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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.25  Rio de Janeiro jan./dez 2020  Epub 14-Out-2020

https://doi.org/10.1590/s1413-24782020250044 

Artigos

Estudos de aula na perspectiva de professores formadores

Estudios de las clases en perspectiva de formadores de profesores

IUniversidade Federal da Fronteira Sul, Erechim, RS, Brasil.


RESUMO

O artigo discute aspectos da dinamização dos estudos de aula em Portugal, considerando-se os desafios manifestados nesse processo e as características que atribuem a essa abordagem especificidade própria na perspectiva de professores-pesquisadores que assumem o papel de seus promotores. Foram entrevistados quatro formadores em estudos de aula do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, que se constituiu no material empírico do estudo. A análise apontou dois aspectos relacionados à implementação do estudo e aula em Portugal: a adaptação ao contexto cultural português, que trouxeu alguns desafios e solicitou escolhas diante das características dos grupos de professores envolvidos; e a especificidade desenvolvida em Portugal, com destaque para a abordagem exploratória, a colaboração profissional e a realização de pequenas investigações sobre a prática profissional dos professores participantes.

PALAVRAS-CHAVE: estudos de aula; desenvolvimento profissional; formação inicial de professores; ensino básico

RESUMEN

El artículo discute aspectos de la implementación del estudio de clase en Portugal, considerando los desafíos que se manifiestan en este proceso y los aspectos que atribuyen a este enfoque su propia especificidad desde la perspectiva de los docentes investigadores, quienes asumen el papel de promotores de este enfoque. Se entrevistó a cuatro formadores en estudios de clase del Instituto de Educación de la Universidad de Lisboa (Instituto de Educação da Universidade de Lisboa), de lo que constituye el material empírico del estudio. Nuestro análisis evidenció dos aspectos sobre la implementación de este enfoque en Portugal: aspectos relacionados con la adaptación de este enfoque en el contexto cultural portugués, que presentan algunos desafíos y solicitan decisiones debido a las características del personal docente; y aspectos relacionados con la especificidad del enfoque desarrollado en Portugal con énfasis en el enfoque exploratorio, la colaboración profesional y la realización de micro investigaciones sobre la práctica profesional por parte de los docentes participantes.

PALABRAS CLAVE: estudios de clase; desarrollo profesional; formación inicial del profesorado; educación básica

ABSTRACT

The paper discusses aspects of the lesson study’s implementation in Portugal considering the challenges evidenced in this process and aspects, which attach to this approach particular specificity in the perspective of researchers’ teachers, who take up the role of promoters of this approach. Were interviewed four teachers of the Institute of Education, University of Lisbon (Instituto de Educação da Universidade de Lisboa), who promote lesson study in Portugal. Our analyze evidenced two aspects about implementation of this approach in the Portuguese context: aspects relatives to adaptation of this approach in the Portuguese cultural context, which bring some challenges and request decisions due to characteristics of teaches staffs; and aspects relatives to specificity of the approach developed in Portugal with emphasis to exploratory approach, professional collaboration and the realization of micro investigations about professional practice by participant teachers.

KEYWORDS: lesson study; teacher professional development; initial teacher education; basic education

INTRODUÇÃO

O movimento internacional de pesquisas sobre desenvolvimento profissional docente com ênfase nas possibilidades dos estudos de aula tem consolidado importantes compreensões sobre essa abordagem e apontado aspectos a ela subjacentes em virtude das particularidades dos espaços em que são promovidos. E essas compreensões têm contribuído para concretizar os estudos de aula em contextos culturais distintos do Japão, oportunizando a sua disseminação e expansão em outras realidades educativas.

Os estudos de aula, originários do Japão e difundidos ao redor do mundo a partir da década de 1990 com o trabalho de Yoshida (1999), caracterizam uma abordagem de desenvolvimento profissional de professores centrada na prática letiva, de caráter eminentemente colaborativo e reflexivo (Ponte et al., 2014). Essa perspectiva ganhou destaque em países ocidentais à medida que passou a ser desenvolvida nos Estados Unidos e seus resultados começaram a ser divulgados em língua inglesa (Stigler e Hiebert, 1999; Yoshida, 1999). Assim, os estudos de aula passaram a interessar a pesquisadores de diferentes países, cujas experiências realizadas têm apontado significativas possibilidades de os adaptar a contextos educativos diversos (Stigler e Hiebert, 2016). E no âmbito desse movimento relevantes experiências e pesquisas sobre estudos de aula têm sido concretizados em Portugal, por meio das quais se tem produzido uma base de conhecimentos sobre o desenvolvimento de ciclos de estudos de aula na realidade educacional e cultural do referido país.

Portanto, analisar e discutir a implementação de ciclos de estudo de aula em diferentes espaços apresenta-se como proposta relevante, constituindo-se como uma forma de apontar as perspectivas teóricas subjacentes a essa abordagem e as particularidades dos processos de implementação que os diferem do estudo de aula japonês (Stigler e Hiebert, 2016), assim como perceber outros aspectos que se revelam nos resultados de pesquisas sobre essas experiências. Nessa direção, interessamo-nos em examinar o desenvolvimento de estudos de aula no contexto português, buscando evidenciar as especificidades dos processos realizados em virtude da adaptação à cultura do país e à realidade educacional na qual os professores estão imersos.

Mediante a realização de entrevistas com pesquisadores e dinamizadores de estudos de aula em Portugal, notamos aspectos relevantes que atribuem à abordagem concretizada no contexto português especificidade própria, os quais constituem dois eixos principais: a adaptação do estudo de aula e a especificidade da abordagem desenvolvida.

A escolha pelo estudo de aula promovido em Portugal deve-se à proximidade entre a abordagem promovida (no que diz respeito à estrutura de cada ciclo e ao modo como são dinamizados) e aquelas predominantes no Japão, bem como a algumas particularidades apresentadas no processo realizado em Portugal, as quais se têm constituído em significativas possibilidades de promover o desenvolvimento profissional docente, a consolidação dos estudos de aula no referido país e sua disseminação para outras realidades educativas ocidentais.

ESTUDOS DE AULA

Os estudos de aula passaram a chamar a atenção de pesquisadores e especialistas em educação e educação matemática à medida que resultados de pesquisas sobre essa abordagem começaram a ser publicados em língua inglesa, sobretudo com a divulgação do livro The teaching gap (Stigler e Hiebert, 1999), que creditou à estrutura de resolução de problemas do estudo de aula japonês ― e especialmente ao processo de desenvolvimento profissional ao qual todos os professores japoneses estão envolvidos ― o sucesso dos alunos em matemática no TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study). O trabalho de Yoshida (1999), que em sua pesquisa de doutorado apresenta de maneira ampla e aprofundada o estudo de aula japonês, constitui-se no marco inicial de disseminação dessa abordagem para a população ocidental.

Entretanto, o desenvolvimento de estudos de aula fora do Japão revela algumas adaptações que se fazem necessárias a sua incorporação em cenários profissionais e culturais distintos do Japão. Stigler e Hiebert (2016) destacam que educadores em diferentes países vêm desenvolvendo seus próprios entendimentos sobre como os estudos de aula podem ser implementados em outras realidades visando melhorar os processos de ensino e de aprendizagem nessas mesmas realidades. Também White e Lim (2008) argumentam que diferentes contextos têm influenciado a estrutura e a implementação do modelo de estudo de aula japonês, modificando aspectos nas etapas de planejamento e de realização da aula de investigação, assim como na etapa da reflexão. Concluem, ainda, que estudos de aula promovidos na formação inicial e na formação continuada são fortemente influenciados pelas especificidades dos espaços em que são dinamizados em razão das necessidades dos percursos formativos e do modo como estão estruturados os processos de formação. Portanto, o movimento de disseminação dos estudos de aula revela, para além das possibilidades de promover o desenvolvimento profissional de professores, compreensões distintas e adaptações que atribuem a determinadas abordagens especificidade muito particular, contribuindo para consolidar conhecimentos sobre sua dinamização.

