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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.26  Rio de Janeiro  2021  Epub 15-Dez-2021

https://doi.org/10.1590/s1413-24782021260093 

Artigos

As aulas de Educação Física em questão: diferentes razões e maneiras de agir dos professores

THE PHYSICAL EDUCATION CLASSES AT MATTER: DIFFERENT REASONS AND WAYS OF ACTING BY TEACHERS

LAS CLASES DE EDUCACIÓN FÍSICA EN CUESTIÓN: DIFERENTES RAZONES Y FORMAS DE ACTUAR DE LOS PROFESORES

Marcos Roberto Godoi I  
http://orcid.org/0000-0002-9238-4704

Cecilia Maria Ferreira Borges II  
http://orcid.org/0000-0001-8198-9743

IInstituto de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil.

IIUniversidade de Montreal, Montreal, Canadá.


RESUMO

Ancorado na abordagem de análise do trabalho da clínica da atividade, este artigo examina a organização temporal e espacial das aulas utilizadas pelos professores de Educação Física. Neste estudo qualitativo multicasos, foram realizadas observação e filmagem das aulas. Depois, os professores assistiram aos vídeos e analisaram seu trabalho e de seus pares por meio do método da autoconfrontação simples e cruzada. As características do contexto escolar, a interação pedagógica com os alunos e as concepções dos professores sobre as aulas influenciam as suas razões e maneiras de agir na organização e no uso do tempo e do espaço. Os professores também desenvolvem uma série de estratégias de ensino para otimizar e dinamizar o processo de ensino e aprendizagem. A organização temporal e espacial das aulas e as estratégias de ensino dos professores fazem parte dos saberes da ação pedagógica e contribuem para a busca da eficácia no ensino.

PALAVRAS-CHAVE Educação Física; ensino; professores escolares

ABSTRACT

Anchored in the work analysis approach of the activity clinic, this article examines the temporal and spatial organization of classes by teachers in Physical Education. In this multi-case qualitative study, observation and filming of the classes were carried out. Then, the teachers watched the videos and analyzed their work and that of their peers using the simple and crossed self-confrontation method. The characteristics of the school context, the pedagogical interaction with students and the teachers’ conceptions about classes influence their reasons and ways of acting in relation to the organization and use of time and space. Teachers also develop a series of teaching strategies to optimize and streamline the teaching and learning process. The temporal and spatial organization of classes and the teaching strategies of teachers are part of the knowledge of pedagogical action and contribute to the search for effectiveness in teaching.

KEYWORDS Physical Education; teaching; school teachers

RESUMEN

Basado en el enfoque de análisis del trabajo de la Clínica de actividades, este artículo examina la organización temporal y espacial de las clases utilizadas por los maestros de Educación Física. En este estudio cualitativo de casos múltiples, se llevó a cabo la observación y filmación de las clases. Luego, los profesores vieron los videos y analizaron su trabajo y el de sus compañeros utilizando el método simple y cruzado de confrontación. Las características del contexto escolar, la interacción pedagógica con los estudiantes y las concepciones de los maestros sobre las clases influyen en sus razones y formas de actuar en relación con la organización y uso del tiempo y el espacio. Los maestros también desarrollan una serie de estrategias de enseñanza para optimizar y agilizar el proceso de enseñanza y aprendizaje. La organización temporal y espacial de las clases y las estrategias de enseñanza de los docentes son parte del conocimiento de la acción pedagógica y contribuyen a la búsqueda de la efectividad de la enseñanza.

PALABRAS CLAVE Educación Física; enseñanza; maestros de escuela

INTRODUÇÃO

Este artigo aborda dois aspectos relacionados à didática da educação física, as formas de organização das aulas e as estratégias de ensino utilizadas pelos professores. Vale destacar que a aula é um espaço intencionalmente organizado para que os alunos apreendam os conhecimentos específicos da educação física presentes na realidade social (Soares et al., 2012).

A aula de Educação Física é um acontecimento social regulamentado no qual o professor e os alunos constroem situações de ensino-aprendizagem (Hildebrandt-Stramann, 2005). A aula é também elemento central da organização cíclica do trabalho na escola, sendo a unidade elementar mais concreta e de base do trabalho docente durante a interação pedagógica professor-alunos que estrutura a vida escolar. Toda aula contém, reproduz e prolonga as propriedades das aulas que a precederam e daquelas que a sucedem (Gal-Petitfaux, 2013). Ao longo do ano escolar, as aulas moldam o currículo efetivamente ensinado pelos professores.

Além disso, considerando o ensino uma profissão de interações humanas (Tardif e Lessard, 2014), por meio de diferentes situações de ensino-aprendizagem, a aula pode ser vista como uma coconstrução coletiva entre o professor e os seus alunos. O primeiro é responsável por “colocar os alunos para trabalhar, gerenciando um processo de ‘negociação’ da tarefa no quadro de uma atividade coletiva” (Saujat, 2010, p. 6) da qual os alunos se tornam partícipes, coconstrutores desse processo. Nesse sentido, o professor é um autoprescritor de tarefas para si mesmo e um prescritor de tarefas para os alunos, mas essa prescrição deve ser negociada entre as duas partes.

A preocupação com o modo de organizar as aulas ou com as estratégias de ensino não é um fenômeno recente no campo da educação física, já que esse tema vem sendo explorado na literatura educativa da área desde os trabalhos pioneiros de Mosston (1966) sobre os estilos de ensino. Para o autor, esses estilos refletem a maneira como o professor organiza a aula e partilha com os alunos as decisões, por exemplo: sobre o ritmo e a progressão das atividades, sobre os critérios de realização e sobre a organização das tarefas de aprendizagem.

Isso resulta em um espectro de estilos, que progride de um estilo de tipo fechado (comando), no qual a responsabilidade total da aula repousa sobre o professor, a um estilo totalmente aberto, no qual o aluno assume suas aprendizagens (autoensino) e se responsabiliza por elas (Mosston e Ashworth, 1986)1.

Seguindo os passos de Mosston (1966), porém na perspectiva da eficácia docente, Siedentop (1994) também se interessou pelas estratégias de ensino. Conforme o autor, as estratégias permitem desenvolver um sistema que favorece a auto-organização dos alunos para que eles se tornem responsáveis pela sua aprendizagem. Distanciando-se de Mosston, Siedentop (1994) considera que o estilo diz respeito ao clima da aula e às características do professor, enquanto as estratégias se referem à maneira como o professor organiza e dispensa o seu ensino e permite aos alunos engajar-se nas tarefas.

Siedentop (1994) propõe três sistemas na base da gestão de uma aula:

  • o sistema de aprendizagem, reunindo a dimensão didática do ensino: conteúdos, unidades, tarefas, atividades;

  • o sistema de interações, que diz respeito, notadamente, às interações entre os alunos e entre os alunos e o docente;

  • o sistema de organização, que engloba a organização dos espaços, do material e do tempo da aula.

Os dois últimos repercutem sobre o primeiro. São exemplos disso: começar a aula rapidamente e no horário previsto; utilizar um método que economiza tempo para fazer a chamada; ensinar os sinais e as rotinas para chamar a atenção, reagrupar-se e dispersar-se; usar um ensino proativo com diretivas claras, encorajando os alunos e demonstrando entusiasmo; comunicar expectativas altas, mas realistas; utilizar uma grande quantidade de feedbacks específicos e de interações positivas; evitar a lentidão e as interrupções; mostrar os resultados de rendimento nas tarefas de organização; utilizar um conjunto de ações de organização. Essas atitudes contribuem para a obtenção de resultados rápidos, para o engajamento e a responsabilização dos alunos nas tarefas de aprendizagem.

Mais recentemente, na literatura nacional da área, muitos autores e obras prescreveram diferentes formas de organizar as aulas e indicaram procedimentos e estratégias de ensino mobilizados pelos docentes (Kunz, 2001; Freire e Scaglia, 2003; Neira e Nunes, 2008; Soares et al., 2012). Hildebrandt-Stramann (2005), por exemplo, destaca que as aulas de Educação Física podem ser fechadas ou abertas. As aulas fechadas são centradas nas decisões do professor, têm como produto o melhoramento técnico dos alunos, e os objetivos são definidos pelo professor mediante uma intenção racionalista de ensino. Já as aulas abertas são orientadas nos alunos, que podem participar das decisões sobre a aula, bem como do processo, com vistas ao desenvolvimento da sua autonomia. Um pouco como na perspectiva do espectro de estilos de Mosston (1966), abordada anteriormente.

