SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.26CONHECIMENTO MATEMÁTICO E PRÁTICA EM GERAL NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTILA agenda educacional do Banco Mundial para pessoas com deficiência e o caso brasileiro índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.26  Rio de Janeiro  2021  Epub 09-Ago-2021

https://doi.org/10.1590/s1413-24782021260055 

Artigos

A orientação coletiva na pós-graduação stricto sensu: o pioneirismo de Dermeval Saviani

LA TUTORÍA COLECTIVA EN EL POSGRADO STRICTO SENSU: EL PIONERISMO DE DERMEVAL SAVIANI

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.


RESUMO

A orientação coletiva de dissertações e teses e a organização dos pesquisadores em grupos/redes de pesquisa estão se tornando praxis corriqueira nos programas de pós-graduação em Educação. Com base em revisão de literatura e em entrevistas, recupera-se a gênese da orientação coletiva na área. É analisado o histórico do pioneirismo na implementação dessa estratégia de orientação, que tem em Dermeval Saviani seu protagonista, quando da sua inserção no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-SP no final da década de 1970. Com isso, busca-se apreender, nas experiências pioneiras de orientação coletiva, a sua contribuição para a criação de uma cultura de pesquisa e formação de pesquisadores e orientadores na/para a pós-graduação brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: pós-graduação stricto sensu; orientação individual e coletiva; grupos de pesquisa; Dermeval Saviani

RESUMEN

La orientación colectiva de tesis de graduación y de doctorado y la organización de los investigadores en grupos/redes de investigación están resultando praxis habitual en los programas de posgrado en Educación. Con base en una revisión de literatura y en entrevistas, se recupera la génesis de la tutoría colectiva en el área. Se analiza el histórico del pionerismo en la implementación de esa estrategia de tutoría que tiene en Dermeval Saviani su protagonista, cuando se insertó en el Programa de Posgrado en Educación de la PUC-SP al fin de la década de 1970. Con ello, se busca aprehender de las experiencias pioneras de tutoría colectiva su contribución a la creación de una cultura de investigación y formación de investigadores y orientadores en el/para el posgrado brasileño.

PALABRAS-CLAVE: posgrado stricto sensu; tutoría individual y colectiva; grupos de investigación; Dermeval Saviani

ABSTRACT

The collective supervision of dissertations and theses and the organization of researchers in groups and networks are becoming common praxis in graduate programs in education. Based on literature review and interviews, the genesis of collective supervision in the field is examined in this study, which analyzes the history of the pioneering implementation of this supervision strategy by Dermeval Saviani in the Graduate Program in Education at PUC-SP in the late 1970s. The research sought to learn from these groundbreaking experiences in collective supervision and about their contribution to the creation of a culture for research and education for researchers and supervisors in Brazilian graduate studies.

KEYWORDS: academic graduate programs; individual and collective supervision; research groups; Dermeval Saviani

INTRODUÇÃO

Embora criada em 1951, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) assume legalmente a responsabilidade de organizar e avaliar a pós-graduação (PG) stricto sensu no Brasil a partir do final da década de 1960, sob a lei n. 4.024/1961. Na área de Educação, o marco inicial é a criação do curso de PG em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), no final de 1965, que coincide com a publicação do parecer CFE n. 977/1965. No Brasil, hoje, somente na área de Educação, estão em funcionamento 190 programas, sendo 45 de mestrados acadêmicos, um de doutorado acadêmico, 49 de mestrados profissionais, 3 de mestrados e doutorados profissionais e 93 programas com mestrado e doutorado acadêmicos. Essa história de 55 anos da institucionalização da PG em Educação pode ser analisada por diversos ângulos. Um deles é o das metamorfoses pelas quais passou, durante esse período, a relação entre orientador e orientando.

Ao realizar comparações entre os processos de ser pós-graduando nos primeiros anos da PG stricto sensu no Brasil e em períodos mais recentes foi possível evidenciar as diferentes pressões sobre o pós-graduando e seu orientador, e o que isso significa em termos de orientar e ser orientado. Ao realizar essas comparações, visamos dois objetivos: em primeiro lugar, acreditamos ser necessário caracterizar a função orientadora por meio das crescentes responsabilidades que a ela foram incorporadas. É dentro desse cenário que a orientação coletiva - junto à individual - ganha espaço e é discutida. Para alguns orientadores, frente a tantas demandas, a orientação coletiva não é uma escolha, mas solução (Bianchetti, 2010, 2019a). No coletivo, abre-se espaço para a coorientação, em que pesquisadores e pós-graduandos, em diferentes estágios de formação e de atuação (Halse, 2011; Massi e Giordan, 2017), se auxiliam mutuamente, de tal maneira que o processo e os resultados do trabalho são potencializados. Esta, embora não seja a única e muito menos a principal justificativa para a existência de um grupo/rede de pesquisa, sem dúvida, constitui uma das possíveis ações nesse universo de tantas demandas. O segundo objetivo para essa retomada comparativa foi o de evidenciar que a orientação coletiva está presente no cotidiano dos programas de PG, porém, não é uma estratégia ou ação “criada” ou “descoberta” em período recente. É aqui que se insere a contribuição de Dermeval Saviani, com suas experiências pioneiras de orientação coletiva nos anos iniciais da PG stricto sensu em Educação, mais precisamente, na segunda metade da década de 1970.

Ao buscar elementos para compreender a constituição de experiências pioneiras sobre a orientação coletiva na PG stricto sensu, seguindo as pistas proporcionadas por Dermeval Saviani, nos deparamos com uma série de temáticas e questões sobre a história da PG e da pesquisa em Educação, que ganham adensamento e fortalecimento ao serem resgatadas e transformadas em projetos de pesquisa, pois permitem expandir o conhecimento da situação atual da PG e entender melhor as perspectivas que se descortinam neste início de década para a educação, tão envolta em sombras e ataques.

Acreditamos que os fios trazidos para a discussão permitem tecer aprendizagens e, dentro delas, podemos observar e entender como o papel do Estado, inicialmente voltado para questões do financiamento da PG, passa cada vez mais a estandardizar o trabalho e a formação realizada nesse espaço ao definir regras, organização, funcionamento e avaliação. As experiências - as ousadias, diríamos - são difíceis de serem implementadas dentro desse cenário. Causa efeito pensar nas possibilidades de escolha dos primeiros PPGE frente ao universo do mesmo modelo nos dias atuais. Com essa consideração, não queremos dizer que ignoramos os problemas que os primeiros PPGE enfrentaram para poder se consolidar nos anos 70 e 80 do século passado, mas sim salientar que as pressões de tempo e as demandas dificultam ensejar experiências inovadoras para a pós-graduação em Educação, na mescla entre a indução e o protagonismo dos envolvidos.

Neste artigo, organizamos a discussão sobre esses pontos a partir de dois subitens. No primeiro, retomamos e analisamos a produção acadêmica sobre a relação entre orientador e orientando na pós-graduação, com ênfase na produção sobre a área de Educação. No segundo, a partir de entrevista concedida por Dermeval Saviani, revisitamos experiências desenvolvidas nos anos 1970 e 1980 por esse pesquisador, no intuito de transformar a orientação em um espaço de trabalho coletivo.

A RELAÇÃO ORIENTADOR-ORIENTANDO: DOS PRIMEIROS ANOS DA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU À SITUAÇÃO ATUAL

Ao analisar o marco legal fundador (Cury, 2005) da PG stricto sensu - o parecer CFE n. 977/1965 -, constatamos que há três menções explícitas à função orientadora, centradas na figura do orientador. Nesse documento, em sua parte final, o parecerista sintetiza o teor do Parecer em 16 itens, sendo que o item 11º indica que a orientação do pós-graduando será realizada sob a responsabilidade de um diretor de estudos, nestes termos: “O programa de estudos do Mestrado e Doutorado se caracterizará por grande flexibilidade, deixando-se ampla liberdade de iniciativa ao candidato que receberá assistência e orientação de um diretor de estudos”. Partindo dessa menção no Parecer até os dias atuais, a função orientadora, gradativamente, foi se afastando desse espaço institucional com pouca visibilidade, elevando-se à condição de assunto debatido, objeto de pesquisa (Mazzilli, 2009; Brandão, 2010; Corrêa, 2012; Baibich, 2016). Dentro desse espaço de tempo, há propostas para a transformação da orientação em componente curricular da formação de orientadores (Viana, 2008; Schnetzler e Oliveira, 2010), passando pela discussão de formação do orientador por meio do oferecimento de minicursos ou tutoriais para ensinar a orientar (Dias, Patrus e Magalhães, 2011), até a preconização da necessidade de frameworks organizativos/prescritivos do como orientar (Costa, Souza e Silva, 2014). Na produção acadêmica em língua inglesa, encontramos menções mais diretas, seja para o debate, seja no sentido de transformar a orientação em uma didática ou pedagogia da orientação (Walker e Thomson, 2010; Halse, 2011), por meio da sistematização de cursos para formar orientadores (Peelo, 2011). Evidenciamos que, gradativamente, a orientação passa a constar na legislação expressa nos Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG), sendo que, no V PNPG (2005-2010), é explicitada como uma das conquistas da PG a criação de um eficiente sistema de orientação (Brasil, 2010).