Nesse sentido, observa-se em relação ao desenvolvimento de estudos de aula que essa abordagem pode seguir distintos propósitos (Ponte, 2016), assumir formatos diferenciados e concretizar-se mediante dinâmicas muito particulares (Stigler e Hiebert, 2016), contemplando vários níveis de ensino e áreas do conhecimento. Em relação aos propósitos perseguidos por um estudo de aula, estes podem variar de acordo com a modalidade de formação a ser promovida (Ponte, 2016), favorecendo a realização de ciclos de estudos de aula na formação inicial e na formação contínua, também denominada formação em serviço.

Quanto ao desenvolvimento do estudo de aula, duas perspectivas predominam. Na primeira, um ciclo de estudo de aula é coordenado por uma equipe de formadores-pesquisadores, frequentemente vinculados a alguma instituição de formação, os quais assumem o papel de dinamizadores do processo. Na segunda (que tem predominado no contexto educativo japonês), o estudo de aula é idealizado e concretizado por um grupo de professores de uma unidade escolar sem a participação de uma equipe externa que assume o papel de coordená-lo. Entretanto, em ambas as perspectivas os estudos de aula envolvem um grupo de professores que trabalha colaborativamente no planejamento de uma aula ― a aula de investigação ― a qual é lecionada para uma turma de alunos por um professor da equipe, que assume voluntariamente essa tarefa. Na aula de investigação, os demais integrantes da equipe assumem o papel de observadores das ações dos alunos.

Os estudos de aula desenvolvidos no Japão apresentam uma estrutura nuclear comum, suscetível de adaptações em face dos espaços educativos e objetivos em que são concretizados, que se compõem de três etapas: planejamento da aula de investigação, desenvolvimento da aula de investigação e reflexão sobre essa aula com base nos registros produzidos pelos observadores (Lewis, 2002).

Contudo, resultados de pesquisas mostram que em diversas experiências essa eelaboração é frequentemente iniciada com a definição de objetivos para a aula de investigação considerando-se as dificuldades que os alunos apresentam no tópico curricular a ser abordado. Assim, observa-se um modelo predominante nos relatos de experiências sobre estudos de aula ao redor do mundo, cuja base se constitui de quatro etapas principais: definição de objetivos para a aula de investigação, planejamento, implementação da aula e reflexão sobre as ações dos alunos durante a atividade (Lewis, 2002; White e Lim, 2008; Ponte et al., 2014). Entretanto, há relatos de ciclos de estudos de aula que apresentam uma quinta etapa, quando a aula de investigação é retomada, reestruturada e ensinada a outra turma de alunos, repetindo-se o ciclo. A esse momento Ponte et al. (2014) denominam seguimento (follow up).

No estudo de aula, professores trabalham colaborativamente em torno das seguintes ações: definição de objetivos para a aula de investigação, na qual grande atenção é dada às dificuldades dos alunos no estudo de determinado tópico curricular (tópico este escolhido para ser desenvolvido no estudo de aula); planejamento da aula de investigação, em que os professores planejam cuidadosamente uma aula e as tarefas a serem resolvidas pelos alunos, focando nas dificuldades podem vir a ter nesse tópico e buscando-se antever dificuldades, processos de raciocínio e estratégias de resolução para as tarefas propostas; desenvolvimento da aula de investigação por um professor que participa do ciclo de estudo de aula e aceita, voluntariamente, desenvolvê-la enquanto os demais participantes observam as ações dos alunos; reflexão sobre a aula de investigação, em que a equipe se reúne para refletir e discutir sobre os aspectos observados e registrados em notas de campo e em gravações de vídeo sobre as ações, discussões e conclusões dos alunos na realização das tarefas; e seguimento, em que a aula é reformulada com base nos aspectos destacados na reflexão, podendo, se desejável, ser ensinada a outra turma de alunos (Ponte et al., 2014).

No que se refere à natureza dos estudos de aula, que confere a esse processo características e dinâmica muito particulares, as pesquisas têm evidenciado distintos aspectos, tais como a colaboração, a abordagem pedagógica que orienta a aula de investigação, a realização de pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem na aula de investigação.

A colaboração, entendida como uma forma particular de cooperação que permeia um trabalho realizado em conjunto, em face do qual os envolvidos têm a possibilidade de aprofundar mutuamente seus conhecimentos (Day, 1999), é crescentemente destacada em pesquisas sobre os estudos de aula, porque apoia o trabalho dos professores participantes em todas as etapas, sobretudo o planejamento e a realização da aula de investigação (Takahashi e MacDougal, 2018). Boavida e Ponte (2002) acrescentam que em ambientes de colaboração os professores trabalham conjunta e cooperativamente, em uma base de igualdade em que a confiança e a ajuda mútua os levam a alcançar objetivos em que todos se beneficiam. Complementam que a colaboração pode desenvolver-se entre pares, no seio de grupos que trabalham em torno de um mesmo projeto, ou entre atores que assumem estatutos e papéis diferenciados, como entre professores e alunos, professores e investigadores, entre outros. Importante termos em mente que a diversificação na constituição de um grupo colaborativo decorre dos objetivos do trabalho a ser realizado. Além disso, os autores consideram que, apesar das dificuldades que podem surgir nesses grupos, há a vantagem de se apresentar diferentes olhares sobre uma mesma realidade, favorecendo compreensões mais amplas e profundas (Boavida e Ponte, 2002).

A colaboração envolve aspectos como cooperação, confiança, ajuda mútua, diálogo, negociação e supressão de hierarquias. De acordo Day (1999), a distinção entre cooperação e colaboração prende-se ao modo como as relações pessoais e de poder se concretizam, uma vez que em grupos cooperativos as relações de poder e os papéis dos participantes não são questionados, enquanto a relação colaborativa pressupõe negociação cuidadosa, tomada conjunta de decisões, comunicação efetiva e aprendizagem mútua em um empreendimento que se foca na promoção do diálogo profissional (Day, 1999).

Goulet e Aubichon (1997) acrescentam que o primeiro passo para a colaboração é a confiança, que se desenvolve em um ambiente de respeito e cuidado, perpassando os níveis pessoal e profissional. A confiança é fundamental para que os membros de um grupo se sintam à vontade para expor ideias e questionamentos, assim como para questionar as ideias, os valores e as ações dos outros, respeitando-os e valorizando-os, ao mesmo tempo em que o seu trabalho e os seus valores são respeitados e valorizados. Portanto, sem confiança não há colaboração (Boavida e Ponte, 2002).

O diálogo é também fundamental para a concretização da colaboração. Sobre isso, Olson (1997) pontua que uma relação de colaboração solicita a aceitação da voz pessoal, decorrente da experiência, e a consciência de que nenhuma ideia é definitiva, pois à medida que uma voz se entrelaça a outras vozes a compreensão se enriquece e a conversação torna-se mais informada. O diálogo constitui-se, portanto, em instrumento de confronto de ideias e de construção de novas compreensões (Christiansen, 1999).

Para além disso, a colaboração pressupõe negociação, pois em um grupo colaborativo são negociados objetivos, modos de trabalho e de relacionamento, prioridades e significados de conceitos fundamentais (Boavida e Ponte, 2002). Sobre esse aspecto, Christiansen et al. (1997, p. 285) afirmam que “a chave para uma colaboração bem-sucedida é uma negociação aberta da partilha de poder e expectativas relativamente ao papel de cada um dos participantes, à medida que um projecto se desenvolve”.

Ao enfatizar a dimensão colaborativa de cada etapa do estudo de aula, Takahashi e MacDougal (2018) conceituam a aula de investigação colaborativa destacando que esta constitui-se em contexto para melhorar o ensino e a aprendizagem, pois oportuniza a outros professores e profissionais da educação a participar, discutir e refletir com a equipe envolvida em um ciclo de estudo de aula, assim como os resultados das aprendizagens profissionais podem ser partilhados no ambiente escolar com a realização de seminários à comunidade em geral. Além disso, a dinamização de estudos de aula favorece a superação de pontos de vista e dificuldades no ensino à medida que a relação de confiança e de apoio mútuo que se estabelece oportuniza aos professores repensar suas práticas (Ponte et al., 2014).

Outro importante aspecto inerente ao estudo de aula refere-se à dimensão pedagógica subjacente à aula de investigação. Uma das perspectivas que têm sido evidenciada em diversos trabalhos ao redor do mundo refere-se ao structured problem solving, que está no centro das abordagens de estudos de aula promovidas no Japão. Fujii (2018) destaca que a resolução de problemas no estudo de aula japonês é uma perspectiva amplamente valorizada e difundida, embora alguns aspectos sejam mais ou menos valorizados.

Em uma perspectiva próxima ao structured problem solving, uma abordagem crescentemente mencioanda em relatos sobre estudos de aula é a exploratória. Ponte et al. (2014) destacam que a abordagem exploratória no ensino da matemática oportuniza ao professor refletir sobre o ensino em sala de aula ao mesmo tempo em que procura levar os alunos a enfrentarem situações para as quais não possuem um método de resolução imediatamente aplicável (Ponte, 2005), levando-os a construir ou aprofundar a sua compreensão de conceitos, representações, procedimentos e ideias matemáticas.

A abordagem exploratória, que em língua inglesa é conhecida por inquiry based approach, diz respeito ao processo por meio do qual os alunos são chamados a desempenhar um papel ativo na interpretação das tarefas/atividades propostas, na representação da informação dada, na formulação de generalizações e na concepção e concretização de estratégias de resolução que devem depois saber apresentar e justificar (Ponte, 2005). No ensino exploratório, os alunos têm a possibilidade de ver os “conhecimentos e procedimentos matemáticos surgir com significado e, simultaneamente, de desenvolver capacidades matemáticas, como a resolução de problemas, o raciocínio matemático e a comunicação matemática” (Canavarro, 2011, p. 11).

Em trabalho anterior, Ruthven (1989) esclarece alguns aspectos que diferenciam a abordagem exploratória de abordagens de caráter convencional, pontuando que nessa perspectiva o papel do professor é dirigido para e centrado na investigação realizada pelo aluno, assim como a introdução de novas ideias e de novos conceitos se dá por meio de duas etapas em que a exploração (uma forma de investigação) é seguida pela codificação (uma forma de exposição). Ruthven (1989) acrescenta que na fase da exploração os alunos realizam investigações sobre situações abertas.

No tocante à realização de investigações sobre o ensino, Stigler e Hiebert (2016) destacam que uma das abordagens dos estudos de aula praticados fora do Japão assume uma perspectiva de metodologia de pesquisa. Segundo essa perspectiva, a aula de investigação, concebida como unidade de análise, é pequena o suficiente para ser estudada e grande o bastante para representar componentes-chave de um sistema de ensino e aprendizagem de sala de aula. Os autores lembram que fazer pesquisa em sala de aula é uma forma de levar a prática da pesquisa científica para o esse ambiente (Stigler e Hiebert, 2009).

De maneira similar, Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 321) referem-se à pesquisa sobre a própria prática como “um estudo sistemático e intencionado dos professores sobre seu próprio trabalho na sala de aula e na escola”, em que o “sistemático” compreende as formas de registro e documentação das experiências internas e externas a sala de aula e o “intencionado” indica uma atividade profissional do professor que é naturalmente imbuída de intencionalidade. E esse conhecimento constitui-se, portanto, de maneira dinâmica (em ação), integrando teoria e prática e possibilitando o movimento entre o singular de cada professor e o plural da comunidade de professores que investigam a própria prática.

Nessa direção, Ponte (2016) destaca que os estudos de aula se constituem também em ambiente para os professores realizarem pequenas investigações sobre o ensino em sala de aula e, portanto, sobre a prática profissional. Ou seja, cada grupo de professores envolvido em um estudo de aula constitui-se como um pequeno coletivo que realiza pesquisa sobre a própria prática (Ponte, 2008), cuja investigação inicia com a formulação de uma questão de investigação que tem a ver com as dificuldades de aprendizagem dos alunos em algum tópico curricular. E, ao combinar conhecimentos provenientes da prática com o conhecimento proveniente da investigação, os professores têm a possibilidade de experimentar um modelo de desenvolvimento profissional com alto potencial para promoverem aprendizagens profissionais relacionadas às aprendizagens dos alunos, interpretação do currículo e sobre a própria prática (Ponte, 2016; Ponte et al., 2016).

Para Stigler e Hiebert (2016), a possibilidade de o professor fazer escolhas e o próprio processo de escolhas que se verifica no estudo de aula constituem-se, talvez, nas principais vantagens de se tentar importar rotinas culturais para realidades distintas daquela em que foram forjadas.

METODOLOGIA

A pesquisa, de natureza qualitativa e interpretativa, consiste em uma análise de conteúdo (Bardin, 1977) sobre o material empírico constituído por meio da efetivação de entrevistas semiestruturadas, realizadas com quatro pesquisadores portugueses, os quais desenvolvem ciclos de estudos de aula e realizam pesquisas sobre tal abordagem nas áreas da matemática e ciências, especificamente física e química. O estudo centrou-se em quatro pesquisadores ― João Pedro da Ponte, Marisa Quaresma, Mónica Baptista, Teresa Conceição ― porque são eles os disseminadores dos estudos de aula em Portugal e os que possuem maior experiência e envolvimento com o tema no referido país.

A entrevista semiestruturada, entendida como um procedimento relativamente dirigido no qual se busca compreender profunda e amplamente determinando fenômeno (Triviños, 1987), centrou-se em três eixos: experiências concretizadas em estudos de aula em Portugal; desafios e dificuldades manifestados na implementação dessa abordagem; e, especialmente, as contribuições das pesquisas em relação à consolidação de conhecimentos sobre estudos de aula para o desenvolvimento profissional de professores de matemática e ciências.

Os professores foram entrevistados nos meses de março, abril e maio de 2017. As entrevistas foram transcritas, textualizadas e enviadas aos colaboradores (promovedores de estudos de aula) para validação do material empírico. Posteriormente o material empírico foi analisado mediante dois eixos norteadores: Quais são as experiências em estudos de aula realizadas em Portugal e como esses processos foram conduzidos? Quais as particularidades dos ciclos de estudos de aula desenvolvidos subjacentes à aula de investigação e às demais etapas do ciclo?

A análise apontou diferentes aspectos relativos às experiências e pesquisas em estudos de aula desenvolvidos em Portugal, que foram organizados em dois eixos: as particularidades de cada ciclo mediante a adaptação do estudo de aula ao contexto cultural português e as especificidades da abordagem desenvolvida em Portugal, com destaque para a abordagem exploratória, a colaboração e a realização de pequenas investigações sobre a prática profissional por parte dos professores participantes.

A DINAMIZAÇÃO DE ESTUDOS DE AULA EM PORTUGAL

O desenvolvimento de ciclos de estudos de aula em Portugal iniciou em 2011, quando os professores colaboradores do nosso estudo tiveram conhecimento sobre essa abordagem de desenvolvimento profissional docente e que lhes despertou interesse. Após um diálogo entre professores-pesquisadores do Instituto de Educação e a emergência de uma demanda por ações formativas no sistema público de ensino português, foi constituída uma equipe que propôs o primeiro estudo de aula para ser desenvolvido no ano letivo de 2012-2013 com professores do ensino básico. Posterior a essa primeira experiência, em anos subsequentes foram elaborados outros ciclos de estudos de aula na formação inicial e contínua de professores nas áreas da matemática e ciências, especificamente física e química.

Na área da matemática, foram desenvolvidos ciclos de estudos de aula na formação contínua de professores dos 1o, 2o e 3o ciclos do ensino básico, assim como na formação inicial, nomeadamente no curso de mestrado em ensino1 da Universidade de Lisboa. Na formação contínua, foram desenvolvidos estudos de aula com grupos de professores de diferentes unidades escolares de Lisboa, nas quais foram abordados tópicos curriculares importantes, tais como conceito de ângulo, proporcionalidade e números racionais. Em ciências, nomeadamente física e química, foram desenvolvidos ciclos de estudos de aula na formação contínua de professores do 3o ciclo do ensino básico, assim como na formação inicial no curso de mestrado em ensino, também na Universidade de Lisboa. Foram aprofundados tópicos relacionados à velocidade do som, à energia cinética de um corpo e à impulsão. O estudo de aula promovido na formação inicial no âmbito da disciplina de iniciação à prática profissional (IPP) foi uma iniciativa relevante porque se constituiu na possibilidade de articular as experiências formativas na universidade à prática profissional em sala de aula, em consonância com a realidade educacional.

Relativamente às contribuições dos estudos de aula para a aprendizagem2 dos alunos, resultados de estudos conduzidos pelos professores colaboradores de nossa pesquisa mostram que a abordagem exploratória, subjacente à aula de investigação, levou os alunos a desenvolverem o raciocínio matemático à medida que foram oportunizados a explorar diferentes representações, bem como propor justificações e generalizações sobre os tópicos curriculares abordados (Ponte et al., 2015; Quaresma e Ponte, 2015).

Portanto, o desenvolvimento dos estudos de aula em Portugal evidenciou diversos aspectos relacionados ao processo e, sobretudo, a sua dinamização em face das particularidades do contexto profissional e cultural em que os professores estão imersos. Esses aspectos referem-se aos desafios e às dificuldades que decorrem da adaptação à cultura e à realidade de Portugal e às especificidades da abordagem concretizada.

ADAPTAÇÃO DO ESTUDO DE AULA À CULTURA E À REALIDADE EDUCACIONAL DE PORTUGAL

No que se refere às particularidades dos ciclos de estudos de aula em Portugal, seja na formação inicial ou contínua de professores de matemática e ciências, os professores participantes da pesquisa destacam que esse processo solicitou primeiramente uma profunda compreensão sobre a abordagem realizada no país de origem (Japão) e em outras realidades em que tem sido promovida, assim como uma análise das particularidades culturais e necessidades do contexto educacional português, conforme ressalta Marisa:

[À partida], há que fazer essa sondagem da necessidade ou as características culturais [do nosso contexto] e ao mesmo tempo estudar o processo de desenvolvimento profissional que foi já experimentado em outros países: o original, como é que é feito no Japão, como é que é feito na Ásia, como é que é feito nos Estados Unidos (que tem uma forte influência) e, depois, como tem sido feito na Europa. E, portanto, este é logo o nosso desafio maior; eu acho que é a adaptação à cultura, que tem muitos, muitos constrangimentos. (Marisa, abr. 2017)

Em virtude das especificidades do contexto cultural e do processo em questão, são necessárias algumas adaptações ao modelo originalmente praticado no Japão. Esse aspecto é mencionado por Marisa ao destacar que no caso específico do estudo de aula desenvolvido no âmbito da IPP, no mestrado em ensino da matemática, a escolha do tópico a tratar estava restrita aos temas do programa curricular a ser trabalhado pela professora cooperante3 na turma em que realizavam a iniciação à prática profissional:

Tivemos [...] de nos cingir aos temas que a professora tinha [de desenvolver com aquela turma]. Não tivemos aqui tanta possibilidade de gerir os temas de acordo com nossos interesses [...] em termos dos tópicos e temas abordados. (Marisa, abr. 2017)

Outro aspecto destacado refere-se às especificidades na implementação de estudos de aula na formação inicial e na formação contínua de professores. João Pedro destaca que, embora a dinâmica de realização dos estudos de aula seja similar em ambos os processos, pelo fato de as necessidades de professores e futuros professores serem diferentes, os objetivos acabam por ser distintos e as aprendizagens também:

Em relação aos alunos da formação inicial e aos professores em serviço, nós temos uma dinâmica que é basicamente semelhante, mas os públicos são diferentes e, portanto, os objetivos também. Os futuros professores não têm experiência de ensino e, portanto, estão numa fase de aprendizagem profissional diferente da dos professores em serviço. E isso é tido em conta no planeamento e é tido em conta no papel que os participantes assumem no estudo de aula. Isso coloca a necessidade de dar atenção a diversos aspectos que têm de ser trabalhados ao longo das sessões porque o estudo de aula com futuros professores destina-se a apoiar aprendizagens profissionais diferentes das aprendizagens das que nós temos em vista com os professores em serviço. (João Pedro, maio 2017)

Mónica destaca que em virtude do modo como está estruturada a formação inicial docente no Instituto de Educação, nomeadamente os mestrados em ensino, e em razão das características culturais que permeiam os sistemas educativos, emergiram modelos distintos de estudos de aula na formação inicial e contínua de professores:

Eu diria que a diferença entre a formação contínua e a formação inicial prende-se exatamente nas questões de planeamento, porque [na formação inicial] foram mais sessões de planeamento e pudemos trazer mais investigação para os alunos. Os alunos prepararam-se mais neste sentido. Puderam ler e discutir artigos, ver o que os autores dizem etc. É mais fácil encontramos mais resistência nos professores já em formação contínua. (Mónica, maio 2017)

João Pedro e Mónica evidenciam elementos importantes: na formação inicial há maior disponibilidade por parte dos futuros professores para participarem do estudo de aula e para realizar atividades de natureza acadêmica (leitura e discussão de resultados de pesquisa); na formação contínua há possibilidade de os professores desenvolverem aprendizagens profissionais pelo fato de possuírem experiência profissional consolidada.

Além disso, os depoimentos revelam que a adaptação do estudo de aula à cultura do país trouxe alguns desafios. Um deles refere-se à existência de grupos de professores com disposição para se envolverem em estudos de aula. E esse desafio emerge muitas vezes do fato de os professores não conhecerem essa abordagem, conforme apontam João Pedro e Marisa:

[...] o primeiro desafio, a primeira questão, é encontrar um grupo de professores interessados em fazer o estudo de aula [...], porque as pessoas não conhecem o que é o estudo de aula, não sabem o que é, e depois, quando ouvem uma explicação, estranham, porque é um tipo de trabalho que nunca viram […]. Uma das questões tem a ver com o foco, quer dizer, ao invés de fazer um tópico porque não percorrer vários tópicos? Também estranham a questão de haverem muitos observadores a observar uma aula e de haver um professor a ser observado […]. Tudo isto cria alguma dificuldade em conseguir uma ampla aceitação para iniciar o estudo de aula. (João Pedro, maio 2017)

A primeira grande dificuldade que nós tivemos foi a aceitação de uma modalidade nova, que as pessoas não conhecem. Os professores, muitos deles são professores muito experientes e estão habituados àquele modelo de formação tradicional, do tipo conferências ou as palestras, em que vão para as sessões, e nas sessões ouvem o formador dizer o que de melhor se faz agora na investigação ou formação. (Marisa, abr. 2017)

Ambos enfatizam a reserva dos professores em aceitar uma perspectiva de formação de professores diferente, que à primeira vista lhes causa estranhamento. Ainda em relação à especificidade do estudo de aula, Marisa acrescenta o desafio de constituir um grupo colaborativo, uma vez que o trabalho em colaboração não faz parte da rotina do professor:

