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Revista Brasileira de Educação

versión impresa ISSN 1413-2478versión On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.25  Rio de Janeiro ene./dic 2020  Epub 15-Dic-2020

https://doi.org/10.1590/s1413-24782020250061 

Artigos

Paulo Freire e Edgard Morin na pós-graduação: perfil e percepções de egressos de um programa de pós-graduação em Promoção da Saúde

PAULO FREIRE Y EDGAR MORIN EN POSGRADUACIÓN: PERFIL Y PERCEPCIONES DE EFECTOS DE UN PROGRAMA POSGRADO EN PROMOCIÓN DE LA SALUD

Jaqueline Roberta da Silva I  
http://orcid.org/0000-0001-8731-5942

Fabíola Pansani Maniglia II  
http://orcid.org/0000-0002-3281-9470

Glória Lúcia Alves Figueiredo II  
http://orcid.org/0000-0001-7551-6210

IPrefeitura de Altinópolis, Altinópolis, SP, Brasil.

IIUniversidade de Franca, Franca, SP, Brasil.


RESUMO

O presente estudo discute o processo de formação de profissionais da saúde diante das demandas advindas da sociedade com recursos humanos capacitados em buscar respostas saudáveis e sustentáveis. Objetivou-se analisar o perfil e as competências adquiridas em promoção da saúde (PS) e a inserção no mercado de trabalho de egressos de um programa de pós-graduação em PS que fundamenta sua metodologia em Paulo Freire e Edgar Morin. É uma pesquisa de campo, do tipo mista, de caráter exploratório. A amostra totalizou 54 participantes, egressos titulados entre 2012 e 2017, representando 50,5% da população do período. A formação em PS apresenta-se beneficiada pela abordagem crítica reflexiva adotada pelo programa e com base em Paulo Freire e Edgar Morin, comprometidos com a realidade, extraindo-se a essência da prática e permitindo a transformação da realidade. Destaca-se que parte desses egressos está atuando na docência e retroalimentando, assim, o processo de ensinagem na perspectiva da PS.

PALAVRAS-CHAVE: prática educativa; formação em promoção da saúde; competências de promoção da saúde

RESUMEN

Este estudio analiza el proceso de formación de profesionales de la salud, frente a las demandas que provienen de la sociedad con recursos humanos capaces de buscar respuestas saludables y sostenibles. El objetivo de este estudio fue analizar el perfil y las habilidades adquiridas en la Promoción de la Salud (PS) y la inserción en el mercado laboral de los graduados de un programa de posgrado en PS que basa su metodología en Paulo Freire y Edgar Morin. Es una investigación de campo exploratoria del tipo mixto. La muestra totalizó 54 participantes, graduados de 2012 a 2017, que representan el 50,5% de la población del período. El entrenamiento de PS se beneficia con el enfoque crítico reflexivo adoptado por el programa y basado en Paulo Freire y Edgar Morin, comprometidos con la realidad al extraer la esencia de la práctica y permitir la transformación de la realidad. Es de destacar que parte de estos graduados están actuando en la enseñanza y, por lo tanto, alimentando el proceso de enseñanza en la perspectiva del PS.

PALABRAS CLAVE: práctica educativa; capacitación en promoción de la salud; habilidades de promoción de la salud

ABSTRACT

This study discusses the process of training health professionals, facing the demands that come from society with human resources capable of seeking healthy and sustainable answers. The objective of this study was to analyze the profile and skills acquired in Health Promotion (HP) and insertion in the labor market of graduates of a postgraduate program in PS that bases their methodology on Paulo Freire and Edgar Morin. It is an exploratory field research of the mixed type. The sample totaled 54 participants, graduates from 2012 to 2017, representing 50.5% of the population of the period. The HP training is benefited by the reflexive critical approach adopted by the program and based on Paulo Freire and Edgar Morin, committed to reality by extracting the essence of the practice and allowing the transformation of reality. It is noteworthy that part of these graduates are acting in teaching and thus feeding the teaching process in the perspective of HP.

KEYWORDS: educational practice; health promotion training; health promotion skills

INTRODUÇÃO

Este trabalho discute o modo como as metodologias de ensinagem de Paulo Freire e Edgar Morin contribuem para a formação stricto sensu em Promoção da Saúde (PS).

Pelo enfoque na formação de profissionais da saúde com competências e valores em PS para aprimoramento e fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), são considerados neste trabalho as metodologias e o local em que essa formação é realizada.

Ainda, considerou-se a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), revisada em 2014, que colocou a formação em PS como prioridade para o país, como consta de seu objetivo VIII: “Promover processos de educação, de formação profissional e de capacitação específicos em promoção da saúde, de acordo com os princípios e os valores expressos nesta Política, para trabalhadores, gestores e cidadãos” (Brasil, 2014).

A formação em saúde para profissionais que contribuam para a mudança dos indicadores em saúde, com maior equidade, integralidade e resolubilidade, também é meta mundial global da Agenda 2030, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), entre eles o objetivo 3, saúde e bem-estar para todos, com a meta 3C, de aumentar substancialmente o financiamento da saúde e o recrutamento, o desenvolvimento, o treinamento e a retenção do pessoal de saúde (ONU, 2017).

A caracterização e a análise do perfil de egressos com características de promotores de saúde fazem-se importantes para identificar se os objetivos institucionais da pós-graduação estão sendo cumpridos, a relevância da formação e sua contribuição para a sociedade, para o planejamento de novos cursos e para a alocação de recursos.

Este trabalho objetivou analisar o perfil, as competências em PS e a inserção no mercado de trabalho de egressos de um programa de pós-graduação em Promoção da Saúde (PPGPS) que fundamenta sua metodologia de ensino nos ideais de Paulo Freire e Edgar Morin.

FORMAÇÃO EM PROMOÇÃO DA SAÚDE E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

O conceito de PS é resultante de concepções e práticas desde a Antiguidade, mas a sistematização foi coordenada mundialmente em 1978, na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, em Alma-Ata, na qual se definiu PS levando-se em conta os determinantes sociais e dando-se, então, amplitude social e política à saúde.

A Conferência de Alma-Ata foi a principal inspiração da I Conferência Internacional sobre PS, realizada em Ottawa, em novembro de 1986, que definiu PS como o processo de capacitação dos indivíduos e comunidades para melhorar a sua saúde e qualidade de vida e exercer maior controle nesse processo, considerando a saúde de maneira ampla, bem como a solidariedade, a equidade, a democracia, a cidadania, o desenvolvimento, a participação, a ação conjunta, entre outros, objetivando a melhoria da qualidade de vida e saúde (Heidemann et al., 2006).

Na Carta de Ottawa também foram descritas as cinco estratégias fundamentais para PS: implementação de políticas públicas saudáveis, criação de ambientes saudáveis, capacitação da comunidade, desenvolvimento de habilidades individuais e coletivas e reorientação de serviços de saúde.

A discussão sobre a formação de profissionais que contribuam com as cinco estratégias em PS se fez presente nessa primeira carta, de forma mais específica no item acerca da reorientação dos serviços de saúde, por exigir pesquisa em saúde, assim como mudanças na educação e no ensino dos profissionais da área da saúde, para atuarem nas necessidades globais do indivíduo (Carta de Ottawa, 1986).

O SUS tem o bem-estar social como fundante de seus princípios de universalidade, integralidade e equidade, ao garantir o acesso a todos em suas necessidades e priorizando a diminuição das desigualdades.