Contudo, seja qual o ângulo utilizado para analisar como é realizada a orientação na PG, evidencia-se que as experiências vão de um extremo a outro, ou seja, do modo como era e como está se constituindo nos dias atuais, geralmente listando-se características polarizadas entre o antes e o agora (Bianchetti, 2010, 2011). Assim, ao se referir aos primeiros anos da PG, os depoentes das nossas pesquisas ressaltam:

  • que os orientandos tinham maturidade intelectual e experiência na educação superior, o que, segundo eles, era garantia de autonomia e maior tranquilidade para os orientadores;

  • os orientadores tinham grande número de orientandos, com temáticas de pesquisa diversas e número reduzido de encontros entre orientador e orientando;

  • as orientações eram individuais, “estilo confessionário”;

  • havia um tempo dilatado para concluir a pós-graduação, e, no caso de não conclusão, o problema era exclusivo do pós-graduando;

  • não havia exigências, tanto para o orientando como para o orientador, de publicações ou participação em eventos;

  • a disponibilidade de recursos por meio de bolsa de estudo para os discentes e de suporte para o funcionamento dos programas;

  • a orientação era assumida sem “formação” - o orientador realizava o seu trabalho intuitivamente - ao utilizar como parâmetro o seu orientador;

  • orientadores formados em outros países, com diferentes tradições em termos de PG e de orientação.

Por outro lado, ao analisar períodos mais recentes, a listagem também é longa para relacionar atitudes, posturas, exigências que plasmam e recaem sobre as universidades e, no seu interior, sobre os programas de PG, com suas coordenações, secretarias, seus orientadores e orientandos. Percorre-se aí uma espiral hierárquica em cuja base encontramos os sujeitos envolvidos na PG que assinalam que cada vez mais perdem vantagens materiais e simbólicas por pertencerem a esse espaço de formação, dada a heteronomia que perpassa a gestão da PG.

Ao buscar compreender o que, como, quando e o porquê dessas mudanças na organização da PG e, no seu interior, da orientação, podemos elencar possíveis explicações. Entre estas, destacamos as de caráter institucional:

  • a mudança de paradigma em meados da década de 1990, da formação de professores à de pesquisadores (Kuenzer e Moraes, 2005);

  • a atribuição à CAPES de organizar a PG por meio de PNPGs, e de, concomitantemente, avaliar e financiar a PG;

  • a expansão em progressão geométrica do número de programas de PG e de pós-graduandos;

  • a necessidade das instituições de ensino superior (IES) privadas investirem em PG para alcançar ou manter o status de universidade;

  • a cobrança dos órgãos de avaliação e fomento para as universidades melhorarem suas posições nos rankings internacionais;

  • as induções para os envolvidos com a PG se organizarem em grupos de pesquisa interinstitucionais, nacionais e internacionais, com vistas à formação de redes de pesquisa.

Essas transformações no funcionamento da PG também impactaram fortemente o processo de orientação. Podemos dizer que, nos anos iniciais da PG no Brasil, a entrada de um candidato em um programa, a frequência ao curso e seu sucesso ou fracasso no trabalho terminal (parecer n. 977/1965) diziam respeito exclusivamente ao pós-graduando. Diferentemente, em período recente, tais aspectos atingem a todos os envolvidos no processo, com repercussões na avaliação e no fomento do programa. Nesse cenário, a apresentação da dissertação ou a defesa da tese, de ponto de chegada, passa a ser mais uma das etapas da escalada de exigências a que estão sujeitos tanto orientador quanto orientando (De Meis et al., 2003).

Hoje, percebe-se que a pretensão de acessar a PG, de ser aprovado, frequentar e concluir ou não um curso, mais do que nos anos iniciais da PG, é um processo complexo, com rituais e etapas a que o candidato precisa se submeter e ultrapassar. Após o ritual do processo seletivo, inicia-se a etapa que Coulon (2017) denomina afiliação institucional e intelectual, em que o pós-graduando aprende e apreende o ofício de estudante, seja no que diz respeito aos rituais de cada IES/programa, seja na inclusão ou articulação mais estreita com a temática de investigação do grupo e linha de pesquisa à qual se integrará por meio do seu orientador. Nessa condição, além de cumprir os créditos, precisa participar das reuniões do grupo de pesquisa, reorganizar seu projeto de pesquisa, participar de eventos e publicar - preferencialmente, em coautoria com colegas e/ou com o professor orientador e líder do grupo de pesquisa. Quanto maior for a internacionalização do grupo de pesquisa, maiores serão as possibilidades de recursos, subsídios para viagens, convênios para estágios em outras instituições, bolsas de estudo no país e no exterior. Nesse contexto da internacionalização, vale ressaltar que no VI PNPG (2010-2020) há referência à orientação ao preconizar a “intensificação dos programas de intercâmbio, visando ao compartilhamento na orientação de doutorandos com pesquisadores atuando no exterior em áreas de interesse estratégico para o país, conforme os casos”. E, no capítulo das recomendações, destacamos a referência à “instituição da dupla ou até mesmo tripla orientação, conforme os casos específicos” (Brasil, 2010, p. 36).

Paralelamente, o pós-graduando necessita avançar no recorte da sua pesquisa, organicamente vinculada à do/da grupo/rede de pesquisa, encaminhar seu projeto para qualificação e concluir sua pesquisa, visando à apresentação pública (dissertação) ou defesa (tese). Por sua vez, no decorrer da trajetória formativa do pós-graduando, dispõem-se eventos que não fazem parte do cronograma previsto inicialmente. Entram em cena determinadas questões, como: a gravidez, a maternidade/paternidade, a necessidade de conciliar emprego/trabalho e frequência ao curso, doenças (psico)somáticas e uma série de outros eventos que interferem nos seus estudos. Cada uma das situações elencadas poderia ser ilustrada por referências das mais diversas áreas do conhecimento. No exemplo da gravidez/maternidade, temos, por exemplo, a pesquisa empírica realizada por Bitencourt (2011), ao investigar como as doutorandas vivenciam a maternidade no doutorado na área de Ciências Sociais. Esse aspecto está tão presente no cotidiano dos programas que a CAPES, por coação legal, prevê um período de prorrogação da bolsa de estudos por quatro meses - sem prejuízos para a pós-graduanda e para o programa - no caso da maternidade. Com relação ao adoecimento durante o curso, há crescentes registros de stress, depressão (Faro, 2013), e, no limite, tentativas de suicídio entre pós-graduandos pressionados por prazos e pelas exigências que envolvem o que se convencionou denominar produtivismo acadêmico. Esses aspectos, na área de Educação, ainda são pouco pesquisados (Bianchetti, 2019b), embora apareçam, cada vez com maior frequência, no noticiário jornalístico (Moraes, 2017a, 2017b; Orsi, 2018).

Realizada a defesa, o ex-pós-graduando precisa/necessita preocupar-se em apresentar os resultados em eventos e publicar, sejam artigos decorrentes da dissertação/tese, seja o próprio trabalho final em livro, caso queira seguir/prosseguir a/na carreira acadêmica. As teses e as dissertações, adaptadas ou não, raramente são aceitas para publicação por editoras. Para fazer frente à pressão por publicar, surgem editoras que, mediante pagamento, publicam as dissertações/teses; sem contar a disseminação em progressão geométrica de opções para publicação em formato e-book. Nesse sentido, são muitas as obras que discutem a necessidade e a dificuldade de publicação dos resultados das pesquisas decorrentes de dissertações/teses, resumidas no bordão ou mantra publish or perish (Waters, 2006). Germano (2008) cria um verdadeiro manual de autoajuda - muito útil, divertido e qualificado - para o recém-doutor publicar sua tese como livro.

Esse é um roteiro que, aos poucos, se torna rotineiro e passa a ser naturalizado. Os embates, contudo, não terminam com a defesa da tese, pois o recém-doutor, caso não trabalhe na área acadêmica, começa a luta para se estabelecer profissionalmente como professor/pesquisador. Na espiral que não conhece ponto de chegada, o passo seguinte e possível, sempre no interior do grupo/rede de pesquisa, é o estágio pós-doutoral, a atuação como recém-doutor ou professor visitante júnior em alguma instituição e a preparação constante para a corrida por uma vaga em IES ou em outros sistemas de ensino/pesquisa.

