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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.25  Rio de Janeiro jan./dez 2020  Epub 25-Nov-2020

https://doi.org/10.1590/s1413-24782020250059 

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Transformando o território: a importância da universidade de integração latino-americana para a cultura na tríplice fronteira Brasil-Paraguai-Argentina

TRANSFORMANDO EL TERRITORIO: LA IMPORTANCIA DE LA UNIVERSIDAD DE INTEGRACIÓN LATINOAMERICANA PARA LA CULTURA EN LA TRIPLE FRONTERA BRASIL-PARAGUAY-ARGENTINA

IUniversidade Estadual do Oeste do Paraná, Foz do Iguaçu, PR, Brasil.

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.


RESUMO

O foco deste trabalho está na reflexão sobre o processo de transformação promovido pela instalação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana na cidade de Foz do Iguaçu (PR), evidenciando a transversalidade entre políticas educacionais e culturais e o impacto no desenvolvimento regional. Fronteiras foram objeto de políticas públicas, na maioria das vezes, sob a ótica da segurança e da soberania nacional. Assim, a inexistência de políticas voltadas ao desenvolvimento das cidades que compõem a chamada faixa de fronteira só se alterou recentemente. A universidade, constituída em 2010, já sofre questionamentos quanto à sua existência. O ensaio argumenta a importância das cidades da fronteira para o desenvolvimento econômico, educacional e cultural, promovendo a diversidade e a sustentabilidade. No artigo são explorados os conceitos de território, fronteira e diversidade cultural, focando de modo ilustrativo em experiências do cinema independente realizado na região.

PALAVRAS-CHAVE: território; fronteira; cultura; educação; Universidade Federal da Integração Latino-Americana; diversidade

RESUMEN

El objetivo de este trabajo es reflexionar sobre el proceso de transformación promovido por la instalación de la Universidade Federal da Integração Latino-Americana en la ciudad de Foz do Iguazú (PR), destacando la transversalidad entre las políticas educativas y culturales y el impacto en el desarrollo regional. Las fronteras fueron objeto de políticas públicas, la mayoría de las veces, desde la perspectiva de la seguridad y la soberanía nacional. Recién en los últimos años aparecieron políticas destinadas al desarrollo de las ciudades que conforman la denominada Franja Fronteriza. La universidad establecida en 2010 ya sufre cuestionamientos sobre su existencia. El ensayo argumenta la importancia de las ciudades fronterizas para el desarrollo económico, educacional y cultural que promueve la diversidad y la sostenibilidad. El artículo explora los conceptos de territorio, frontera y diversidad cultural, enfocándose ilustrativamente en experiencias de cine independiente en la región.

PALABRAS CLAVE: territorio; frontera; cultura; educación; Universidade Federal da Integração Latino-Americana; diversidad

ABSTRACT

The focus of this work is on the reflection on the transformation process promoted by the installation of the Universidade Federal da Integração Latino-Americana in the city of Foz do Iguaçu (PR), highlighting the transversality between educational and cultural policies and the impact on regional development. Borders are the subject of public policies, typically from the perspective of security and national sovereignty. Thus, the absence of policies aimed at the development of the cities that constitute the so-called Border Strip has only recently changed. The university established in 2010 is already questioned about its existence. This essay argues the importance of frontier cities for economic, educational, and cultural development, promoting diversity and sustainability. The article explores the concepts of territory, border, and cultural diversity, illustratively focusing on the experiences of independent cinema held in the region.

KEYWORDS: territory; border; culture; education; Universidade Federal da Integração Latino-Americana; diversity

INTRODUÇÃO

A discussão sobre políticas de fronteira não é recente, embora o assunto tenha sido por muito tempo analisado unicamente sob a ótica da segurança pública, ou seja, focado na independência e soberania nacional, como se observa na Lei nº 6.634, de maio de 1979, que dispõe sobre a faixa de fronteira (FF) e a segurança nacional (Brasil, 1979). Para Krüger et al. (2017), as FF experimentaram um processo histórico de marginalização das políticas de desenvolvimento do Estado e, apenas em 2004, tornaram-se alvo da promoção de políticas públicas de desenvolvimento. No fim de 2008, a Comissão de Educação e Cultura aprovou a criação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), com sede na cidade de Foz do Iguaçu, Paraná.

A criação da UNILA está diretamente relacionada ao Mercado Comum do Sul (Mercosul), que, desde a década de 1990, concebe a educação como estratégica na integração regional, tendo sido criado o Setor Educacional do Mercosul (Anastásia et al., 2008). No bojo desse papel estratégico, estava o desejo de que “a integração regional implicasse o respeito à diversidade cultural dos povos da América Latina, assim como o compromisso com o desenvolvimento econômico sustentável, entendido como indissociável da justiça social e do equilíbrio do meio ambiente” (Corazza, 2010, p. 83).