A formação de profissionais coerentes com os princípios do SUS exige mais do que a concepção hospitalocêntrica e curativista, pautada na doença e no individual, ideia tradicional dos cursos da área de saúde. Nesse contexto, nos anos 2000, no Brasil, iniciavam-se as mudanças na formação em saúde de profissionais com competências e habilidades coincidentes com os pressupostos da PS convergindo para o fortalecimento do SUS. A implementação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos cursos de graduação da área da saúde trouxe os pressupostos da PS de forma transversal, com incentivo à integração de cursos, vínculo com a comunidade, enfatizando a interdisciplinaridade, a intersetorialidade e a integralidade (Mello, Moysés e Moysés, 2010).

Em 2005, começou a configurar a PS como política, inicialmente presente no Pacto pela Saúde e na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), até que em março de 2006, com base nos marcos legais das cartas da PS, foi aprovada a PNPS, com diretrizes e estratégias de organização de suas ações nos três níveis de gestão do SUS para garantir a integralidade do cuidado (Silva e Baptista, 2015).

Já a nível mundial, Pinheiro et al. (2015) ressaltam que em 2008 se realizou na Irlanda a Conferência de Galway, iniciativa em conjunto com vários países, mas sem representantes da América Latina, para a construção de diretrizes para competências em promoção e educação em saúde, que ficou conhecido como o Consenso de Galway.

O Consenso de Galway definiu que para uma prática eficaz em PS são necessários oito domínios: catalisação da mudança, liderança, assessment (assertividade na avaliação do comportamento e das necessidades), planejamento, implementação, avaliação, advocacia e parcerias (Barry et al., 2009).

Em 2009, ocorreu a VII Conferência Mundial de PS, na cidade de Nairóbi, no Quênia, com o tema “Promovendo a saúde e o desenvolvimento: quebrar as lacunas de implementação”, que refletiu sobre a necessidade de avanços após 20 anos da Carta de Ottawa. Cinco aspectos foram apontados: empoderamento da comunidade (autonomia comunitária), conhecimento sobre saúde e comportamento (autonomia individual), reforço dos sistemas de saúde, parcerias e ação intersetorial (fortalecimento do trabalho em redes) e construção de competências para a promoção da saúde (WHO, 2009). Colocaram-se em foco as necessidades de aumentar e aperfeiçoar as habilidades dos profissionais que atuam na saúde, começando pela construção de competências para a PS (WHO, 2009).

Nesse ínterim, ganhou formatação o grupo pan-europeu Developing Competencies and Professional Standards for Health Promotion Capacity Building in Europe (CompHP) (Pinheiro et al., 2015), que tem como metas identificar, implementar e estabelecer métodos para a prática de PS. Conforme esse grupo, já é consenso que a PS só acontece com profissionais capacitados com ferramentas, competências e habilidades para traduzir a teoria, a política e a pesquisa em PS em efetivas ações (Dempsey, Battel-Kirk e Barry, 2011). Competência no campo da PS é definida como uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes, a qual possibilita que um indivíduo desempenhe tarefas de acordo com um padrão (Dempsey, Battel-Kirk e Barry, 2011).

Para o CompHP, desenvolver PS requer a potencialização de valores como equidade, justiça social, ética e autonomia dos indivíduos, além de habilidades e conhecimentos, em um total de 47 competências e nove domínios (Dempsey, Battel-Kirk e Barry, 2011). Os domínios descritos pelo CompHP, que se relacionam como na Figura 1, são:

  • Favorecimento de mudanças;

  • Advocacia em saúde;

  • Parceria;

  • Comunicação;

  • Liderança;

  • Diagnóstico;

  • Planejamento;

  • Implementação;

  • Avaliação e pesquisa.

Fonte: Dempsey, Battel-Kirk e Barry (2011).

Figura 1 - Estrutura de competências do Developing Competencies and Professional Standards for Health Promotion Capacity Building in Europe (CompHP). 

O grupo CompHP permanece ativo, e suas produções têm servido de referência no mundo todo.

No Brasil, em 2014, houve mobilização de diferentes atores e setores na revisão da PNPS, resultando em uma nova versão. Essa nova versão mantém a importância da intersetorialidade, impulsionando que a saúde componha as agendas de todas as políticas públicas (Silva e Baptista, 2015), além de colocar a formação em PS como prioridade, no Objetivo 8, sobre promover processos de educação, de formação profissional e de capacitação específicos em PS (Brasil, 2014), e também na Diretriz VI, acerca do apoio à formação e à educação permanente em promoção da saúde para ampliar o compromisso e a capacidade crítica e reflexiva dos gestores e trabalhadores de saúde (Brasil, 2014).

A PS tem ocorrido com maior relevância na atenção básica, especialmente na Estratégia Saúde da Família, por ser a estratégia que tem como objetivo reorientar o modelo assistencial ancorada nos princípios da universalidade, equidade, integralidade e participação social (Carvalho, Cohen e Akerman, 2017).

Em 2016 ocorreu a IX Conferência em Xangai, na qual foram discutidos os princípios da Carta de Ottawa 30 anos após a sua publicação e a promoção do alcance dos ODS via Agenda 2030, que é a mais recente atualização do pacto mundial sobre desenvolvimento sustentável, formalizada em 2015, em Nova York, com 17 ODS para o milênio, entre eles a meta 3C, que discute a demanda pela formação dos profissionais em saúde para o alcance do cuidado ampliado.

Para alcançar os resultados de saúde pactuados nos ODS, a formação em saúde com valores e competências em PS tem sido discutida mundialmente, e uma estratégia orientada para essa formação tem sido a educação interprofissional e colaborativa (Batista e Batista, 2016).

Frenk et al. (2015), da Comisión sobre la Educación de los Profesionales de la Salud para el Siglo XXI, também enfatizam como uma das reformas para a educação em saúde do século XXI a educação interprofissional e colaborativa, para o desenvolvimento de competências técnicas, habilidades analíticas, liderança e habilidades de comunicação.

Considera-se, assim, que a educação interprofissional colaborativa passa pela superação da lógica disciplinar, ou seja, pela integração dos conteúdos e saberes proposta pela interdisciplinaridade, como apresenta Fazenda (2003): atitude de buscar alternativas para conhecer mais e melhor; atitude de reciprocidade que impele à troca e ao diálogo com pares idênticos, com pares distintos ou consigo mesmo; atitude de humildade diante da limitação do próprio saber; atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvelar novos saberes; atitude de desafio diante do novo; e atitude de responsabilidade, envolvimento e comprometimento com os projetos e as pessoas.

No ano de 2019, ocorreu a X Conferência Mundial em PS, na Nova Zelândia, que teve como um dos pontos de destaque a discussão sobre o ensino da PS, e ali foi criado um grupo de trabalho da União Internacional de Promoção da Saúde e Educação em Saúde (UIPES - na sigla em inglês IUHPE).

Operacionalizar o princípio de reorientação dos serviços de saúde, como consta da Carta de Ottawa, demanda profissionais qualificados, e essa qualificação tem sido uma discussão internacional, que no Brasil se configura em qualificar o SUS e ter profissionais com excelência técnica e relevância (bio)ética e social, para atuação com qualidade e resolutividade (Mello, Moysés e Moysés, 2010).

O cuidado ampliado, integral exige um perfil profissional coincidente com a PS, com competências, habilidades e valores que são processuais e que não deve se encerrar nas graduações (Netto, Silva e Rua, 2016), que ainda possuem muito do modelo biomédico. Assim, a formação em PS dá-se também nos cursos de educação permanente ou nos programas de pós-graduação.