Sobre essa trajetória, comum aos pós-graduandos de diferentes programas, temos desenvolvido pesquisas voltadas para a relação entre orientador e orientando, com ênfase na formação do orientador, processo de escrita da tese, grupos e redes de pesquisa como suporte para o desenvolvimento de dissertações e teses e estratégias desencadeadas pelos doutorandos em educação no seu percurso para ingressar, permanecer e concluir o curso (Bianchetti, 2010, 2011, 2019a, 2019b; Bianchetti e Machado, 2012)1. Nesse percurso, o diálogo com diversos autores com pesquisas convergentes a essas temáticas foi constante. Além dos autores citados, destacamos as contribuições de Delamont, Parry e Atkinson (1998), ao tratarem dos “dilemas” da relação de orientação, um “equilíbrio” sempre delicado. As pesquisas de Walker e Thomson (2010) sobre a importância das atividades dos grupos de pesquisa e das suas redes colaborativas para a constituição de uma “pedagogia ou didática da orientação” foram decisivas para os estudos sobre formação de orientadores. Sobre essa questão, Massi e Giordan (2017) desenvolvem pesquisa para identificar temáticas associadas à formação de orientadores por meio de amplo levantamento bibliográfico nacional e internacional. Em pesquisa mais recente, analisam a formação e atuação dos orientadores que atuam na área de Ensino da CAPES (Massi, Carvalho e Giordan, 2020). Vale ressaltar, por fim, a pesquisa empírica realizada por Halse (2011) a partir da seguinte questão: o doutorado é um processo educativo para o aluno, mas qual seu impacto no aprendizado do orientador e na sua prática de orientação? Os resultados o levam a concluir que as experiências de aprendizagem dos orientadores moldam suas subjetividades e identidades: a orientação é um processo ontológico contínuo de “tornar-se um orientador”.

DERMEVAL SAVIANI E A ORIENTAÇÃO COLETIVA NA PÓS-GRADUAÇÃO

Na coletânea Perfis da Educação2, Diana Vidal escreve/organiza o livro Dermeval Saviani: pesquisador, professor e educador. Na introdução, a autora assim se manifesta: “Acompanhar a trajetória acadêmica de Dermeval Saviani é, de certo modo, acompanhar a própria constituição do campo da história da educação no Brasil nas últimas quatro décadas”, e acentua que, nos 43 anos dedicados ao magistério do ensino superior, “Saviani esteve à proa de movimentos que permitiram configurar a comunidade dos historiadores brasileiros da educação e rearticular interesses de pesquisa na arena educacional” (Vidal, 2011, p. 17).

Na obra, a autora coloca em relevo a contribuição de Saviani na estruturação da história da educação brasileira, na condição de educador, pesquisador e militante. Com base em Ory e Sirinelli (1992 apudVidal, 2011, p. 18), ela explicita que “é preciso situar o intelectual tanto em seu estatuto social quanto em sua vontade individual, posto que os indivíduos não existem alheios às pressões político-ideológicas de seu tempo”. Na sequência, abre um subitem intitulado: “Do trabalho individual ao exercício do grupo: mutações nas práticas de pesquisa e no ofício do historiador da educação” (Vidal, 2011, p. 21), conectando-se, assim, com o nosso texto. Na entrevista que Saviani concede a Vidal, ele explicita que, ao organizar o Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR) na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), trazia como parâmetro a “experiência prévia, bastante bem-sucedida, na PUC-SP. Lá inaugurei o processo de orientação coletiva” (Vidal, 2011, p. 38).

Inseridos esses aspectos referentes à orientação de dissertações e teses e à atuação do professor Dermeval, passamos, agora, a tratar dessas questões, “guiados” por destaques da entrevista que nos concedeu.

COM A PALAVRA, O PROFESSOR SAVIANI: A “INAUGURAÇÃO” DO PROCESSO DE ORIENTAÇÃO COLETIVA

Este item está construído a partir de excertos da entrevista que Saviani nos concedeu, em dezembro de 2016, em sua sala na Faculdade de Educação da UNICAMP. A entrevista, feita em um único momento e com duração de duas horas, foi realizada dentro das questões e objetivos da pesquisa que desenvolvíamos sobre formação e atuação de orientadores de dissertações e teses (Bianchetti, 2019a). No final de 2018, a entrevista foi criteriosamente revisada pelo professor Saviani.

Procuramos construir este subitem dentro da lógica discursiva seguida pelo entrevistado no decorrer do encontro, com comentários que visam costurar as manifestações que focam a gênese e o desenvolvimento da orientação coletiva. A entrevista começou com uma explanação sobre sua formação e o processo de passagem da condição de discente orientado para a de professor orientador. Ao abordar o assunto, pelo fio condutor da sua formação, o professor fez uma exposição de aspectos da história da educação brasileira e do funcionamento dos cursos de psicologia, filosofia e pedagogia da PUC-SP, no decorrer das décadas de 1960 e 1970.

Ao falar especificamente sobre sua formação na pós-graduação, Saviani explicita que ela ocorreu no momento em que era organizada a PG stricto sensu na PUC-SP, sob a coordenação do professor Joel Martins (1920-1993): “o professor Joel assumiu um número grande de orientandos, porque todos que eram professores universitários, mas não tinham o título, porque não existia essa exigência, foram se inscrevendo na própria instituição”. Segundo Saviani, isso ocorria mediante “o dispositivo regimental que admitia a inscrição para, com a indicação de um professor doutor como orientador, elaborar uma tese que, uma vez concluída, seria submetida à defesa pública perante uma banca examinadora constituída pela Universidade”. Aprovada a tese pela comissão examinadora, era conferido o título de doutor. Essa era a sistemática, ressalta, que vigorava na Europa, “cujas universidades também não dispunham de programas de pós-graduação institucionalizados”.

Com relação a sua inserção diretamente no doutorado e ao processo de orientação naquele início da história da PG no Brasil, o entrevistado relata como foram os seus primeiros encontros com o orientador, a partir da construção de uma primeira formulação do projeto de doutorado, que tinha por título Fundamentos para um sistema de Educação: “apresentei a ele [orientador], fizemos uma discussão e, pelas perguntas que me fez, percebi que não dava muito para trabalhar com ele com ideias embrionárias ou com ideias ainda em gestação”. Essa constatação fez com que Saviani marcasse novo encontro, quando conseguiu delimitar melhor o objeto, trocando “algumas ideias com ele, mas não apresentei nada por escrito. O tempo foi passando e, já estando trabalhando na redação da tese, senti que precisava apresentar algo mais concreto”. Então ele relata que, quando redigiu a introdução ao tema como primeiro capítulo, construiu o segundo capítulo - a revisão da literatura -, e, com mais ou menos a metade do terceiro capítulo, que era mais amplo, pois tratava da fundamentação teórica, já concluída, é que resolveu apresentar ao orientador esse material. Ele assim descreve o encontro:

Com essa parte datilografada em minha maquininha portátil levei o texto para o Prof. Joel com o terceiro capítulo interrompido. Ele ficou lendo na minha frente. Às vezes ele falava: “como esse pessoal foge do assunto!”. Estava no segundo capítulo, em que, tratando da revisão da literatura, me referia a diversas manifestações sobre o conceito de sistema, com o próprio Anísio Teixeira dizendo: “considero a palavra sistema, sem dúvida alguma, equívoca...”. E, prosseguindo, o Prof. Joel entrou na parte de fundamentação teórica, continuou lendo e, de repente, virou a página e me perguntou: “mas... e a continuação”? Eu falei: “não tenho ainda, professor! Cheguei até aí e vou continuar, mas o que falta fazer ainda não sistematizei para pôr no papel. Vou fazer isso e trago no próximo encontro”. Então ele perguntou: “Mas como você pretende continuar?”. Eu expliquei e ele disse: “Está bom; então, vá em frente”. Estávamos em agosto de 1970 e marcamos o próximo encontro para a primeira semana de setembro de 1971, quando eu levaria a ele o restante da tese.