A região da tríplice fronteira Brasil-Paraguai-Argentina é marcada pela multiculturalidade, propiciando um ambiente singular para interações e para o desenvolvimento cultural, principalmente com a implantação da UNILA. Tendo por base uma pesquisa qualitativa que investigou as trajetórias de grupos produtores de cinema independente na região (Oderich, 2019), foi possível identificar a importância da UNILA para, direta e indiretamente, ajudar a florescer a produção cinematográfica e o acesso à cultura na tríplice fronteira. Com o seu estabelecimento, a UNILA passou a assumir protagonismo em avanços na área da cultura, evidenciando a transversalidade entre políticas educacionais e culturais, o que torna possível a transformação do território por meio da presença da universidade.

Este artigo constitui, portanto, um ensaio teórico que objetiva refletir sobre a importância da UNILA para o desenvolvimento cultural na região da tríplice fronteira Brasil-Paraguai-Argentina. A identificação do impacto de políticas educacionais na cultura respalda na importância da manutenção dessas instituições públicas em suas ações e projetos, além de inspirar novas formas de apoio.

A criação de uma estrutura organizacional voltada para estratégias e táticas de gestão cultural na própria universidade, bem como de políticas públicas culturais voltadas para a fronteira tendo a universidade como epicentro, pode fortalecer a preservação e a promoção da diversidade cultural.

Considerando-se que a promoção da cultura ajuda na visibilidade e no reconhecimento da diversidade cultural, a universidade, seja por meio do ensino, seja mediante investimentos em pesquisas e/ou projetos de extensão, possibilita a criação de parcerias e integração regional.

A multiplicidade dos focos de produção artística e cultural significa que as comunidades de regiões distantes de grandes centros, a exemplo da fronteira, podem ter as suas características e o seu espaço valorizados. Referência no estudo sobre novos padrões de consumo e circulação de bens culturais, Canclini (2013) alega que, por intermédio de recomposições e alianças, se quebrou a sequência de poucas “capitais da arte”. O autor afirma que na economia, na arte e na política não há bipolaridade, mas uma distribuição instável de focos onde se exerce o poder.

Almeida (2018) afirma que as fronteiras deixaram de ser consideradas periferia, podendo ser vistas como territórios de integração cultural, com “singularidades e diversidades culturais, caracterizados pela memória e gastronomia comuns, pelo bilinguismo, por literaturas híbridas, por atividades transfronteiriças” (Almeida, 2018, p. 260). Para o autor, essa realidade ainda não é reconhecida a ponto de haver políticas de integração, em função da centralização das políticas nas capitais e da busca de respostas às demandas de infraestrutura, de economia e segurança.

É necessário superar a ideia de fronteira como um marco que limita e separa, passando para a ideia de fronteira como um território. Ou seja, está ligada ao territorializar-se, que, na concepção de Haesbaert (2004, p. 97), “significa criar mediações espaciais que nos proporcionem efetivo ‘poder’ sobre nossa reprodução enquanto grupos sociais (para alguns também enquanto indivíduos), poder este que é sempre multiescalar e multidimensional, material e imaterial, de ‘dominação’ e ‘apropriação’ ao mesmo tempo”. Assim, Pesavento (2006) destaca que o conceito de fronteira se relaciona com princípios de reconhecimento, de percepção de alteridade e de identidade.

A DIVERSIDADE CULTURAL E O ACESSO À CULTURA

A expressão diversidade cultural pode ter vários significados. Por exemplo, pode ser entendida como positiva no sentido de representar um intercâmbio de diferentes culturas do mundo em processos de união, de troca, de diálogo, ou as diferenças podem ser vistas como desencadeadoras de conflitos, fazendo-nos perder o sentido do que nos une como seres humanos. Onde há riqueza de troca cultural, também há espaço para tensões e busca por identidade. O Relatório Mundial da Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de 2009 coloca o desafio de uma perspectiva coerente da diversidade cultural como dimensão essencial do diálogo intercultural e possivelmente benéfica para a ação da comunidade internacional.

A diversidade cultural é, antes de mais nada, um fato: existe uma grande variedade de culturas que é possível distinguir rapidamente a partir de observações etnográficas, mesmo se os contornos que delimitam uma determinada cultura se revelem mais difíceis de identificar do que, à primeira vista, poderia parecer. A consciência dessa diversidade parece até estar sendo banalizada, graças à globalização dos intercâmbios e à maior receptividade mútua das sociedades. Apesar dessa maior tomada de consciência não garantir de modo algum a preservação da diversidade cultural, contribuiu para que o tema obtivesse maior notoriedade. (UNESCO, 2009, p. 5)

Para tratar cultura e diversidade, busca-se uma perspectiva de contextos construídos histórica e politicamente, considerando o diverso mantido na sua diferença, não em anulação. Na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, cujo texto foi ratificado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 485/2006, diversidade cultural refere-se à “multiplicidade de formas em que se expressam as culturas dos grupos e das sociedades” (UNESCO, 2005, p. 6), com transmissões entre os grupos e as sociedades e dentro deles. O enriquecimento e a transmissão do patrimônio cultural da humanidade ocorrem na variedade das expressões culturais, dos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição de cultura, por diferentes meios e tecnologias. O conteúdo cultural representa o caráter simbólico, de valores e arte que têm origem ou que expressam uma identidade cultural, o que se deseja proteger, na busca por preservar e valorizar a diversidade.

