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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.26  Rio de Janeiro  2021  Epub 16-Dez-2021

https://doi.org/10.1590/s1413-24782021260092 

Artigos

Por um cânone escolar antirracista no ensino médio: um olhar aos livros didáticos de Português*

FOR AN ANTIRACIST SCHOOL CANON IN HIGH SCHOOL: A LOOK AT PORTUGUESE TEXTBOOKS

PARA UN CANON ESCOLAR ANTIRACISTA EN LA ESCUELA SECUNDARIA: UNA MIRADA A LOS LIBROS DE TEXTO DE PORTUGUÉS

Ana Paula dos Santos de Sá I  
http://orcid.org/0000-0001-8967-8595

IUniversidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil.


RESUMO

O objetivo deste artigo foi analisar propostas didático-pedagógicas de livros didáticos de Português que, por meio do trabalho com a literatura afro-brasileira, nos permitam verificar caminhos para a construção de uma educação literária de viés antirracista no ensino médio. Com a discussão sobre a necessidade de descolonização do cânone escolar, analisamos o modo como duas coleções aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático 2015 articulam o poeta afrodescendente Luiz Gama ao condoreirismo. Com base numa investigação qualitativa dessa ocorrência, destacamos os pontos que parecem convergir com uma perspectiva antirracista de ensino e/ou divergir dela. Concluiu-se, com pontuais ressalvas, que os capítulos investigados se alinham a tal perspectiva, sobretudo ao incluírem, ao lado de Gama, autores afrodescendentes contemporâneos e textos que tratam positivamente da ancestralidade africana e da negritude.

PALAVRAS-CHAVE Lei nº 10.639/2003; ensino de literatura; livro didático; racismo

ABSTRACT

This article aimed to analyze didactic-pedagogical proposals of Portuguese textbooks that suggest ways to reach an antiracist education in Brazilian high school, with attention to the teaching of Afro-Brazilian literature. From a discussion about the need for decolonization of the school canon, it analyzes collections approved by National Textbook Plan (Programa Nacional do Livro Didático - PNLD) 2015 that articulate the afro-descendant poet Luiz Gama to the condoreirismo. Based on a qualitative investigation of this issue, we highlight the points that seem to converge and/or diverge from an antiracist teaching perspective. It is concluded that the chapters investigated dialogue with that perspective, especially because they include contemporary Afro-Brazilians authors and positive texts about African ancestry and blackness, alongside the poetry of Gama.

KEYWORDS Law 10.639/2003; teaching literature; textbook; racism

RESUMEN

El objetivo de este artículo fue analizar las propuestas didácticas y pedagógicas de los libros de texto de Portugués que, a través de la literatura afrobrasileña, señalan las formas de construir una educación antirracista en la escuela secundaria. A partir de la discusión sobre la necesidad de descolonización del canon escolar, se analizaron colecciones aprobadas por el Programa Nacional del Livro de Texto (Programa Nacional do Livro Didático - PNLD) 2015 que articulan al poeta Luiz Gama al condoreirismo. Basándonos en una investigación cualitativa, destacamos los puntos que parecen converger y/o divergir desde una perspectiva de enseñanza antirracista. Se concluye que los capítulos investigados se ajustan a esa perspectiva, especialmente al incluir, junto a Gama, autores contemporáneos afrodescendientes y textos que abordan positivamente la ascendencia africana y la negritud.

PALABRAS CLAVE Ley 10.639/2003; enseñanza de la literatura; libro de texto; racismo

INTRODUÇÃO

Em 1987 era realizado, em Belo Horizonte (MG), o Seminário Educação e Discriminação dos Negros, responsável por reunir representantes de organizações negras e membros de órgãos governamentais associados à distribuição de livros didáticos no Brasil. Resultado de pressões exercidas pelos movimentos negros no sentido de promover um debate entre militância e mercado editorial, o encontro configurou-se uma oportunidade para a discussão de ações de combate ao racismo e à discriminação racial no cotidiano escolar, em geral, e nos manuais escolares, de maneira especial.

No “Protocolo de intenções” do seminário, assinado por seus participantes, destaca-se, entre outros aspectos, a importância de o livro didático, na condição de veículo de comunicação, “recuperar a participação da população afro-brasileira no processo histórico nacional” (Melo e Coelho, 1988, p. 11), de modo que o ­aluno “possa rever e refazer valores e conceitos em relação à imagem real do negro, no contexto da sociedade” (Melo e Coelho, 1988, p. 12). Em uma das conferências proferidas pelo professor e militante Luiz Alberto Oliveira Gonçalves (1988, p. 60), a justificativa para tal demanda é associada à existência da “negação do patrimônio cultural do negro” nas escolas e à predileção dada ao ensino do dito “saber dominante”, à medida que “resta saber se o que chamam de ‘saber dominante’, inclui a cultura negra”. Em suas palavras:

Em uma análise sobre as manifestações da discriminação racial, na escola, é preciso que se atente não só para o que se transmite, mas para o que se impede de transmitir. A escola é um espaço de relações sociais, mais do que de transmissão cultural. Entendida enquanto espaço de relações, aí, sim, é possível pensar-se na construção de um “novo saber”, e, ainda, perceber o que impede a sua constituição. (Gonçalves, 1988, p. 61, grifos meus)

Passados mais de 30 anos, o teor dessa e de outras comunicações apresentadas no seminário ainda ecoa sua importância no que concerne à necessidade de materiais escolares culturalmente plurais, que contribuam, de fato, para a emergência de um “novo saber”, diversificado e democrático. O evento em questão se constitui em uma entre tantas ações historicamente relevantes do movimento negro brasileiro no campo da educação, as quais abriram caminho, por exemplo, para a aprovação de leis como a nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira em toda a educação básica, com destaque ao papel a ser exercido pelas áreas de artes, literatura e história. Contudo, a despeito de significativas conquistas, é ainda longo o trajeto rumo à consolidação de uma educação antirracista no Brasil, razão pela qual debates ocorridos em décadas passadas ainda se mostram atuais para se pensar o enfrentamento da epistemologia monocultural que persiste em grande parte dos processos educacionais no século XXI.

Considerando, portanto, que há muito por se fazer, mas apoiando-nos igualmente na hipótese de que tanto as históricas críticas e propostas educacionais das organizações negras quanto a aprovação de medidas como a lei supracitada possam ter resultado, nos últimos anos, em mudanças (mesmo que incipientes) nos conteúdos ofertados pelos livros didáticos, nossa pergunta de pesquisa é: atualmente, é possível identificar nos livros didáticos de Português do ensino médio atividades de leitura literária que se alinham com uma perspectiva educacional de viés antirracista ou que possam vir a dialogar com essa visão?

Desse modo, o objetivo geral deste artigo foi analisar propostas didático-pedagógicas de livros didáticos de Português que, por meio do trabalho com a literatura afro-brasileira1, nos permitam verificar caminhos para a construção de uma educação de viés antirracista no ensino médio. Por conseguinte, como objetivo específico, pretendemos caracterizar práticas produtivas à revisão e à ampliação do cânone literário escolar.

