9), tendo mesmo sido referido que:

A autoavaliação, e é para isso que existe, tem de ter impacto positivo no sucesso dos alunos, e não tem. No desempenho dos docentes, também não, por uma razão muito simples: foi criada, aqui, uma equipa de autoavaliação, mas eu não sei os dados, e não os sei por que eles não foram publicitados. (E5)

Outros docentes, conhecendo determinados resultados, lamentaram que estes se restrinjam aos parâmetros de sucesso/insucesso dos alunos que lhes são enviados no final do período, para o correio eletrónico, sem que na sequência disso haja “lugar a qualquer discussão ou debate” (E1). Foi dito também que no “nível de departamento não houve uma análise muito profunda dos resultados”, uma vez que eles apenas são “projetados” (E8) tendo tudo ficado “um bocadinho pela generalidade” (E8), perceção que, no fundo, vai ao encontro da declaração de que “enquanto coordenador, muitas vezes, só me é pedido que dê conhecimento aos colegas” (E3).

Porém, ainda que tenha sido essa a tónica dominante, dois dos entrevistados referiram ter sido informados dos resultados da avaliação interna de forma bastante satisfatória e que o processo de autoavaliação tem promovido o debate, a reflexão e a mudança de algumas práticas, no sentido de promover o sucesso educativo dos alunos (E6, E15).

Com base nas respostas construídas pelos atores educativos, diríamos que, na generalidade, do trabalho dessa equipa, os professores tiveram acesso, fundamentalmente, aos resultados académicos dos alunos, apresentados em sede de departamento. Para além dessa divulgação, um conjunto de resultados foi afixado nos lugares próprios para o efeito “dois ou três dias antes de vir a equipa inspetiva” (E10), dados relativos, sobretudo, ao tratamento dos inquéritos de satisfação às diferentes populações que constituem a comunidade educativa (E4, E8, E16). Ainda assim, nem todos os docentes se detiveram sobre eles:

Quando os resultados foram afixados no placar, a maioria nem os viu, e os que viram não olharam com olhos de ver onde nós estamos a falhar. (E13)

Os resultados?… Eu olho para os painéis… Quando me interessa leio, mas dou pouca importância porque não me identifico com o discurso e não me esforço muito em procurar esse tipo de informação. (E12)

Verificou-se também a ideia de que “a autoavaliação devia incidir mais nas disciplinas que expõem a escola, que vão a exame, disciplinas que põem as escolas no ranking. Essas disciplinas é que tem de ser mais o centro desta equipa” (E13).

Para além das conclusões sobre o sucesso/insucesso dos alunos e sobre os inquéritos de satisfação à comunidade educativa, o coordenador da equipa referiu que o apuramento de “tudo aquilo que são outros resultados” (E4), como assuntos de âmbito administrativo e de gestão, são endereçados apenas aos órgãos de gestão por se entender que são matérias que não dizem respeito aos professores nem à comunidade educativa, na generalidade.

Ainda no intuito de aprofundar os impactos do trabalho da equipa de autoavaliação, interpelamos os atores participantes sobre o seu conhecimento acerca dos planos de melhoria de modo que revelassem suas representações relativamente a como são elaborados e percebidos tais planos no seio da organização a que se destinam.

Relativamente ao plano de melhoria em curso no agrupamento, os atores educativos responderam que não o conheciam (E8, E9, E11), tendo afirmado mesmo não fazer “a mínima ideia” (E1). A pouca importância votada a esse documento estruturante interno ficou explícita, quando se declarou:

Papéis?!! Não, não conheço, e não me interessa. Este processo é completamente burocrático e eu dispenso bem. Passávamos muito bem sem isto. (E12)

Constatamos que “não tem acontecido, após a divulgação de resultados da autoavaliação, haver planos de melhoria”, considerando-se, desse modo, que o processo autoavaliativo é “incipiente se não houver, e não tem havido, os tais planos de melhoria” (E8).