No ano de 1971, conciliando a condição de professor com a de pós-graduando, no mês de setembro, teve seu terceiro encontro de orientação. Entregou a tese completa, que foi lida em uma noite pelo orientador. No dia seguinte, foi orientado a encaminhar os trâmites legais e a defesa foi marcada. A riqueza de detalhes com que descreve esse processo assume importância porque propicia a possibilidade de comparar o processo de orientação na constituição da PG em Educação no Brasil, na década de 1970, com o processo nos dias atuais. Certamente, a principal característica a destacar refere-se ao fato de ser um processo individual, marcado pela autonomia intelectual do orientando. Saviani prossegue seu relato, contando que a tese foi defendida e, em seguida, ele passou a atuar também na pós-graduação, como professor e orientador. Em 1972, junto a quatro colegas, organiza e coloca em funcionamento um mestrado em Educação no Instituto Educacional Piracicabano. No ano de 1977, faz parte do corpo docente de dois PPGE: o da PUC-SP e o da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Na sequência, faz uma longa explanação com foco na duração dos cursos de mestrado e doutorado em Educação da PUC-SP, que soa estranha, hoje, com as exigências de Tempo Médio de Titulação, principalmente para o mestrado, e as regras de avaliação e financiamento:

Quando criamos o doutorado na PUC-SP, fixamos o prazo de quatro anos para a conclusão, admitindo uma prorrogação de até mais um ano. Mas não reduzimos o tempo do mestrado, que foi mantido em cinco anos, porque havia clareza de que o mestrado exigia mais tempo. O mestrado é a iniciação ao processo de formação do pesquisador. Nele, os alunos que eram admitidos vinham de um curso de graduação em que a questão da pesquisa não se punha e, mesmo quando se punha, com as bolsas de iniciação científica, eles participavam de um projeto conduzido por um docente, realizando apenas determinada atividade, limitando-se, portanto, a um aspecto do projeto global. Assim, o primeiro trabalho completo de pesquisa que ele iria realizar seria a dissertação de mestrado. Então era preciso um número maior de disciplinas para assegurar uma fundamentação teórica mais consistente; era preciso um tempo para ele conseguir definir o projeto e explorar as fontes empíricas ou documentais para levantar as informações que a pesquisa exigia. Obviamente, para cursar oito disciplinas, exigir-se-á mais tempo do que para cursar apenas três. No caso do doutorado, embora a legislação nunca tenha exigido o mestrado como condição prévia para ingresso no doutorado, na prática, quando os doutorados começaram a ser implantados, havia um entendimento de que se acolhia para o doutorado quem tinha feito o mestrado. Tanto é que, no processo de seleção, se pedia o projeto de doutorado e um exemplar da dissertação de mestrado, exigindo-se, ainda, o comprovante de que havia concluído o mestrado. Embora pudesse ser admitido sem o mestrado, na prática, isso não era possível. E, se fosse possível, seria bem difícil, por causa da concorrência. Quem tinha mestrado estava em vantagem em relação aos outros. Então, nós entendemos que quatro anos para o doutorado estava de bom tamanho, porque três disciplinas o aluno faz em um ano, no máximo um ano e meio. Ele vem com projeto de tese, ele já tem o background do mestrado, teve uma formação prévia, teve a experiência de elaborar uma dissertação. [...] O projeto do doutorando tem que ser original e ele tem que ter autonomia para poder realizar sua pesquisa. Com todos esses requisitos, resulta plenamente viável definir em quatro anos o tempo máximo para a conclusão do doutorado. E, de fato, demonstramos isso na forma como trabalhamos no Doutorado em Filosofia da Educação da PUC-SP nos primeiros anos, desde seu início, no segundo semestre de 1977, quando a média de conclusão do doutorado era de três anos a três anos e meio.

Uma questão que nos interessava no relato do professor Saviani era a dinâmica de orientação que ele propôs no período, dentro da perspectiva de transformá-la de um processo individual - entre orientador e orientando - em uma orientação coletiva, com o envolvimento dos demais orientandos e, eventualmente, outros professores orientadores. Segundo ele, a decisão de realizar as orientações coletivas foi se impondo devido ao grande número de pós-graduandos que o procuravam para serem orientados. Ao mesmo tempo que se tornou uma necessidade, apresentou um problema de outra ordem: a diversidade dos alunos com relação à maturidade e autonomia intelectual. O entrevistado pondera que orientar quem é professor universitário, com boa bagagem de leituras e autônomo, é uma coisa, mas assumir um recém-graduado ou alunos com ritmos diferentes de dedicação à PG é outra. A condição do pós-graduando definia o tempo de conclusão do seu mestrado - três ou quatro anos. Nesse relato, ressalta que “os alunos iam avançando nos estudos do mestrado em ritmos diferentes, o que tornava mais difícil o trabalho coletivo”. Uma estratégia utilizada era a prática de solicitar trabalhos escritos no meio e no final de cada disciplina, fazendo observações nos trabalhos. O retorno ao grupo permitia fazer um balanceamento entre o coletivo e o individual, assim, ele “providenciava a avaliação anotando em cada trabalho as observações mais importantes. E, na aula seguinte, reservava um horário para comentar, coletivamente, com todos os alunos, os problemas encontrados nos trabalhos”, diz o professor. Depois desse retorno no coletivo, entregava o trabalho a cada aluno e ficava à disposição para atendê-lo individualmente. Ao falar que essa era uma marca do trabalho com os mestrandos, destaca que a discussão coletiva era necessária para colocar os problemas comuns, de interesse de todos: “Era uma oportunidade para chamar a atenção de todos para certos problemas que, embora não tenham se evidenciado em todos os trabalhos, eram de interesse de todos”. Ele observa que, embora um aluno não tivesse cometido, em seu trabalho, determinados deslizes que notou em outros trabalhos, isso provavelmente “ocorreu porque, em seu trabalho, o texto escrito seguiu um caminho que não precisou passar por onde os outros passaram. Mas isso não quer dizer que, se ele tivesse que seguir pelo mesmo caminho, ele não iria cometer os mesmos deslizes”. Por isso a importância de comentar os problemas com todos os pós-graduandos, dando-lhes a indicação de que, no trabalho da dissertação, eles teriam que levar em conta as recomendações que o orientador apresentava.

Continuando sua explanação, Saviani enfatiza que a estratégia de lançar mão do trabalho coletivo assumiu um caráter mais sistemático com o grupo de doutorandos. E explica sua afirmação fazendo uma detalhada exposição sobre a organização dos três programas de mestrado e doutorado da PUC-SP - Educação: Filosofia da Educação, Psicologia Educacional e Supervisão e Currículo. Segundo ele, com a criação do doutorado, foi introduzido, na carga horária, um componente curricular denominado Atividades Programadas, que tinha um número de créditos maior do que o atribuído às demais disciplinas: “Estas tinham, via de regra, três créditos cada uma, enquanto que as ‘Atividades Programadas’ tinham, na origem, 12 créditos”. O professor afirma que essa escolha foi um estratagema que se encontrou para valorizar outras atividades, além das disciplinas convencionais, dentro da constatação de que, no doutorado, eram admitidos mais frequentemente alunos que eram professores universitários, que realizavam outras atividades, que podiam organizar ou assistir seminários, participar de congressos, publicar trabalhos.

O professor explica que as Atividades Programadas tinham o intuito de contemplar a produção dos doutorandos, decorrente do grau mais desenvolvido de sua autonomia intelectual, afirmando que, assim, as converteu “em espaços de orientação coletiva dos projetos de tese”. Essa nova sistemática, ressalta ele, foi consolidada a partir da primeira turma do Doutorado em Filosofia da Educação da PUC-SP, na qual ingressaram 11 alunos no segundo semestre de 1977, ano em que coordenava o PPGE da UFSCar, embora continuasse com sua colaboração na PUC-SP.

Ao relatar essas atividades exercidas na PG, explica como, naquele momento, foi possível atuar no PPGE da UFSCar e, concomitantemente, dedicar-se ao trabalho na PUC-SP, onde desenvolveu atividades docentes e de orientador. ­Podemos dizer que foi então, em 1977, que efetivamente se configurou a experiência pioneira de orientação coletiva. No depoimento do professor, é possível constatar o seu protagonismo na adesão dos pós-graduandos à proposta, quando ele relata como foi organizada a proposta curricular do Programa de Doutorado da ­PUC-­SP e as possibilidades que ela abriu para a implementação da orientação coletiva: “o Programa de Doutorado foi organizado com duas disciplinas obrigatórias: Filosofia da Educação I e Filosofia da Educação II”. No entanto, ressalta Saviani, os alunos tinham que cursar, obrigatoriamente, uma terceira disciplina de caráter optativo. O programa oferecia pelo menos uma. Quanto às outras, os alunos podiam eventualmente escolher alguma alternativa oferecida por outro programa. Naquele segundo semestre de 1977, foram oferecidas as duas obrigatórias: “Filosofia da Educação I e Filosofia da Educação II. [...]. A terceira disciplina, aquela de caráter optativo, foi prevista para funcionar no primeiro semestre de 1978 sob o nome de Teoria da Educação”.