Para Siqueira-Batista et al. (2013), a formação dos profissionais da saúde, principais atores do processo de construção dos serviços de saúde, em consonância com os princípios, os valores e as competências em PS, permite a efetivação e o fortalecimento do SUS, contribuindo também para um projeto de sociedade que amplie os limites do exercício da cidadania, tornando viva a ideia de que a saúde é dever do Estado e direito de todos.

CENTROS DE FORMAÇÃO EM PROMOÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL

Como dito anteriormente, a formação de profissionais com princípios, valores e competências em PS é processual, tem se dado de maneira transversal nas graduações após o estabelecimento das novas DCNs e na pós-graduação tem ocorrido de forma crescente.

Tavares et al. (2016) discorrem sobre as experiências da formação em PS no Brasil, destacando que o Consórcio Interamericano de Universidades e Centros de Formação de Pessoal em Educação em Saúde e PS realizou uma pesquisa a respeito das competências em PS presentes nos cursos desenvolvidos no Brasil. Arroyo (2009) identificou que os cursos de PPGPS no Brasil possuem enfoque nas competências em PS.

Há no Brasil cinco instituições de ensino superior que realizam PPGPS. São eles: Universidade de Franca (Unifran), Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Centro Universitário de Maringá (UniCesumar), Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e Centro Universitário Adventista Engenheiro Coelho (Unasp).

O PPGPS da Unifran, localizado no munícipio de Franca (SP), é pioneiro no país sobre a temática. Foi criado em 1999 no nível de mestrado e em 2011 credenciado também no doutorado, tendo sido o primeiro desse nível em toda a América Latina (Tavares et al., 2016). O PPGPS da Unisc, em Santa Cruz do Sul (RS), foi aprovado no nível de mestrado em 2009 e a autorização para o nível de doutorado veio em 2018. O PPGPS com nível de mestrado da UniCesumar, de Maringá (PR), foi aprovado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e iniciou suas atividades em agosto de 2011. O PPGPS a nível de mestrado da Unasp, em São Paulo (SP), foi aprovado pela CAPES e começou suas atividades em março de 2013. O Mestrado Acadêmico em Promoção da Saúde, Desenvolvimento Humano e Sociedade da Ulbra, campus de Canoas (RS), foi recomendado pela CAPES em 1º de março de 2018.

Há interlocução entre os programas e as instituições expressa em parcerias na organização de eventos científicos, produção acadêmica e difusão do conhecimento. Embora em campos espalhados no território nacional, a formação de recursos humanos para o trabalho no SUS e a consolidação da PS no Brasil pavimentam-se em recursos e métodos inovadores e eficazes do processo de ensino e aprendizagem.

No entanto, é possível notar a baixa frequência da formação em PS no território nacional, destacando que os centros formadores estão concentrados no sul e no sudeste, regiões do país privilegiadas econômica e socialmente. Enquanto isso, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em que estão os índices de saúde mais baixos e que seriam beneficiadas pelo desenvolvimento da PS, não existem centros formadores em PS.

Barreto (2017) afirma que regiões menos prósperas sempre apresentam piores condições de vida e saúde, no acesso diferenciado aos recursos disponíveis no sistema de saúde. Essas disparidades na saúde geram desiguais possibilidades de usufruir os avanços científicos e tecnológicos ocorridos nessa área. Portanto, seriam imprescindíveis centros formadores em PS também nessas regiões, para possibilitar a busca por mudanças nos indicadores de saúde e na qualidade de vida.

Expõe-se a seguir o referencial utilizado pelo PPGPS da Unifran, que também fundamentou a análise dos resultados do presente artigo.

PAULO FREIRE E EDGAR MORIN PARA A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS EM PROMOÇÃO DA SAÚDE

Em relação às metodologias de ensino em saúde, atualmente estamos em um momento de transição. Ainda há muito do modelo pedagógico conteudista, fragmentado, centrado na doença e na clínica individual e na acumulação de informação técnico-científica (Mello, Moysés e Moysés, 2010). Ao mesmo tempo, tem-se a contrariedade entre o perfil do profissional formado e o requerido na prática pelos serviços de saúde, acontecendo algumas iniciativas e começando a mudança no modo de formar esses profissionais.

A transformação dos serviços de saúde somente se efetivará com a transformação da formação em saúde, a qual passa por romper antigos paradigmas e por questões ideológicas e sociais que simultaneamente consideram o conhecimento de cada profissão, mas envolvem também valores e práticas coletivos (Chiesa et al., 2007).

A qualificação coerente com os princípios e valores da PS passa pela superação de metodologias de ensino tradicionais; dá-se além da transmissão de conhecimento (Loureiro, 2008).

A pós-graduação deve atuar em busca de uma consciência social ampliada, em atividades centradas no aluno, propiciando aprendizagens significativas, formação crítica, reflexiva e transformadora, capaz de promover repercussões nos modos do fazer saúde, transformando serviços, profissionais e usuários, para o enfrentamento das inequidades sociais.

A formação dos profissionais de saúde deve ocorrer, segundo Lima e Braga (2016), com metodologias de aprendizagem que propiciam o desenvolvimento do aprender a aprender, o espírito crítico, a capacidade de análise e resolução de problemas, as capacidades comunicativas, a liderança, a inovação, a integração em equipe e a adaptação à mudança. A própria PNPS traz em seu eixo operacional VI, sobre educação e formação, o incentivo à atitude permanente de aprendizagem sustentada em processos pedagógicos problematizadores, dialógicos, libertadores, emancipatórios e críticos (Brasil, 2014), além de destacar também que devem ser estimuladas as práticas colaborativas e compartilhadas.

Mello, Moysés e Moysés (2010) também salientam que os cenários pedagógicos para aprendizagem concernente à PS precisam incluir processos ativos de aprendizagem, apresentando a realidade social, provocando o aluno à construção de sua própria cidadania.

Voltando à afirmativa de que a formação em saúde é processual e tem ocorrido na pós-graduação, frisa-se que é direcionada a adultos, que muitas vezes já atuam nos serviços de saúde. Portanto, a formação deve ser pautada na andragogia, que é a ciência de orientar adultos a aprender, considerando necessidades e interesses (Bandini e Germani, 2015).

A andragogia para a formação em saúde deve ser entendida como um processo de construção e luta pelo próprio projeto de vida e a educação como um processo que visa desenvolver as capacidades cognitivas, afetivas, psicomotoras e sensoriais e as competências sociais dos indivíduos, para que possam se relacionar positivamente com o meio, modificando-o quando necessário (Calvinho e Amorim, 2015). Assim, a formação inclui a autonomia, a iniciativa e a motivação para o fortalecimento da saúde, ao mesmo tempo em que fortalece o ser humano (Lima e Braga, 2016).

Nesse sentido, a formação em PS, além da implementação de novos projetos pedagógicos e curriculares dos cursos de graduação e pós-graduação pautados no SUS, diz respeito também às metodologias de aprendizagem. Tais metodologias devem promover a autonomia dos estudantes, para que eles se motivem e intervenham enquanto protagonistas do processo de transformação próprio e da população a que assistem. Essa é a finalidade das metodologias ativas de aprendizagem, as quais possibilitam o desenvolvimento de competências específicas e gerais, como o aprender a aprender, a criticidade, a capacidade de análise e resolução de problemas, a comunicabilidade, a liderança, a inovação, a integração em equipe e a adaptabilidade (Lima e Braga, 2016).