Por sua vez, o Coletivo de Autores indica que na primeira fase da aula são discutidos os conteúdos e objetivos da unidade, buscando as melhores formas de organizar a execução das atividades. A segunda fase refere-se à apreensão do conhecimento, e na terceira fase são amarradas as conclusões, avalia-se o trabalho realizado e levantam-se perspectivas para as próximas aulas (Soares et al., 2012). Já Freire e Scaglia (2003) propõem uma roda de conversa na aula sobre o que será feito na primeira parte da aula, na segunda parte executam as práticas propriamente ditas, e na terceira parte a roda de conversa ocorre sobre o que foi feito na aula.

González, Darido e Oliveira (2014) propõem, diferentemente, a roda de conversa inicial com a apresentação do tema da aula e o diagnóstico dos conhecimentos que os alunos possuem sobre o que será estudado. Depois, tem-se o desenvolvimento da aula com as vivências pedagógicas das diferentes manifestações da cultura corporal. Por fim, dá-se a roda final, momento em que se lembra do que foi realizado, algum fato ou observação é trazido para reflexão, os erros e acertos são comentados, bem como o que foi aprendido e o que falta complementar.

Todavia, no que tange aos estilos ou às estratégias de ensino, deve-se considerar que, em seu trabalho cotidiano, os professores planejam e mobilizam um conjunto de operações, maneiras e recursos pedagógicos que permitem que seus alunos se engajem nas tarefas propostas para a aula (Borges, 2005). Essas estratégias referem-se às diferentes maneiras utilizadas pelos professores para dar explicações, gerir a aula, bem como aos vários papéis atribuídos aos alunos no processo de ensino-aprendizagem. Assim, não existe uma maneira única de gerenciar ou organizar a aula nem de definir o grau de implicação dos alunos, ainda que certas regularidades possam ser observadas por intermédio das fases de preparação, realização e integração - ou roda de conversa inicial, desenvolvimento e roda de conversa final, segundo González, Darido e Oliveira (2014).

Assim, investigar as maneiras de agir dos docentes em sala de aula, isto é, a forma como organizam o seu ensino e as razões subjacentes a ela, nos parece mais que pertinente, pois, como revelam os estudos sobre o trabalho docente, os professores se apoiam em modelos para pensar, antecipar e preparar a organização temporal da estrutura da aula (Gal-Petitfaux, 2013). Nesse sentido, em oposição aos modelos prescritivos de organização das aulas, alguns estudos desenvolveram modelos descritivos das aulas de Educação Física construídos fundamentados em suas observações e pesquisas empíricas acerca das atividades concretas dos professores e dos alunos nas aulas (Gal-Petitfaux, 2011, 2013).

Com base nessas considerações e particularmente apoiados em um quadro teórico que busca compreender e descrever o trabalho dos docentes, tendo em vista a clínica da atividade oriunda da ergonomia francesa (Clot, 2010), questionamos: como os professores organizam suas aulas e quais são as estratégias de ensino utilizadas por eles nas aulas de Educação Física para organizar e dinamizar o processo de ensino-aprendizagem?

Em decorrência disso, o objetivo deste estudo foi investigar a organização temporal e espacial das aulas, bem como as estratégias de ensino utilizadas pelos professores, nas aulas de Educação Física no ensino fundamental.

ESTUDO MULTICASOS ANCORADO NA CLÍNICA DA ATIVIDADE

Este é um estudo qualitativo, de casos múltiplos, realizado com quatro professores de Educação Física que atuam em turmas do ensino fundamental. Esse tipo de pesquisa permite descobrir convergências ou semelhanças entre vários casos ou as particularidades de cada caso (Yin, 2015), buscando entender como os fenômenos estudados são afetados por variações contextuais. Este estudo também se caracteriza por ser uma pesquisa-intervenção, no sentido de que a experiência profissional não deve ser apenas compreendida, mas transformada. Agir e sobretudo ampliar o poder de ação consistem em servir-se da sua experiência para viver outras (Clot, 2010). Nesse sentido, esta pesquisa contribui para o desenvolvimento profissional dos professores.

Participaram do estudo quatro professores, com diferentes tempos de experiência profissional e turmas mistas do 4º e do 6º ano do ensino fundamental de escolas municipais de Cuiabá, estado de Mato Grosso. Esses professores trabalhavam em escolas localizadas em distintas regiões da cidade. O Quadro 1 mostra as características dos professores e de seus contextos de ensino.

Quadro 1 - Características dos participantes 

Escola A Escola B Escola C
Professores Safira Ametista Esmeralda Diamante
Sexo e idade (anos) Mulher, 39 Mulher, 33 Mulher, 42 Homem, 41
Tempo na escola (anos) 2 2 15 15
Turma observada 4º ano 4º ano 6º ano 6º ano
Número de alunos 28 18 26 28
Frequência e duração das aulas Uma vez por semana, 2 horas Uma vez por semana, 2 horas Duas vezes por semana,45 minutos

Nas escolas 1 e 2 as aulas são geminadas ou duplas, em razão de uma recomendação da Secretaria Municipal de Educação para que as escolas pudessem concentrar a hora/atividade (planejamento, correção dos trabalhos dos alunos) dos professores em um único dia. A escola 3 não adotou essa diretiva e manteve as aulas de 45 minutos, duas vezes por semana.

A pesquisa aconteceu no ano escolar de 2015 e teve a autorização do comitê de ética da universidade, sob o número 15-046-D. Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, assim como os responsáveis pelas crianças, envolvidos indiretamente na pesquisa.

Nosso método tem suas bases na clínica da atividade, que analisa as situações de trabalho buscando favorecer transformações na atividade e restabelecendo o poder de agir dos sujeitos e coletivos de trabalho (Vieira e Faïta, 2003). Segundo essa abordagem, a análise do trabalho é um instrumento para o desenvolvimento da consciência do sujeito, permitindo a reflexão sobre sua atividade e o potencial de transformação do vivido para viver experiências futuras (Clot, 2010).

Os métodos de pesquisa utilizados por essa abordagem se apoiam no diálogo entre os trabalhadores acerca das situações de trabalho. Vale notar que, para Bakhtin (1997), a interação verbal realizada por meio das enunciações constitui a verdadeira substância da língua presente em todas as relações entre indivíduos, até mesmo na relação comunicacional de interação entre professor e alunos nas aulas.

Na perspectiva bakhtiniana, o enunciador sempre leva em conta a percepção do seu discurso pelo destinatário: concepções, convicções, preconceitos, simpatias e antipatias, pois tudo isso determinará a sua compreensão responsiva. O interlocutor, ao perceber e compreender o significado do discurso do outro, ocupa simultaneamente uma posição responsiva ativa: concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa o discurso, aplica-o, prepara-se para usá-lo etc. (Bakhtin, 2003).

Por sua vez, as situações de análise do trabalho criadas pela clínica da atividade favorecem o desenvolvimento dos trabalhadores. Do ponto de vista psicológico vigotskiano, o indivíduo torna-se sujeito quando faz, sozinho e de outro modo, o que já havia experimentado com os outros, ao encontrar-se com eles numa zona de desenvolvimento potencial. Ele reconstrói para si de outro modo o que havia produzido e o que produziu com os outros, quando considera “o outro gesto possível, o outro objeto, a outra palavra, a outra ideia, a outra atividade, a outra possibilidade não ainda alcançada” (Clot, 2010, p. 210).

Essa visão é coerente com a nossa postura epistemológica, que valoriza a experiência concreta de trabalho dos docentes (o que eles sabem e fazem no seu trabalho) e, também, a linguagem como forma de expressão do raciocínio (o que expressam sobre o trabalho), numa perspectiva dialógica.

Nosso estudo utilizou os seguintes instrumentos de pesquisa: caderno de campo, observação e filmagem das aulas e entrevistas de autoconfrontação simples e cruzada.