O professor Saviani também menciona a composição do grupo de doutorandos3 e relata como chegaram à proposição do que viria a se denominar orientação coletiva: “foi uma experiência marcante, reconhecida como tal unanimemente por todos os que empreenderam o estudo da pós-graduação em Educação ou do pensamento educacional progressista no Brasil”. Referindo-se a essa experiência, considera que foi o primeiro espaço institucional que se abriu para o estudo sistemático da obra de Gramsci, e observa que aconteceu de forma casual - não foi sua escolha - ter sido colocado no centro dessa experiência. E esclarece: “tive, então, um encontro com eles, ainda no segundo semestre de 1977, antes de terminar o período letivo, para verificar o conteúdo dessa disciplina optativa que funcionaria no primeiro semestre de 1978”. Nesse encontro, os doutorandos fizeram-lhe a proposta de organizar uma disciplina centrada em Gramsci, um estudo monográfico do autor, e ele assim se posicionou em relação à solicitação: “Se vocês pretendem estudar Gramsci por ele mesmo, isto é, tendo por motivação exclusivamente a exegese de sua obra, não contem comigo, por dois motivos. Em primeiro lugar, porque não me sinto preparado para fazer um estudo dessa natureza”. E, como segundo motivo, explicou aos pós-graduandos que havia professores mais qualificados do que ele para lecionar a disciplina nesses termos, relacionando Carlos N. Coutinho (1943-2012), Leandro Konder (1936-2014), Francisco Wefforte Alfredo Bosi. Ao explicitar à turma seus argumentos, fez a seguinte ponderação: “o nosso esforço analítico-reflexivo deve se voltar para os problemas que enfrentamos antes que aos autores com os quais nos deparamos”. E então propôs aos doutorandos o que considerava mais interessante: “Se vocês pretendem estudar Gramsci para ver em que medida suas reflexões nos ajudam a compreender melhor os problemas que estamos enfrentando na educação brasileira, então eu topo fazer com vocês esse estudo”.

Uma vez que os doutorandos escolheram a segunda opção, afirma ter aceitado o desafio. Aproveitou o período de férias do final de 1977 e início de 1978 para, em viagem à Europa, “apetrechar-se” de referências de e sobre Gramsci. A partir disso, Saviani complementa sua narrativa dizendo que, em março de 1978, começaram os trabalhos com a disciplina “Teoria da Educação”, tendo como bibliografia diversas obras gramscianas traduzidas e no original, em italiano. Os pós-graduandos assumiram o compromisso de realizar as leituras e os trabalhos escritos, que deveriam ser entregues, lidos, comentados e discutidos no coletivo.

Ao final daquele semestre, o professor Saviani retorna à PUC-SP em tempo integral e assume a coordenação do PPGE daquela instituição. Entre os 11 doutorandos que participaram da experiência de trocas coletivas na sua disciplina, oito se inscrevem para serem orientados por ele. Com a turma de orientandos definida, foram organizados, “dentro das atividades programadas, os encontros de orientação, que primeiro foram semanais, depois passaram a ser quinzenais, depois mensais”, esclarece o professor. Com efeito, o planejamento mudava conforme as condições específicas de cada turma. Foi definida, então, a estratégia de trabalho envolvendo todos os doutorandos, com a centralidade no trabalho coletivo: “a sistemática que adotamos previa a participação dos 11 doutorandos, todos trabalhando juntos. Mesmo os três que tinham orientadores próprios, continuavam juntos comigo no processo de orientação coletiva”. Ele destaca que o trabalho de tese de cada aluno era feito individualmente, mas discutido de forma coletiva, por todo o grupo. O trabalho envolvia a seguinte dinâmica:

Distribuíamos os projetos nas datas do cronograma das atividades e cada aluno devia encaminhar a todos o texto referente à etapa em que se encontrava no desenvolvimento de sua tese, com uma semana de antecedência. Esse texto era lido por todos e, no dia do encontro, o debate era acirrado, contribuindo sobremaneira para o enriquecimento de cada tese. E foi acontecendo uma dinâmica tal que surgiu uma espécie de responsabilidade, de solidariedade, que fazia com que mesmo quem defendesse antes continuasse participando do processo de discussão dos trabalhos dos que estavam ainda em processo.

Perguntamos ao professor Saviani o quanto se sentia um militante da orientação, devido a, entre outros aspectos: suas iniciativas pioneiras de orientação com essas características, conforme seu depoimento sobre a experiência na PG da PUC-SP e da UNICAMP; e seus escritos sobre o assunto, como exemplarmente é o texto no qual considera a orientação um ponto nevrálgico da pós-graduação (Saviani, 2012). Ele torna claro o papel da pesquisa, da elaboração da dissertação e da tese e das disciplinas no processo de qualificação do pós-graduando ao retomar a pergunta e responder por que a orientação é o ponto nevrálgico: “Porque se a finalidade, a razão de ser da pós-graduação é a formação de pesquisadores; e se é no exercício da pesquisa que ele aprende a pesquisar, então é no ato da produção da dissertação e da tese que ele se forma pesquisador”. E complementa: “Ele se forma à medida que aprende a pesquisar, mas não só aprende pelo conhecimento, sobre o que implica o processo de pesquisa, mas fazendo pesquisa”. E desenvolve sua ideia em um longo depoimento:

A dissertação é um trabalho que ele tem que realizar, e, ainda que a dissertação não implique originalidade, no entanto, ele tem que realizar todo o processo de pesquisa, desde a formulação do problema até a comunicação dos resultados, que é a redação da dissertação. Para a maioria dos alunos, a dissertação é, de fato, o primeiro trabalho de pesquisa que ele cumpre, abarcando todas as etapas implicadas no tipo de investigação encetada. Cabe a ele, com o auxílio do orientador e a partir de alternativas delineadas em função do estágio de conhecimento em que se encontra a área correspondente, realizar a escolha do tema, a formulação do problema, a delimitação do objeto, assim como o estabelecimento da metodologia e respectivos procedimentos de análise. ­Concluindo a investigação, ele deverá redigir o texto correspondente com uma estrutura lógica adequada à compreensão plena, por parte dos leitores, do assunto tratado. Esse trabalho conclusivo é o que se convencionou denominar dissertação de mestrado. Como se trata de trabalho orientado, tanto no mestrado quanto no doutorado, esse é o ponto central. As disciplinas subsidiam, mas são ministradas por diferentes professores. O mestrando e o doutorando cursam as disciplinas à medida que avaliam - e dessa avaliação é desejável que o orientador também participe - em que grau elas podem subsidiar a sua pesquisa. Mas o professor da disciplina tem vários alunos, cada um com um interesse diferente, e cada um com seu orientador. O professor vai procurar ministrar as aulas da melhor forma possível, de modo que todos assimilem os conteúdos programados, mas ele não vai se envolver e não tem compromisso com cada um dos alunos, porque cada um tem seu orientador, e seria impossível ao professor acompanhar a todos individualmente. Além disso, na escolha das disciplinas, interferem outros problemas de ordem prática ou de organização institucional. Às vezes, os alunos não têm muita opção; a oferta disponível não cobre a exigência específica daquele projeto que ele está desenvolvendo; às vezes ele faz uma escolha por causa do número de créditos que ele tem que cumprir naquele semestre, não podendo deixar para o seguinte, além de ele não ter segurança de que no semestre seguinte vai aparecer algo mais interessante... Mas a pesquisa, o projeto de dissertação ou de tese, disso ele tem que dar conta, e, pela sistemática da PG, é um trabalho orientado. Em última instância, é com o orientador que ele conta para levar a bom termo seu projeto de dissertação ou tese e, assim, formar-se pesquisador. O trabalho docente principal na PG é, portanto, esse da orientação. Eis aí a razão daquela afirmação: “a orientação é o ponto nevrálgico da pós-graduação”.

Saviani ainda afirma que, ao assumir os encargos de docência e ao organizar as atividades de orientação na UNICAMP, em 1980, conseguiu implementar ali também o caráter coletivo que tinha trabalhado na PUC-SP: “organizei um grupo de pesquisa com base em meus orientandos de doutorado. Assim como havia feito na PUC, o grupo estava aberto à participação de eventuais orientandos de outros orientadores”. E relembra que, da mesma forma que no seu outro grupo de doutorandos, também ali os alunos lamentavam que, ao concluir, tivessem de retornar às suas instituições de origem, afastando-se do grupo. Assim, passaram a pressioná-lo para constituir “um grupo permanente de pesquisa para além das atividades de elaboração das teses, de modo que eles pudessem continuar participando mesmo após terem concluído os respectivos doutorados e retornado às suas instituições”.