Atividades, bens e serviços culturais refere-se às atividades, bens e serviços que, considerados sob o ponto de vista da sua qualidade, uso ou finalidade específica, incorporam ou transmitem expressões culturais, independentemente do valor comercial que possam ter. As atividades culturais podem ser um fim em si mesmas, ou contribuir para a produção de bens e serviços culturais. (UNESCO, 2005, p. 7)

Na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da Unesco (2002) é apresentada a diversidade cultural como patrimônio comum da humanidade, este constituído de formas diversas ao longo do tempo e do espaço, manifestando-se na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam diferentes grupos e sociedades. A diversidade pode ser fonte de intercâmbio, de inovação e de criatividade. No relatório, também é destacado o pluralismo cultural atrelado a um contexto democrático e de defesa da dignidade humana.

Desse modo, a declaração implica a defesa da ética e do respeito aos direitos humanos, especialmente das pessoas que pertencem a minorias e aos povos autóctones. Autóctones são aqueles que viviam em um território antes da sua colonização por outro povo, ou que não se identificam com o povo que os coloniza, a exemplo dos povos nativos guaranis da tríplice fronteira.

No documento, salienta-se que os direitos culturais fazem parte dos direitos humanos universais, o que significa que toda pessoa pode expressar-se, criar e difundir suas obras no idioma que desejar; toda pessoa deve (ou deveria) ter acesso à educação de qualidade e com respeito à sua identidade cultural; toda pessoa pode participar da vida cultural e exercer as práticas culturais de sua escolha, nos limites do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.

Haja vista o Artigo 6 da declaração supracitada, ressalta-se a importância da liberdade de expressão em palavra e imagem, considerando que todas as culturas podem se expressar e se fazer conhecidas, com pluralismo dos meios de comunicação e acesso às expressões artísticas, ao conhecimento científico e tecnológico.

Artigo 6 - Rumo a uma diversidade cultural accessível a todos

Ao assegurar a livre circulação das ideias através da palavra e da imagem, deve-se zelar para que todas as culturas se possam expressar e dar a conhecer. A liberdade de expressão, o pluralismo dos meios de comunicação, o multilinguismo, a igualdade de acesso às expressões artísticas, ao conhecimento científico e tecnológico - inclusive em formato digital - e a possibilidade, para todas as culturas, de estar presente nos meios de expressão e de difusão, são garantias de diversidade cultural. (UNESCO, 2002, p. 3-4)

A mesma declaração aponta, no Artigo 8, para a importância da oferta criativa e do justo reconhecimento dos direitos dos autores e artistas e dos bens e serviços culturais, portadores de identidade, de valores e de sentido e que, portanto, não devem ser considerados como mercadorias ou bens de consumo como os demais. Nesse artigo, percebe-se a clara contraposição à visão da indústria cultural quando esta é entendida no sentido da mercantilização da arte.

Curiosamente, o Artigo 10 explicita os desequilíbrios no fluxo e no intercâmbio de bens culturais em escala mundial, reforçando a ideia de que a cooperação e a solidariedade internacionais estabelecem “indústrias culturais” viáveis e competitivas nos planos nacional e internacional, o que à primeira vista coloca esses bens culturais como mercadoria, ou seja, em aparente contradição ao apresentado no Artigo 8. O Artigo 11 reforça a importância do fortalecimento de “políticas públicas, em parceria com o setor privado e a sociedade civil” (UNESCO, 2002, n.p.), para a preservação e a promoção da diversidade cultural.

Observa-se que é um tema complexo, a considerar o próprio conceito de cultura. Segundo consenso na Declaração da Cidade do México sobre Políticas Culturais de 1982, cultura é

o conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarca, para além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças (apudUNESCO, 2009, p. 6).

É uma definição ampla de cultura. O conceito de culturas traz a ideia de entidades que tendem a se definir em relação às outras. Já o termo civilização se refere a culturas que afirmam seus valores ou visões de mundo como universais e, assim, assumem uma postura expansionista em relação àquelas que não partilham da sua visão, o que dificulta a coexistência pacífica de diferentes centros de civilização. O conceito de civilização pode ser entendido como um processo em curso no sentido de conciliação de culturas do mundo, com reconhecimento de sua igual dignidade. As sociedades vão se modificando em um processo dinâmico, e o conceito de diferença é relevante, pois, ainda que se modifique, dada cultura permanece, e são importantes políticas públicas que “confiram uma inflexão positiva a estas diferenças culturais, de modo a que os grupos e as pessoas que venham a entrar em contato, em lugar de se entrincheirarem em identidades fechadas, descubram na diferença um incitamento para continuar a evoluir e a mudar” (UNESCO, 2009, p. 6, grifos do original). Por essa visão, torna-se necessário definir políticas reforçando o respeito às diferenças, mesmo que a interação dinâmica seja um convite mútuo a mudanças.