As aulas de Educação Física foram observadas e filmadas num período de dois meses, mas nesse período ocorreram algumas interrupções por diferentes motivos (feriados, paralisação de professores, reuniões de professores). Como a duração das aulas era diferente, observamos e filmamos sete aulas de Safira, seis de Ametista, sete de Esmeralda e 11 aulas de Diamante. As duas primeiras aulas de cada professor foram somente observadas, e todas as demais, filmadas. Os conteúdos de ensino observados nesse período foram: jogos (Safira, Ametista, Esmeralda e Diamante), dança (Esmeralda e Ametista) e esporte (Diamante).

Posteriormente, fez-se a edição dos vídeos das aulas filmadas (média de 17,6 minutos) com as cenas consideradas mais importantes dos diferentes momentos das aulas. Esses vídeos editados foram exibidos na autoconfrontação, para que os professores fossem confrontados com sua imagem e comentassem a sua atividade de ensino. Realizamos quatro sessões de autoconfrontação simples com Safira, Ametista e Diamante e cinco com Esmeralda. Depois, fizemos uma sessão de autoconfrontação cruzada de uma aula de cada professor, totalizando quatro sessões cruzadas, e nelas todos os professores estavam presentes.

Na autoconfrontação simples o participante se confronta com sua imagem filmada numa sequência de atividade e faz comentários na presença do pesquisador. Na autoconfrontação cruzada, cada um dos participantes é confrontado com a imagem da sua sequência de atividade filmada na presença de outro(s) participante(s), momento em que é realizada a análise das situações de trabalho, com a mediação do pesquisador (Vieira e Faïta, 2003; Clot, 2010).

Na autoconfrotação cruzada, o desenvolvimento discursivo faz alternar o discurso genérico (busca de novos referenciais) e discursos nitidamente polêmicos, em que se torna explícita a crítica das posições verbalizadas pelo outro. Alguns enunciados tendem a reiterar-se por si mesmos em ambos os interlocutores. Em outros, ocorrem rupturas ou mudanças de temas que restauram as condições de instabilidade propícias ao desenvolvimento (Clot, 2010).

Todos os vídeos das aulas e das sessões de autoconfrontação simples e cruzada foram transcritos2 e as informações organizadas em episódios de ensino. Os turnos de fala (Tf) dos professores receberam números de acordo com a ordem de fala no diálogo. Em seguida, realizamos a análise temática sequenciada (Paillé e Muchielli, 2012) do corpus, momento em que identificamos as categorias oriundas da literatura e emergentes, que surgiram durante a leitura do material.

Duas dessas categorias merecem destaque, a razão de agir e a comparação das maneiras de agir. A primeira refere-se aos motivos que justificam a ação dos professores nas aulas, ou seja, o participante coloca em dialeto sua atividade, fazendo a tradução desta para o pesquisador ou para o outro participante do método (Clot, 2010). Já a comparação das maneiras de agir ocorre principalmente durante a autoconfrontação cruzada, quando os professores comparam seus procedimentos numa situação similar de trabalho.

ORGANIZANDO E DINAMIZANDO O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Neste artigo optamos por apresentar a análise e a discussão dos resultados em dois tópicos: a organização temporal e espacial das aulas e, posteriormente, as estratégias de ensino utilizadas pelos professores. No entanto, no momento do ensino, essas duas dimensões didáticas manifestam-se entrelaçadas.

A ORGANIZAÇÃO TEMPORAL E ESPACIAL DAS AULAS

Constatamos diferentes formas de organizar as aulas de Educação Física pelos professores, seguindo um encadeamento temporal e espacial. No plano temporal, destacamos quatro momentos das aulas: o início, o aquecimento, o corpo ou a parte principal e a parte final.

Os professores deste estudo têm diferentes formas de iniciar suas aulas, em relação às maneiras de organizar o tempo, ao uso do espaço, aos alunos e aos materiais, bem como à forma de apresentar as informações para os alunos. Safira, por exemplo, organiza suas aulas com uma parte prática na quadra e outra teórica em sala de aula, isso porque suas aulas são germinadas. Ela começa com uma roda de conversa, apresenta o que será desenvolvido, dá instruções e faz recomendações. Na autoconfrontação cruzada os professores comentaram:

Tf 2 Ametista: No início de aula eu fico com meus alunos na sala. Nós dividimos a quadra com três professores, então esta organização em círculo na quadra para mim não funcionaria, porque já estão acontecendo algumas atividades e os meus alunos ficariam dispersos. Então, geralmente, explico a primeira atividade ou falo: “Vai ter tais atividades”. Lá na escola, não funciona explicar a primeira e a segunda práticas [seguidas], principalmente a segunda prática dela que foi com balões. Se eu falasse isto, meus alunos iam ficar ansiosos e a minha primeira atividade seria em vão.

Tf 3 Diamante: Qual é a turma que você dá aula?

Tf 4 Ametista: A minha turma é o 4º ano. Eu estou falando que não funcionaria esta questão, os alunos da Safira se comportaram muito bem, levantaram a mão [para falar], já os meus vêm todos de uma vez, eu vou falar e eles não escutam nada!

Tf 5 Diamante: Essa forma que a Safira utilizou no início é a parte teórica, explicando regras, o espaço. Eu faço muito parecido com você. Eu utilizo a quadra, mas eu trabalho nesta escola há 15 anos e os alunos já estão bem acostumados comigo. Eu os levo para a quadra e falo “círculo!”, e eles vão se sentar. Eu utilizo a teoria, a explicação de regras, é bem parecido a dinâmica inicial aí.

Tf 6 Safira: Os nossos círculos são sempre nos cantos, porque tem menos concentração de pombos. No centro da quadra não tem condições! [Risos] São locais que ficam mais sujos [de excrementos de pombos]!

Tf 7 Diamante: O problema da Ametista é que ela tem que dividir o espaço da quadra com outras turmas, mas a formação em círculo é interessante, porque nós estamos vendo todos os alunos, é um jeito fácil de você explicar o objetivo e a dinâmica da aula e a gente chegar a todos eles. Percebi ali que eles prestaram muita atenção e ficaram bem comportados.

Nesse diálogo, Ametista descreve sua maneira de agir no início da sua aula, que é em sala. Segundo ela, a explicação das atividades na quadra não funcionaria, porque há outras turmas no espaço e seus alunos ficariam dispersos (razão de agir). Para Ametista, também não funcionaria explicar duas práticas seguidas. No Tf 4, Ametista faz uma apreciação de que os alunos da Safira se comportaram bem.

No Tf 5, Diamante fala da sua maneira de agir, identifica-se com a maneira de iniciar a aula de Ametista. Em Tf 6, Safira acrescenta que ela tem de usar os espaços nas laterais da quadra para a roda de conversa, porque o centro da quadra fica sujo (razão de agir). Depois, Diamante faz uma apreciação interessante sobre essa forma de começar a aula, pois permite chegar a todos os alunos e explicar a dinâmica da aula. Ele termina com uma apreciação para o comportamento dos alunos de Safira: prestaram atenção e comportaram-se bem.

Outra característica do início das aulas é retomar o conteúdo e as práticas da aula anterior. Na autoconfrontação simples com Ametista, ela disse:

Tf 2 Ametista: Eu sempre retomo os conteúdos, porque uma aula não pode ser em vão, tem que ter continuidade. Sempre faço isto para ver se realmente eles aprenderam, se aproveitaram e se lembram de alguma coisa. Apesar que é um tempo muito longo [intervalo entre as aulas], a gente só tem uma aula por semana.

Ametista explica sua razão de agir em relação a relembrar os conteúdos. Ela visa verificar a aprendizagem dos alunos para deixar mais clara a continuidade dos conteúdos. Utiliza o conector do discurso de concessão “apesar”, para observar que o tempo entre uma aula e outra é longo, ficando subentendido que isso prejudica a recapitulação.

No que tange à forma de organização espacial e temporal das aulas, nesta pesquisa constatamos que a professora Safira e o professor Diamante iniciam a aula na quadra, com os alunos em círculo, sentados no chão, por meio de uma roda de conversa (Freire e Scaglia, 2003; González, Darido e Oliveira, 2014). Sendo assim, eles utilizam a configuração de atividade em torno do professor, na qual a autoridade docente é menos marcada do que na configuração face a face, mostrando proximidade com os alunos, com um tom convivial e com os alunos participando do debate (Gal-Petitfaux, 2011).