A justificativa para a escolha desse recorte deve-se ao fato de a literatura afro-brasileira corresponder, à luz novamente das palavras de Gonçalves (1988), a um conteúdo que por séculos esteve “impedido” de adentrar nas escolas, em nome da manutenção de um cânone bastante restrito a produções representativas do supracitado “saber dominante”, nesse caso um saber de matriz europeia. Nesse sentido, entendemos que o livro didático é capaz de nos fornecer um testemunho direto sobre a abertura ou sobre o fechamento dos currículos a tais saberes na atualidade. Ademais, encaramos esse tipo de material como um “objeto complexo”, podendo ser ele mesmo fonte de conhecimento, pois seus autores, muitos deles professores, agem ativamente sobre os saberes escolares, não limitando-se à reprodução/transposição de teorias (Bunzen, 2005).

Para desenvolver a presente investigação, apresentamos na seção seguinte uma breve discussão teórica acerca da necessidade de descolonização do repertório literário escolar no Brasil para que, assim, uma educação de viés antirracista seja consolidada. Feito isso, dá-se início à análise de ações práticas envolvendo a literatura afro-brasileira em coleções didáticas de Português, nomeadamente em coleções aprovadas e distribuídas na rede pública pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2015, editadas, portanto, dez anos após a promulgação da Lei nº 10.639/2003.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

CÂNONE LITERÁRIO ESCOLAR: UM ESPAÇO A SER DESCOLONIZADO

Cânones literários referem-se, desde a Antiguidade, a conjuntos de obras e de autores que passaram por algum tipo de seleção e de reconhecimento, sendo usualmente autorizados por intelectuais, escritores, acadêmicos e, na história mais recente, pela(s) mídia(s). Ou seja, as obras clássicas estudadas nas escolas são dotadas, em certa medida, de algum tipo de validação quanto à sua importância sócio-histórica e à sua qualidade estética, o que justifica, portanto, a relevância de sua presença nos processos de ensino-aprendizagem de leitura. Desse modo, este artigo não questiona a priori a validade dos processos de legitimação aos quais são submetidos os textos literários até chegarem às escolas, mas, em consonância com as falas do Seminário Educação e Discriminação dos Negros, anteriormente citado, propõe um olhar atento ao que se transmite e ao que se impede de transmitir em sala de aula, com atenção ao recorte racial que eventualmente determinou ou que ainda possa estar a determinar os conteúdos literários trabalhados na escola.

Ao considerarmos que o cânone literário escolar resulta, sobretudo, da escolarização de um cânone literário definido pela historiografia e pela crítica literária brasileiras (Fidelis, 2008), torna-se preocupante a constatação de pesquisas recentes acerca da persistência de uma hegemonia de autores brancos na literatura e no mercado editorial nacionais (Dalcastagnè, 2012; Felisberto e Riso, 2014), que tem como resultado um cânone “feito de brancos, de negros que não são vistos como tal (caso de Machado de Assis) e de negros deixados às margens (como Lima Barreto ou Cruz e Sousa)” (Dalcastagnè, 2014, p. 66). Não por acaso, foram necessárias medidas legais para que produções artístico-literárias tanto de autores de países africanos de língua portuguesa quanto de escritores negros até então excluídos do rol da literatura brasileira passassem a ser incluídas (ainda que timidamente) nos currículos brasileiros, fato comprovado, por exemplo, pelas mudanças ocorridas em coleções didáticas do ensino médio produzidas após a promulgação da Lei nº 10.639, no ano de 2003 (a respeito dos efeitos dessa lei em livros didáticos, ver o levantamento feito por De Sá, 2019).

Diferentes podem ser as explicações para a origem e a perpetuação desse tipo de lacuna na educação brasileira, entre as quais destacamos a questão do legado colonial, que nos leva a admitir a esfera escolar como um espaço a ser, ainda, descolonizado.

Para compreender tal argumento, é preciso entender que processos de colonização costumam caracterizar-se não apenas pela dominação geográfica e política, mas também pela dominação ideológica, que instaura, para além da colonização de territórios, a colonização do pensamento. Em ambos os casos, a proclamação formal de independência não corresponde, muitas vezes, a uma independência de fato, tampouco a uma superação total do colonialismo, visto que os efeitos de tal regime costumam persistir em diferentes âmbitos (Hall, 2003).

No que tange ao Brasil, em que a dominação ideológica se deu, por séculos, mediante o eurocentrismo propagado, entre outros meios, pelo sistema formal de ensino - que no Brasil Colônia e no Brasil Império se dividia, de modo geral, entre a catequização dos indígenas e o atendimento às demandas formativas das elites dirigentes, sendo estas compostas sobretudo de uma população branca que desejava ingressar em universidades europeias (Zilberman, 1991) -, é válido refletir se a matriz colonial que marca o projeto educacional do país impõe, ainda hoje, empecilhos à consolidação de uma educação que seja culturalmente plural, e não mais monocultural. Se admitirmos, pois, que há algo que transcende a inscrição histórica e geográfica dos processos de colonização (Quijano, 2005), afirmando-se, em determinadas sociedades supostamente “descolonizadas”, como um legado tanto concreto (de ordem econômica, por exemplo) quanto simbólico (no plano das ideias), a esfera da educação pode ser lida como um espaço historicamente atravessado por uma “colonialidade do saber”, que, ao ser por séculos internamente reproduzida/perpetuada, exige esforços para ser efetivamente superada (Quijano, 2005).

No romance A cor púrpura (1982), de Alice Walker (2009), tem-se na trajetória da personagem afro-americana Nettie, que se insere em missões religiosas realizadas em países africanos, uma ilustração do modo pelo qual a ideologia colonial pode interferir no campo do conhecimento. Nas cartas dirigidas à sua irmã Celie no decorrer de sua preparação para tais viagens, Nettie confessa-se surpresa com sua ignorância a respeito da história e das culturas de matriz africana, que haviam sido ora deturpadas, ora ocultadas por sua escola nos Estados Unidos da América e pelos ingleses com os quais passara a ter contato posteriormente. Em dado momento, enquanto divide seus novos saberes com Celie, ela enfatiza que sua tomada de consciência fora decorrente, portanto, de esforços pessoais, sobretudo por meio da leitura da obra do historiador jamaicano-americano J. A. Rogers.

Salvaguardadas as diferenças histórico-culturais entre Brasil e Estados Unidos, o livro de Alice Walker (2009) ajuda-nos a perceber que a epistemologia, em geral, e a esfera escolar, particularmente, não escapam às amarras dos efeitos do colonialismo. As descobertas de Nettie exemplificam a existência de um legado colonial marcado pela produção de distorções, de lacunas e/ou de ausências epistemológicas que, ao passarem despercebidas ou ao serem aceitas como naturais, sustentam, em última instância, o apagamento de grupos subalternizados pelo processo colonial, entre os quais se encontra, tanto no caso brasileiro quanto no estadunidense, a população negra. Assim, podemos inferir que os currículos e os materiais didáticos, por exemplo, se configuram como espaços privilegiados para o entendimento da lógica subjacente a esse processo. É nesses espaços que esse tipo de ocultamento pode ser verificado.