A identidade nacional é uma construção alicerçada num passado em movimento, mas que proporcionou um ponto de referência no sentimento de partilha de valores comuns. A identidade cultural é um processo mais fluido que se transforma por si mesmo e deve ser considerado não tanto como herança do passado, mas como projeto de futuro. Num mundo cada vez mais globalizado, as identidades culturais provêm frequentemente de múltiplas fontes; a plasticidade crescente das identidades culturais é um reflexo da complexidade crescente da circulação mundializada de pessoas, bens e informação. Num contexto multicultural, há quem tenha decidido adotar uma determinada forma de identidade, enquanto outros optaram por uma dualidade, e outros mais escolheram criar identidades híbridas para si próprios (UNESCO, 2009, p. 9).

Cultura, portanto, tem dois significados diferentes e indissociáveis: a diversidade criativa em culturas específicas, com expressões e tradições, e cultura como instinto criativo, que está na origem da diversidade de culturas. Segundo o Relatório Mundial da UNESCO (2009, p. 11), “descrever como linhas de fratura as diferenças entre as culturas significa ignorar a permeabilidade das fronteiras culturais e o potencial criativo que nelas exercem os indivíduos”. Por esse olhar, o diálogo intercultural não é visto como uma perda, mas como um movimento que pode fortalecer o autoconhecimento e a empatia, no sentido de perceber as próprias referências culturais e aceitar e compreender outros conjuntos de referências, o que pode ser bom no sentido de fortalecer a autonomia que permita a interação, sem perda da identidade.

As políticas públicas podem ajudar no sentido de garantir condições para a expressão, o diálogo e a consciência da dignidade, o que contribui para a autodeterminação dos povos. A palavra interculturalidade refere-se “à existência e interação equitativa de diversas culturas, assim como à possibilidade de geração de expressões culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo” (UNESCO, 2005, p. 7).

A UNILA NA REGIÃO DA TRÍPLICE FRONTEIRA

A fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, cujas respectivas cidades são Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e Puerto Iguazú, está fora dos grandes centros. Na região, há a bela confluência dos rios Paraná e Iguaçu, que definem as três margens, e há pontes ligando as terras desses três países. Desde 1965, a Ponte da Amizade une as terras de Paraguai e Brasil, enquanto a Ponte da Fraternidade une Brasil e Argentina. As palavras amizade e fraternidade estão presentes na vinculação desse território de natureza exuberante, que, ao longo do tempo, se constituiu como um cenário de sociabilidade, como um espaço de coexistência entre guaranis, nativos das cidades fronteiriças, estrangeiros e turistas.

Do ponto de vista sociocultural, a região formou-se, ao longo da história, com a chegada de pessoas de diversos povos e comunidades, perfazendo, atualmente, cerca de 70 etnias em convivência, a exemplo de brasileiros, paraguaios, argentinos, franceses, uruguaios, orientais, ingleses, libaneses e latino-americanos de diversos países. Desde 1989, a tríplice fronteira possui uma empresa binacional constituída de Brasil e Paraguai, a Usina Hidrelétrica de Itaipu, e dois belos parques turísticos, o Parque Nacional do Iguaçu, no Brasil, e o Parque Nacional Iguazú, na Argentina.

No livro Foz do Iguaçu intercultural: cotidiano e narrativas da alteridade, Oliveira (2012) apresenta metaforicamente a cidade de fronteira como um poliedro irregular, no sentido de expressar um fenômeno que tem muitas faces, interpretações e representações, e as faces, além de múltiplas, são diferentes. Múltiplas culturas, cotidianos, temporalidades e espacialidades, “abandonando linearidades ou fronteiras definitivas” (Oliveira, 2012, p. 17). A cidade seria um “lugar não lugar”, situando-se em oposição a lugares identitários e históricos em seu sentido primário.

Apontada como local ideal para a instalação da sede do Parlamento do Mercosul, a cidade de Foz do Iguaçu tem se mostrado muito além de um centro turístico e logístico. “A cidade, que já foi chamada de fim de linha por estar em um dos extremos de um país continental, hoje é considerada ponto estratégico para integração de outras nações e povos” (Paro, 2016, p. 210).

Quando analisamos a apresentação da cidade pelas autoridades oficiais, como a Prefeitura de Foz do Iguaçu, são destaque a concepção e construção de uma imagem de diversidade cultural. Assim, salienta-se que, “com cerca de 260 mil habitantes, Foz do Iguaçu é caracterizada por sua diversidade cultural. São aproximadamente 80 nacionalidades” (Foz do Iguaçu, 2019). O site da prefeitura ainda ressalta, baseando-se em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2013, que a cidade congrega 80 das 192 nacionalidades existentes. Ou seja, 42% das nacionalidades do mundo estão presentes ali.