Já Ametista e Esmeralda começam a aula com seus alunos na sala, eles sentados nas carteiras e elas em pé, na frente da sala. Assim, ambas recorrem à configuração de aula face a face. Esse tipo de organização emerge sobretudo no início, quando o professor apresenta o programa de atividades do dia; durante a aula, quando o professor demonstra uma nova prática; e frequentemente no balanço final (Gal-Petitfaux, 2011).

Sanchotene e Molina Neto (2013) também evidenciaram a preferência da sala para o início da aula de Educação Física, momento em que os professores fazem os combinados iniciais, apresentam o objetivo da aula e são ouvidos com maior atenção para depois levar os alunos à quadra de esportes.

Entre os professores participantes da pesquisa, o que tem a prática de realizar o aquecimento mais frequentemente é Diamante. Na autoconfrontação, ele explicou sua razão de agir no momento dessas atividades, que é realizar o aquecimento dos alunos antes das práticas principais, no entanto os professores atribuem também outras significações para o aquecimento: dar continuidade à construção do ambiente de trabalho, identificando os alunos mais motivados para liderar o grupo discente; e observar índices sobre o comportamento dos alunos, sua docilidade, o respeito às instruções, a velocidade do reagrupamento e sua reatividade para começar o trabalho (Gal-Petitfaux, 2011).

O corpo da aula, ou a parte principal, contém as situações de aprendizagem ou práticas. Os professores fazem a apresentação coletiva da primeira situação de aprendizagem, depois a supervisão da prática e a transição para a segunda prática e, assim, de maneira consecutiva. No fim de uma situação de aprendizagem, às vezes fazem um balanço de prática (Gal-Petitfaux, 2011). Esse momento comumente acontece na quadra de esportes, mas algumas vezes a sala também é utilizada para as aulas de dança, ou quando os professores pretendem trabalhar aspectos teóricos da cultura corporal.

A seguir, descrevemos um episódio de supervisão da prática da professora Ametista, que ocorreu no corpo da aula. O tema da aula de Ametista eram jogos de ataque e defesa. A primeira prática foi roubar o rabo do cavalo. Na segunda prática ela distribuiu balões e um pedaço de barbante aos alunos e pediu para que os amarrassem em seus tornozelos e formassem duplas, dando as mãos. Ela explicou novamente que os alunos teriam de tentar estourar os balões das outras duplas e proteger os seus.

Quando a prática começou, algumas duplas começaram a soltar as mãos. Na supervisão, ela decidiu alterar a regra. Na autoconfrontação cruzada os professores comentaram:

Tf 49 Diamante: Eu acho que ela fez muito bem em se adaptar ao que estava acontecendo, ao contexto, no momento! Ela percebeu que a maioria dos alunos não estava seguindo a regra e alguns estavam em desvantagem, aí ela decidiu cancelar a regra. [...] Eu talvez faria a mesma coisa ou usaria o apito: “Parou, parou!”. E tento explicar novamente. “Vocês não entenderam? Vamos de novo, só pode de mãos dadas! Se soltar a mão, não vai valer!”.

Tf 50 Esmeralda: Eu deixo a coisa acontecer, porque se fico parando várias vezes, de repente uma vez daria, mas eu deixo... Teve uma aula que aconteceu, e aí sentamos [no balanço final da aula] e eu perguntei: “E aí, gente, como é que foi? Vocês gostaram? Precisamos mudar alguma coisa?”. [...] Eu deixo eles sentirem o jogo e aí agora vamos sentar. “Vamos colocar regras então? Qual é a primeira regra?” [...]. Depois, eles brincaram acrescentando outras regras.

Diamante faz uma apreciação “muito bem” para a explicação da prática de Safira. Ele estima que os alunos estavam atentos à explicação, mas não durante a prática, porque estavam eufóricos e era a primeira vez que realizavam aquela prática, um indicador temporal do trabalho curricular. Nesse episódio a orientação da atividade é voltada tanto para a atividade de Ametista e sua explicação e supervisão quanto para o seu objeto de trabalho, ou seja, os alunos e como eles agiram no momento da prática. Na comparação das maneiras de agir, Diamante talvez faria a mesma coisa, ou pararia a prática, a explicaria novamente e a recomeçaria. Por sua vez, Esmeralda disse preferir deixar fluir e discutir a questão no fim.

Na aula de Ametista, durante a supervisão da prática do pegador de corrente, ela parou a atividade para dialogar sobre as estratégias do jogo. Na autoconfrontação cruzada os professores comentaram:

Tf 8 Esmeralda: Mas tem uma coisa que a Ametista fez que eu não faria, que é parar para falar: “Quem corre mais? Quem está na ponta ou no meio?”. Eu achei legal isto, é uma forma diferente, mas eu não faço assim. Eu gosto que eles queimem neurônios, se virem! Eles vão arrumando estratégias sem a gente falar! [...].

Tf 9 Diamante: Eu geralmente uso o apito. Quebrou [a corrente], eu apito e eles já sabem que não pode mais pegar. Só que eu chamo os alunos, próximo do que a Ametista fez, e eu falo para eles: “Se você amarrar dois cavalos, e colocar uma moita de capim ali e outra lá, se quiserem comer ali e comer lá, vão morrer de fome! Então vocês terão que ter uma estratégia” [...].

Tf 10 Safira: Eu também, eu falo: “Tem que criar estratégia!”. A Ametista contou a estratégia para os alunos! Eu falo: “Vocês precisam ter uma meta, tem que criar uma estratégia!”. E eles que vão se virar para criá-las!

O tema desse diálogo é oferecer pistas sobre as estratégias de jogo no momento da supervisão. Todos os professores comparam suas maneiras de agir numa situação similar. Esmeralda e Safira preferem que seus alunos encontrem as soluções para os problemas sozinhos, sem dar pistas. Já Diamante se identificou com o procedimento de Ametista, mas ele pararia o jogo, conversaria com os alunos e daria pistas para eles encontrarem uma solução para o problema.

Na aula de jogos de Diamante, ele abordou o jogo de base quatro e a queimada de abelha-rainha. Durante a supervisão da prática, notamos que ele apitava o jogo e interagia com os alunos: “Menino só queima menino. Se queimar o escolhido, acaba o jogo!”, “Se demorar para arremessar, a bola passa pra eles!”, “Queimou, Alan!”, “Isso aí, usaram uma estratégia!”, “A bola vai pra ela depois de dez arremessos!”.

Tf 110 Pesquisador: Eu percebi que você fala as regras no início, mas durante o jogo você repete estas informações.

Tf 111 Diamante: Eu acho que as crianças e adolescentes esquecem. [...] Então estamos sempre reforçando. [...] E como nós não temos treino de fundamentos, pois não há bolas suficientes, acabamos fazendo o treinamento técnico e tático na aula, corrigindo o que dá para corrigir durante o jogo.

Tf 117 Esmeralda: [...] Eu fico morrendo de inveja do Diamante. Só uma turma na quadra é perfeito! Nós somos três professores na quadra. Então o que eu combino com os alunos na sala, a hora que eu vou descer para a quadra, falo: “Acabou a aula na quadra [que eu tinha planejado]!” Então eu desço com minhas duas bolas, ela desce com as dela e o outro professor. Aí tem momentos que tem seis, sete bolas na quadra! [...] Mas vamos driblando, não é?

Diamante explicou sua razão de agir no momento da supervisão: reforçar as regras para que os alunos não as esqueçam e corrigir os fundamentos do esporte durante a prática do jogo, pois ele não utiliza exercícios específicos para o treinamento técnico nem tático. Em seguida, Esmeralda exprime uma autoafetação, dizendo que inveja a condição de trabalho de Diamante e destaca as diferenças entre a sua escola e a dele.