Nesse prisma, nota-se que a educação formal pode atuar como uma via de mão dupla: se, por um lado, ela funciona muitas vezes como um mecanismo de manutenção do colonialismo no plano simbólico, por outro é pertinente cogitar que é também por meio dela que saídas descoloniais podem ser pensadas, tal como sugere o teor da própria Lei nº 10.639/2003. A exemplo do que ocorre à personagem Nettie ao ter acesso à obra de J. A. Rogers, a abertura dos currículos a conteúdos escolares plurais é, decerto, um caminho para que um pensamento descolonizado seja construído.

Não contestamos neste artigo a presença de referências europeias/europeizadas nas escolas, pois é direito dos estudantes ter acesso também (ainda que não somente) a esses saberes. Ao problematizarmos o eurocentrismo na educação, com atenção sobretudo aos desafios por ele impostos à concretização de uma educação literária antirracista, não propomos um questionamento “[d]a qualidade e [d]a relevância dos saberes de origem européia”, mas sim a refutação da ideia de que eles sejam “sempre universais e superiores em relação aos saberes criados pelos grupos humanos espalhados pelo planeta” (Abdala Jr., 2012, p. 12). Ou seja, questionamos eventuais inexistências e hierarquizações no ensino de literatura, propondo a diversificação das obras ofertadas aos alunos, e não a substituição de um recorte artístico-cultural por outro.

Dialogamos, por conseguinte, com os pressupostos de uma “pedagogia das ausências e das emergências” (Gomes, 2017, p. 40-46), isto é, de uma pedagogia que admite a “produção de não existência” de determinados atores, práticas e saberes escolares - no caso deste artigo, os saberes produzidos pela população negra - e que, inconformada, se abre a novas possibilidades de ação e de conhecimento. De acordo com essa perspectiva pedagógica, ausências curriculares (a exemplo da ausência de autores negros nas aulas de literatura) passam a ser lidas com base na premissa de que “há produção de não existência sempre que determinada entidade é desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável de modo irreversível”, muito em função de “manifestações de uma monocultura racional” (Gomes, 2017, p. 41).

Em linhas gerais, é também necessário e produtivo associar esse duplo movimento (de admissão de inexistências produzidas e de ação para novas existências no campo do ensino) a um reconhecimento do currículo como uma narrativa étnica e racial, que nos convida a uma reflexão sobre o lugar das escolas no que concerne ao racismo estrutural, visto que, nessa ótica de currículo, o racismo é então encarado “como parte de uma matriz mais ampla de estruturas institucionais e discursivas que não podem simplesmente ser reduzidas a atitudes individuais” (Silva, 2010, p. 103). Prova disso é que a falta de diversidade no âmbito dos materiais escolares se inicia com frequência no próprio perfil dos autores das coleções aprovadas pelo PNLD - no PNLD 2015, “a totalidade das obras é escrita por autores paulistas, vinculados a universidades de seu estado” (Carreira, 2018, p. 270), tendência facilmente verificada nas demais edições do programa - e se reflete no “aluno imaginado” por esses livros, sobre o qual se costuma projetar o mesmo perfil dos produtores do material (Carreira, 2018).

No Seminário Educação e Discriminação dos Negros, ocorrido no fim da década de 1980 e contextualizado na introdução deste artigo, as entidades negras já acusavam que os negros não eram reconhecidos, muitas vezes, como consumidores de livros didáticos, fato agravado pelo investimento de verba pública nesses materiais discriminatórios (Melo e Coelho, 1988). No entanto, longe de se restringir a um problema da população negra, essa ausência e/ou presença distorcida da história e da cultura dos afrodescendentes afeta a formação de crianças e de jovens como um todo, sejam eles negros, sejam brancos, pois “o conhecimento sobre raça e etnia incorporado no currículo não pode ser separado daquilo que as crianças e os jovens se tornarão como seres sociais” (Silva, 2010, p. 101-102), sobretudo ao se ter em vista os fins de uma educação para a cidadania.

Recorrendo novamente a exemplos ficcionais que bem exemplificam o real, uma personagem literária da escritora brasileira Geni Guimarães nos serve de ilustração para o ponto aqui defendido. Em A cor da ternura (1998), acompanhamos a protagonista Geni da infância à vida adulta. Na primeira fase, a personagem, então uma criança negra, tem a sua autoestima abalada ao perceber algumas contradições entre as narrativas escolares sobre a história dos negros e da escravidão e os relatos outrora compartilhados pela personagem Nhá Rosária, uma senhora negra de quase 100 anos que costumava narrar suas memórias pela vizinhança. Diferentemente do que Geni ouvira no ambiente familiar, no discurso escolar os negros escravizados em nada condiziam com a postura de resistência descrita pela Vó Rosária. Sobre isso, Geni afirma: “Vi que sua narrativa [da professora] não batia com a que nos fizera Vó Rosária. Aqueles eram bons, simples, humanos, religiosos. Eram bobos, covardes, imbecis estes me apresentados então. Não reagiam aos castigos, não se defendiam, ao menos” (Guimarães, 1998, p. 65). Na obra, fica bastante evidente a violência simbólica à qual a menina é submetida, sobretudo por ser a única negra da sala, a única representante de uma “raça indigna” diante do olhar de “pena” e “sarcasmo” de seus colegas brancos (Guimarães, 1998).

Esse episódio ajuda-nos a perceber alguns dos efeitos nocivos decorrentes do apagamento e da deturpação de saberes: à criança negra, tais lacunas ou falseamentos interferem diretamente na construção de sua identidade e autoestima; e a todas elas, negras e brancas, impedem o acesso a elementos fundamentais para o entendimento da história do país e dos povos que dela fazem parte, perpetuando estereótipos e preconceitos. Assim, compreende-se o porquê de

os movimentos sociais [terem] como intenção política atingir de forma positiva toda a sociedade e não somente os grupos sociais por eles representados. Em sociedades pluriétnicas e multirraciais como o Brasil, os avanços em prol da articulação diversidade e cidadania poderão ser compreendidos como ganhos para a construção de uma democracia. (Gomes, 2012, p. 106)

Pensando, ainda, nos pormenores do ensino de literatura, que atua, pois, no acesso a bens culturais e no trabalho com as identidades pessoais e sociais da comunidade leitora, frisamos:

Na leitura e na escritura do texto literário encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a que pertencemos. [...] E isso se dá porque a literatura é uma experiência a ser realizada. É mais do que um conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação do outro em mim sem a renúncia da minha própria identidade. (Cosson, 2014, p. 17)

É por isso que a disponibilidade de um repertório artístico-cultural plural, a ser garantida sobretudo pelas escolas, se afirma fundamental, sob o risco de a sua ausência limitar a percepção crítica dos alunos acerca de si e do mundo.