Neste trabalho são discutidas duas metodologias de ensino nessa perspectiva: a pedagogia crítica, de Paulo Freire, e a educação dos tempos futuros, de Edgar Morin.

Apesar do nome pedagogia, o trabalho de Paulo Freire em sua origem foi direcionado a adultos. A pedagogia crítica teve notoriedade a partir da década de 1970, com uma proposta de atividade escolar pautada na realidade social imediata, na qual se analisam os problemas e seus fatores determinantes e se estrutura uma atuação com a intenção de transformar a realidade social e política (Gadotti, 1991).

Paulo Freire (1996) propõe a construção do conhecimento por meio do agir sobre a realidade, o que ele denomina de práxis, processo de ação-reflexão-ação transformadora. Nessa ótica, o conhecimento é construído pela inserção crítica na realidade, priorizando a aquisição do conhecimento in loco. Para o autor, o trabalho educacional por intermédio da realidade e na realidade possibilita a autopercepção do sujeito, com curiosidade para buscar as razões das existências.

Quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica. Não é possível a assunção que o sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo processo se faz necessariamente sujeito também. (Freire, 1996, p. 44)

A condição de sujeitos de transformação é a principal finalidade da pedagogia crítica. Para tanto, o ensino desenvolve-se mediante as capacidades de pensar e agir, fundamentos básicos para o bom exercício da cidadania (Freire, 1978, p. 27).

Essas capacidades de agir e pensar constroem a práxis, elemento fundamental da pedagogia crítica, pois a práxis - prática de pensar a prática - conduz o conhecimento em ação transformadora (Freire, 1983). Nesse processo de ação-reflexão-ação, os alunos são levados a se perceberem como autores de suas histórias, valorizando os aspectos culturais e históricos da comunidade em que estão, que é a base dos círculos de cultura.

A criticidade enquanto mediadora do conhecer e o diálogo como relação epistemológica aliados à práxis possibilitam a construção de autonomia, responsabilidade e compromisso pela transformação da realidade (Lima e Braga, 2016).

Práxis, criticidade e diálogo dão aos indivíduos a capacidade de leitura de mundo, de constructo histórico. Entre opressores e oprimidos, é possível não só se adaptar, mas promover mudança (Freire, 1967).

Um dos atos de conhecimento, para Freire (1983), é a pesquisa, ou seja, desvelar a realidade concreta, em suas formas, relações e causas, superando a ingenuidade e ganhando potência transformadora.

Deste modo, fazendo pesquisa, educo e estou me educando com os grupos populares. Voltando à área para pôr em prática os resultados da pesquisa não estou somente educando ou sendo educado: estou pesquisando outra vez. No sentido aqui descrito pesquisar e educar se identifica em um permanente e dinâmico movimento. (Freire, 1983, p. 36)

A pesquisa, como ato de conhecimento, por meio do itinerário de pesquisa é constituída de três momentos: investigação temática, com a descoberta do universo vocabular e temas do cotidiano dos participantes; codificação e descodificação, por intermédio da significação, contextualização e ampliação do conhecimento sobre o tema para tomada de consciência; e desvelamento crítico, que representa a análise dos conhecimentos levantados, interpretados com elementos da subjetividade (Heidemann et al., 2017).

Com a utilização do itinerário de pesquisa, faz-se possível conhecer toda a diversidade e as potencialidades de qualquer situação, inclusive da saúde, ampliando as possibilidades de ação interdisciplinares e intersetoriais (Heidemann et al., 2017).

Em toda a produção de Paulo Freire (1967, 1978, 2006), podem-se observar a amplitude do processo de ensino e aprendizagem e a provocação ao professor, como elo fundamental no processo de reconhecer-se como protagonista da história, transformando também seu exercício da docência, que instiga, assumindo-se como sujeito histórico.

Assim, Freire (1978) traz a compreensão de que todo sujeito possui e produz conhecimento, o que faz o processo de ensino e aprendizagem acontecer em uma relação humanística baseada na ética, no respeito e na amorosidade.

O resgate ao que é ser humano, cidadão planetário, em suas diferentes formas - espiritual, social, política -, é finalidade também da educação do futuro, proposta por Edgar Morin. O filósofo defende a superação do paradigma da simplificação vigente e o pensamento integral, rompendo com o fracionamento do saber, entendendo a interação entre local e global.

Faz-se necessária uma visão poliocular ou poliscópica, em que, por exemplo, as dimensões física, biológica, espiritual, cultural e histórica daquilo que é humano deixam de ser incomunicáveis (Morin, 2012).

Assim, Morin (2012, p. 46-47) afirma:

A reforma do pensamento é necessária, então, para contextualizar, situar, globalizar e, também, para tentar estabelecer um metaponto de vista que, sem nos fazer escapar de nossa condição local-temporal-cultural singular, nos permite considerar nosso lugar antropoplanetário como um mirante.

Na obra de Morin (2000) para a Organização das Nações Unidas (ONU), intitulada Os sete saberes necessários à educação do futuro, o autor considera que o aprendizado é fundamentado na consciência do ser humano como indivíduo e parte da sociedade e da espécie:

A educação do futuro deve ser responsável para que a ideia de unidade da espécie humana não apague a ideia de diversidade e que a da sua diversidade não apague a de unidade. Há uma unidade humana. Há uma diversidade humana. A unidade não está apenas nos traços biológicos da espécie humana homo sapiens. A diversidade não está apenas nos traços psicológicos, culturais e sociais do ser humano. Existe também diversidade propriamente biológica no seio da unidade humana; não apenas existe unidade cerebral, mas mental, psíquica, afetiva, intelectual; além disso, as mais diversas culturas e sociedades têm princípios geradores ou organizacionais comuns. É a unidade humana que traz em si os princípios de suas múltiplas diversidades. Compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. É preciso conceber a unidade do múltiplo, a multiplicidade do uno. (Morin, 2000, p. 55)

Para tanto, é necessária a superação da tradição educacional. Logo, Morin (2000) propõe sete saberes para a construção do futuro da educação.

O primeiro deles é sobre a construção do conhecimento pela valorização do erro e pela superação da ilusão como instrumento de aprendizagem. O segundo saber refere-se sobre a contextualização e a somatória dos mais diversos conhecimentos, mesmo diante das tendências da globalização de superficialidade e fragmentação das informações. O terceiro saber é sobre a identidade humana, ser indivíduo/sociedade/espécie, razão/afeto/pulsão e também cérebro/mente/cultura. Ou seja, compreender que o homem é um ser multidimensional, que está em uma sociedade e que a sociedade está em cada um. Morin (2000) propõe no quarto saber a compreensão do que é humano, o desenvolvimento das faculdades afetivas, morais e intelectuais, empatia e identificação, sem redução ou indiferença. No quinto saber, o autor indica a importância da dúvida, a incompletude, o desenvolvimento de habilidades, estratégias e flexibilidade para o novo, o desafio constante da humanidade. O sexto saber envolve ensinar a compreensão da condição planetária, considerando os processos de todas as ordens, econômica, ideológica, social, para a construção da solidariedade humana. O sétimo saber abrange a ética do gênero humano, a antropoética, a humanização do humano, o alcance da unidade na diversidade, unindo autonomia pessoal e participação social para a construção de um destino comum.