Esmeralda faz uma apreciação para o contexto de trabalho de Diamante, que considera perfeito, pois ele não precisa dividir a quadra com outras turmas. Ela expressa seu discurso interior em “acabou a aula [que eu tinha planejado]”. É o seu pensamento naquele momento. Ela ainda usa a metáfora “driblar” para exprimir a ideia de como ela lida com a dificuldade de dividir a quadra com outras turmas.

Na pesquisa foram relatadas diferentes situações de supervisão de prática. Safira, por exemplo, adaptou a regra do jogo depois que os alunos começaram a quebrá-la, Ametista parou a prática do pegador de corrente para discutir com os alunos qual seria a melhor estratégia para o jogo, e Diamante reforça as regras durante a supervisão do jogo.

Segundo Gal-Petitfaux (2011), a supervisão da prática pode ser realizada por observação silenciosa, intervenção por flash (dar um conselho breve no meio da ação), intervenção por rastreamento (o professor corrige seguindo de perto) e intervenção por parada (quando o professor para a atividade e dá um conselho).

No caso de Safira, ela realizou uma adaptação da regra no curso da ação, sem parar os alunos para explicar novamente a regra do jogo. Logo, sua intervenção foi por flash. Já Esmeralda preferiu discutir os problemas que ocorreram no balanço da aula. Diamante faria como Safira fez, uma intervenção por flash, ou uma intervenção por parada para explicar novamente as regras. No episódio de supervisão da prática de Ametista, ela realizou uma intervenção por parada para dialogar com seus alunos. Já na última situação de supervisão de Diamante, ele usou o tipo de supervisão por flash.

Em relação ao fim da aula dos professores, na nossa pesquisa não observamos atividades de volta à calma no término da aula. Foi mais comum a realização da roda de conversa final ou balanço coletivo da aula. Os professores Esmeralda e Diamante fazem esse balanço na quadra de esportes, e Safira o faz em sala de aula depois da aula teórica. Já a professora Ametista faz o balanço da aula no início da aula seguinte. A seguir, descrevemos dois balanços finais de aula, o de Esmeralda e o de Diamante.

Em uma das aulas de Esmeralda, ela fez um jogo de peteca com seus alunos, dividindo toda a turma em duas equipes; não havia rodízio para sacar, como no vôlei. Cada equipe poderia tocar na peteca três vezes antes de passá-la para o outro lado, diferentemente das regras oficiais da peteca, porém o jogo foi tumultuado, os jogadores não faziam rodízio para sacar nem tinham noção da posição em campo.

No balanço final dessa aula, Esmeralda pediu para os alunos se sentarem na arquibancada, ficou em pé na frente deles e eles dialogaram:

Aluno: Ô, professora, tem que dividir assim, um rebate, o outro saca. Mas assim, quando a peteca ia num lugar, ia um monte de aluno pegar!

Esmeralda: É! Da próxima vez que nós formos jogar, nós vamos / Gente, espera aí! Da próxima vez, vamos fazer diferente.

Outro aluno: Professora! Não vamos fazer nada de dança!

Esmeralda: Espera aí! Olha, da próxima vez que jogarmos, vamos fazer seis e seis e faremos um rodízio. Cada um ficará em sua posição e faremos um rodízio para o saque. [...] Está bom? Beleza? [...]

Aluno: Faz equipe de quatro jogadores, professora!

Esmeralda: Não, não! Quatro é pouco, vamos fazer seis, para ficar mais gente! Entenderam, meus amores? Na próxima aula eu prometo que vai ter bola. Hoje não dará tempo.

No momento da autoconfrontação simples, Esmeralda explicou:

Tf 34 Pesquisador: Ali você fala que nas próximas aulas você dividirá três equipes de seis. Por quê?

Tf 35 Esmeralda: Então, para que todos tenham mais oportunidades de tocar na peteca, de variar as posições [no campo de jogo], os lugares onde ficam [...]. Mas é mais por este motivo, de todos eles experimentarem. Porque, quando fica muita gente, fica tumultuado. Todo mundo vai em cima da peteca, então acaba que o espaço fica reduzido também.

Tf 43 Esmeralda: No final da aula eu cheguei à conclusão que a gente teria que colocar menos jogadores nas equipes para o jogo da peteca. Mas a minha intenção inicial era fazer times grandes, dividir a turma em duas equipes e jogar! [...] Aí nós iríamos, num outro momento, diminuir o número de alunos para começarem a ter mais contato com a peteca.

No Tf 35, Esmeralda explica a sua intenção de mudança e a criação de novas metas: fazer equipes de seis jogadores para que eles tenham mais contato com a peteca, e fazer a rotação dos jogadores para todos praticarem o saque, definindo posições para os jogadores. Ela também faz uma apreciação para o jogo realizado com muitas pessoas: “fica tumultuado”, pois todo mundo quer bater na peteca e há menos espaço no terreno de jogo. Aqui, nós notamos a busca da eficiência no trabalho, seja por meio de observações sobre o que não funcionou bem, seja pela concepção de outras maneiras de agir.

Num de seus balanços finais de aula, o professor Diamante organizou uma roda de conversa com os alunos sentados em círculo e ele em pé:

Diamante: Quantos passos que eu posso dar com a bola na mão?

Alunos: Três.

Diamante: Quando a bola sai pela lateral, o que que eu tenho que fazer?

Alunos: Pisar na linha.

Diamante: Pisar um pé na linha. A Maria confundiu com o futsal e queria chutar a bola! Pisa um pé na linha, tá bom? Hoje o professor deixou passar, mas nas olimpíadas vai cobrar e a bola vai ser do outro time. Outra coisa, não pode recuar para o goleiro. Se jogar a bola para o goleiro, é o pênalti do handebol. [...] Vocês não podem jogar esta bola lá do outro lado. Passa a bola para quem está perto [...]. Se eu fizer passe longo, é mais difícil.

Esse episódio destaca o diálogo e o jogo de perguntas e respostas de Diamante com seus alunos. Os enunciados do professor são mais longos, relembrando os eventos que ocorreram durante a partida. Em certo momento, Diamante chamou um aluno para demonstrar que o passe é mais eficaz para os parceiros mais próximos. Na autoconfrontação simples, Diamante explicou:

Tf 20 Diamante: Então, esta e outras rodas de conversa reforça a aula do dia. Nós enfatizamos as regras do handebol para que eles aprendam, cada vez mais, todas as regras das modalidades [...]. E também explicar que não serve só para o handebol, serve também para outros esportes, a questão do espaço, do tempo, de você jogar a bola no espaço futuro, o tempo que a bola demora para percorrer entre dois pontos. Tentar explicar para eles na prática, no concreto, no real, fica mais fácil para visualizarem o que a gente quer que façam e que seja mais próximo do jogo mesmo. [...] Porque, se você jogar a bola para quem está mais perto, o adversário não ia conseguir roubá-la.

Diamante explica sua razão de agir no balanço final: reforçar as regras do esporte para que os alunos aprendam cada vez mais. A orientação da atividade está voltada para o objeto de trabalho, isto é, para o aprendizado de seus alunos. Além disso, Diamante destacou a sua explicação sobre os passes entre os membros de uma equipe durante o jogo de handebol, a trajetória da bola entre dois pontos (nesse caso, entre os membros de uma mesma equipe), sendo mais fácil e eficaz fazer o passe para um companheiro que está numa posição mais próxima e mais difícil e arriscado fazer passes longos, pois um adversário pode roubar a bola. Ele crê que esse aprendizado é transferível para outros esportes, constituindo um indicador espacial do trabalho curricular, ou seja, a transposição desse conhecimento para outros meios (ou aulas).

Constatamos que Safira, Esmeralda e Diamante fazem o balanço final da aula. Safira realiza esse momento em sala de aula, depois de passar matéria no quadro e explicar aspectos teóricos. Esmeralda e Diamante tem esse momento na quadra de esportes. Os alunos de Esmeralda, geralmente, ficam sentados na arquibancada e ela em pé numa posição de interação face a face. Diamante coloca seus alunos sentados no círculo central, no qual promove a roda de conversa final.

O fim da aula é composto da volta à calma, do balanço coletivo da aula, da organização do material e da saída da aula. O balanço da aula serve para fazer uma síntese sobre o trabalho realizado (Gal-Petitfaux, 2011). Na nossa pesquisa descrevemos dois balanços de aula, dos professores Esmeralda e Diamante.