A respeito de possibilidades didático-pedagógicas concretas, o trabalho com literaturas que extrapolam o cânone eurocêntrico, com destaque à literatura afro-brasileira, pode ser desenvolvido de diferentes formas. De um lado, tem-se aquele que parece ser o caminho mais evidente, que consistiria na inclusão curricular de autores negros brasileiros até então excluídos do cânone escolar, como, por exemplo, a escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, tardiamente reconhecida pela historiografia literária brasileira como uma das primeiras romancistas mulher do país. De outro, e agora adentrando em uma discussão um pouco mais complexa, há a possibilidade de “racializar” o estudo de autores clássicos cujas obras tenham sido, em alguma medida, “embranquecidas”, posto que seus textos de viés abolicionista e/ou antirracista pouco ou nenhum espaço vieram a ocupar nas salas de aula, como ocorre, por exemplo, com Machado de Assis ou com Cruz e Sousa, que, como afirmado anteriormente, se situam no rol de escritores “negros que não são vistos como tal” (Dalcastagnè, 2014, p. 66). Conforme veremos adiante, este artigo debruçou-se sobre o primeiro caminho de ação, o da inserção de autores negros até então ignorados ou pouco recordados em sala de aula, ainda que destaque o segundo caminho como igualmente necessário e importante.

Ancorada nesses aspectos, a concepção de educação literária antirracista adotada nesta investigação se pauta, portanto, na ideia de que não basta que as escolas, em geral, e que os manuais escolares, de maneira particular, se policiem para não incluir em suas propostas de ensino conteúdos de viés racista, mas que, para além disso, eles se atentem ao direito dos alunos de ter contato com produções de autoria negra e ao dever da instituição escolar de não manter nem reproduzir lacunas e silenciamentos. Se, num primeiro momento, foi (e ainda continua a ser) de fundamental importância o combate à presença de estereótipos raciais em livros escolares, faz-se urgente articular a essas denúncias ações propositivas que visem à reparação do apagamento dos negros enquanto produtores e enunciadores do discurso. Abrir os olhos à existência de um legado colonial nos nossos modos de agir e de pensar caminha lado a lado, com a constatação e com a recuperação de um legado de ações e de saberes contra-hegemônicos que foram historicamente deixados à margem.

Por fim, e não menos relevante, cabe registrar que o argumento defendido neste estudo vai ao encontro daquilo que é atualmente reiterado pela recém-aprovada Base Nacional Comum Curricular (BNCC), segundo a qual deve fazer parte do ensino médio a compreensão de que “a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas, e que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história” (Brasil, 2018, p. 467).

CORPUS DE PESQUISA E METODOLOGIA

Tendo em vista que no ensino médio as literaturas de matriz europeia, sobretudo a literatura portuguesa, costumam ser especialmente privilegiadas, optamos por focar a pesquisa nessa etapa de ensino. Para tanto, realizamos, na esteira de dados obtidos em estudo anterior (De Sá, 2019), uma triagem entre as dez coleções de Português aprovadas pelo PNLD 20152, por se tratar de um conjunto de livros didáticos distribuídos e usados em grande parte da rede pública de ensino no período de 2015 a 2017, o que nos dá uma dimensão bastante atual do estado da questão por nós abordada.

Durante a seleção dos objetos de análise, atentamo-nos, inicialmente, aos manuais nos quais autores negros e/ou africanos ocupassem lugar mais significativo, em termos qualitativos e/ou quantitativos, em comparação à totalidade do corpus. Especificamente em relação ao trabalho com a literatura afro-brasileira, duas são as coleções do PNLD 2015 que se destacam por articular autores afro-brasileiros a diferentes seções e/ou capítulos de dois ou mais volumes e por apresentar uma variedade de autores negros maior do que a média observada nos demais títulos aprovados pela supracitada edição do PNLD3. São elas: Português - linguagens em conexão (Sette, Travalha e Barros, 2013), da editora Leya, e Língua portuguesa (Hernandes e Martin, 2013), da editora Positivo - doravante PLC e LP, respectivamente.

Então, num segundo momento, ao considerarmos os caminhos de análise abertos por essas duas coleções, escolhemos como recorte de pesquisa os capítulos por elas dedicados ao condoreirismo (século XIX), escola literária centrada na temática abolicionista e historicamente marcada pelo estudo restrito da obra do escritor baiano Castro Alves, apelidado de “o poeta dos escravos”, a despeito da existência da poesia de seu contemporâneo Luiz Gama, escritor negro e líder abolicionista.

Além da questão do tema da escravidão, um aspecto determinante para que optássemos por analisar a escola condoreira está no fato de somente PLC e LP, do total de dez coleções do PNLD 2015, recuperarem a obra de Luiz Gama, o que sinaliza, por parte desses materiais, certo desvio ou extrapolação do cânone literário escolar. Assim, tendo em vista o supracitado objetivo geral de debater caminhos para a construção de uma educação literária de viés antirracista no ensino médio, entendemos ser produtivo verificar de que forma esses manuais tentam suprir a lacuna decorrente do apagamento de Gama nos textos escolares, figura histórica que é até mesmo explicitamente recordada como uma das referências a ser resgatadas pelas escolas no contexto da implantação da Lei nº 10.639/2003 (Brasil, 2004).

É válido esclarecer que ambas as coleções correspondem ao dito manual do professor, sendo compostas de três volumes (um para cada ano do ensino médio), dos quais constam o gabarito dos respectivos exercícios e atividades. Todos os livros têm suas seções e seus capítulos divididos de modo a atender aos diferentes eixos de ensino de Português - a saber, de modo geral, “Gramática/Análise Linguística”, “Leitura e Escrita” e “Literatura” -, sendo o foco deste artigo apenas o eixo literário. No caso das coleções selecionadas, o condoreirismo é apresentado no segundo volume, razão pela qual o corpus de pesquisa se restringe a esse exemplar.

Também cabe dizer que as duas obras se destacam não apenas por serem as únicas coleções (de um total de dez aprovadas pelo PNLD 2015) a inserirem Gama nas referências da poesia condoreira, como também têm em comum o fato de se valerem dessa corrente literária para trabalhar a obra de outros escritores afrodescendentes. Por causa da Lei nº 10.639/2003, a maioria dos livros didáticos do PNLD 2015 (precisamente 70% deles, conforme constatamos na triagem inicial dos dados - vide Tabela 16 de De Sá, 2019, p. 346) menciona ou apresenta pelo menos uma obra pertencente à literatura afro-brasileira, muito embora em termos quantitativos essa presença seja, no geral, ínfima. Tanto PLC quanto LP optam por tratar dessa vertente literária também no capítulo do condoreirismo, e não somente em seções exclusivas.

ANÁLISE DOS DADOS LEVANTADOS4

NOVOS TEXTOS PARA VELHAS LEITURAS: (RE)INSERÇÃO DA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA NO CÂNONE LITERÁRIO ESCOLAR

Tomamos como objeto de análise a vertente literária denominada de condoreirismo (século XIX), pertencente à escola romântica e marcada pela poesia de temática social, sobretudo no que diz respeito às mazelas da escravidão. Pretendemos discutir de que forma a obra de Luiz Gama, quando presente, é articulada ao cânone escolar, representado, nesse caso, pelo poeta Castro Alves.