Assim, foi possível verificar que a autoavaliação do agrupamento está longe de provocar o ensejo de melhoria e/ou a respetiva planificação, enquanto aspiração interna de conhecimento ou de desenvolvimento e de aprendizagem organizacional, tal como patenteiam as seguintes unidades de contexto:

A autoavaliação não tem reflexos nos planos de melhoria, pode ter é a avaliação externa. (E9)

Sei que já se está a trabalhar num plano de melhoria a partir da avaliação externa que tivemos agora. (E3)

Os resultados da autoavaliação não são utilizados na planificação da melhoria. Os resultados da avaliação externa, sim. A planificação da melhoria é para dar resposta à avaliação externa. (E3)

Os planos de melhoria não deveriam estar apenas dependentes da avaliação externa: a situação ideal era que quando chegasse a avaliação externa tivéssemos já encontrado os pontos fracos e os pontos fortes. (E7)

Nesse sentido, foi possível constatar que no agrupamento de escolas a melhoria é planificada por exigência da tutela, uma melhoria que é articulada pela equipa da autoavaliação, na sequência da avaliação externa e com base nesta.

CONCLUSÃO

Ao longo das três últimas décadas, as questões da avaliação educacional em geral, e da avaliação institucional em particular, têm vindo a assumir uma enorme centralidade. Os diferentes sentidos da avaliação que se vão apresentando têm sido sustentados por retóricas discursivas com origens muito diversas e razões muito diferentes (Afonso, 2010a; Azevedo, 2005).

De certo modo, a avaliação das escolas é perspetivada como um instrumento tecnicista de aferição da eficácia e da eficiência de cada estabelecimento escolar, assumindo uma linha técnico-instrumental reveladora, apenas de uma parte da realidade educativa. Nesse sentido, o processo de autoavaliação desenvolve-se na sequência do enquadramento legal que o institui e orienta-se segundo o referencial da avaliação externa das escolas.

Uma perspetiva diferente é a de muitas organizações escolares que veem na avaliação uma oportunidade de mostrar o trabalho que desenvolvem, reconhecendo que esse processo implica e reforça o profissionalismo docente, o desejo de realização, a exigência de aperfeiçoamento das práticas pedagógicas e o desenvolvimento de uma ética profissional marcada pela responsabilidade e pelo cuidado (Alaíz, Góis e Gonçalvez, 2003; Alves e Machado, 2008; Afonso, 2010a, 2010b; Azevedo, 2005, 2010; Costa, 2007).

Considerando concretamente a autoavaliação da escola, o seu potencial transformador faz-se depender de uma necessidade interna por parte dos seus atores, que os leve a procurar conhecer melhor a organização escolar e a promover a melhoria. Dessa forma entendida, desenvolve-se como “um instrumento importante de democratização, de conhecimento e de desenvolvimento emancipatório” (Afonso, 2010a, p. 358).

Da análise dos dados coletados, foi possível constatar que há a perceção de que a autoavaliação do agrupamento não deve ser da exclusiva responsabilidade da equipa de autoavaliação ou dos órgãos de gestão do agrupamento, mas que ela deve implicar a generalidade dos professores e restante comunidade educativa, para maior corresponsabilização no seu desenvolvimento e consequente apropriação. Só pela participação de todos, o potencial transformador de um processo dessa natureza é capaz de produzir os efeitos desejados em termos de melhoria do desempenho dos professores, dos alunos e da própria organização. Todavia, esses sentidos existem à margem de um processo que é apreendido como pouco conhecido e desenvolvido sem a participação efetiva dos atores educativos.

Essas considerações parecem justificar o motivo pelo qual a autoavaliação se revelou um processo que é, essencialmente, da responsabilidade da equipa nomeada pelo diretor e relativamente à qual há um proporcional desconhecimento dos elementos que a constituem, bem como dos critérios que presidiram à sua seleção, o que não permite retirar evidências sobre a credibilidade dos elementos que a constituem (Pinto, 2010). Aspetos que podem estar na oriegem da incapacidade de a equipa mobilizar a comunidade (Fialho, 2009a).