No balanço coletivo da aula de Esmeralda, ela refletiu com os alunos sobre os acontecimentos da aula, principalmente sobre o que não havia funcionado bem, e indicou que faria mudanças nas próximas aulas. Por sua vez, no balanço coletivo da aula de Diamante, ele reforçou as regras do handebol e a importância de fazer o passe para o jogador que está mais próximo. Uma pesquisa realizada no Rio Grande do Sul também constatou a roda de conversa final nas aulas de uma professora, momento em que ela fazia uma crítica sobre as aprendizagens da aula com os seus alunos (Sanchotene e Molina Neto, 2013).

AS ESTRATÉGIAS DE ENSINO UTILIZADAS PELOS PROFESSORES NAS AULAS

No momento da análise das aulas dos professores durante a autoconfrontação simples ou cruzada, eles descreveram e explicaram várias estratégias de ensino utilizadas nas aulas para tornar o processo de ensino-aprendizagem mais eficaz. Algumas dessas estratégias são mais simples, e outras, mais elaboradas e estruturadas.

A primeira estratégia que destacamos é saber o nome dos alunos e chamá-los por eles nas aulas:

Tf 14 Ametista: Na maioria das vezes eu sei os nomes dos meus alunos, 90%. Eu gosto de chamá-los pelos nomes, porque você fica mais próximo deles. Fica uma coisa assim: “Realmente ela me conhece!” [...] [autoconfrontação simples 4].

Tf 37 Diamante: Além do elogio, da entonação da voz, eu acho importante a gente chamar o aluno pelo nome. Faz muita diferença [...]. A hora que você chama a criança pelo nome dela é meio caminho andado [autoconfrontação simples 4].

Os professores Ametista e Diamante destacaram sua razão de agir chamando os alunos pelos nomes, que é para criar maior proximidade. As pesquisas sobre o ensino indicam que os professores que conhecem os nomes de seus alunos se dirigem diretamente a eles mais vezes, levando-os a se comunicarem e agirem com maior frequência (Gauthier et al., 2013).

A segunda estratégia que destacamos é usar o humor durante as aulas. Ametista e Diamante expressaram suas razões de agir com essa estratégia:

Tf 37 Ametista: “Vai começar o time mais bonito!” [brinca]. Chegaram a dar um passo para trás! “Eu não! Quem vai começar vai ser a A. C. [aluna]!” “Então quem vai começar sou eu!” Fazer o quê? [risos]. [autoconfrontação simples 4].

Tf 22 Diamante: É uma forma da gente motivar os nossos alunos a participarem das aulas. […] A aula fica mais leve e não fica tão chata. [...] A gente quebra o gelo e acaba trazendo eles mais perto da gente [autoconfrontação simples 1].

Tf 40 Esmeralda: As brincadeiras descontrai as aulas [...]. Neste momento estamos descontraindo o que está tenso. Eu acho muito importante! [na autoconfrontação cruzada da aula da Ametista].

Desse modo, a razão de agir desses professores usando o humor nas aulas é visando descontrair o clima da aula e também motivar os alunos. Sobre o uso do humor para descontrair a turma e motivar os alunos, as pesquisas indicam que os professores mais bem-sucedidos utilizam humor e contam histórias pessoais quando abordam um assunto (Nussbaum, 1992). Outros fatores também têm influência favorável na interação professor-alunos, como: aproximar-se dos alunos para falar, utilizar o contato corporal de maneira socialmente apropriada, ser expressivo ao falar, sorrir mais, demonstrar maior abertura com atitudes corporais, usar contato visual (Nault, 1998).

Uma estratégia utilizada por Diamante é dividir as equipes para os jogos alternando meninos e meninas na escolha dos próximos membros. Além disso, ele busca amenizar o sentimento de exclusão dos últimos estudantes a serem escolhidos, dando a oportunidade para eles escolherem a equipe que querem jogar e a equipe que começará com a posse da bola.

Tf 14 Diamante: A gente achou uma forma de dividir as equipes, porque é complicado, escolher nunca é fácil. Às vezes, se eles vão escolher e acabam excluindo. Então eu percebi durante estes anos de experiência a tristeza dos últimos a serem escolhidos [...]. Então a gente meio que está premiando os últimos. [...] Cada um escolhe uma vez, o primeiro escolheu uma menina, depois ele não escolhe mais. E a menina vai ter que escolher um menino [...]. Então, assim, todo mundo tem o poder de escolha, e os últimos têm o poder de escolher quem vai jogar primeiro e em qual equipe eles querem jogar! [autoconfrontação simples 1]

Dessa maneira, sua razão de agir nesse momento é inibir o sentimento de exclusão e dar uma recompensa para os últimos alunos, bem como alternar o poder de escolha da equipe entre meninas e meninos. Sobre essa estratégia, estudos anteriores revelaram que os alunos quando têm a oportunidade de escolher parceiros ou grupos para a prática tendem a segregá-los por gênero, mas é responsabilidade do professor gerenciar o ambiente da aula e os padrões organizacionais para incentivar a conscientização dos princípios da equidade de gênero (Davis, 2003). Oportunidades de liderança, como líderes de equipe ou oportunidades para demonstrar habilidades, devem ser dadas a meninos e meninas (Mitchell et al., 1995).

A próxima estratégia também foi utilizada apenas pelo professor Diamante e consiste em dar um tempo para que as equipes discutam e definam suas estratégias de jogo:

Tf 8 Diamante: A gente deu um tempo para eles arrumarem uma estratégia de corrida, ou colocar o mais rápido primeiro ou para fechar a corrida [...]. Eles fizeram uma reunião prévia para decidir a ordem e para criar uma estratégia para tentar vencer esta prova. [...] É uma forma deles estarem conversando, se organizando. Tem outros jogos que a gente faz isto também, eles se reúnem antes do jogo e criam as estratégias [autoconfrontação simples 2].

A razão de agir do professor com essa ação é proporcionar um momento para que os alunos conversem, se organizem e criem uma estratégia de jogo. No que tange à estratégia de dar um tempo para que as equipes discutam e definam suas estratégias de jogo, esse procedimento possibilita aos alunos participarem dos jogos com maior sucesso. Ademais, os professores que preparam atividades para os alunos viverem experiências de sucesso permitem que seus alunos desenvolvam melhores percepções de si mesmos, aumentando as chances de bons resultados (Roy, 1991).

Outra estratégia de ensino utilizada pelos professores é adaptar as regras dos jogos e dos esportes. Isso pode ser feito de diferentes maneiras. Tanto o professor pode adaptar as regras e apresentá-las aos alunos como envolvê-los na construção e adaptação das regras.

Tf 15 Ametista: A gente constrói as regras do nosso jogo. Os jogos têm lá as suas regras, mas a gente quer que eles pensem como é que pode ser, que eles abram um pouco a cabeça. Não tem que ser assim, não! Vamos conversar: “Como é que vai ser? Como é que pode ser?”. E aí vamos construindo ao longo das atividades [autoconfrontação simples 2].

Tf 7 Diamante: Durante este tempo que estamos na escola, colocamos algumas regras para que o jogo fique mais equilibrado e que tenha participação de todos. Uma das formas que faço é tentar equilibrar as forças [entre meninos e meninas], [...]. [por exemplo] o gol das meninas vale dois pontos e acaba o jogo, o gol dos meninos vale um e o próximo obrigatoriamente tem que ser das meninas. Com isto, a gente faz com que os meninos não fiquem só jogando entre eles. [...] A hora que as meninas fazem gol, elas ficam animadas e os meninos começam a dar mais importância para elas [autoconfrontação simples 1].

No caso da professora Ametista, sua razão de agir adaptando as regras com seus alunos tem a intenção de fazê-los pensar e refletir sobre as possibilidades de mudanças. Já a razão de agir de Diamante de adaptar as regras dando vantagens para as meninas é para tornar o jogo mais equilibrado e fazer com que os meninos valorizem mais a participação feminina no jogo.