Na coleção PLC (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 43-45), o estudo de tal vertente romântica começa com a usual análise, de viés linguístico e literário, de excertos de O navio negreiro, de Castro Alves, e conta, em um segundo momento, com atividades de leitura envolvendo sua produção lírico-amorosa (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 49-51). É interessante registrar, no entanto, que a pergunta de abertura da seção dirige a atenção do aluno especificamente para a problemática racial e social: “Você acha que o tráfico de seres humanos, o racismo e outras injustiças sociais também foram tematizadas no Romantismo brasileiro?” (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 43).

Após uma discussão inicial dos temas e das denúncias sociais que marcam a escrita condoreira, em geral, e a escrita de Alves, de modo particular, PLC propõe um olhar à temática no que engloba a poesia afro-brasileira contemporânea, por meio da leitura de um poema do escritor Adão Ventura, para só adiante tratar da poesia de Luiz Gama. Desse modo, PLC disponibiliza, antes da introdução de Gama, a seguinte atividade:

(i) Você acha que a poesia de denúncia social de Castro Alves influenciou a poética contemporânea? Que poetas afro-brasileiros dialogam com sua poesia?

Em sua opinião, os problemas apontados em “O navio negreiro” ainda persistem em nossa sociedade? Que outras temáticas sociais poderiam ser abordadas nos dias de hoje?

Para ajudar a refletir a respeito dessas questões, leia um poema [“Flash back” (1988)] de Adão Ventura, poeta afrodescendente contemporâneo. (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 45, grifos meus)

Em síntese, a atividade anunciada pelo excerto (i) é composta de cinco exercícios, voltados ora a aspectos específicos do poema de Adão Ventura (a saber, o significado do título e os sentidos de determinadas estrofes), ora a eventuais pontos comuns, sobretudo a nível temático, com a poesia de Castro Alves (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 46-49). Na terceira pergunta, porém, soma-se a esse quadro comparativo a letra do rap “O navio negreiro”, de autoria de Slim Rimografia, novamente com o intuito de explorar pontos convergentes no tocante à obra de Alves, de um lado, e à questão da violência e dos problemas sociais historicamente enfrentados pelos negros, de outro. O exercício final sugere, por sua vez, que alunos e professores conversem e reflitam “sobre algumas ações que deveriam ser desenvolvidas pela sociedade e pelas autoridades brasileiras para sanar esses problemas” (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 49). Ao professor, particularmente, PLC recomenda que seja feita uma pesquisa acerca de “projetos e leis que defendem a igualdade racial”, sendo a Lei nº 10.639/2003 uma das “fontes possíveis” elencadas pela coleção (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 63 - Apêndice Assessoria Pedagógica).

A presença de Adão Ventura e de Slim Rimografia vai ao encontro da ideia de descolonização do cânone, dado que, para além de seus textos e de links para se obter mais informações sobre esses artistas, PLC fornece um box biográfico sobre a vida e a obra de Ventura (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 46) e um box que destaca o rap nacional (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 49), contribuindo, no primeiro caso, para a compreensão do pertencimento étnico-racial do poeta estudado e, no segundo, para a diversificação do repertório artístico-cultural dos alunos de modo geral.

Chama-nos a atenção, entretanto, o fato de PLC sugerir, como mostra o excerto (i), a influência de Castro Alves sobre a produção afro-brasileira contemporânea, pois, apesar da proximidade temática observada no poema de Ventura - que também remete ao tráfico negreiro - e da evidente intertextualidade estabelecida por Slim Rimografia com O navio negreiro, parece ser pouco consistente fundamentar a atividade em tal premissa, a não ser que fossem feitas no capítulo menções a estudos ou a entrevistas que atestassem tamanha influência (caso essas comprovações existam de fato). A despeito de Castro Alves ter influenciado, em alguma medida, a literatura brasileira, o enunciado trazido pelo fragmento (i) pode dar margem a leituras verticalizadas, que, no contexto das leituras comparadas de PLC, condicionem, necessariamente, a leitura da produção afro-brasileira de denúncia social à poesia de Castro Alves.

Trata-se de um ponto que, embora de início não muito grave, suscita reflexão, porque a priori o comparativismo se mostra um mecanismo produtivo à revisão do cânone literário - uma vez que permite a articulação do clássico a novas expressões -, mas a posteriori, a depender dos enunciados da proposta, o objetivo de promover leituras horizontalizadas pode acabar prejudicado pela sugestão de uma acentuada relação de dependência entre um autor/texto e o outro, nesse caso o “outro” canônico.

Parece-nos que seria interessante se os livros didáticos demandassem atenção dos alunos não apenas a pontos comuns, mas igualmente às dissonâncias que marcam a literatura de denúncia de artistas afrodescendentes quando comparada a produções clássicas. No caso da atividade proposta por PLC, por exemplo, o poema de Adão Ventura diferencia-se de O navio negreiro também ao construir um eu lírico afrodescendente - percebido nos versos “imprimem porões de amargo sal / no meu rosto” -, ou seja, ao trazer o falar do negro, e não o falar sobre o negro/sobre a condição dos negros. Uma vez explorado esse aspecto, também a discussão sobre as “limitações” da poética de Castro Alves, usualmente ignoradas pelos materiais didáticos (Carreira, 2018, p. 280), acabaria por ganhar espaço, havendo a oportunidade de destacar que Alves “tratava o tema do oprimido a partir do ponto de vista da classe a que pertencia: com uma mistura de idealismo e medo” (Brookshaw, 1983, p. 38 apudCarreira, 2018, p. 280).

Por outro lado, ao se observar o capítulo como um todo, nota-se que, na subsequente apresentação do poeta Luiz Gama, PLC amplifica, em certa medida, a abordagem dada à literatura afro-brasileira. Ao introduzir o assunto, a coleção questiona o pouco conhecimento que ainda temos sobre essa vertente literária e elenca vários nomes dela representativos:

(ii) Apesar de vários escritores afrodescendentes terem escrito textos de reconhecido valor estético e social desde o Brasil Colônia, por que você acha que ainda pouco se conhece sobre a literatura afro-brasileira?

Você já ouviu falar em Luiz Gama, Domingos Caldas Barbosa, Henrique Dias, José da Natividade Saldanha, Antônio Gonçalves Teixeira Souza, Maria Firmina dos Reis? Será que esses poetas tiveram visibilidade merecida?

Leia a seguir um poema “Minha mãe”, de Luiz Gama, importante poeta do Romantismo brasileiro. (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 51, grifos meus)

A leitura do poema supracitado é seguida por dois exercícios, que solicitam, respectivamente, a interpretação da epígrafe da obra e a interpretação de algumas estrofes (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 53). No manual do professor, PLC indica como comentário complementar, a ser feito pelo docente aos alunos, o fato de, no poema, Gama romper com os padrões estéticos europeus, pois, ao descrever sua mãe, “ele valoriza os traços físicos da mulher africana” (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 62 - Apêndice Assessoria Pedagógica). A respeito de aspectos extratextuais, o manual esclarece ao professor que a mãe de Gama, Luísa Mahin, é considerada “um exemplo de luta e resistência dos afrodescendentes”, haja vista sua ativa participação em revoltas abolicionistas (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 62).