A verdade é que esse desconhecimento não invalida que as representações simbólicas relativas à equipa de autoavaliação sejam de franco reconhecimento e valorização do trabalho que realiza. De resto, é consensual a ideia de que é à custa da dinamização que ela promove que a autoavaliação se cumpre, tanto quanto é consensual a importância de existirem condições específicas de trabalho para essa equipa de autoavaliação.

O impacto do trabalho da equipa de autoavaliação, no caso em estudo, apresenta-se como positivo porque beneficia a eficácia e a eficiência do agrupamento. Não obstante, a mesma representação não existe quando a questão incide, de forma específica, sobre o impacto na melhoria do desempenho profissional dos próprios professores. Com efeito, não há o reconhecimento de que o trabalho desenvolvido por essa equipa influencie as práticas docentes e, assim sendo, parece incapaz de contribuir para a melhoria do sucesso dos educandos (Alaíz, Góis e Gonçalvez, 2003).

Assim, os dados coletados revelaram uma realidade organizacional, a esse nível, feita de rotinas impostas por normativos, nomeadamente pela lei n. 31/2002, cujas intenções sairiam reforçadas com os decretos-lei n. 75/2008 e n. 137/2012. No que concerne ao despacho conjunto n. 370/2006, o processo de autoavaliação parece ser conduzido como uma preparação para a avaliação externa da organização escolar, adotando para o efeito todo um referencial pré-formatado, muito mais refletido do que reflexivo, em linha com políticas educativas cada vez mais globais e uniformizadoras dos sistemas educativos. Portanto, um processo de autoavaliação que se realiza mais em resposta a pressões externas ao agrupamento do que em resposta a uma aspiração interna sentida pelos próprios atores educativos (Berger e Terrassêca, 2011).

A autoavaliação parece assumir o papel de instrumento de gestão, de controlo e de regulação, que se enquadra na inculcação de uma governança em educação, no entanto não nos parece que esse processo possa ser visto como uma adesão acrítica ou uma aceitação confirmada do paradigma educacional neoliberal, no qual a escola é em essência um vasto supermercado (Apple, 2002), e que tem vindo a subordinar “a educação a objetivos económicos, de empregabilidade, produtividade e competitividade, designadamente através dos discursos da qualidade e da excelência” (Lima, 2011, p. 4).

Se é inequívoco que a avaliação das escolas consubstancia um campo de estudo de interesse e de grande atualidade, quer pelas intencionalidades que envolve, latentes e patentes, quer pelo impacto nas dinâmicas organizacionais das escolas e no quotidiano de seus atores, parece-nos que este trabalho, muito embora só tenha considerado a perspetiva dos docentes, abre possibilidade a um maior aprofundamento da questão aqui considerada e pode contribuir para uma reflexão que permita o reconhecimento das dinâmicas que devem ser promovidas pela organização escolar para imbuir esse processo de uma racionalidade emancipatória, de caráter mobilizador, traduzida numa esfera dialógica dos sujeitos no sentido de detetar falhas e assegurar soluções diante da realidade (Carvalho, 2011).

REFERÊNCIAS

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1 Processo submetido à aprovação pela Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar (MIME), com o número 0428100002.

Recebido: 02 de Dezembro de 2018; Aceito: 10 de Fevereiro de 2020

Maria João Carvalho é doutora em educação pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Portugal). Professora da mesma instituição. E-mail: mjcc@utad.pt

Ana Cristina Folgado Ferreira é mestre em ciências de educação pela Universidade do Porto (Portugal). Professora do Agrupamento de Escolas Emídio Garcia. E-mail: cris.folgado@gmail.com

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