No que tange à estratégia de saber adaptar as regras dos jogos e esportes, esse procedimento didático é bastante advogado pela literatura da área (Kunz, 2001; Soares et al., 2012; González, Darido e Oliveira, 2014). Essa adaptação pode ser realizada com os alunos, para que eles reflitam sobre as mudanças possíveis, por meio de perguntas e respostas. Os professores terão mais chances de motivar os alunos se fizerem perguntas que exijam criatividade e ideias pessoais deles (Gauthier et al., 2013).

A adaptação das regras também pode ocorrer pela iniciativa dos professores, para que haja maior equilíbrio de participação entre meninas e meninos no jogo e para promover a equidade. A esse respeito, os Parâmetros Curriculares Nacionais já alertavam que se deve ter cuidado especial com as diferenças de competências de meninos e meninas. As intervenções didáticas podem propiciar experiências de respeito às diferenças e de intercâmbio (Brasil, 1997), mas também reforçar os estereótipos ou promover ainda mais segregação.

Outra estratégia de ensino destacada por Diamante é adaptar ou aumentar a dificuldade das tarefas para os alunos e lançar novos desafios e problemas:

Tf 27 Diamante: O time que ganha, a gente aumenta a dificuldade. [...] No vôlei tiramos um quique da bola [no chão], na queimada da abelha-rainha aumenta o número de escolhidos. Então vamos criando certas dificuldades, para que fique mais difícil para o time vencedor continuar. Eu acho que criança é movida por desafios [autoconfrontação cruzada da aula de Diamante].

Tf 30 Diamante: O aluno que está no saque não precisa, é um menino que tem uma coordenação motora muito boa, então para ele eu até falo: “Vai mais para trás! Você quer tentar sacar por cima?”. Eu vou criando dificuldades para que ele tenha problema. Porque, se eu coloco ele ali e ele não tem problema, fica desmotivante [autoconfrontação simples 3].

Desse modo, a razão de agir de Diamante com essa estratégia é aumentar a dificuldade das tarefas para motivar os alunos. Em relação à estratégia de aumentar a dificuldade das ações e de lançar novos desafios para os alunos, pesquisas destacam que trabalhos que apresentam elementos de novidade e variedade, que oferecem desafios, que atraem a curiosidade e o interesse dos alunos e estimulam a resolução de problemas, que têm um nível de dificuldade apropriado, que possibilitam alto grau de sucesso e que correspondam às necessidades dos alunos são uma motivação para o trabalho e para o êxito escolar (Gauthier et al., 2013).

Uma estratégia de ensino utilizada principalmente por Esmeralda é valorizar a criação de movimentos (de dança) pelos alunos:

Tf 8 Esmeralda: Então, eu estou na minha praia, né, eu gosto, porque é dança. [...] Porque às vezes a pessoa vai fazer a aula de dança e ela já quer a coisa pronta. Mas eu aprendi a trabalhar com dança criativa neste contexto da escola [...], mas para você fazer isto você tem que ser muito democrático. [...] É uma forma de valorizarmos o trabalho do aluno, de dar oportunidade para participar e trazer a realidade dele. [...] Autoria é deles! [autoconfrontação simples 4].

A razão de agir da professora Esmeralda com essa estratégia é valorizar o trabalho do aluno, sua produção e sua autoria. Sobre valorizar a criação de movimentos pelos alunos, a maior aceitação das ideias dos alunos pelos professores demonstra maior cuidado no que se refere a eles, revelando uma atitude mais humanista, aumentando as iniciativas tomadas pelos alunos, estimulando a criatividade e reduzindo a ansiedade (Gauthier et al., 2013).

Em relação a participar das atividades com os alunos, na educação física, a linguagem do corpo é tanto objeto de ensino (cultura corporal) quanto um instrumento a serviço dos gestos profissionais (Laurent e Saujat, 2014). No caso da dança, de maneira especial, tanto seu objeto quanto seu instrumento profissional são os corpos (Brasileiro, 2013).

Saber motivar os alunos é outra estratégia de ensino destacada pelos professores. Essa motivação pode acontecer de várias maneiras: sabendo corrigir sem desestimular os alunos, elogiando ou participando dos jogos com eles.

Tf 32 Esmeralda: Eu penso que a motivação do professor é importante também neste processo de falar: “Vai, vai! Corre, corre! Muito bom! Parabéns!”. Se o aluno jogou a bola forte, elogiar! Dizer: “Bom jogo!” [...]. Tem que motivar, incentivar o aluno, estimular a participação deles [autoconfrontação simples 5].

Tf 32 Diamante: Durante toda a minha vida de profissional, uma coisa que eu acho que eu faço bem é a motivação. […] Estes dias tinha uma turma de estagiários e eu falei: “Eu acho que uma das coisas mais importantes é você motivar os seus alunos, o tempo todo elogiando, elogia!” [...]. Porque, se você falar que ele fez errado, ele desmotiva. Eu acho que a gente deve falar: “Você pode melhorar, foi bom o seu salto, mas, se você tivesse feito assim, seria melhor!”. Então eu acho que é uma ferramenta que o professor tem é o elogio. Eu gosto de utilizar o tempo todo e eles ficam superfelizes [autoconfrontação simples 2].

Tf 16 Ametista: Eu participo justamente porque falta um aluno na equipe, o número era ímpar. Então eu participo com eles para o W. participar. [...] E o fato de eu participar, eles animam mais! Todo mundo quer queimar a professora! [...] [autoconfrontação simples 3].

Tf 29 Esmeralda: É, eu gosto de fazer junto com eles, de chamar eles para participarem [...]. E eu procuro participar e entrar um pouco no universo deles, porque se eu falar para fazer e não fizer junto, né? É uma forma de envolvê-los, de estimular eles [autoconfrontação simples 2].

Segundo os professores, a razão de agir motivando os alunos visa estimular a participação deles nas aulas, corrigindo quando preciso, mas sem desmotivá-los, ou ainda participar com eles para incentivá-los. No que tange a essa estratégia de ensino, pesquisas revelam que os professores que utilizam mais elogios ou motivações positivas (recompensa simbólica) do que críticas produzem efeitos mais positivos sobre os alunos (Siedentop, 1994). Ademais, a felicitação parece ser mais eficaz para os alunos dos anos iniciais, principalmente para as crianças menos hábeis e/ou de meio desfavorecido (Gauthier et al., 2013).

Outra estratégia de ensino dos professores é o uso e a adaptação dos espaços das aulas. Por exemplo, no desenvolvimento de aulas de dança ou jogos dentro da sala, as carteiras eram afastadas para deixar um espaço livre no centro do ambiente, no caso de Ametista e Esmeralda; dividia-se a quadra de esportes com outros professores, para Ametista e Esmeralda; e usavam-se as linhas de quadra para organizar os alunos, no caso de Diamante. Sobre essa estratégia, Diamante verbalizou:

Tf 34 Diamante: É, eu gosto de utilizar as linhas, facilita para nós, eu acho que nós temos que utilizar. Por exemplo, todo início de aula, senta no círculo central [...]. Ali naquela situação, são as meninas que vão fazer o arremesso e os meninos estão sentados [na linha do vôlei] observando [...]. Eu acho que as linhas facilitam este trabalho de organização da aula [autoconfrontação simples 2].

A razão de agir do professor Diamante em relação a esse procedimento é facilitar a organização da aula. Vale notar que os espaços de ensino da Educação Física (bem como as salas de aula organizadas de maneira tradicional) não são projetados para fins pedagógicos. Logo, os espaços precisam ser domesticados pelos professores, que não os ocupam como tais, mas que os moldam de acordo com suas necessidades e intenções (Durand, 2001). Além disso, essa estratégia e rotina reduzem o tempo de organização dos alunos, liberando o professor para se concentrar no ensino (Siedentop, 1994).

Outra estratégia de ensino utilizada pelos professores é saber usar, adaptar ou criar materiais pedagógicos. Durante a observação das aulas, vimos muitos episódios nos quais os professores adaptaram os materiais ou construíram materiais pedagógicos alternativos (Safira, Ametista e Esmeralda), ou ainda utilizavam os materiais pedagógicos, como coletes e cones, para melhorar alguns aspectos da aula:

Tf 5 Diamante: A gente faz questão de usar o colete e os cones. [...] Porque facilita para o aprendizado do aluno. Eu poderia, simplesmente, desenhar o círculo com giz, mas ele não consegue ver a próxima base. Eu utilizo o cone também no voleibol para eles entenderem e não confundir qual é a linha do voleibol. [autoconfrontação simples 4].