Assim, Nogueira e Clemente (2011, p. 6) asseguram que a “história social propiciou a formação de uma configuração cultural específica, marcada por contatos interculturais que permitem pensar hibridismo, interação social e relações interétnicas”. É importante dizer que não estamos afirmando a existência de uma harmonia social e interétnica, mas é uma constatação a existência de múltiplas culturas e etnias. Esse aspecto é utilizado por autoridades oficiais (como destacado anteriormente), sites de turismo e empresas para captar recursos financeiros, atrair empresas ou pessoas para a cidade e região.

Em 2010, foi implantada em Foz do Iguaçu a Universidade Federal Brasileira de Integração Latino-Americana, a UNILA, que tem por vocação “ser uma universidade que contribua para a integração latino-americana, com ênfase no Mercosul, por meio do conhecimento humanístico, científico e tecnológico, e da cooperação solidária entre as instituições de ensino superior, organismos governamentais e internacionais” (UNILA, 2019). A UNILA “está estruturada com uma organização inovadora e uma concepção acadêmico-científica aberta aos avanços científicos, humanísticos e culturais atuais e futuros”, com uma perspectiva voltada para a construção de sociedades sustentáveis, “fundadas na identidade latino-americana, na sua diversidade cultural, e orientadas para o desenvolvimento econômico, para a justiça social e para a sustentabilidade ambiental” (UNILA, 2019). Assim, almeja-se colaborar com a integração cultural e econômica e com o intercâmbio científico e tecnológico na região. Esse é até mesmo um dos motivos de a universidade estar implantada fisicamente em uma tríplice fronteira, o que favorece os intercâmbios.

Defendemos pensar a fronteira com base em uma nova concepção de territorialização, isto é, da possibilidade da construção de territórios “no e pelo movimento, em ‘territórios-rede’ descontínuos e sobrepostos, superando em parte a lógica político-territorial zonal mais exclusivista do mundo moderno” (Haesbaert, 2004, p. 97-98). Buscamos, portanto, compreender a fronteira como um universo político, econômico e cultural, que pela sua própria condição fronteiriça possui uma comunidade de agentes que são semelhantes e diferentes simultaneamente. Como Pesavento (2006, p. 11) afirma, implica “ser um e ser dois ao mesmo tempo, ser si próprio e ser o outro”.

No que se refere ao curso de cinema, as ideias de diversidade cultural, alteridade e identidade expressam-se no próprio projeto pedagógico, como destacado a seguir:

O seu compromisso transcende reduções particularistas, tendo assim a pretensão de edificar-se e de ser referência para indicar e induzir caminhos que conduzam ao respeito mútuo e à reciprocidade de expectativas. Numa sociedade do conhecimento, a universidade precisa ampliar e fortalecer a sua tradição de referência. E, só o fará, à medida que conseguir reinventar-se e reconstruir-se à altura das incertezas e inseguranças que marcam nosso tempo. No contexto da América Latina, essa condição sobressai visivelmente tanto em decorrência da história da colonização do continente, como do papel que se reserva ao continente para o avanço da democracia e da cultura de paz. (UNILA, 2018, p. 5, grifos nossos)

Desse modo, aos poucos, pode-se observar a criação de condições técnicas e humanas que contribuem significativamente para o aumento da oferta de eventos, atividades, cursos e da produção cultural na região. O projeto pedagógico do curso de Cinema da UNILA salienta a cultura da paz e a democracia. Isto é, funciona como indutor de atividades e projetos que trabalham com valores como o respeito mútuo e a reciprocidade.

Para Klotzel (2006, p. 2), “o cinema, como atividade industrial que tem conteúdo cultural, é a conciliação do pensamento objetivo da indústria, com o subjetivo da criação artística”. A teia de relações complexas e contraditórias que constitui as relações entre Estado, produtores, distribuidores e exibidores se expressa em diferentes aspectos, seja ele na política cultural, seja na disputa do que é cinema, seja nos modos de produção, seja na atuação política dos cineastas e demais atores.

O CINEMA E A TRANSFORMAÇÃO DO TERRITÓRIO: MOVIMENTOS QUE NASCERAM NA UNILA

Um exemplo de movimento territórios-rede do ponto de vista cultural na região fronteiriça e que nasceu na UNILA foi o 3 Margens - Festival Latino-Americano de Cinema, o qual conseguiu conjuminar produtores independentes e comunidade regional em exibições, oficinas e diversas atividades voltadas ao cinema independente. Já ocorreram três edições do festival, em 2017, 2018 e, a mais recente, em 2019. A expressão nasceu indica que o festival surgiu do encontro e da mobilização de acadêmicos do curso de Cinema na época, agora já profissionais formados, que almejavam construir um espaço cultural integrador para o fortalecimento do cinema independente da região.