Após seu concurso de livre-docência na UNICAMP, em 1986, dedica-se a trabalhar exclusivamente nesta IES, e é nessa nova situação funcional que é pressionado a concorrer à Coordenação do PPGE. Ciente de que em algum momento teria que dar sua contribuição nessa função, aceitou concorrer ao cargo, levando em conta o conselho dado por Maquiavel ao Príncipe: “o bem, faça-o aos poucos; o mal, faça todo de uma vez”. E justifica: “como, naquelas circunstâncias, considerava que era um mal para mim assumir função administrativa e, já que teria, mais cedo ou mais tarde, que dar minha cota de sacrifício, resolvi assumir de uma vez”. É eleito coordenador do programa para o período de 1989 a 1992. Se, por um lado, como relata, sobrecarregou-se de atividades administrativas - tendo inclusive assumido a coordenação em um segundo mandato, juntamente com a Diretoria Associada da Faculdade de Educação -, por outro, colocou como condição não ser impedido de realizar um “estágio de pesquisa que eu estava programando para a Itália, na verdade a única bolsa de estudos que recebi durante toda a minha carreira”. Seu envolvimento com atividades administrativas estende-se até 1996. Com relação a essas atividades, fala da sua vontade e da oportunidade de trazer para o PPGE da UNICAMP a sua experiência de orientação coletiva, visto ter que elaborar, como coordenador do PPGE, um novo regimento. Assim, revela: “reorganizei o programa e introduzi o componente curricular Atividades Orientadas, com a duração de três semestres para o mestrado e quatro para o doutorado”. A sua proposta era tentar generalizar para todo o programa a experiência bem-sucedida que havia iniciado na PUC e que continuava a realizar na UNICAMP. Como afirma, a expectativa era a de que, com esse componente curricular - que contava com uma carga maior do que a das outras disciplinas - “os professores pudessem revestir o processo de orientação de um caráter mais coletivo”. Nesse período, final dos anos de 1980 e início dos anos 1990, estavam surgindo os grupos de pesquisa.

Ao falar sobre a importância desses grupos de pesquisa e da necessidade de os professores orientadores fazerem pesquisa para poderem ensinar a pesquisar, Saviani faz uma reflexão que aponta para um aspecto relacionado aos primórdios da PG no Brasil, momento em que o orientador orientava para a pesquisa, porém, ele mesmo não era um pesquisador e nem via a necessidade do grupo de pesquisa. Ele declara que: “quando a PG foi instituída para formar pesquisadores e havia exigência de pesquisa, no mestrado a dissertação e no doutorado a tese, os professores propriamente não faziam pesquisa”. E complementa com esta afirmação: “assumiam as disciplinas e também o encargo de orientação. Mas, com base em que eles orientavam as pesquisas dos respectivos orientandos? Com base na pesquisa que fizeram quando realizaram sua própria pós-graduação”. Relata ainda que os professores ministravam as aulas, liam, recomendavam leituras, comentavam os trabalhos dos alunos e dialogavam com eles sobre o andamento das pesquisas que deveriam resultar nas dissertações e, depois, também nas teses. Mas, como professores, não produziam pesquisa. No seu entendimento, isso constituía um complicador, porque o trabalho ficava individualizado, cada aluno que entrava ia tratar de um objeto, o professor orientava, podia orientar mais de um, mas se tratava dos trabalhos dos outros, cada um desenvolvendo a respectiva pesquisa, isoladamente, com periódicos contatos individuais com o orientador. O professor Saviani então explica como encarou esse problema:

Quando assumi a coordenação do PPGE da UNICAMP, preocupei-me com esse problema de modo especial no caso do mestrado que, então, já vinha sendo pressionado para a redução do tempo, com as agências de fomento sinalizando para um prazo máximo de 24 a 30 meses. Ao reorganizar o programa, reduzi o número de disciplinas do mestrado de oito para cinco, correspondentes a 15 unidades de créditos, e introduzi as “Atividades Orientadas”, desenvolvidas ao longo de três semestres, somando nove créditos. E, para implementar essa nova sistemática, idealizei um seminário para tratar da questão relativa à elaboração da dissertação de mestrado. Tal seminário foi pensado inicialmente como uma atividade interna à Faculdade de Educação da UNICAMP. Entretanto, ao transmitir essa informação na Reunião Anual da ANPEd, surgiu a proposta de abrir o seminário para todos os programas de PG em Educação, e o evento aconteceu em abril de 1991, em parceria com a ANPEd.

Na reunião anual da ANPEd de 1991, Saviani apresenta um documento para discussão, com o título Concepção de dissertação de mestrado centrada na ideia de monografia de base (Saviani, 1991). É um documento balizador daquilo que ele caracteriza como sendo o lugar do mestrado na formação do pesquisador, tendo como sua expressão material e objetiva a dissertação de mestrado, passando, então, a tratar da monografia de base como ideia reguladora da dissertação. Propõe que o período de mestrado seja aproveitado para que o corpo docente identifique as temáticas não suficientemente exploradas, “estabelecendo um amplo programa de produção de monografias de base no qual seriam engajados os alunos de mestrado para efeitos da elaboração das respectivas dissertações”. Essa organização, segundo ele, pressupõe determinada relação com a pesquisa, pois supõe o corpo docente pesquisando - com linhas de pesquisa definidas sendo desenvolvidas por grupos de pesquisa que atuam permanentemente - o que lhe permite, ao realizar o estado da arte sobre a temática que define a linha de pesquisa, mapear e identificar as lacunas que exigem investigações específicas.

Conforme esclarece o professor Saviani, ao receber novos pós-graduandos, o programa dispõe previamente de temas-objeto para incorporar os pós-graduandos aos projetos em andamento. Para aqueles programas em processo de organização, o discente poderia ser acolhido em uma linha de pesquisa e, conjuntamente, trabalhar com temáticas ainda pouco exploradas. Com efeito, diz o professor, ao terem o corpo docente envolvido em pesquisas por meio de grupos que atuam em áreas específicas do conhecimento pedagógico, esses professores - potenciais orientadores - disporiam de conhecimento prévio, pois teriam realizado o estado da arte, a revisão de literatura, e, assim, saberiam o que já estava disponível e o que faltava investigar. Nessa condição, ressalta ele, o professor, futuro orientador, poderia dizer ao estudante: “veja as questões em aberto na nossa linha de pesquisa; você topa fazer um estudo dessa questão, por exemplo, levantando o material para preencher essa lacuna por meio de sua dissertação de mestrado?”.

Ao fazer essas considerações, o professor Saviani aborda outra questão que tem preocupado pesquisadores quando o assunto é a organização de grupos de pesquisa: essa prática é uma indução dos órgãos de avaliação e financiamento, ou é algo com valor acadêmico-pedagógico-científico, assumido com protagonismo pelos docentes dos programas de PG? Ele responde, afirmando que, “com o surgimento dos grupos de pesquisa e o incentivo às pesquisas docentes por meio das bolsas de produtividade, a referida proposta se tornaria mais viável”. No entanto, destaca que os grupos, às vezes, se constituíram por relações ou por exigências, porque se difundiu a percepção de que a ausência de grupos revelaria uma deficiência para os programas. E para os professores, o não pertencimento a um grupo de pesquisa teria, também, conotação negativa. Então, segundo ele, tornou-se imperativo entrar em um grupo já existente ou organizar um novo grupo de pesquisa, o que deu origem aos grupos do “eu sozinho”, criados por um docente agregando alguns alunos. Mas, analisa, “os alunos são flutuantes e o grupo acabava não vingando”.

Ao concluir sua fala nessa entrevista, o professor Saviani exemplifica a organização de um grupo de pesquisa a partir do processo de criação e oficialização do HISTEDBR, em que atua:

Nessas circunstâncias, lembro meu próprio exemplo. Organizei [um grupo], em 1986, a partir de meus orientandos de doutorado, mas agregando, também, dois outros docentes com os respectivos orientandos. No entanto, eu não quis formalizar imediatamente a existência do grupo, pois fiz o seguinte raciocínio: “Não vamos formalizar agora”. Primeiro vamos pôr em funcionamento e, uma vez delineada a perspectiva de consolidação, encaminharemos a formalização junto às instâncias da Faculdade de Educação. E só vim a oficializar o grupo submetendo sua forma de organização à aprovação do Departamento, da Comissão de Pós-Graduação e da Congregação da Faculdade em 1991. Nesse momento, formulamos um projeto em âmbito nacional. Trata-se do projeto “Levantamento e Catalogação das fontes primárias e secundárias da educação Brasileira”, que envolveu pesquisadores de diferentes instituições do país. E o grupo foi se consolidando com a constituição de Grupos de Trabalho (GTs) em diferentes universidades em diversos estados do país. Tal grupo continua atuando, sendo conhecido pela sigla HISTEDBR.