Nesse caso específico, a razão de agir de Diamante é para que os alunos identifiquem melhor as equipes e o terreno durante o jogo. Em relação a essa estratégia, ela evidencia a criatividade e habilidade dos professores para adaptar e criar instrumentos e materiais de trabalho, ou transformar suas funções originais. Na psicologia do trabalho, a atribuição de novas funções às ferramentas e seu uso desviado e inventivo recebem o nome de catacrese (Clot, 2001).

A última estratégia que destacamos é dar uma recompensa aos alunos pela boa participação nas aulas. No caso da professora Safira, ela costuma dar um tempo livre nos últimos 15 minutos da aula para que os alunos escolham atividades de sua preferência. Já Esmeralda, às vezes, reserva os últimos 15 minutos para que os alunos joguem futsal.

Tf 17 Safira: No final da aula é o tempo da atividade livre. Eu falei: “Não vai dar tempo, porque vocês estão indisciplinados”. Uma forma de fazer com que eles pensem, porque eles gostam muito, né? Então neste momento da atividade livre eu deixo eles escolherem a brincadeira e eu vou dirigindo, coordenando [autoconfrontação simples 1].

Tf 30 Esmeralda: E assim, o futsal é como se fosse uma atividade livre. Tem um acordo que faço com os alunos. É uma atividade dirigida porque eu estou ali, mas não trabalho os fundamentos técnicos do futsal com eles. Isto vou ensinar no terceiro bimestre, quando formos trabalhar esportes [autoconfrontação simples 1].

A razão de agir das professoras com essa estratégia é dar uma recompensa pela boa participação nas aulas, no entanto ao mesmo tempo essa estratégia pode servir de punição caso os alunos não se comportem bem. As recompensas para a participação dos alunos podem ser materiais ou simbólicas. Pesquisas indicam que recompensas podem melhorar a participação dos alunos nas aulas e o empenho nas tarefas (Gauthier et al., 2013).

Vale notar que Esmeralda e Diamante são os dois professores mais experientes, e Safira e Ametista são as professoras com menor tempo no ensino. A literatura já mostrou que os professores experientes, de maneira geral, têm maior confiança em sua capacidade de ensinar, dedicam mais tempo à gestão da aprendizagem e possuem um repertório de procedimentos de ensino mais eficaz, econômico e estável. Por sua vez, os professores iniciantes têm menor confiança na sua capacidade de ensinar, dedicam maior tempo à gestão da classe e menor tempo à gestão da aprendizagem. Além disso, ao mesmo tempo que precisam dominar a classe, precisam também aprender a profissão, com toda a sua complexidade (Durand, 1996; Saujat, 2004; OCDE, 2012; Tardif e Lessard, 2014).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso estudo revelou que os fatores contextuais do ensino, como a duração da aula, a disponibilidade de espaço, os materiais pedagógicos e o fator pessoal, relacionado às concepções dos professores sobre as aulas, como valorizar ou não o ensino de conhecimentos teóricos e a forma de interação pedagógica com os alunos, influenciam a maneira como os professores organizam as aulas.

As professoras Safira, Ametista e Esmeralda lecionam em aulas geminadas (duplas). Nesse espaço-tempo, elas desenvolvem exercícios ou tarefas teóricas, como: passar a matéria no quadro para que os alunos a copiem, leitura ou produção de textos, confecção de brinquedos etc. O problema com os pombos na quadra faz com que Safira precise escolher os espaços mais limpos para desenvolver as atividades.

Por sua vez, o professor Diamante não precisa dividir a quadra com outras turmas, e suas aulas são predominantemente práticas. Isso permite que utilize as linhas da quadra para organizar seus alunos em alguns momentos das aulas (rodas de conversa, filas para fazer o arremesso de peso). Desse modo, o contexto de ensino de Diamante favorece a implementação desses tipos de estratégia de ensino nas aulas mais tranquilamente. Já nos casos de Ametista e Esmeralda, essa organização torna-se mais difícil, porque elas dividem a quadra esportiva com outras turmas, gerando interferências nas aulas e distrações em seus alunos.

Analisamos também diversas estratégias de ensino utilizadas pelos professores para facilitar o processo de ensino-aprendizagem, algumas mais simples e outras mais estruturadas, mas que, segundo os professores, contribuem para um melhor resultado de suas aulas e do processo de ensino-aprendizagem. A forma de organização espacial e temporal das aulas e as estratégias didáticas são saberes da ação pedagógica, ancorados nas situações de ensino, que ajudam os professores a conduzir suas aulas com maior eficácia.

Todos os professores precisam saber organizar o tempo e o espaço de suas aulas e utilizar estratégias de ensino, no entanto aqueles experientes tendem a apresentar maior domínio desses aspectos didáticos. Isso não quer dizer que os novatos não o possuam. De fato, a aquisição dessas habilidades é processual e depende da experiência do professor, bem como da sua interação com os alunos em contextos de trabalho específicos.

O método utilizado oportunizou aos professores um exame da própria prática, bem como a análise das práticas de seus pares. Eles puderam discutir as questões relacionadas às aulas, exprimir seus acordos e desacordos sobre o que funciona bem ou não nos diferentes contextos de ensino em que atuam, destacando seus pontos de vista, explicando suas razões de agir e comparando-as com as de outros docentes. Tudo isso contribui para o desenvolvimento profissional desses professores e para a expansão de seu poder de agir nos contextos de ensino. Concordamos com Clot (2010) que se trata de desenvolvimento potencial quando os trabalhadores consideram “o outro gesto possível, o outro objeto, a outra palavra, a outra atividade, a outra possibilidade ainda não realizada” (Clot, 2010, p. 234-235).

Vale notar que é preciso fazer um uso prudente dos resultados de pesquisa em virtude da complexidade e singularidade dos contextos pedagógicos. O que funciona em um local não significa que funcionará em outro. Isso não pode ser um impedimento para que continuemos a pesquisar os saberes da ação pedagógica, examinando o que funciona bem ou não, com vistas a tornar o ensino mais eficaz e significativo.

Esperamos que esta pesquisa tenha possibilitado compreender melhor como os professores organizam suas aulas e quais estratégias de ensino usam para dinamizar seu ensino, numa perspectiva dialógica e desenvolvimentista, na qual o significado da intervenção educativa é atribuído pelos próprios atores desse processo. Esperamos ter contribuído para tornar mais explícito o repertório de saberes docentes, que poderá ser integrado à formação inicial ou continuada de professores, bem como inspirar pesquisas futuras.

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1 Onze estilos de ensino foram identificados por Mosston e Ashwort (1986): comando ou diretivo, autoprogressivo, por avaliação recíproca, autoavaliativo, por integração, por descoberta guiada, por descoberta convergente, por descoberta divergente, programa individual, pessoa recurso e autoensino. Os trabalhos de Mosston continuam influenciando muitos pesquisadores, como pode ser notado em um site dedicado às ideias do autor, disponível em: https://spectrumofteachingstyles.org/. Acesso em: 20 jul. 2021.

2 Nas transcrições, fizemos pequenos ajustes linguísticos nas falas dos professores, tal como é recomendado pela tradição da história oral.

Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por meio de uma bolsa de estudo de doutorado pleno no exterior, entre 2013 e 2017.

Recebido: 27 de Julho de 2020; Aceito: 09 de Abril de 2021

Marcos Roberto Godoi é doutor em ciências da educação pela Universidade de Montreal (Canadá). Professor de Educação Física da rede municipal de educação de Cuiabá (MT) e professor substituto no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT). E-mail: mrgodoi78@hotmail.com

Cecilia Maria Ferreira Borges é doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora da Universidade de Montreal (Canadá). E-mail: cecilia.borges@umontreal.ca

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Contribuições dos autores: Conceituação, Metodologia, Escrita - Revisão e Edição: Godoi, M.; Borges, C. Investigação, Curadoria dos dados, Análise Formal, Escrita - Primeira Redação: Godoi, M. Supervisão: Borges, C.

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