Depois tivemos dificuldade na constituição dos grupos. Na primeira sessão nós sentimos que as pessoas não estavam habituadas a trabalharem em conjunto, em grupo e, portanto, não formavam um grupo colaborativo; não há dinâmica de trabalho entre as pessoas, nem proximidade suficiente para as pessoas se sentirem à vontade para falar. (Marisa, abr. 2017)

Acerca da adaptação dos estudos de aula ao contexto educacional e cultural português, os depoimentos destacam que, para além de conhecer com profundidade a abordagem, seus pressupostos e sua dinâmica, é necessário conhecer com o mesmo aprofundamento as particularidades e as necessidades do meio em que se pretende desenvolver os estudos de aula, como forma de superar os desafios que surgem na sua concretização, sobretudo em relação à aceitação do próprio estudo de aula, e para viabilizar a sua dinamização. Além disso, à medida que se conhece a realidade em que se pretende desenvolver estudos de aula, tem-se a possibilidade de criar as condições para a sua realização. Esse aspecto mostra que o desenvolvimento dessa abordagem em outros contextos depara-se com desafios, os quais frequentemente pressupõem algumas adaptações.

AS ESPECIFICIDADES DA ABORDAGEM DE ESTUDOS DE AULA DESENVOLVIDA EM PORTUGAL

Os depoimentos revelam três importantes aspectos relativos aos estudos de aula dinamizados em Portugal: a abordagem exploratória, a realização de pequenas investigações sobre a prática e a concretização da colaboração.

A abordagem exploratória foi destacada como sendo a principal característica dos estudos de aula promovidos, aspecto este que embasa o planejamento da aula de investigação, a natureza das tarefas propostas para essa aula e, especialmente, a intervenção do professor que leciona a aula e promove a discussão coletiva em sala de aula:

Nós temos uma orientação que valoriza certas dimensões [do estudo de aula], nomeadamente as dimensões da didática da matemática, e, portanto, que incluem a seleção das tarefas com as quais os professores vão trabalhar, a forma da organização da sala de aula e a abordagem de ensino. Nós valorizamos a abordagem exploratória, a maneira como o professor conduz o trabalho na sala de aula, o tipo de comunicação, incluindo as discussões coletivas. (João Pedro, maio 2017)

A abordagem exploratória é referida também por Marisa ao relatar que essa perspectiva tem embasado diferentes processos formativos em Portugal e influenciado especialmente as experiências com os estudos de aula por eles promovidos:

Nós temos cá uma característica particular que faz parte do nosso design dos estudos de aula, que diz respeito à abordagem exploratória. No fundo, todos os nossos processos de formação, todos os nossos dispositivos de formação são desenvolvidos com uma base comum, que é a abordagem exploratória. [...]. Portanto usar tarefas no fundo está tudo encadeado na abordagem exploratória, não é? Usar tarefas um pouco mais abertas dá a possibilidade aos professores de promoverem discussões coletivas na sala de aula, e isso dá possibilidade de desenvolver-se o raciocínio matemático dos alunos. Portanto, todo este, esta tríade está sempre na base de todos os nossos processos formativos. (Marisa, abr. 2017)

No âmbito das experiências relatadas, a abordagem exploratória transcendeu os limites da aula de investigação envolvendo sobretudo os professores, permeando as etapas de planejamento da aula de investigação e revelando-se nas discussões entre os professores participantes sobre as tarefas a serem propostas aos alunos, assim como no aprofundamento dos tópicos curriculares estudados em cada ciclo de estudo de aula:

O desenvolvimento do conhecimento sobre a natureza das tarefas, a diferença entre problemas, exercícios, tarefas de investigação, explorações, está sempre na base do nosso trabalho [com os professores] porque é algo que a nossa comunidade precisa trabalhar sobre o que são essas diferentes tarefas, como que é que elas podem ser usadas e geridas [...]. Portanto, temos sempre uma grande preocupação com esta abordagem sobre as tarefas, sobre comunicação. [...], comunicação na sala de aula, [...] discussões coletivas. (Marisa, abr. 2017)

Assim, temos que a abordagem exploratória, em um espectro mais alargado, marcou a dinâmica dos estudos de aula referidos predominando em diversas etapas, mas, sobretudo, embasando o aprofundamento de tópicos curriculares pelos professores, em que conceitos eram discutidos e significados eram negociados entre os pares. Também permeou a aula de investigação, em que as tarefas propostas e a intervenção do professor favoreceram a discussão coletiva, a comunicação das ideias matemáticas dos alunos, a formulação e verificação de conjecturas e a formulação de conclusões.

Outro aspecto percebido nos depoimentos refere-se ao fato de o estudo de aula constituir-se em cenário para os professores participantes desenvolverem investigações sobre a prática, especialmente sobre a aprendizagem dos alunos. João Pedro detalha esse processo:

[Um aspeto que] parece que estamos a inaugurar é o facto do estudo de aula constituir uma investigação sobre a prática profissional, que é realizada de uma forma estruturada, com a colocação duma questão inicial, que é o ponto de partida para o trabalho. Depois,vem a fase de preparação de uma experiência em que os professores estudam diversos aspetos e a partir daí documentam-se sobre tarefas que são possíveis de propor, as dificuldades que os alunos poderão ter na abordagem daquele tema e as influências das orientações curriculares. Isto corresponde ao trabalho de preparação e de estudo que é feito numa investigação, tendo por base uma revisão de literatura e de conceptualização. Depois há a aula de investigação, que funciona um pouco como experiência em que se põe em prática uma dada conjetura sobre como promover a aprendizagem dos alunos. Isso é feito numa aula, situação em que é feita uma recolha de dados. Depois há a análise destes dados, a discussão, a reflexão que se faz a seguir. Portanto, trata-se de um trabalho correspondente a uma pequena investigação feita por aqueles professores e centrada na sua prática profissional. (João Pedro, maio 2017)

Mónica e Teresa explicitam o modo como esse aspecto é concretizado na formação inicial de professores enfatizando os momentos de aprofundamento de conhecimentos teóricos e sobre o conteúdo, seguido da minuciosa preparação do tópico da aula de investigação:

Temos a parte que é ver o que já foi feito na investigação acerca do tópico, depois das dificuldades dos alunos. E temos uma outra componente que é trabalharmos numa tarefa-diagnóstico, que é realizada na sala de aula. Em seguida, a preparação da aula sobre o tópico em si. Estas sessões de planeamento são sessões que demoram cinco, seis sessões de duas horas e trinta minutos. E segue-se a reflexão sobre este processo, em que os professores nos dizem o que aprenderam. (Mónica, maio 2017)

Eu diria que é um trabalho intenso e de muito pormenor [...]. Esse trabalho envolveu analisar o currículo, aprofundar o tópico, analisar artigos científicos sobre as conceções dos alunos no tópico, preparar tarefas para os futuros professores resolverem e selecionar textos adequados ao programa dos futuros professores e com utilidade no estudo de aula. Este trabalho preparatório é essencial para que as discussões durante as sessões possam ser produtivas e úteis para os futuros professores. (Teresa, março de 2017)

Além disso, os professores participantes tiveram a oportunidade de divulgar aquilo que observaram e aquilo que aprenderam em um evento nacional, experiência esta que lhes propiciou outras aprendizagens e outras reflexões sobre a experiência:

E esta escola do 3º ciclo também, naquele seminário nacional do projeto nós reservamos algum espaço para esta parte das experiências sobre estudos de aula. E foi um espaço que de facto resultou muito bem. (Mónica, maio 2017)

A divulgação daquilo que os professores experimentaram nos estudos de aula e daquilo que aprenderam no âmbito da pequena investigação sobre a prática que realizaram solicitou deles a sistematização dessas vivências, oportunizando-os refletir com outras pessoas sobre tais experiências, ampliando as discussões e a divulgação dessa abordagem para outros professores.