A formação dos profissionais em saúde pautada nas metodologias ativas de aprendizagem provoca nos egressos a convocação à criação, à autonomia e ao coletivo (Ceccim, 2008).

O pensamento complexo e integrado construído por aqueles sete saberes possibilitaria uma concepção sistêmica da realidade, sensibilizando para problemas e respostas contextualizados.

Os processos de ensinagem apresentados podem contribuir para uma formação sólida de profissionais críticos, reflexíveis e com competências para atuar nos mais variados serviços de saúde, contribuindo para a melhoria da saúde das populações e o progresso da sociedade.

Acredita-se que a adoção desse referencial pelo PPGPS vem consolidando a formação de pesquisadores na área da PS.

PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Trata-se de pesquisa de campo, do tipo mista, de caráter exploratório, que visou analisar o perfil de egressos do PPGPS da Unifran de 2012 a 2017. Para tanto, foi utilizada a entrevista via telefone, método baseado no Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), do Ministério da Saúde, com uso de questionário próprio, contendo identificação e 21 perguntas, sendo nove questões fechadas e 12 abertas, sobre a percepção do programa e a inserção/atuação profissional.

A população da pesquisa é composta de 107 egressos titulados com mestrado e doutorado de janeiro de 2012 a dezembro de 2017. Os egressos foram contatados por telefone, no período de novembro/2018 a setembro/2019. As ligações foram realizadas por telefone celular e gravadas pelo aplicativo Cube ACR.

Adotaram-se como critério de inclusão ser egresso do PPGPS da Unifran entre 2012 e 2017 e dispor ao menos de uma linha para contato telefônico. Foram excluídos aqueles egressos que não atenderam ao telefonema após dez chamadas feitas em dias e horários variados, incluindo sábados, domingos e períodos noturnos, assim como aqueles com registro incorreto do número de telefone.

As entrevistas foram gravadas e os dados analisados de forma quantitativa e qualitativa para análise da percepção sobre o PPGPS e o quanto e como este influenciou na inserção no mercado de trabalho desses egressos.

Para as variáveis quantitativas, os dados foram digitados em planilhas do Excel 2016 para Windows, para o adequado armazenamento das informações, e apresentaram-se os dados em tabelas, das quais constaram os percentuais simples para a análise descritiva dos dados.

Para as variáveis qualitativas, como descreve Minayo (2004), podem-se analisar os significados e a intencionalidade, com os valores e as representações dos egressos a respeito dos temas específicos. Para tanto, fez-se a análise de conteúdo temático considerando a fundamentação teórica para a compreensão dos fenômenos, com base no referencial de Paulo Freire, de Edgar Morin e da PS.

O anonimato dos egressos foi preservado, e os trechos estão identificados pela letra E, seguida da ordem em que responderam ao instrumento, tendo a seguinte configuração: E1, E2, E3, assim sucessivamente.

O PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PROMOÇÃO DE SAÚDE DA UNIFRAN E SEUS EGRESSOS

O PPGPS da Unifran tem como objetivos contribuir para uma visão intersetorial, interdisciplinar e integrada com as demandas nacionais e globais; fornecer subsídios para o fortalecimento da atenção básica à saúde no intuito de superar os modelos biomédicos tradicionais e sua ênfase no modelo curativo; contribuir com estratégias sustentáveis de impacto social, ambiental e cultural para os desafios contemporâneos na esfera local, regional e nacional; preparar egressos comprometidos com os princípios da ética, integralidade e boas práticas em pesquisa; capacitar os pós-graduandos para o desenvolvimento, a utilização e a avaliação de novas tecnologias; e contribuir para a formação de profissionais para a melhoria na educação (básica, superior e especial) (Universidade de Franca, 2019).

O PPGPS da Unifran desenvolve o conteúdo programático, visando ao fomento de posturas científicas e profissionais críticas e transformadoras, que os egressos sejam capazes de atuar na consolidação do SUS (Tavares et al., 2016).

Também, a Unifran é membro da Rede Ibero-Americana de Universidades Promotoras de Saúde (RIUPS) desde 2008 e da Rede Brasileira de Universidades Promotoras da Saúde (Rebraups) desde o seu surgimento, em 2018.

Para Mello, Moysés e Moysés (2010), universidades envolvidas com projetos de PS têm relevância na saúde local, regional e nacional, pois, por meio do aperfeiçoamento dos projetos institucionais e pedagógicos, contribuem para a melhoria da qualidade de vida de todos os envolvidos - alunos, professores, funcionários e comunidade circundante -, bem como dão suporte para uma mudança no foco das pesquisas, direcionando-as para ações ampliadas, interdisciplinares, voltadas para a busca de soluções de impacto sobre a qualidade de vida, mitigando desigualdades sociais e de saúde.

A população deste estudo é formada por 107 egressos do PPGPS da Unifran que se titularam mestres e/ou doutores no período de 2012 a 2017. Atenderam à ligação e responderam ao questionário 54 egressos, compondo a amostra do estudo, correspondendo à taxa de resposta de 50,5%. Foram recebidas duas recusas em participar da pesquisa, correspondendo a 1,8%. A duração média das entrevistas foi de 8 minutos. A caracterização dos egressos participantes está descrita na Tabela 1.

Tabela 1 - Perfil dos egressos de 2012 a 2017 do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde da Universidade de Franca, Franca (SP), 2019 (n = 54). 

VARIÁVEIS N %
Sexo
Mulher cis 36 70
Homem cis 18 30
Formação
Enfermagem 16 30
Psicologia 10 18
Educação Física 8 14,5
Odontologia 5 9
Medicina 5 9
Nutrição 4 7
Fisioterapia 4 7
Farmácia 2 3,5
Terapia Ocupacional 1 2
Faixa etária
20-24 4 7,5
25-29 18 33
30-34 13 25
35-39 12 22
40-44 3 5,5
45-49 1 2,0
50-54 2 3,0
55-59 1 2,0
Estado Civil
Casado 28 50
Solteiro 24 45
União estável 2 5
Quantidade de filhos
0 18 33
1 10 19
2 26 48
TOTAL 54 100

Entre os egressos participantes da pesquisa, em relação ao sexo há predominância do feminino: 36 (70%). Nesse aspecto se tem um recorte de gênero sobre determinantes da inserção social das mulheres no trabalho, entendendo-se que a saúde e a educação são áreas de trabalho em que prevalecem mulheres, conforme comprovado por Borges e Detoni (2017), no estudo acerca da feminização no cuidado em saúde, já que, na divisão social do trabalho, às mulheres são determinadas atividades profissionais geralmente semelhantes àquelas desempenhadas no cotidiano, como o cuidado com a família.

Quanto à formação inicial, os participantes da pesquisa são em sua maioria enfermeiros, 16 (30%), psicólogos, 10 (18%), e profissionais de educação física, oito (14,5%). Considerando que os enfermeiros são profissionais que obrigatoriamente compõem as equipes de Unidades Básicas de Saúde (UBS) e também da Estratégia Saúde da Família, a formação em PS poderá contribuir para a implementação dos serviços dos quais fazem parte.

Os profissionais psicólogos e educadores físicos, além de integrarem equipes nos equipamentos de saúde, podem atuar ainda em outros espaços, como escolas, ambiente igualmente propício para a multiplicação do desenvolvimento de PS.