A primeira edição ocorreu de 14 a 22 de setembro de 2017, juntamente com o 13º Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual (FORCINE), evento que congrega e representa as instituições e os profissionais brasileiros dedicados ao ensino de cinema e audiovisual, filiado à Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação e que foi de 20 a 23 de setembro de 2017. Assim, o Festival 3 Margens foi concebido no ambiente da UNILA, por meio de acadêmicos de Cinema e apoiado pela instituição, com várias atividades realizadas na sede física da universidade, a qual esteve presente de forma significativa nessa construção.

O festival tem em sua concepção a gratuidade e apresenta um formato original, já que é realizado em parceria e com atividades paralelas nos três países, nas cidades de Puerto Iguazú, Ciudad del Este e Foz do Iguaçu. Além das mostras competitivas de curtas-metragens e mostra convidada de longas-metragens, o festival ofereceu, nas duas edições já realizadas, cursos, debates e oficinas na área de cinema, eventos culturais e confraternizações, sendo um espaço de difusão, criação e troca de experiências entre jovens realizadores do cinema regional e latino-americano. Entre os objetivos mencionados pelo grupo, está a descentralização do cinema das capitais, colocando a tríplice fronteira no cenário internacional do cinema independente. A terceira edição manteve a concepção do festival, tendo alunos do curso de Cinema da UNILA como membros da equipe e professores na curadoria dos filmes, e recebeu mais de 600 filmes de toda a América Latina, número maior do que em 2018 e, destes, mais de 60 foram selecionados e exibidos.

A universidade constitui o ambiente, o espaço e a estrutura que propiciou o encontro dos integrantes do grupo e, também, destes com professores, projetos, fontes de conhecimento e outros profissionais de atuação complementar ou correlata. Trata-se, ainda, de espaço de amizade, de aprendizado, de referências profissionais, de busca por afinidades e pela construção das bases profissionais e de experiências conjuntas.

Na primeira edição houve o chamado Cine Bairro, com exibições, oficinas e debates realizados em escolas e bairros, buscando ampliar o acesso da população ao evento. Ademais, houve o Cine Terminal, no Terminal de Transporte Público Urbano, por intermédio de exibições de curtas-metragens de 1 minuto, em parceria com o Festival do Minuto, este criado em 1991 para o exercício da síntese em trabalhos cinematográficos com duração máxima de 60 segundos. Essas iniciativas demonstram a pretensão do evento de ter viés tanto educativo quanto de democratização do acesso ao cinema.

A segunda edição aconteceu entre os dias 23 e 27 de outubro de 2018, com a coordenação de curadoria de Maurício Ferreira, sendo o próprio festival uma produção independente da 3 Margens em parceria com as salas de cinema Cine Cataratas (Brasil), Cine Art! (Paraguai) e Espacio INCAA Iguazú (Argentina). Na segunda edição, somaram-se apoios do Sudacas Bar, do Bad Ass Café, da Sazonal Alimentos Naturais da Terra, do Restaurant Rustiquiana, da Escuela Superior de Bellas Artes (ESBA), do Shopping Paris PY, do Teko Hostel, da Iguazú Turismo Ente Municipal (ITUREM) e do Instituto de Artes Audiovisuales de Misiones e la Municipalidad de Puerto Iguazú (IAAviM). Foram 563 filmes inscritos, de toda a América-Latina, dos quais 21 foram selecionados e divididos em três mostras: Corpo Território, Entre Rios e Afluentes.

O trabalho conjunto para a realização do Festival 3 Margens propiciou amizades e parcerias de trabalho entre produtores da Argentina e do Brasil, além de contribuir para a formação de público para o cinema independente dos três países (Oderich, 2019). Se considerarmos que 93% das pessoas buscam entretenimento e lazer no cinema (Dahl, 2016), é possível entender o público restrito de filmes com temáticas e estilos independentes que exigem, por vezes, alguns referenciais de conhecimento para serem entendidos e discutidos.

Se por um lado a Argentina é considerada um país com alguma tradição na cultura, o Paraguai foi denominado pelo escritor Augusto Roa Bastos de “uma ilha rodeada de terra”, segundo Gamarra (2011), levando em conta características como a introversão sociológica e cultural.

Por exemplo, no campo do cinema, as únicas salas que operavam regularmente no interior do Paraguai até 2011 estavam em Ciudad del Este. Mas o país tem avançado no setor, especialmente a partir de junho de 2018, com a promulgação da Lei de Promoção ao Audiovisual, chamada pelos produtores como Lei do Cinema. A Lei de Fomento ao Audiovisual do Paraguai nº 6.106 criou o Instituto Nacional do Audiovisual Paraguaio (INAP,) o Conselho Nacional do Audiovisual e o Fundo Nacional do Audiovisual Paraguaio (FONAP). O país tem participado, também, da Reunião Especializada das Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do Mercosul (RECAM).

Outro exemplo de integração foi a realização do filme Do amor: pequenas coisas (2015), com profissionais dos três países e dirigido por Fran Rebelatto, professora do curso de Cinema da UNILA. O filme foi gravado em Foz do Iguaçu e uma coprodução Brasil (VisionArt) e Argentina (Productora de La Tierra).