Pensando nos princípios de uma educação literária antirracista, três pontos dessa atividade merecem destaque. Primeiramente, está o fato de, tal como em relação à introdução de Adão Ventura, os alunos terem acesso não somente ao referido texto de Luiz Gama, mas também a um box biográfico do autor, o que favorece o entendimento de sua afrodescendência. Ademais, o poema estudado, iniciado com os versos “Da adusta Líbia rainha/ E no Brasil pobre escrava!”, recupera a origem nobre da mãe do eu lírico, possibilitando uma leitura de valorização à ancestralidade africana, à medida que não reduz a negritude às mazelas da escravidão. Por fim, é relevante perceber que o registro feito ao professor sobre a figura histórica de Luísa Mahin (ainda que falte consenso entre os historiadores quanto à veracidade do parentesco mencionado) se alinha com diretrizes dadas pela Lei nº 10.639/2003, posto que, assim como Gama, ela corresponde a uma das referências presentes em documentos que orientam a educação para as relações étnico-raciais no Brasil (Brasil, 2004).

Cabe registrar que, para encerrar o estudo do condoreirismo, PLC disponibiliza uma atividade de leitura da letra da canção “Batuque”, do músico e compositor afrodescendente Itamar Assumpção, cujos exercícios exploram, entre outros aspectos, o tema da escravidão e de seu legado, bem como as referências culturais e históricas presentes no poema, entre elas a figura de Zumbi (Sette, Travalha e Barros, 2013, p. 54-55). Essa proposta também é por nós interpretada como positiva no que tange à ampliação e diversificação do cânone, embora os limites deste artigo não nos permitam discuti-la de forma pormenorizada.

Partindo para a análise da segunda coleção, nota-se que, ao encontro do que vimos no livro didático anterior, LP se vale da seção reservada ao condoreirismo para introduzir tanto Luiz Gama quanto outras vozes afrodescendentes.

Também nesse material os primeiros exercícios de leitura sobre a terceira geração romântica são focados em aspectos linguísticos e literários de O navio negreiro, de Castro Alves (Hernandes e Martin, 2013, p. 102-106), havendo, entre eles, propostas de leitura de viés comparativo abrangendo outras produções de temática afim, como a letra da canção “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”, de Marcelo Yuka, do grupo O Rappa (Hernandes e Martin, 2013, p. 104), e o quadro Porão de navio negreiro (1823), de Johann Moritz Rugendas (Hernandes e Martin, 2013, p. 106). Ainda em consonância com PLC, a poesia lírico-amorosa de Alves é igualmente abordada por LP (Hernandes e Martin, 2013, p. 97 e 105), mas sem retirar o protagonismo de seus escritos condoreiros, que são predominantes no capítulo.

Quanto a Luiz Gama, ele é apresentado como um dos nomes da tríade condoreira elencada por LP, da qual faz parte, além de Alves e do próprio Gama, o poeta Sousândrade (Hernandes e Martin, 2013, p. 101), muito embora sua poesia não chegue a ser de fato explorada no capítulo, ao contrário do que acontece na abordagem dos dois primeiros, que contam com atividades de leitura específicas. Em linhas gerais, LP situa Gama como contemporâneo de Castro Alves e como uma figura igualmente engajada nas lutas abolicionistas, sendo destacado por seu “tom satírico” e pelo fato de assumir em sua poesia a voz “diferenciada” do “negro-autor” (Hernandes e Martin, 2013, p. 99-100).

Além de um box biográfico (Hernandes e Martin, 2013, p. 99), que, tal como vimos em PLC, serve também para enfatizar a afrodescendência do autor, LP disponibiliza um fragmento do poema “Quem sou eu?”, que apenas ilustra o texto de apresentação de sua obra na coleção, e a íntegra do poema “Saudades do escravo”, que, por sua vez, é acompanhado de exercícios de interpretação. Das quatro perguntas, de viés linguístico e literário, dirigidas aos alunos, chamam-nos a atenção aquelas em que se frisam aspectos relacionados à resistência política e subjetiva dos escravos à escravidão, por se tratar de uma perspectiva ainda pouco explorada em materiais escolares. Separamos um exemplo: “(iii) [Acerca do poema ‘Saudades do escravo’] d) Considerando suas respostas aos itens anteriores, é possível afirmar que se trata de um poema de resistência? Justifique” (Hernandes e Martin, 2013, p. 107).

Resposta: Sim, trata-se de um poema de resistência. A própria referência ao Quilombo dos Palmares corrobora essa leitura, já que esse foi um lugar de união e luta conjunta dos escravos contra a realidade escravista. Afora isso, o eu lírico não apresenta uma postura de resignação em relação à escravidão, mas luta pela liberdade, alimentando-se da memória dos tempos em que viveu livre, recusando-se a aprisionar sua alma. (Hernandes e Martin, 2013, p. 44 - Apêndice Manual do Professor)

Percebe-se com esse exemplo retirado de LP que a poesia de Gama, quando trabalhada ao lado da obra de Alves, possibilita aos alunos leituras múltiplas sobre a denúncia social condoreira, pois, no caso do poema “Saudades do escravo”, mais do que se referir à escravidão, ela dá vida a um eu lírico que é, ele mesmo, um escravo, dotado de percepções pessoais sobre o que lhe ocorre. Vê-se então, no estudo concomitante da poesia de Castro Alves e de Luiz Gama, complementariedade estética bastante enriquecedora à formação de leitores críticos, à medida que ela permite um olhar mais amplo à violência colonial, de um lado, e um olhar ao escravizado enquanto sujeito, de outro.

Em seguida à análise do poema de Luiz Gama, tem-se a seção de fechamento do capítulo, que é inovadora no modo como articula o condoreirismo à literatura afro-brasileira contemporânea. Intitulada “Afirmação da identidade afro-brasileira nos Cadernos Negros” (Hernandes e Martin, 2013, p. 108-111), ela destaca a produção artístico-literária de autoria negra pertencente a essa importante série de publicações, organizada a partir de 1978 e então vinculada ao coletivo cultural Quilombhoje.