Concretamente, os estudos de aula têm-se constituído em contexto para os professores realizarem pequenas investigações sobre a prática profissional, experiência esta que, além de lhes oportunizar aprendizagens sobre os tópicos curriculares, sobre os elementos que influenciam esse ensino, ou seja, os resultados de pesquisas e as orientações nacionais, favorecem o desenvolvimento profissional. Essa experiência, em contrapartida, incide sobre a própria dinâmica do estudo de aula apresentando etapas e situações que são adequadas ou necessitam de modificações, assim como sobre a própria prática profissional do professor, quando este se sente impelido e disposto a modificá-la.

Relativamente à colaboração profissional, uma das características principais dos estudos de aula, verificamos que essa componente assumiu importante papel no âmbito das experiências desenvolvidas em Portugal, as quais abrangeram, primeiramente, a negociação do processo de viabilização dos estudos de aula com gestores da educação. E depois permearam as diversas etapas do ciclo de estudo de aula, as relações pessoais e profissionais entre os participantes do estudo de aula e os demais envolvidos e, especialmente, favoreceram a superação de algumas hierarquias associadas aos diferentes papéis assumidos pelos participantes nas escolas e no próprio estudo de aula.

O primeiro aspecto refere-se à natureza colaborativa da abordagem que, em princípio, influenciou as relações entre os professores participantes e os formadores que assumem o papel de dinamizar o estudo de aula, conforme ressalta João Pedro:

O estudo de aula é um processo fortemente colaborativo. E, portanto, todo estudo de aula, desde o princípio até o fim, é feito num ambiente colaborativo em que se estabelece uma relação de colaboração entre os participantes e os próprios dinamizadores. (João Pedro, maio 2017)

Marisa explicita os diferentes níveis de colaboração que marcaram as experiências em estudos de aula nas quais ela esteve envolvida e destaca especialmente a necessidade de superar algumas diferenças das responsabilidades e dos papéis assumidos pelos professores para que se estabeleça um nível de confiança favorável ao envolvimento de todos:

A questão da colaboração [envolve] vários níveis. Nós estamos a falar de um nível de colaboração que não é possível com a intervenção da universidade, [ou seja] todos os elementos estarem no mesmo nível de responsabilidade e participação. Havendo um grupo da universidade, há naturalmente ali uma certa responsabilidade extra neste grupo [...]. Portanto, não há aqui uma receita para isto, mas tem de haver um sentimento de confiança [porque] sem ter esta confiança para as pessoas exporem as suas dúvidas e seus problemas e para quererem, para participarem na discussão, eu diria que não há envolvimento. E daí dizer que se os professores participarem por vontade própria é uma ajuda fenomenal no desenvolvimento deste trabalho. (Marisa, abr. 2017)

Marisa ressalta a diversidade em um grupo colaborativo como um aspecto que pode favorecer o crescimento coletivo, entretanto enfatiza que as diferenças somente são superadas quando se estabelecer um nível de confiança entre todos. De maneira complementar, Teresa sublinha a natureza colaborativa dos estudos de aula e aponta a possibilidade de superação do individualismo nas práticas profissionais de professores, à medida que as decisões são negociadas pelo grupo e as ações são concretizadas coletivamente, de maneira partilhada e dialogada, em uma base de igualdade:

Nos estudos de aula, todo o trabalho se processa em colaboração, com o coletivo, ou seja, há recetividade para uma ampla discussão de diversos pontos de vista e valoriza-se a sua partilha e construção de novas ideias. [Na] experiência que tivemos, deparámo-nos com desafios. Os professores estão habituados a trabalhar sozinhos e têm perspetivas sobre o ensino vincadas e pessoais, e isso tem de ser negociado durante as sessões do estudo de aula. Isto processa-se através da negociação de ideias. Por vezes concorda-se, outras não. No final, há uma ideia que sobressai e que deve ser o resultado da partilha de ideias e construção de outras. (Teresa, mar. 2017)

Teresa enfatiza que o processo de negociação que embasou os ciclos de estudos de aula foi fundamental para a superação do individualismo:

No trabalho colaborativo, o modo de trabalhar o tópico com os alunos não é aquilo que um professor entende, é aquilo que o grupo entendeu ser o mais adequado. E o mesmo se refere aos materiais para os alunos usarem na aula. Tudo o que se desenvolve num estudo de aula sai, de facto, de decisões que são tomadas em grupo. E, portanto, o planeamento da aula, o modo de trabalhar com os alunos na aula e os materiais a usar na aula, tudo isso foi alvo de discussão entre todos, e eu acho que isso é uma grande mudança no modo de trabalhar dos professores. Sobretudo se levarmos em linha de conta que o seu trabalho é geralmente individual. E esse foi um dos grandes desafios. (Teresa, mar. 2017)

Ao aprofundar os aspectos marcantes dessas experiências, Mónica destaca que a colaboração entre os envolvidos pressupõe motivação por parte dos professores e, especialmente, colaboração dos gestores escolares, inaugurando a colaboração em outro nível, o qual envolve também os gestores das escolas e agrupamentos escolares:

Eu acho que uma coisa são as intenções da escola ou da direção, e outra coisa são as intenções dos professores. Sem dúvida que é necessário ter os professores envolvidos, porque, se os professores não estiverem motivados para fazer um estudo de aula, se enfrentarem problemas com os horários, ou se a própria direção da escola não tiver capacidade de reunir as condições para [que os professores participem do estudo de aula, isto] não vai resultar. E o que nós vimos [foi que todos estiveram muito envolvidos]! (Mónica, maio 2017)

Mónica ilustra esse aspecto com o exemplo de uma escola na qual os professores dispunham de espaço de tempo em sua carga horária de trabalho para o desenvolvimento das atividades do estudo de aula: “Nesta escola [...], o diretor tinha um espaço para os professores de matemática, no horário [da escola para] trabalharem em conjunto”. Outra dimensão da colaboração concretizada no âmbito dos estudos de aula desenvolvidos prende-se com a possibilidade de transpor algumas hierarquias:

Ainda sobre a colaboração dos professores, há uma outra questão, que são as questões de hierarquia, apesar de serem todos professores em serviço. E, portanto, quando não há um líder natural, que foi o caso, e há um elemento com vontade de liderança sem ser reconhecido por todos, criam-se situações que não são favoráveis ao desenvolvimento de um trabalho colaborativo. A partir do momento em que o líder passou a ser aceite, as coisas correram com mais ligeireza, com menos atrito. [Estas questões] foram ultrapassadas, mas existiram, e creio que foram sentidas por todos. Mas posso dizer que todos conseguiram gerir esta situação. Mas, de facto, houve a necessidade de o líder se afirmar. (Teresa, mar. 2017)

De maneira similar, nos ciclos de estudos de aula promovidos na formação inicial de professores, especificamente nas disciplinas de IPP, esse aspecto foi fundamental para o processo e contribuiu para as aprendizagens dos futuros professores:

Nós procurámos que os [futuros professores] durante as sessões se sentissem parte do grupo. Em todas as sessões foram encorajados a apresentar as suas ideias e a discutir e criticar as dos professores. As ideias dos futuros professores foram muito valorizadas e tidas em consideração por nós. Procurámos mitigar as hierarquias profissionais. [...]. Procurámos que os futuros professores desempenhassem papéis de igual para igual com os professores cooperantes [...]. Foi intencional durante as sessões mitigar hierarquias e fortalecer a confiança. Hierarquias, isso não existiu, ou seja, procurou-se que assim fosse. (Teresa, mar. 2017)

Portanto, relativamente aos ciclos de estudos de aula promovidos na formação inicial de professores, tanto na área da matemática quanto na de física e química, destacamos que esse processo se caracterizou por um aspecto diferente que resultou positivamente. Esse ponto diz respeito à participação de um professor cooperante, que é o professor efetivo de determinada escola e em determinados anos escolares, nos quais os futuros professores realizam as atividades relativas à IPP, incluindo-se o estágio supervisionado. A participação desse profissional concretizou a colaboração nas relações pessoais e profissionais em outro nível, que envolveu a todos em uma dinâmica de formação coparticipada. Por fim, a colaboração envolveu pessoas com distintos estatutos e diferentes motivações, em uma relação marcada pelo diálogo, pela negociação, confiança e superação de hierarquias, favorecendo o crescimento profissional de todos.