Em relação à faixa etária, utilizou-se a categorização dos intervalos adotados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados revelaram que, na época da titulação, o mais jovem tinha 24 anos e o mais velho 56, e havia predominância do intervalo de 25 a 29 anos, e a média de idade era de 32,9 anos. Entre os egressos participantes, a média está abaixo da nacional, de 34,8 anos para os mestres titulados da grande área multidisciplinar (Brasil, 2016).

No fator idade, é possível incrementar a motivação para cursar a pós-graduação a nível de mestrado e/ou doutorado: muitos apontaram a exigência para continuar na docência acadêmica ou ingressar na carreira acadêmica, já que, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (Brasil, 1996), a pós-graduação stricto sensu é requisito para a docência no ensino superior. Outro fator aliado é a expansão dos cursos de graduação e pós-graduação nas instituições de ensino superior particulares, demandando mais docentes (Silva e Bardagi, 2015).

No que se refere ao estado civil, há maior número de egressos casados, mas com pouca diferença no tocante aos solteiros. A maioria dos egressos (48%) afirmou ter dois filhos, seguidos dos que não têm nenhum (33%), reiterando que quanto maior a escolaridade menores são as taxas de fecundidade, o que foi constatado também no último censo em 2010 (IBGE, 2012).

PERCURSO PROFISSIONAL DOS EGRESSOS EM PROMOÇÃO DA SAÚDE

A inserção/atuação profissional dos egressos participantes está descrita na Tabela 2.

Tabela 2 - Distribuição da inserção profissional dos egressos de 2012 a 2017 do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde da Universidade de Franca, Franca (SP), 2019 (n = 54). 

VARIÁVEIS Durante Titulação Atualmente
n % N %
Trabalho
Sim 52 96 53 98
Não 2 4 1 2
Tipo de Instituição
Privada 18 33 26 48
Pública e privada 21 39 17 32
Pública 11 20 9 16
Privada e autônomo 0 0 1 2
Outras 2 4 1 2
Autônomo 2 4 0 0
Função
Docente 17 31 20 37
Assistencial e docente 14 26 16 30
Docente e gestão 7 13 11 20
Assistencial 14 26 5 9
Gestão 0 0 1 2
Outras 2 4 1 2
TOTAL 54 100 54 100

A maioria dos egressos participantes da pesquisa (96%) afirmou estar trabalhando na época da titulação. Destes, 39% dividiam a carga horária em duas instituições, uma pública e uma privada, e as funções assistencial e docente (26%).

No momento, a maioria (98%) relatou estar trabalhando. Desse número, 48% atua em instituições privadas e exercem a função docente (37%). No Brasil, o Ministério da Educação exige um percentual de mestres e doutores no dimensionamento do corpo docente das faculdades e universidades como parâmetro de qualificação no processo de avaliação das instituições de ensino superior. Assim, os egressos da amostra estão inseridos em tais instituições como docentes para a qualificação do ensino.

O fato de os egressos estarem trabalhando na época da titulação indica que chegaram à pós-graduação com experiência e conteúdos que podem ter contribuído para o aumento da qualidade do programa e dos conteúdos programáticos (Barreto et al., 2012).

Os dados revelados nesta pesquisa coincidiram com os de Velloso (2004). A maioria dos participantes da investigação atuava na academia (universidades e instituições de pesquisa), no entanto outros segmentos ocupacionais também empregavam expressivos contingentes de mestres - quase 20% na administração e nos serviços públicos, seguidos por empresas públicas e privadas. Por outro lado, a maioria dos doutores desempenhava atividades acadêmicas. Quase 85% dos egressos da área básica trabalhavam em universidades e instituições de pesquisa como docentes universitários.

Destaca-se também, neste estudo, que a taxa de empregabilidade dos egressos da pesquisa (53; 98%) é maior que a taxa nacional levantada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), do Ministério da Ciência e Tecnologia, que aponta na área multidisciplinar após 10 anos da titulação para a taxa de emprego entre mestres de 72,3% e entre doutores de 83,5% (CGEE, 2016).

Os dados da pesquisa mostraram que o PPGPS da Unifran contribuiu positivamente para a inserção dos egressos no mercado de trabalho.

RELEVÂNCIA DA PROMOÇÃO DA SAÚDE NA ATUAÇÃO PROFISSIONAL

Foi questionado aos egressos participantes sobre a relevância e a aplicabilidade da PS na atual atuação profissional. Nesse quesito, obteve-se o seguinte: “Atualmente trabalho como enfermeira assistencial em um hospital público. Mesmo trabalhando diretamente com o processo saúde e doença, na área curativa, consigo realizar, na prática, conhecimentos adquiridos no programa” (E1). No relato desse egresso, ficou evidente a percepção sobre dicotomização entre prevenção e PS.

A PS busca modificar positivamente as condições de vida, aponta para a transformação do processo individual de tomada de decisão em busca de melhor qualidade de vida e saúde e orienta para o fortalecimento comunitário com decisões coletivas visando ao favorecimento das condições de bem-estar e saúde. Já a prevenção se orienta para as ações de detecção, controle e enfraquecimento dos fatores de risco de determinada enfermidade (Buss, 2003).

Os dois conceitos têm sua importância e complementam-se para a integralidade no cuidado em saúde. A aplicação prática dos conhecimentos desenvolvidos durante o curso do PPGPS foi apontada como fator importante para subsidiar a política de saúde daqueles em cargo de gestão pública e nos processos de ensinagem: “Nas minhas aulas temos inclusive atividades com outros professores em UBS com os alunos. Passar essa visão de promoção de saúde para os alunos é essencial” (E12).

O reconhecimento da saúde ampliada proporcionado pela PS foi fundamental na atenção à saúde e implicou a compreensão de que os conhecimentos dos profissionais e das pessoas que buscavam o cuidado integram diferentes subsistemas de saúde:

Eu acho que me diferenciei em relação aos colegas que fazem ginecologia, em termos de ter uma abordagem multidisciplinar mais integrada com o paciente. O paciente reconhece isso no atendimento. Ele sai assim bastante satisfeito, como: “Nossa! Nunca fui abordada dessa forma”. Sabe a qualidade de vida. Em relação a isso, eu acho que acrescentou muito. (E13)

A concepção de educação como um processo que envolve ação-reflexão-ação capacita as pessoas a aprender, evidenciando a necessidade de uma ação concreta e a superação das contradições (Freire, 1996). Assim, a relação entre educação em saúde e a pedagogia crítica, que parte de um diálogo horizontalizado entre profissionais e usuários, poderá contribuir para a construção da emancipação da pessoa para o desenvolvimento da saúde individual e coletiva.

Freire (1967) alertou que, para o humanismo verdadeiro, seria necessário vivenciar o diálogo. Na expressão do E13, “Nossa! Nunca fui abordado dessa forma”, evidencia-se na interação com esse profissional que houve sensibilidade pessoa-pessoa, o que encorajou o autocrescimento e a autorrealização na interação.

Muitas vezes, no cotidiano dos serviços de saúde, estabelecem-se relações de opressão que sustentam o paradigma da ciência (profissional). O processo em que a linguagem corrente no discurso científico passa a ser descodificada pelo sujeito (atendido) produz situações-limite e desafiadoras e, assim, aumenta sua condição reivindicatória de cuidado, de direito ao acesso digno e de qualidade aos serviços de saúde e de garantia de atendimento por parte do Estado (Alvim e Ferreira, 2007), conforme: “Fiz o mestrado eu ainda era professora. Eu mudei muito minhas aulas por conta do mestrado, e hoje como coordenadora a gente estuda muitas coisas, inclusive disciplinas, por conta dessa visão que tive” (E49); e “A promoção da saúde perpassa [pelas] minhas práticas profissionais, seja no atendimento ao meu paciente e no relacionamento com a equipe, seja na sala de aula” (E17).

Os depoimentos dos egressos participantes da pesquisa reforçaram o apontado por Loureiro (2008), que afirma que, após a formação em PS, se espera que os egressos tenham adquirido a compreensão dos valores, das teorias e dos modelos subjacentes às abordagens em PS e suas implicações na prática em literacy em PS.

PERCEPÇÕES SOBRE OS PROCESSOS DE ENSINAGEM

Os egressos participantes da pesquisa, ao serem questionados sobre o que consideram significativo no programa e de quais aspectos se recordam, relataram:

A abertura assim, sabe, a questão de abertura de campo mesmo, de trabalho, mas também saber que ninguém tem a verdade absoluta, que geralmente na graduação saímos quase convictos de tudo. No mestrado ele já te deixa cheio de dúvidas, já que você aprende mais sentindo na dor, né. Até por esse lado do mestrado me levou a duvidar de tudo, sabe, e procurar sempre uma resposta (E5).

Nessa passagem foi possível verificar a relação com o quinto saber proposto por Morin (2000), que indica a importância da dúvida, possibilitando a busca constante de conhecimento. Trata-se de uma coragem epistemológica e até mesmo da criticidade apontada por Freire (1996) de dicotomizar o texto do contexto.

A dúvida e a criticidade foram aspectos pulsantes para a transformação de realidades. A partir daí, evidenciou-se mobilização para a mudança:

Eu acho que acrescentou algumas coisas... Mudou, melhorou algumas coisas, assim no olhar agora como pesquisadora. Eu trabalho na área de tecnologia. Meu trabalho foi nessa área, minha dissertação foi nessa área. Então, eu achei que foi muito interessante nesse aspecto. Pra mim acrescentou, enfim, na forma de olhar as aulas, com as discussões e tudo mais. Eu acho que melhorou. (E21)

Nota-se que esse egresso participante relata que produziu transformação: da sala de aula hierárquica em espaço de diálogo. Como Freire (1978) preconizava, o diálogo atua como metodologia de trabalho didático, para vir a se constituir como o fim e o sentido de uma educação conscientizadora, condição básica para o conhecimento.

Esse diálogo, segundo Freire (1967), é o encontro entre os homens, em que a reflexão e a ação se orientam para o mundo que é preciso transformar e humanizar. “É necessário amor, humildade, fé no homem, criatividade, criticidade e esperança” (Freire, 1967, p. 52):

Eu acho que a abertura para promoção da saúde, porque na minha graduação eu não tive uma disciplina sobre promoção da saúde, não sabia o que era, e então eu entrar no programa eu vi o quanto é importante e essencial. É uma atenção antes da prevenção. Não é pensar na doença, e o mundo tem que ir por aí. (E44)

Na ótica abstraída do relato dos egressos, o PPGPS da Unifran pode ser avaliado como exitoso ao ter proporcionado integralidade, articulação teoria-prática, base para o trabalho em equipe e crescimento pessoal e profissional.

Considerando que a conferência de Nairóbi trouxe discussões que refletiram sobre as demandas da sociedade, Battel-Kirk et al. (2009) apontaram que o atual cenário internacional mostrava crescimento de políticas públicas de PS. Para os autores, o fato leva cada vez mais à necessidade do desenvolvimento efetivo de competências profissionais para o fortalecimento e a implementação da PS.

Neste estudo, inicialmente se planejou investigar se os participantes tinham adquirido ao cursar o PPGPS da Unifran as competências de criatividade, parceria, planejamento, empatia e favorecimento à mudança, itens que foram questionados de forma objetiva no questionário. No decorrer da análise das entrevistas, foi possível verificar que os egressos, após o curso, trouxeram em seus relatos a aquisição também das competências de advocacia e liderança, que foram agregadas à análise.

A criatividade foi abordada nesta pesquisa por ser considerada uma competência que catalisa e dá vazão para as outras competências. Dos egressos participantes, 37 (68,5%) afirmaram se achar mais criativo após cursar o PPGPS da Unifran. Os 17 (31,5%) restantes relataram já possuir essa competência antes do ingresso no programa.

A competência parceria diz respeito sobre o processo de trabalhar colaborativamente com diversas áreas de conhecimento, setores, entidades e atores sociais (Dempsey, Battel-Kirk e Barry, 2011). Os egressos participantes foram unânimes em se reconhecerem competentes em realizar parcerias após cursar o PPGPS da Unifran e em dizer que essa competência facilita o desenvolvimento das ações em PS.

Advocacia é uma combinação de ações individuais e sociais projetadas para obter compromisso político, podendo acontecer de várias formas, incluindo o uso dos meios de comunicação de massa e multimídia, para a mobilização da comunidade (Dempsey, Battel-Kirk e Barry, 2011). Todos os participantes da pesquisa afirmaram ter desenvolvido essa competência no PPGPS da Unifran.

A competência em planejamento envolve ser capaz de elaborar metas e objetivos que possam ser medidos, com base no diagnóstico das necessidades e potencialidades, auxiliando na definição de alternativas e direções, com a participação de atores, parceiros e público-alvo (Dempsey, Battel-Kirk e Barry, 2011). Todos os egressos participantes deste estudo afirmaram possuir essa competência após cursarem o PPGPS da Unifran.

Liderança significa contribuir para uma visão compartilhada e estratégica e relaciona-se com habilidades para influenciar, motivar e trabalhar em rede, implicando a oferta de mediação e treinamento à equipe de trabalho (Dempsey, Battel-Kirk e Barry, 2011). Da amostra deste estudo, 51 (94,5%) dos egressos participantes afirmaram possuir essa competência. Os três (5,5%) que negaram ter liderança associaram o item com a receptividade das outras pessoas a essa competência.

Quanto à empatia, Morin (2000) destacou-a como meio para a compreensão. Compreender consiste em um processo de empatia, de identificação e de projeção, pedindo abertura à simpatia e à generosidade. O desenvolvimento da compreensão necessitaria da reforma planetária das mentalidades, e essa reforma deve ser a tarefa da educação do futuro. Sobre ter empatia, todos os participantes afirmaram ter desenvolvido essa competência ao cursar o programa.

No que tange à competência favorecimento de mudanças, que se relaciona com a reorientação dos serviços de saúde e a redução de iniquidades por meio da ação intersetorial e colaborativa, do desenvolvimento comunitário e do empoderamento (Dempsey, Battel-Kirk e Barry, 2011), todos os egressos participantes deste estudo afirmaram ter adquirido tal competência após ingressar no PPGPS da Unifran.

Ressalta-se que, apesar de terem sido questionadas isoladamente, todas as competências se relacionam entre si. Por exemplo, a competência parceria apresenta relação com advocacia em saúde, pois as parcerias precisam de interlocução e mediação. Para que a advocacia seja efetiva, fazem-se necessárias a criação de alianças colaborativas e a utilização de formas eficientes de comunicação. Já a competência para o trabalho colaborativo se aproxima de liderança (Tusset et al., 2015).

A mobilização dessas competências citadas poderá favorecer o desenvolvimento de outras competências, como o empoderamento, que estaria ligado à autonomia. Destaca-se nessa competência a capacidade de indivíduos e grupos de poderem decidir sobre questões que lhes dizem respeito, tais como: política, economia, saúde, cultura, entre outros aspectos de ordem social e individual (Chiesa et al., 2007).

Salienta-se que o questionário utilizado apresentou fragilidades, já que as competências adquiridas não foram abordadas de forma mais objetiva nem apreendidas em sua expressão, sendo levada em conta somente a autopercepção dos participantes.

Outra avaliação realizada neste estudo foi referente à percepção dos egressos sobre o formato interdisciplinar do PPGPS da Unifran, uma vez que Morin (2012) aponta que a formação disciplinar acabou por reduzir a aptidão da contextualização, enfraquecendo a responsabilidade e a solidariedade, ao diminuir a percepção do global, valorizando o particular. Para a superação dessa fragmentação e descontextualização se deveria dar lugar à pluralidade dos saberes em diálogo, pavimentados pela interdisciplinaridade.

Sobre o PPGPS da Unifran ser interdisciplinar e interprofissional, os egressos participantes avaliaram: “Foi muito valido. Além da possibilidade de trocar experiência e entender a interdisciplinaridade, o orientador de outra formação fez eu me ater a novos olhares e direcionamentos” (E10); “Ah, foi uma visão bem mais ampla, né? É importante ter uma visão assim, mais ampla de outros profissionais, e tem muito essa questão de trabalhar em equipe, trabalho multiprofissional. Foi muito interessante” (E24); e “Estar com profissionais de outras áreas nos auxilia a ampliar nossas percepções e ações e também é uma prévia do trabalho em equipe na realidade dos equipamentos de saúde, que tem o trabalho multiprofissional” (E16).

Nos relatos dos egressos, foi possível evidenciar o conceito de ser humano complexo. Para Morin (2012), a condição humana excede sua biofísica e complexidade sociocultural. No seu contexto vivencial, o homem metamorfoseia-se religando objetividade e subjetividade, o real e o imaginário, ou seja, unindo diferentes pontos de vista para entender a sua própria realidade humana, que é produzida e reproduzida por antagonismos, por competição e por complementaridade.

A experiência interdisciplinar e do PPGPS da Unifran possibilitou espaços de reflexão coletiva que proporcionaram ao egresso sair da normatização, movimento próprio da lógica acadêmica, o que enriqueceu o conhecimento, a comunicação entre os profissionais, a tomada de decisão e a gestão, conforme o relato a seguir: “Foi bom, porque eu acho que, independente[mente] da formação da pessoa, tudo depende da capacidade e [d]a didática da pessoa. E a formação da pessoa nem sempre interfere. E também pela oportunidade de a gente interagir e conhecer outras áreas de formação” (E51).

A prática interdisciplinar é revestida de grande complexidade, por exigir dos profissionais nova forma de agir no cotidiano, além de implicar mudanças nas relações de poder entre os profissionais de saúde, para que se amplie efetivamente a autonomia dos usuários e das coletividades (Ceccim, 2008).

A troca de experiência, o envolvimento com outras categorias profissionais, o aprender a trabalhar em grupo e o buscar o próprio conhecimento, de acordo com as necessidades do dia a dia, também se mostraram como reais aquisições dos cursos.

O presente estudo apresentou como limitação a dificuldade de se generalizarem os achados, uma vez que a investigação retrata os egressos de PPGPS de uma única instituição de ensino superior. Buscou-se uma análise acerca dos resultados do PPGPS da Unifran, que é o curso de referência nacional e na América Latina, por intermédio da articulação das abordagens quantitativa e qualitativa.

Apesar de a maioria dos egressos participantes ter se autoavaliado com competências em PS, ainda é necessário ampliar a compreensão e a manifestação dessas competências.

CONSIDERAÇÕES

Pelos relatos, foi possível perceber que, no geral, o PPGPS da Unifran oportunizou a experiência interdisciplinar de forma positiva. Essa aquisição permite que os egressos possam praticar esse paradigma, produzindo transformação mesmo no ambiente de trabalho. Evidenciou-se que a lógica utilizada pelos egressos para avaliar positivamente o PPGPS da Unifran revelou a interdisciplinaridade, propiciando a construção ampliada e contextualizada da realidade, a articulação teoria-prática, além do desenvolvimento da capacidade de conviver e respeitar os diferentes saberes necessários ao cuidado integral. Sobre a aquisição de competências em PS, foram percebidos criatividade, parceria, advocacia, planejamento, empatia, liderança e favorecimento à mudança.

Esta pesquisa, ao propor os ideais freireanos e os de Morin para o cotidiano do processo de ensinagem na pós-graduação, o fez pela possibilidade de construção da crítica e reflexão essenciais para o alcance da concepção e ação em saúde ampliada. É notório que os conceitos da pedagogia crítica e de Morin são mais utilizados no ensino básico nacional e que a inserção e discussão dessas metodologias no ensino superior, seja no nível de graduação, seja na pós-graduação, ainda contam com pouca experiência, mas por meio deles seria possível ressignificar profissionais e pesquisadores.

É fato que as estratégias utilizadas no PPGPS da Unifran fizeram com que os egressos se percebessem competentes em agir segundo a PS, capazes de favorecer a ruptura e o movimento de transformação do modelo assistencial em saúde e de formação em saúde, já que uma parte desses egressos está atuando na docência e retroalimentando o processo de ensinagem na perspectiva da PS.

O desenvolvimento de competências em PS se apresenta beneficiado com a abordagem crítico-reflexiva adotada pelo programa e apoiada em Paulo Freire e Edgar Morin. Esses educadores discutem a ação de forma inovadora, centrada no diálogo entre o educador e o educando, na medida em que se posicionam de maneira crítica, refletindo sobre sua condição de sujeito, comprometidos com a realidade, extraindo daí a essência da prática, saindo da simples adaptação ou acomodação, permitindo transformar a realidade.

Este estudo dialoga com as discussões realizadas mundialmente na busca da construção de novos paradigmas para responder às questões colocadas pela crise da saúde pública, respondendo à meta de número 3 dos ODS da Agenda 2030, uma vez que o PPGPS da Unifran é um centro pioneiro na formação de profissionais com valores e competências em PS. Seus resultados poderão contribuir com o planejamento do curso, que almeja a qualidade e excelência na formação profissional, a melhoria na qualidade de vida das pessoas e o progresso da sociedade.

Os dados encontrados reiteram a importância de se continuar investindo no processo educativo baseado nas competências em PS, utilizando metodologias para o desencadeamento de reflexões sobre o fazer profissional no contexto do SUS, de forma que os egressos possam colaborar com ações cotidianas, criativas e inovadoras.

Esta pesquisa pode contribuir tanto no replanejamento dos cursos em PS quanto na implementação de outros que venham a ser estruturados para se alcançarem mudanças na formação profissional, iluminados por um novo olhar do processo de ensino e aprendizagem.

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Recebido: 19 de Dezembro de 2019; Aceito: 25 de Maio de 2020

Jaqueline Roberta da Silva é mestranda em promoção de saúde pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Psicóloga pela Prefeitura de Altinópolis (PMA). E-mail: jaqroberta@hotmail.com

Fabíola Pansani Maniglia é doutora em ciências médicas pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Universidade de Franca (UNIFRAN). E-mail: fabiola.maniglia@unifran.edu.br

Glória Lúcia Alves Figueiredo é doutora em enfermagem em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Universidade de Franca (UNIFRAN). E-mail: gloria.figueiredo@unifran.edu.br

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