Em linhas gerais, essa proposta de LP conduz a um deslocamento e a uma revisão das práticas escolares de leitura, ao, num mesmo capítulo, partir do contato com textos clássicos conhecidos por falar sobre os negros/sobre a negritude para o estudo mais diversificado de obras de autoria negra. Transcrevemos a seguir dois trechos dessa seção, o primeiro deles presente no caderno do aluno, que ilustra de que forma a coleção faz o gancho entre o condoreirismo e a literatura afro-brasileira mais recente, e o segundo referente a orientações do manual do professor, em que é possível observar como os Cadernos Negros são apresentados:

(iv) Neste capítulo, você pôde refletir sobre a produção poética de Castro Alves, que se empenhou na luta pela libertação dos escravos, concretizada em 1888. Entretanto, a condição subalterna dos negros no Brasil não foi substancialmente alterada com o fim da escravidão. Por isso, diversos grupos continuam lutando pela emancipação dos afrodescendentes e, de modo mais amplo, por um Brasil sem preconceito racial. Essa luta também se deu no âmbito da Literatura, por meio de publicações escritas por e para os afrodescendentes. Entre elas, destacam-se os Cadernos Negros. (Hernandes e Martin, 2013, p. 108)

(v) Comente com os alunos que os Cadernos Negros agregam textos literários escritos por autores negros, que assumem sua condição étnica com base na qual elaboram seus textos. Assim, nos contos e poemas publicados, há o ponto de vista do negro sobre a sua própria situação. Trata-se de uma posição diferente da encontrada, por exemplo, nos poemas de Castro Alves. (Hernandes e Martin, 2013, p. 44-45 - Apêndice Manual do Professor)

Em diálogo com as diretrizes dadas ao professor no excerto (v), o Caderno do Aluno conta com breves paratextos explicativos sobre a história dos Cadernos Negros e de seu grupo mantenedor, o Quilombhoje. Feito isso, LP disponibiliza para a leitura o poema “Vozes-mulheres”, de Conceição Evaristo, que é seguido, por sua vez, da leitura e de exercícios interpretativos acerca dos poemas “Quebranto”, de Cuti, e “Sou negro”, de Solano Trindade. Entre questões de viés linguístico e literário, há, para cada poema, pelo menos uma pergunta que volta o olhar dos alunos para a temática racial. A título de exemplificação, transcrevemos e comentamos duas delas:

(vi)

d) O poema [“Quebranto”, de Cuti] faz referências claras à história do Brasil, sugerindo que os negros sempre estiveram à margem dos processos históricos, sofrendo claramente as suas consequências. À luz dessa perspectiva, interprete o verso: “um dia fui abolição que me lancei de supetão no espanto”. (Hernandes e Martin, 2013, p. 111)

Resposta: O verso refere-se ao modo como foi conduzida a abolição dos escravos no Brasil. O eu lírico, que assume a sua afrodescendência, coloca-se no lugar de seus antepassados que, depois da abolição, ficaram sem lugar social, pois não houve políticas públicas para sua integração no universo do trabalho assalariado. Como se sabe, esse fato está na base da exclusão social dos afrodescendentes, que se perpetua até hoje. (Hernandes e Martin, 2013, p. 45 - Apêndice Manual do Professor)

(vii)

2. Leia o poema a seguir [“Sou negro”], do pernambucano Solano Trindade. [...] a) Qual é o posicionamento do eu lírico em relação à sua ascendência e cultura? (Hernandes e Martin, 2013, p. 111)

Resposta: O poema de Solano Trindade evidencia o orgulho do eu lírico em relação à sua ascendência e a seus antepassados. (Hernandes e Martin, 2013, p. 45 - Apêndice Manual do Professor)

b) Que elementos da ancestralidade o eu lírico destaca como positivos? (Hernandes e Martin, 2013, p. 111).

Resposta: O eu lírico destaca o trabalho, a valentia, a coragem, a disposição de luta (Hernandes e Martin, 2013, p. 45 - Apêndice Manual do Professor).

De início, é interessante notar no fragmento (vi), de LP, a possibilidade de contraposição textual entre a questão abolicionista pensada à luz do condoreirismo, anteriormente estudado, e a reflexão sobre o legado colonial trazida, mais de um século depois, pela poesia de Cuti. Trata-se de um tipo de sequência didática que favorece a observância tanto das potencialidades da ficção no que tange ao tratamento de temas afins em contextos distintos quanto das relações entre literatura e sociedade, visto que ela promove, por meio da literatura, reflexões ao mesmo tempo históricas e subjetivas sobre as problemáticas raciais do país.

Por fim, o excerto (vii), relativo ao poema de Solano Trindade, é por nós destacado por abordar a questão da ascendência africana de forma positiva, a exemplo do que vimos na abordagem do poema “Minha mãe”, de Luiz Gama, em PLC. Esse aspecto é importante e, por isso, é aqui reiterado, pois

até hoje, na maioria das imagens atuais sobre a África, raramente são mostrados os vestígios de um palácio real, de um império, as imagens dos reis e ainda menos as de uma cidade moderna africana construída pelo próprio ex-colonizado. As imagens geralmente exibidas mostram uma África dividida e reduzida, enfocando sempre os aspectos negativos, como atraso, selva, fome, calamidades naturais, doenças endêmicas, AIDS, guerras, miséria e pobreza. (Munanga, 2009, p. 11)

Embora o condoreirismo se caracterize pela denúncia das mazelas associadas ao tráfico de escravos e ao regime escravocrata como um todo, consideramos igualmente relevante o trabalho com perspectivas empoderadoras, a fim de que eventuais estigmas ainda ligados ao continente africano e à negritude possam ser desconstruídos. Isso porque são ainda pouco frequentes nos livros didáticos leituras que extrapolem a questão da segregação e do sofrimento experimentados pela população negra, pontos que, apesar de serem inquestionavelmente necessários e, por vezes, até mesmo predominantes na escrita de certos autores, não se constituem o único enfoque narrativo da literatura afro-brasileira nem, muito menos, correspondem à única experiência sócio-histórica vivenciada por tal grupo. Por essa razão, interpretamos a escolha de LP de encerrar o capítulo do condoreirismo com o referido poema de Solano Trindade como favorável à construção de uma educação literária antirracista, como também o é o estudo do poema de Luiz Gama em PLC.

CONCLUSÕES

Na introdução deste trabalho, citamos os anais do Seminário Educação e Discriminação dos Negros, realizado por membros do movimento negro em 1987, para destacar que é longínqua a demanda por manuais escolares que, para além de não serem racistas, ofereçam conteúdos representativos da cultura afro-brasileira, abrindo-se efetivamente à construção de um “novo saber” (Gonçalves, 1988, p. 61), que, no escopo desta investigação, se tornou sinônimo de saber antirracista e descolonial. Então, à luz do enfoque dado pela Lei nº 10.639/2003 à área de literatura, admitimos o cânone literário escolar como um espaço a ser problematizado na esteira dos debates sobre a busca por esse “novo saber”.

Para dar concretude àquilo que denominamos, portanto, de descolonização do cânone literário escolar, tida aqui como um processo indissociável da busca por uma educação literária antirracista, analisamos o modo como duas coleções aprovadas pelo PNLD 2015 articulam a obra do escritor negro Luiz Gama à escola literária condoreira, historicamente restrita à poesia de Castro Alves. As finalidades foram, assim, mapear e discutir eventuais propostas inovadoras e/ou produtivas à revisão e ao desbranqueamento do repertório escolar.

O recorte por nós privilegiado se revelou especialmente interessante na medida em que verificamos nos capítulos analisados dois movimentos descoloniais simultâneos e, por que não, complementares: de um lado, esses materiais realizam a revisão de um cânone escolar que frequentemente exclui Luiz Gama do rol dos poetas do século XIX; de outro, tem-se a atualização do repertório escolar, por meio da introdução de nomes afrodescendentes da literatura brasileira contemporânea. Trata-se de escolhas didáticas pedagógicas que dialogam com a “pedagogia das ausências e das emergências” (Gomes, 2017), mencionada no início do artigo.