DISCUSSÃO

Relativamente à adaptação dos estudos de aula ao contexto educacional e cultura de Portugal, o estudo evidencia primeiramente que tem predominado o modelo estruturado em quatro etapas: definição de objetivos para a aula; planejamento e desenvolvimento da aula de investigação; e, por fim, reflexão sobre essa aula (Lewis, 2002; Stigler e Hiebert, 2009; White e Lim, 2008). Eventualmente, essa aula tem sido retomada, reformulada e aplicada novamente a outra turma de alunos, especialmente nos ciclos promovidos no âmbito das IPP. No caso da formação contínua, quando esse tem sido o encaminhamento, frequentemente esta etapa (seguimento) é acompanhada apenas pela equipe de professores que participa do estudo de aula, ou seja, sem a coordenação da equipe de professores-formadores.

Destaca-se, ainda, em relação à dinâmica dos ciclos de estudos de aula realizados a predominância de processos coordenados por uma equipe externa de professores-formadores (Ponte et al., 2016). Em todas as experiências relatadas havia uma equipe que assumia a tarefa de coordenar o ciclo, dinâmica esta que no contexto japonês dá lugar a grupos organicamente ativos e organizados no interior de uma escola ou pertencentes a escolas distintas, que prescindem a figura de um agente externo no papel de coordenador.

Além disso, a investigação mostra que a adaptação dos estudos de aula à realidade de Portugal solicita algumas pequenas modificações nas etapas dos estudos de aula (White e Lim, 2008), especificamente em relação ao número de sessões de planejamento de cada ciclo e dinâmica dos encontros. E essas especificidades, por sua vez, foram influenciadas pelos objetivos de cada ciclo de estudo de aula desenvolvido e pelos percursos formativos contemplados, formação inicial ou continuada (Ponte, 2016), concretizando, portanto, ciclos de estudos de aula com especificidade muito particular (Stigler e Hiebert, 2016).

Outro aspecto observado diz respeito à existência de ambientes favoráveis ao desenvolvimento de novas probabilidades formativas, como se deu com os estudos de aula. Há em Portugal uma cultura de colaboração entre distintos setores e instâncias educacionais, de modo que as proposições de ações formativas às vezes partem dos professores e dos agrupamentos escolares, outras vezes partem de pesquisadores e de instituições de formação, e outras, ainda, são iniciativas de gestores da educação ou agências de fomento. E essa cultura contribui para a existência das condições necessárias para o desenvolvimento dos estudos de aula nesse sistema educativo.

Ainda sobre a adaptação dos estudos de aula ao contexto educacional e cultural português, processo este que foi influenciado pelas particularidades e necessidades das realidades em que foram implementados (White e Lim, 2008), a análise apontou a necessidade de estudo sobre a abordagem e sobre o contexto. Além de conhecer com profundidade o estudo de aula, seus pressupostos e sua dinâmica, é necessário conhecer com o mesmo aprofundamento as particularidades e as necessidades da realidade em que se pretende desenvolvê-la, como forma de superar os desafios que surgem nesse processo, sobretudo em relação à aceitação do próprio estudo de aula, e para viabilizar a sua dinamização mediante a criação das condições necessárias para isso.

Acerca das especificidades dos ciclos de estudos de aula dinamizados, nomeadamente a abordagem exploratória, a realização de pequenas investigações sobre o ensino em sala de aula e a colaboração profissional, a análise destaca que esses aspectos têm assumido centralidade, caracterizando o estudo de aula promovido em Portugal. A abordagem exploratória oportunizou aos professores e aos futuros professores refletirem sobre o ensino em sala de aula, ao mesmo tempo em que levou os alunos a enfrentarem situações para as quais não possuíam um método de resolução imediatamente aplicável (Ponte, 2005; Ponte et al., 2014), ou seja, as tarefas exploratórias. E isso os levou a trabalhar em grupo para resolvê-las (Fujii, 2018), propondo e discutindo estratégias de resolução, comunicando suas ideias matemáticas. Ademais, colocou professores e futuros professores diante do desafio de estudarem e elaborarem tarefas matemáticas mais abertas, sem modos de resolução predefinidos, vivenciando a abordagem exploratória no seu percurso formativo, o que os levou a construir ou aprofundar a sua compreensão de conceitos, representações, procedimentos e ideias sobre os tópicos curriculares abordados nos ciclos de estudos de aula.

A abordagem exploratória também embasou a realização da discussão coletiva em sala de aula, na aula de investigação, à medida que o professor promovia a comparação e a discussão das resoluções dos alunos e sintetizava suas conclusões (Fujii, 2018). Nesse sentido, tanto os alunos na aula de investigação quanto os professores e futuros professores nas sessões de planejamento foram estimulados a envolverem-se e explorarem tarefas de natureza exploratória que os levaram a aprofundar os tópicos curriculares abordados nos estudos de aula, pois tais tarefas solicitavam que ideias, conjecturas, conclusões e generalizações fossem debatidas e sistematizadas nos momentos de discussão coletiva (Canavarro, 2011). No percurso de planejamento da aula de investigação, a abordagem exploratória concretizou-se mediante a exploração, concebida como uma forma de investigação, e da codificação, uma forma de exposição (Ruthven, 1989), uma vez que professores e futuros professores necessitavam explorar e compreender conceitos e propriedades que seriam abordados nas tarefas exploratórias e, em seguida, elaborassem coerentemente tarefas (situações abertas), contemplando esses conceitos e propriedades considerando as dificuldades dos alunos.

No que diz respeito à realização de pequenas investigações sobre o ensino no âmbito da aula de investigação em um estudo de aula, a análise mostrou que essa aula se constituiu em unidade de análise para representar os processos de ensino e aprendizagem concretizados nesta etapa (Stigler e Hiebert, 2009, 2016). O planejamento da aula de investigação oportunizou aos professores desenvolver conhecimentos inerentes aos ensinos com os alunos, sobretudo no domínio da didática, conhecimentos estes que se constituem mediante uma contínua postura meta-analítica, de questionamento da prática profissional, de interpretação permanente e realimentação contínua (Roldão, 2005).

A investigação iniciou com a formulação de uma questão de investigação (Ponte, 2008) relacionada à aprendizagem dos alunos (definição de objetivos para a aula de investigação). Envolveu momentos de aprofundamento de conhecimentos teóricos sobre essa questão, estudo sobre resultados de pesquisa, estudos sobre o currículo e a minuciosa preparação do tópico da aula de investigação, que se constituiu em uma prática colaborativamente orientada e desenvolvida, e contexto para o desenvolvimento de conhecimentos profissionais entre pares. E esses conhecimentos foram incorporados a uma prática (a aula de investigação), ressignificando-a. Esses conhecimentos foram retomados e aprofundados na etapa da reflexão em face da uma minuciosa e profunda discussão com os pares e/ou supervisores, oportunizando novas aprendizagens profissionais aos professores. Por fim, em alguns ciclos de estudos de aula, os conhecimentos desenvolvidos nesse processo retornaram à prática profissional na etapa do seguimento (follow up), de modo que os conhecimentos consolidados e os novos passaram a embasar essa prática, que pôde ser novamente investigada e discutida com os pares.