Essas iniciativas vão ao encontro dos objetivos da UNILA e do curso de Cinema da instituição. Este último tem no seu projeto pedagógico pautar “sua atuação pela ênfase no intercâmbio acadêmico e na cooperação solidária com os países do Mercosul e com os demais países da América Latina” (UNILA, 2018, p. 5).

A Fundação Cultural de Foz do Iguaçu tem papel importante nessa análise do ponto de vista da gestão cultural no território. A Lei nº 3.645, de 10 de dezembro de 2009, instituiu o Sistema Municipal de Cultura (SMC) de Foz do Iguaçu, apresentando diretrizes para as políticas públicas. Segundo a lei, competia à Fundação Cultural de Foz do Iguaçu formar uma comissão constituída de representantes de entidades culturais para acompanhar e apoiar câmaras temáticas com vistas à realização de um fórum setorial.

Em entrevista, Joaquim Rodrigues da Costa, conhecido como Juca Rodrigues, diretor presidente da Fundação Cultural, expôs que o Sistema Nacional de Cultura estabelece os marcos legais, as conferências e os conselhos de cultura a serem criados. Foz do Iguaçu tem um Conselho Municipal de Cultura composto de entidades e do governo, e a contribuição dos profissionais da cultura tem se intensificado com a presença da universidade, tanto por causa dos profissionais e professores que vieram à região para atuar na UNILA quanto pelos profissionais formados, muitos dos quais optam por permanecer e buscar um ambiente de trabalho na região.

O movimento de integração entre artistas, professores, empresas e o poder público é a trajetória almejada para a construção e o desenvolvimento de projetos culturais na região. A estrutura física e organizacional para a manifestação da arte e da cultura, ainda carente, também pode vir a ser um estímulo ao setor, a exemplo da necessidade de um teatro municipal em Foz do Iguaçu, bem como de um centro de cultura. Também, são almejados projetos que possam atrair produções culturais, como é o caso da comissão fílmica, no campo do cinema.

A chamada film commission, ou comissão fílmica, é uma proposta que geralmente advém da organização dos profissionais locais ao poder público para atrair produções cinematográficas de fora, estas atreladas à geração de trabalho no setor e a aportes financeiros, de capacitação ou de alguma estrutura física, tecnológica ou cenográfica para a região, o que garante subsistência, manutenção e desenvolvimento de profissionais no campo da cultura em regiões fora dos grandes eixos de produção.

A região de fronteira tríplice transforma-se, aos poucos, em um ambiente fértil para a cultura. As margens compõem uma região que não é nem um nem outro, mas algo diferente, e as conexões já estão ocorrendo aos poucos, entre agentes do campo cultural. Podem ser evidenciadas as relações buscando integração, iniciativas que criam laços para a atuação conjunta. Rebelatto e Fonseca (2015) apresentam o Fórum Entre Fronteiras como um projeto itinerante que aborda processos transnacionais de produção e criação de imagens em movimento, até mesmo a coprodução em equipes trinacionais de Parceria entre fronteras, uma série de quatro documentários sobre o tema da fronteira. Caracterizado pelo formato participativo e horizontal, o fórum reúne profissionais envolvidos na produção cinematográfica na região do Mercosul e promove a identificação cultural e a experiência de coprodução independente, tendo em vista discussões políticas para a construção de um espaço de produção trinacional.

A IMPORTÂNCIA DA UNIVERSIDADE NA PROMOÇÃO DO TERRITÓRIO E SUAS CULTURAS

Mediante a formação de profissionais no campo da cultura e da presença de professores e profissionais na cidade, movimentos acontecem por meio da UNILA. Além disso, projetos de pesquisa e extensão oriundos dos cursos acabam por fomentar a produção e a promoção da cultura, contribuindo para a formação de um público que aprecia as obras que representam diferentes movimentos e a diversidade cultural. Assim, observa-se a importância de recursos, da criação de estrutura e da formação de profissionais para a expansão e descentralização territorial das possibilidades culturais.

A especificidade de uma região de fronteira precisa ser considerada na formulação de políticas públicas. “A complexidade presente nestes locais direciona a atenção do pesquisador e formulador de políticas públicas para uma singularidade que não permite a aplicabilidade vertical das mesmas” (Colvero, Severo e Melo, 2016, p. 675), o que requer que essas políticas sejam construídas pela interação horizontal da sociedade civil, de acordo com a peculiaridade de cada região. “Nestas regiões, não se pode falar em algo homogêneo, uma vez que em um país continental como Brasil, existem variações ao longo de suas fronteiras” (Colvero, Severo e Melo, 2016, p. 679). Nesse sentido, a fronteira é uma área espacial e simbólica de multiplicidade e mistura de identidades. Mesmo que a fronteira seja visível nos pontos turísticos, que têm os marcos das três fronteiras dos referidos países, de onde se pode ter a bela vista das três margens, ou, ainda, nas aduanas e nas pontes que conectam os países, observam-se a interação de diferentes atores sociais e a convergência cultural na região.