Em ambos os livros, Luiz Gama é introduzido sem que, para isso, a obra de Castro Alves, de muita importância para a historiografia literária brasileira, tenha de ser excluída. Tal dado atesta, assim, uma das premissas do artigo, segundo a qual a consolidação de um cânone literário descolonial não diz respeito à substituição dos clássicos por obras representativas de determinados grupos socioculturais, mas refere-se a um questionamento da hegemonia exercida por alguns saberes e referências em detrimento de outros.

Quanto ao estudo de sua poesia, PLC e LP propõem, respectivamente, exercícios de leitura sobre os poemas “Minha mãe” e “Saudades do escravo”. Nos dois casos, consideramos que os pressupostos de uma educação literária antirracista se fazem presentes, pois os textos escolhidos aproximam os alunos de construções estéticas e temáticas usualmente alheias ao cânone eurocêntrico: a exaltação da ancestralidade africana e a expressão subjetiva de um eu lírico negro. Acerca desses dois aspectos também destacamos o trabalho feito por LP na abordagem de um poema de Solano Trindade, pois, tanto nesse caso quanto nos anteriores, interpretamos a leitura escolar dessas produções como uma boa porta de entrada para a desconstrução de estereótipos sobre a história e as culturas do continente africano e para a democratização da representatividade racial nos textos escolares, o que, por sua vez, também tem implicações na construção da autoestima das crianças e dos jovens afrodescendentes.

Em relação aos demais autores negros recordados pelas coleções, alertamos, a exemplo do que vimos numa ocorrência de PLC, para a necessidade de termos cuidado ao propor leituras comparadas entre textos canônicos e textos da literatura afro-brasileira contemporânea. Por vezes, a depender de como a atividade é conduzida, a intenção de marcar a existência desses diálogos literários pode acabar por sugerir novas hierarquias/verticalizações de leitura, sobretudo quando as especificidades da escrita de autores negros são desconsideradas em nome da ponte que se busca construir entre estes e os escritores clássicos. Nesses casos, a comparação pode dar espaço à subordinação e, assim, à manutenção de violência simbólica.

Por outro lado, encontramos em PLC e em LP amostras de que a aproximação desses dois perfis de autores é, em linhas gerais, muito producente. Percebemos com as análises que a abordagem de nomes da literatura afro-brasileira de diferentes épocas numa mesma seção evidencia a inquestionável contribuição de autores negros para a historiografia literária nacional, por séculos restrita apenas a literatos de ascendência europeia.

Em síntese, os livros analisados revelam escolhas editoriais que parecem corroborar movimentos de revisão do cânone escolar em prol de uma agenda antirracista. Somada a esse dado, uma alteração identificada nas fichas avaliativas do PNLD 2018, se comparadas às fichas do PNLD 2015, faz surgir uma expectativa de melhora nesse quadro. No que toca o atendimento à Lei nº 10.639/2003, o PNLD 2015, por nós analisado, registra no item avaliativo “coletânea de textos literários” um critério concernente apenas à presença das literaturas africanas nas coleções submetidas ao programa - a saber, a pergunta: “A seleção contempla textos da Literatura Africana?” (Brasil, 2014, p. 95). Já no PNLD 2018, tais fichas são modificadas, havendo uma ampliação na gama de questões a serem aferidas no que diz respeito à presença, nos livros didáticos, de conteúdos relativos à lei, entre as quais destacamos o questionamento explícito sobre a abordagem da literatura afro-brasileira: “5.7. A coletânea dialoga com as literaturas afro-brasileiras?” (Brasil, 2017, p. 86). Apesar de bastante tardia, a explicitação de que a oferta de textos de autoria negra se configura um critério de avaliação do PNLD pode vir a favorecer o reconhecimento da literatura afro-brasileira como um repertório a ser (necessária e urgentemente) escolarizado pelas editoras.

A título de fechamento, cabe, por fim, o registro de duas ressalvas de teor mais abrangente.

É importante frisar que não ignoramos que, tal qual a escola, também o mercado editorial brasileiro pode ser encarado como uma das instituições que sustentam o racismo estrutural no campo da cultura e do saber. Então, ao encontro de Felisberto e Riso (2014), enfatizamos que as políticas de livros didáticos não são suficientes para alterar o atual cenário de marginalização e de desconhecimento da literatura afro-brasileira, devendo ser acompanhadas de políticas públicas gerais que incentivem a produção, a publicação, a divulgação e a circulação de textos de autores negros e periféricos.

Ademais, sabemos igualmente que uma gama substancial de autores e de obras representativos não apenas da literatura afro-brasileira, mas também das literaturas africanas, é passível de compor a bibliografia desse “novo saber”, que extrapola, em muito, os nomes por nós recordados. É possível, por exemplo, estabelecer uma leitura escolar comparada, e de cunho antirracista, entre as obras O cortiço (1890), de Aluísio Azevedo (2011), pertencente ao naturalismo, e Quarto de despejo (1960), de Carolina Maria de Jesus (1982), como sugere Carreira (2018). No entanto, a despeito de termos nos limitado ao condoreirismo, acreditamos que grande parte das proposições e advertências que fizemos com base na análise desse corpus pode servir de norte para a descolonização do ensino de outras escolas literárias. Independentemente do objeto de ensino, o ponto de partida é comum: a premissa de que uma educação antirracista exige um olhar constante “para o que se transmite e para o que se impede de transmitir” (Gonçalves, 1988, p. 61), a fim de que daí possam emergir novos saberes.

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*O presente trabalho origina-se da tese de doutorado defendida pela autora (De Sá, 2019).

1 Literatura afro-brasileira é aqui entendida como a literatura produzida por escritores que se autorreconhecem como afrodescendentes, cuja obra trate também, mas não somente, da temática racial. A predileção pelo uso do termo afro-brasileira, em detrimentos de outros, se deve ao fato de priorizarmos a denominação que se faz mais presente em documentos oficiais de educação.

2 A lista das dez coleções aprovadas pelo PNLD 2015 pode ser consultada no guia do componente Português, disponível em: https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/guia-do-livro-didatico/item/5940-guia-pnld-2015. Acesso em: 21 jan. 2020.

3 Conforme demonstram os levantamentos e as análises de De Sá (2019) acerca dos efeitos da Lei nº 10.639/2003 nas coleções do PNLD 2015, verifica-se, de modo geral, atenção maior ao trabalho com as literaturas africanas de língua portuguesa do que com a literatura afro-brasileira.

4 Quase todos os textos literários citados no decorrer da análise de dados podem ser localizados na internet, por meio do uso de mecanismos de pesquisa. Em razão da limitação de espaço, não é possível apresentá-los integralmente neste artigo.

Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (processo nº 88887.474608/2020-00) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processo nº 140725/2015-6).

Recebido: 30 de Outubro de 2020; Aceito: 09 de Abril de 2021

Ana Paula dos Santos de Sá é doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: anapss.unicamp@gmail.com

Conflitos de interesse: A autora declara que não possui nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

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