Temos, assim, uma narrativa da trajetória de Saviani, que precede e se entremescla às iniciativas relacionadas a grupos/redes e linhas de pesquisa de Associações, como é o caso da ANPEd, e de órgãos de avaliação e fomento, como o são a CAPES e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em anos mais recentes, cada vez com mais insistência, emergem referências aos “grupos de pesquisa”, e, como amplificação destes, às “redes de pesquisa colaborativa”, como os loci por excelência da formação e atuação do orientador. Seria como se, em termos históricos, estivéssemos passando sucessivamente da orientação intuitiva, individual, privada, à orientação coletiva, com tudo o que representa de publicização de um processo, e desta para a organização de grupos de pesquisa, e, como ampliação dessa estratégia, para a organização e participação em redes de pesquisa colaborativa.

Um dos aspectos-chave da formação de orientadores relaciona-se à questão da pesquisa ou de o orientador necessariamente ser um pesquisador, embora isto não o transforme ipso facto em um orientador. Ao mesmo tempo, encontramos manifestações e evidências, de um lado, da falta de cultura relacionada à prática da pesquisa, bem como da fraca inserção de doutores em pesquisas, individuais e grupais, especialmente até a década de 1990; de outro, da gradativa afirmação de uma cultura colaborativa, de orientações coletivas e da formação de grupos de pesquisa, com menções à movimentação destes em direção a redes de colaboração investigativa, como novas realidades a presidir a formação e atuação dos orientadores de dissertações e teses. Nessa perspectiva, temos situações confrontantes de organização, porém convergentes em termos do desenvolvimento da pesquisa como pressuposto para a formação dos grupos. Dentro desse contexto, a reorganização dos Programas de PG por linhas de pesquisa favoreceu a organização e atuação dos grupos de pesquisa, e, consequentemente, a emergência de um espaço de formação e atuação de orientadores.

Constatamos, com nossas pesquisas, e, no contexto deste artigo, com a corroboração do depoimento de Saviani, que um espaço privilegiado de formação de orientadores - na área de Educação, no Brasil - é a práxis dos grupos de pesquisa. Uma questão que emerge do exposto diz respeito à necessidade de investigar se o encaminhamento para o coletivo, para a formação de grupos de pesquisa e constituição de redes colaborativas é uma iniciativa dos pesquisadores, ou se é resultado de uma indução dos órgãos de avaliação e financiamento, visando mais e melhores resultados dos envolvidos com a PG e da própria PG. Em síntese: essa nova ambiência na PG é fruto do protagonismo da área ou resulta de injunções externas? Acreditamos que não há uma única resposta e posição possível. Observamos que as experiências de orientação coletiva têm aspectos muito positivos e autorais. São estratégias para uma orientação mais coetânea ao tempo presente e em perspectiva, visando qualificar e publicizar uma atividade considerada tão importante no processo de formar novos orientadores. Mas, além disso, são estratégias para resolver questões de cunho formal - que dificultam uma formação mais aprofundada -, como ajudar os pós-graduandos a concluir suas teses e dissertações, bem como fazer frente a uma crescente massificação da PG.

Sobre essas reflexões, consideramos importante trazer para a finalização do texto as considerações que Santos e Maffei (2010, p. 71) constroem, a partir de leituras, pesquisa empírica e discussões sobre o aprender a orientar, pela experiência, com os “outros” ou, como afirmam: por um “processo povoado de outros”. Esses “outros” compõem um conjunto do qual fazem parte: “ex-orientandos”, “colegas mestrandos e doutorandos”, “orientandos” e “colegas orientadores”. Agregam que nem sempre a aprendizagem no processo com esses “outros” é intencional, consciente ou, como dizem os autores: “Talvez esta análise sugira um processo de aprendizagem em que aquele que orienta, e aquele que está em orientação, só perceba a necessidade desta aprendizagem ou a importância deste debate ao assumir a responsabilidade de orientação” (Santos e Maffei, 2010, p. 62). Afirmam ainda que, pelos resultados das suas entrevistas, fica evidente que “a aprendizagem pela experiência é citada pelos orientadores como fundamental para a formação” (Santos e Maffei, 2010, p. 68). E concluem: “Assim, podemos indicar que os orientadores de ontem habitam de um jeito próprio nas formas de ser do orientador de hoje” (Santos e Maffei, 2010, p. 69). Assim, a aprendizagem pela prática é condição necessária, mas não suficiente. Seria necessário um maior protagonismo para desenvolver processos de ensino e de aprendizagem da orientação nos programas de PG, bem como avançar na compreensão de uma dosagem mais adequada entre orientação individual e coletiva.

E, por falar em outros - orientandos dos ex-orientados, dos ex-orientandos -, finalizamos com a reprodução de excerto de entrevista que realizamos com um ex-orientando do professor Saviani, Gaudêncio Frigotto, que participou dessa experiência inaugural de orientação coletiva:

Eu comecei a orientar dissertações como doutorando em 1978. Durante o curso de doutorado, vivi as duas situações. De orientando e de orientador. A passagem de orientando para orientador foi, então, marcada pela experiência de trabalho de pesquisa em equipe e, posteriormente, com Dermeval Saviani, com sua estratégia de orientação coletiva. Essas duas experiências, mormente a segunda, tiveram um papel fundamental nessa travessia, tanto teórico quanto metodológico. Eu acho que esta foi, para mim, a experiência lapidar que marcou a minha forma de orientar [...]. A construção da tese se dava num duplo movimento: a produção por escrito de capítulos ou parte de capítulos e reuniões coletivas onde todos liam previamente e debatiam. A exigência de ser o texto por escrito e lido previamente foi muito pedagógica. [...] Tratava-se de produzir uma tese que tinha na discussão coletiva um espaço de debate crucial. A orientação individual era muito rara. Creio que, ao todo, estive com meu orientador umas quatro ou cinco vezes.

Aqui estão alguns dos fios que acreditamos propiciar condições para o entendimento de estratégias e protagonismos que fazem a PG stricto sensu em Educação ser o que é hoje. Do mesmo modo, há elementos que permitem analisar e propor estratégias tanto para a qualificação da relação orientador e orientando, quanto para a formação de pesquisadores e, assim, subsidiar a práxis dos grupos/redes de pesquisa.

REFERÊNCIAS

BAHIA HORTA, S. Prefácio. In: BIANCHETTI, L.; MACHADO, A. M. N. (orgs.). A bússola do escrever. Desafios e estratégias na orientação e escrita de teses e dissertações. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 11-14. [ Links ]

BAIBICH, T. M. Orientação de doutorado: uma relação tão delicada. In: HAGEMEYER, R. C. et al. (orgs.). Diálogos epistemológicos e culturais. Curitiba: W. A. Editores, 2016. p. 39-62. [ Links ]

BIANCHETTI, L. O processo de Bolonha e a intensificação do trabalho na universidade: entrevista com Josep M. Blanch. Educação & Sociedade, Campinas, v. 31, n. 110, p. 263-285, jan.-mar. 2010. https://doi.org/10.1590/S0101-73302010000100014 [ Links ]

BIANCHETTI, L. Condições de trabalho e repercussões pessoais/profissionais dos envolvidos com a pós-graduação stricto sensu: balanço e perspectivas. Linhas Críticas, Brasília, v. 17, p. 439-460, 2011. https://doi.org/10.26512/lc.v17i34.3821 [ Links ]

BIANCHETTI, L. Formação e atuação de orientadores de dissertações e teses: de uma prática intuitivo-individual a uma práxis coletivo-grupal. Relatório de Pesquisa. Brasília, DF: CNPq, 2019a. [ Links ]

BIANCHETTI, L. Mal-estar na pós-graduação: tensionamento entre o protagonismo e a invisibilidade dos doutorandos. Projeto de Pesquisa em Desenvolvimento, com subvenção do CNPq. Brasília, DF: CNPq , 2019b. [ Links ]

BIANCHETTI, L.; MACHADO, A. M. N. A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação e escrita de teses e dissertações. 3. ed. Cortez, 2012. [ Links ]

BITENCOURT, S. M. Candidatas à ciência: a compreensão da maternidade na fase do doutorado. 2011. Tese (Doutorado em Sociologia Política) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011. [ Links ]

BRANDÃO, Z. Conversas com pós-graduandos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forma & Ação, 2010. t. 1. [ Links ]