As possibilidades culturais como expressão e exercício da alteridade em relação a diversos grupos, lugares e realidades são importantes espaços de criação, produção e fruição. Na fronteira, os ambientes e eventos no campo da cultura também representam oportunidades de encontro para ratificações e/ou transformações, tendo em vista a ampliação da dignidade humana. Infere-se, assim, que a região de fronteira constitui um espaço de limites e permeabilidade para conjuminar arte, políticas culturais e diversidade.

Se pensarmos somente na atuação da UNILA por intermédio do curso de Cinema e que sua primeira turma de formandos foi em 2016, são bastante expressivos os dados oriundos do mapeamento da indústria criativa em Foz do Iguaçu realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN, 2019). Os dados revelam que em 2012 (ano do início do curso), o número de profissionais atuando diretamente com audiovisual em Foz do Iguaçu era 67 e, em 2017, passou para 83. Atuando em publicidade nos mesmos períodos, houve aumento de 65 para 133. A inclusão de publicidade e marketing deve-se ao fato de que muitos egressos atuam também em filmes publicitários e em agências voltadas para o ramo, considerando a dificuldade de se produzir cinema.

Embora não possamos atribuir esse aumento de profissionais somente ao curso de Cinema da UNILA nem tampouco reduzir a contribuição de uma universidade a dados econômicos, julgamos importante ilustrar esse crescimento num cenário hostil, pois, como é destacado no relatório do mapeamento de 2019:

no biênio 2013-2015, o Mapeamento da Indústria Criativa foi escrito em meio a um turbilhão econômico e social. O cenário internacional mostrava-se progressivamente mais difícil, com o mundo desenvolvido ainda digerindo os efeitos da Crise Global de 2008/2009 e com os primeiros sinais de fadiga nas principais economias emergentes. (FIRJAN, 2019, p. 7)

A entidade ressalta ainda que o cenário de recessão persistiu no biênio de 2015-2017, acentuando o impacto no desemprego e nas organizações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A UNILA, em poucos anos de existência, já expressa o seu protagonismo, constituindo-se agente formador e desencadeador de ações de cultura na tríplice fronteira, entretanto a Emenda Aditiva à Medida Provisória nº 785 prevê, entre outros, o fim da universidade. Contrapondo-se ao desmonte desta, o ensaio argumenta a importância das cidades da fronteira para o desenvolvimento econômico e cultural, promovendo a diversidade e a sustentabilidade da região. Destaca-se a importância da universidade para a formação de profissionais e, também, para a elaboração e execução de projetos de pesquisa e de extensão, além do estabelecimento de conexões e parcerias que aos poucos possam expandir as frentes de arte e de trabalho na área da cultura, vinculando cada vez mais a universidade à comunidade. Nesse caso, observa-se a transversalidade de políticas públicas de educação, cultura e economia, pois as políticas educacionais que tornam o trabalho da UNILA uma realidade agem na transformação do território, impactando nos movimentos e nas alternativas culturais da região.

Segundo o dicionário de Houaiss, Villar e Franco (2007), o epicentro é o ponto da superfície da Terra aonde primeiramente chega a onda sísmica. A UNILA pode ser o epicentro da estrutura e dos avanços culturais na região, tanto pelos aportes e oportunidades que trouxe e traz ao território, quanto pela potência de fomentar uma rede de interconexões de agentes culturais, que podem atuar em sinergia.

As políticas públicas precisam continuar existindo para manter vivas a arte e a cultura. Considerando “a utilidade do inútil” (Ordine, 2016), pode-se questionar: como seria uma sociedade sem a arte e a cultura, que levam a reflexões e transformações? Como seria uma sociedade sem espaço para a expressão e a existência de uma cultura viva? As comunidades que se encontram fora dos grandes centros, por meio do contato com universidades, como é o caso da UNILA, podem ampliar as suas referências e possibilidades mediante a multiplicidade dos focos de produção artística e cultural.

O aumento da visibilidade sobre a importância da descentralização e da expansão dos horizontes das manifestações culturais por si só é uma valorosa contribuição para a comunidade, que pode ver acontecer, participar de e até protagonizar obras com a sua identidade. A valorização das identidades locais representa empoderamento e promoção da diversidade e abre um mosaico de possibilidades que se desdobra em algo multiforme, em um campo de relações e de transformação cotidiana. Traçar políticas públicas para a faixa de fronteira que não sejam meramente vinculadas à segurança pública é recente, e a perenidade dessas políticas é vital para o desenvolvimento cultural e econômico.

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Recebido: 19 de Dezembro de 2019; Aceito: 21 de Maio de 2020

Cecília Leão Oderich é doutora em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). E-mail: cecilia.oderich@unioeste.br

Mariana Baldi é doutora em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da mesma instituição. E-mail: mariana.baldi@ufrgs.br

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