A colaboração profissional, envolvendo aspectos como cooperação, confiança, ajuda mútua, diálogo e supressão de hierarquias, concretizou-se perante as etapas dos estudos de aula realizadas em conjunto, oportunizando aos professores a possibilidade de aprofundar mutuamente os seus conhecimentos (Day, 1999), favorecendo a todos ― professores ou futuros professores, promovedores de estudos de aula, professores cooperantes, gestores escolares ― algum nível de crescimento profissional.

Um dos aspectos da colaboração evidenciado na análise é a confiança, a qual se desenvolveu mediante o respeito e o cuidado com as necessidades e interesses dos envolvidos, perpassando os níveis pessoal e profissional (Goulet e Aubichon, 1997). A confiança constituiu-se em condição essencial para que os envolvidos nos estudos de aula se sentissem à vontade para expor suas ideias e questionamentos (Boavida e Ponte, 2002), bem como aprofundar os conhecimentos sobre algum tópico, implementar um novo programa curricular (Ponte et al., 2014) e discutir e refletir sobre o trabalho que realizam em sala de aula. A análise mostra que esse aspecto foi fundamental para a aprendizagem dos participantes tanto no desenvolvimento na formação inicial quanto na formação contínua, pois promoveu o envolvimento de todos à medida que foram estimulados a participar, sentindo-se parte do processo.

Além disso, a realização de estudos de aula em Portugal envolveu negociação de objetivos, modos de trabalho e de relacionamento, prioridades e significados de conceitos fundamentais (Boavida e Ponte, 2002), elementos centrais nessa abordagem de desenvolvimento profissional e determinantes para a viabilização dos estudos de aula. A negociação que se verificou influenciou a partilha de poder e as expectativas relativas às hierarquias e aos papéis assumidos pelos diferentes sujeitos envolvidos nos estudos de aula (Christiansen et al., 1997), à medida que tudo foi cuidadosamente negociado. Os estudos de aula, tanto na formação inicial quanto continuada, envolveram uma ampla negociação, que se iniciou com a viabilização do processo com os gestores da educação pública em Portugal. Prosseguiu com uma criteriosa negociação com os professores participantes dos estudos de aula em diálogo com os gestores escolares, culminando com as condições para que cada ciclo de estudo de aula fosse realizado.

Da mesma forma, o diálogo favoreceu a concretização da colaboração à medida que solicitou a aceitação da voz de cada um, esta decorrente da experiência, e a consciência de que nenhuma ideia ou escolha é definitiva (Olson, 1997), constituindo-se em instrumento de confronto de ideias e de construção de novas compreensões (Christiansen, 1999). A análise mostra que a dinamização de estudos de aula tudo foi discutido intensamente no coletivo. Também a confiança e o diálogo oportunizaram a superação de algumas hierarquias e de estatutos assumidos naqueles grupos de professores. Por fim, possibilitou a superação do individualismo nas práticas profissionais de professores, conforme as decisões foram negociadas pelo grupo e as ações concretizadas coletivamente, de maneira partilhada e dialogada, em uma base de igualdade.

A análise aponta, portanto, que no âmbito dos estudos de aula os professores trabalharam conjunta e cooperativamente em base de igualdade, de modo que a confiança e a ajuda mútua os levaram a alcançar objetivos em que todos se beneficiaram (Boavida e Ponte, 2002), quer dizer, as aprendizagens profissionais. Em relação aos ciclos de estudos de aula promovidos na formação inicial de professores, a participação do professor cooperante concretizou a colaboração nas relações pessoais e profissionais em outro nível, que envolveu a todos em um processo de formação coparticipada.

CONCLUSÕES

O estudo mostra que é possível promover estudos de aula fora do Japão à medida que elementos culturais dos contextos em que essa abordagem é desenvolvida são levados em conta e por meio dos quais todo um ciclo é cuidadosamente planejado, concretizado, avaliado e reorganizado e novamente realizado. A adaptação dos estudos de aula em Portugal solicitou compreender tanto a abordagem original quanto a realidade educacional portuguesa, como uma forma de superar os desafios inerentes ao processo. Esses aspectos contribuíram especialmente para a criação das condições para que cada ciclo de estudo de aula fosse realizado, mostrando que a sua adaptação trouxe novas possibilidades de promover o desenvolvimento profissional de professores em Portugal.

Além disso, contribuiu para consolidar algumas compreensões sobre o desenvolvimento profissional docente, em cujas bases tomam lugar aspectos relativos à abordagem exploratória, a assunção de uma perspectiva de investigação dos atores sobre a sua própria prática profissional e a concretização da colaboração em distintos níveis e dimensões. A abordagem exploratória permeou o processo formativo concretizado por meio do estudo de aula à medida que os professores envolveram-se em uma investigação sobre os tópicos curriculares no decorrer das sessões de planejamento. A colaboração envolveu pessoas com distintos papéis e estatutos no decorrer do ciclo e, sobretudo, permeou todas as etapas, principiando com a negociação das condições com os gestores da educação, estendendo-se para além dos limites espaço-tempo do estudo de aula. A realização de pequenas investigações sobre o ensino e a aprendizagem em sala de aula foi viabilizada pela dinâmica dos estudos de aula, que se constituíram em cenário para os professores investigarem a própria prática, experimentarem uma nova prática (a aula de investigação), discutirem e refletirem sobre essa prática e sobre a aprendizagem dos alunos nesse momento e produzirem novas compreensões sobre esses processos (ensino e aprendizagem) mediante a reflexão com os pares e com os especialistas.

As experiências representam uma importante iniciativa de concretização do desenvolvimento profissional de professores, porque trazem para o campo da educação matemática e das ciências uma perspectiva diferente para se pensar e promover a formação docente: os estudos de aula. Além disso, têm oportunizado a consolidação de conhecimentos relacionados à implementação dessa abordagem em Portugal e sua disseminação para outras realidades do mundo ocidental. Entretanto, as discussões não se esgotam aqui, uma vez que há muitos aspectos e processos intervenientes no desenvolvimento profissional de professores em face dos estudos de aula que precisam ser investigados em maior profundidade. Da mesma forma, precisamos compreender melhor como essa abordagem se concretiza em realidades distintas do Japão e o que podemos aprender com ela.

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1 “A formação inicial nos cursos de mestrado no Instituto de Educação tem quatro disciplinas semestrais de iniciação à prática profissional (IPP). Ou seja, a iniciação a prática profissional pretende ser a integração progressiva do formando na escola [...] e a interligação entre teoria e prática. Portanto, não é só a imersão do formando na escola, durante a faculdade, por isso temos... nos dividimos em quatro semestres e temos essa interligação mais estreita. [E] foi neste contexto, na iniciação à prática profissional, que nós desenvolvemos os estudos de aula na formação inicial, no primeiro semestre em que temos IPP1” (Mónica, maio de 2017).

2 Estudos relativos à aprendizagem matemática dos alunos, promovida com base na abordagem dos estudos de aula, estão sistematizados em trabalhos publicados pelos colaboradores desta investigação, nomeadamente: João Pedro da Ponte, Mónica Baptista, Marisa Quaresma e Teresa Conceição. Nesta análise não contemplamos esse aspecto por escapar ao objetivo do texto. Destacamos, porém, que essa é uma temática pouco apresentada nas pesquisas sobre estudos de aula no Brasil.

3 Designação atribuída ao professor efetivo de determinada unidade escolar que aceita receber e orientar um estudante do mestrado em ensino em seu processo de imersão profissional na escola.

Recebido: 24 de Setembro de 2019; Aceito: 22 de Abril de 2020

Adriana Richit é doutora em educação matemática pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). E-mail: adrianarichit@gmail.com

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