BRASIL. Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 27 dez. 1961. Disponível em: Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-publicacaooriginal-1-pl.html . Acesso em: 6 jul. 2021. [ Links ]

BRASIL. Parecer n. 977. Institucionalização da pós-graduação stricto sensu. Brasília, Conselho Federal de Educação, 3 dez. 1965. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n30/a14n30.pdf . Acesso em: 6 jul. 2021. [ Links ]

BRASIL. Plano Nacional de Pós-Graduação: PNPG 2011-2020. Brasília, DF: CAPES, 2010. [ Links ]

CORRÊA, P. S. A. A orientação das dissertações e teses como objeto de estudo das pesquisas acadêmicas: história e historiografia. Revista HISTEDBR on-line, Campinas, v. 12, n. 47, p. 392-416, set. 2012. https://doi.org/10.20396/rho.v12i47.8640059 [ Links ]

COSTA, F. J.; SOUSA, S. C. T.; SILVA, A. B. Um modelo para o processo de orientação na pós-graduação. Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, v. 11, n. 25, p. 823-852, set. 2014. [ Links ]

COULON, A. O ofício de estudante: a entrada na vida universitária. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 43, n. 4, p. 1.239-1.250, out.-dez. 2017. https://doi.org/10.1590/S1517-9702201710167954 [ Links ]

CURY, C. R. J. Quadragésimo ano do parecer CFE n. 977/65. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 30, p. 7-22, set.-dez. de 2005. https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000300002 [ Links ]

DELAMONT, S.; PARRY, O.; ATKINSON, P. Creating a delicate balance: the doctoral supervisor’s dilemmas. Teaching in Higher Education, London, v. 3, n. 2, p. 157-172, 1998. https://doi.org/10.1080/1356215980030203 [ Links ]

DE MEIS, L. et al. The growing competition in Brazilian Science: rites of passage, stress and Burnout. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, Ribeirão Preto, v. 36, n. 9, p. 1.135-1.141, set. 2003. https://doi.org/10.1590/S0100-879X2003000900001 [ Links ]

DIAS, S. M.; PATRUS, R.; MAGALHÃES, Y. T. Quem ensina um professor a ser orientador? Proposta de um modelo de orientação de monografias, dissertações e teses. RAEP - Administração: Ensino e Pesquisa, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, p. 697-721, out.-dez. 2011. https://doi.org/10.13058/raep.2011.v12n4.156 [ Links ]

FARO, A. Estresse e estressores na pós-graduação: estudo com mestrandos e doutorandos no Brasil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 29, n. 1, p. 51-60, jan.-mar. 2013. https://doi.org/10.1590/S0102-37722013000100007 [ Links ]

GERMANO, W. Cómo transformar tu tesis en libro. México: Siglo XXI, 2008. [ Links ]

HALSE, C. “Becoming a supervisor”: the impact of doctoral supervision on supervisors’ learning. Studies in Higher Education, Abingdon, v. 36, n. 5, p. 557-570, 2011. https://doi.org/10.1080/03075079.2011.594593 [ Links ]

KUENZER, A. Z.; MORAES, M. C. M. Temas e tramas na pós-graduação em educação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 93, p. 1.341-1.363, set.-dez. 2005. https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000400015 [ Links ]

MASSI, L.; GIORDAN, M. Formação do orientador de pesquisas acadêmicas: um estudo bibliográfico nacional e internacional. Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, v. 14, p. 1-19, 30 ago. 2017. [ Links ]

MASSI, L.; CARVALHO, H.; GIORDAN, M. Perfil socioformativo dos orientadores, heterogeneidade e hierarquia social na área de ensino da CAPES. Investigações em Ensino de Ciências, S. l., v. 25, n. 1, p. 421-432, 2020. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2020v25n1p421 [ Links ]

MAZZILLI, S. Orientação de dissertações e teses: em que consiste? Araraquara: Junqueira & Marin, 2009. [ Links ]

MORAES, F. T. Suicídio de doutorando levanta questões sobre saúde mental na pós. Folha de S. Paulo, São Paulo, 27 out. 2017a. Caderno B, p. 7. [ Links ]

MORAES, F. T. Universidades não têm diagnóstico da saúde mental de seus alunos de pós. Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 dez. 2017b. Caderno B, p. 7. [ Links ]

ORSI, C. Existe algo tóxico no mundo da pós-graduação. Mestres e doutores que se cuidem. Gazeta do Povo, Curitiba,6 jun. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/existe-algo-toxico-no-mundo-da-pos-graduacao-mestres-e-doutores-que-se-cuidem-5m7gse13pzmbye6y2h4bypk9q . Acesso em: 26 jun. 2018. [ Links ]

PEELO, M. Understanding supervision and the PhD. Essential guides for lecturers. London; New York: Continuum, 2011. [ Links ]

SANTOS, K. R.; MAFFEI, W. S. Aprendendo a orientar. In: SCHNETZLER, R. P.; OLIVEIRA, C. (orgs.). Orientadores em foco. O processo de orientação de teses e dissertações em educação. Brasília: Liber Livros, 2010. p. 59-84. [ Links ]

SAVIANI, D. Concepção de mestrado centrada na ideia de monografia de base. Educação Brasileira, Brasília, v. 13, n. 27, p. 159-168, 1991. [ Links ]

SAVIANI, D. A pós-graduação em educação no Brasil: pensando o problema da orientação. In: BIANCHETTI, L.; MACHADO, A. M. N. (orgs.). A bússola do escrever. Desafios e estratégias na orientação e escrita de teses e dissertações. 3. ed. São Paulo: Cortez , 2012. p. 148-176. [ Links ]

SCHNETZLER, R. P.; OLIVEIRA, C. (orgs.). Orientadores em foco. O processo de orientação de teses e dissertações em educação. Brasília: Liber Livros , 2010. [ Links ]

WALKER, M.; THOMSON, P. (eds.). The Routledge Doctoral Supervisor’s Companion. Supporting effective Research in Education and the Social Sciences. London and New York: Routledge, 2010. [ Links ]

WATERS, L. Inimigos da esperança. Publicar, perecer e o eclipse da erudição. São Paulo: Editora da UNESP, 2006. [ Links ]

VIANA, C. M. Q. O processo didático da orientação acadêmica: a voz do orientando. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICAS DE ENSINO, 14., 2008, Porto Alegre. Anais [...]. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, p. 1-17. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: Lugares, memórias e culturas. [ Links ]

VIDAL, D. G. (org.). Dermeval Saviani: pesquisador, professor e educador. Belo Horizonte: Autêntica; Campinas: Autores Associados, 2011. [ Links ]

1 Desde o início dos anos 2000, vimos desenvolvendo pesquisas, com auxílio do CNPq, por meio das quais agregamos novas referências e adensamos conhecimentos teórico-empíricos na direção daquilo que apontava Bahia Horta (2012, p. 13), no prefácio à coletânea A bússola do escrever (Bianchetti e Machado, 2012): “Ao valorizar e colocar no seu devido lugar a nobre atividade de orientação, de certo modo remando contra a corrente, esta publicação pode ajudar a romper este círculo vicioso perverso, prestando, assim, uma contribuição inestimável à pós-graduação em nosso país”.

2 Até onde tivemos acesso, dos seis professores que tiveram seu “perfil” publicado, além de Saviani, três são professores sêniores - Antônio Flávio B. Moreira, Bernardete A. Gatti e Miguel G. Arroyo - e dois foram orientandos de Saviani - Carlos R. Jamil Cury e Gaudêncio Frigotto -, tendo participado do “laboratório” inicial da orientação coletiva no programa de PG da PUC-SP.

3 A turma era composta por 11 alunos: Antonio Chizzotti, Betty Antunes de Oliveira, Bruno Pucci, Carlos Roberto Jamil Cury, Fernando José de Almeida, Guiomar Namo de Mello, Luís Antonio Cunha, Mirian Jorge Warde, Neidson Rodrigues, Osmar Fávero e Paolo Nosella. Por iniciativa dos próprios alunos, o prof. Saviani foi instado a assumir essa disciplina (optativa). A estes, se juntaram Cláudio Gomide, Ezequiel Theodoro da Silva e José Alberto Pedra, alunos do Doutorado em Psicologia Educacional, e Lilian Anna Wachowicz, como aluna especial.

Financiamento: Este trabalho é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Recebido: 03 de Junho de 2020; Aceito: 10 de Novembro de 2020

Lucídio Bianchetti é doutor em Educação: história, política, sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador Produtividade 1A/CNPq. E-mail: lucidiob@gmail.com

Conflitos de interesse: O autor declara que não possui nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons