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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub 24-Fev-2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270018 

Artigos

Acolhimento de crianças pobres no interior do Brasil: o caso de uma escola salesiana em Corumbá, Mato Grosso, 1904-1927*

ASSISTANCE FOR POOR CHILDREN IN THE INTERIOR OF BRAZIL: THE CASE OF A SALESIAN SCHOOL IN CORUMBÁ, MATO GROSSO, 1904-1927

ACOGIDA DE NIÑAS POBRES EN BRASIL: EL CASO DE UNA ESCUELA SALESIANA EN CORUMBÁ, MATO GROSSO, 1904-1927

Thais Palmeira Moraes I  
http://orcid.org/0000-0003-4254-9213

Mônica de Carvalho Magalhães Kassar II  
http://orcid.org/0000-0001-5577-6269

Justino Pereira de Magalhães I  
http://orcid.org/0000-0001-9464-6782

IUniversidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.

IIUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul, Corumbá, MS, Brasil.


RESUMO

Com o intento de compreender como viveu, no interior do Brasil, a população infantil pobre no início do século XX e de dar visibilidade a esse segmento e à formação educativa que a ele foi destinado, este artigo apresenta e analisa o acolhimento que crianças pobres e indígenas receberam em uma escola confessional feminina, localizada em Corumbá, Mato Grosso. As análises foram desenvolvidas com base em bibliografia e dados documentais, confrontados e completados com entrevistas a pessoas que, quando crianças, estudaram no referido colégio. Verificou-se que, nessa instituição, havia duas realidades educativas, uma para as alunas regulares, envolvidas com atividades majoritariamente escolares, e outra, educativa-assistencial, para as meninas acolhidas, que se ocupavam sobretudo com atividades domésticas.

PALAVRAS-CHAVE escola confessional; crianças pobres; Roda de Expostos; Mato Grosso

ABSTRACT

In order to understand how the poor child population lived, in the interior of Brazil, at the beginning of the 20th century and to give visibility to these people and the education that was offered to them, this article presents and analyzes the type of childcare that poor and indigenous children received in a confessional school for girls, located in Corumbá, Mato Grosso. The analyses were developed from literature review and documental research, confronted and completed with interviews with some people who, as children, studied at that school. It was found that, in this institution, there were two educational realities, one for the regular students, mainly involved in school activities, and the other one, of educational-assistance character, for the assisted children, who were mainly occupied with domestic activities.

KEYWORDS confessional school; poor children; Foundling Wheel; Mato Grosso

RESUMEN

Para entender cómo vivía, en el interior de Brasil, la población infantil pobre a principios del siglo XX y para dar visibilidad a estos sujetos, así como a la formación educativa que les fue destinada, este artículo presenta y analiza una forma de acogida que las niñas pobres y niñas indígenas recibieron en una escuela confesional de mujeres, ubicada en Corumbá, Mato Grosso. Los análisis se desarrollaron a partir de bibliografía y datos documentales, comparados y completados con entrevistas a personas que, cuando eran niñas, estudiaron en esa escuela. Se constató que, en esta institución, existían dos realidades educativas, una para los alumnos regulares, mayoritariamente involucrados en actividades escolares, y otra, educativa-asistencial, para las niñas acogidas, quienes se ocupaban principalmente de las actividades domésticas.

PALABRAS CLAVE escuela confesional; niñas pobres; Rueda de los Expósitos; Mato Grosso

INTRODUÇÃO

Estudos desenvolvidos no Brasil (Del Priore, 1991; Marcílio, 2006) reconhecem a presença de crianças pobres abandonadas nas cidades brasileiras desde a época em que o país era colônia de Portugal. No período imperial (1822-1889), os relatórios presidenciais de províncias brasileiras registraram a continuidade da prática de abandonar crianças. Entre o final do século XIX e o início do século XX, nos principais centros urbanos do país, a questão da criança pobre e abandonada foi um problema social discutido pelas autoridades civis. Estratégias para o controle dessa população infantil começaram a ser elaboradas e implantadas bem antes desse período (Marcílio, 1997). A Roda de Expostos fundada na cidade de Salvador, no ano de 1726, é apontada como o primeiro sistema organizado para acolher bebês abandonados, seguindo os moldes da Roda de Expostos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (Marcílio, 2006).

O levantamento bibliográfico sobre a história do atendimento às crianças pobres, abandonadas e sem família no Brasil mostrou que o tema foi predominantemente investigado nos principais centros urbanos, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e em algumas cidades de Minas Gerais, localidades estas que tiveram importância econômica no plano histórico. Perante essa bibliografia, surgiu o interesse em investigar o tema do acolhimento de crianças sem família, em situação de pobreza e de abandono, em Mato Grosso, especificamente na região sul1 do estado; um levantamento bibliográfico realizado no início da pesquisa apontou a existência de poucas informações sistematizadas sobre essa história. Assim, a pesquisa foi realizada com os objetivos de investigar se existiram crianças em situação de abandono nessa localidade no início do século XX e se houve para elas alguma ação pública ou privada para atendimento educacional. Ao longo do desenvolvimento da investigação, os documentos encontrados registraram uma forma específica de acolhimento de crianças no interior de uma escola confessional. O presente texto, desenvolvido com base nessas informações, tem o propósito de apresentar e analisar essa forma específica de acolhimento. Considerando que a questão da criança pobre/abandonada se tornou um problema social nos principais centros urbanos do Brasil durante a Primeira República (1889-1930), o recorte temporal da pesquisa correspondeu a esse período da história.

Como campo empírico do estudo, Corumbá foi o município escolhido por ter se estabelecido, entre o final do século XIX e início do XX, como o núcleo urbano mais importante em decorrência de seu porto fluvial, não apenas da porção sul de Mato Grosso, mas de toda a província/estado. Localizado na região do extremo oeste do Brasil, o município faz divisa com o Paraguai e com a Bolívia. É uma das cidades coloniais que surgiram com o propósito de atender ao plano geoestratégico português de domínio de terras, além dos Tratados entre Portugal e Espanha (Brazil e Pereira, 2008). Corumbá foi palco da Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), esteve sob o domínio paraguaio de 1865 a 1867 e emergiu como importante polo de desenvolvimento de Mato Grosso após a guerra do Paraguai, sendo considerada a “metropole commercial de Matto Grosso” (Amorim, s.d., p. 443). Segundo a apresentação de Corrêa (Ayala e Simon, 2011, p. 9):

Por volta da virada do século XIX para o XX, o porto de Corumbá fervilhava com o grande movimento de embarcações nacionais e estrangeiras procedentes do Rio da Prata, Buenos Aires, Montevidéu, Assunção e Rio de Janeiro. Cronistas e viajantes da época mencionavam a sua população, nesse período, com um expressivo número de imigrantes estrangeiros ali estabelecidos e estimados com algum exagero por conta do febril movimento de negócios e de gente no agitado porto local.

Com esse movimento, a cidade teve problemas sociais, principalmente no período pós-guerra, quando a maior parte da sua população viveu em meio à pobreza.

Em busca dos espaços institucionais nos quais as crianças pobres poderiam ter sido acolhidas, o estudo identificou uma instituição escolar privada confessional (salesiana), fundada em 1904 e destinada a atender meninas da elite local; o colégio guardava cadernos de crônicas - registros escritos e organizados pelas religiosas fundadoras e dirigentes da instituição, com anotações dos acontecimentos considerados mais significativos da vida cotidiana da escola. Para este artigo, foram analisadas as crônicas referentes ao período de 1904 a 1927, anos da fundação do colégio e do encerramento da segunda direção/gestão da instituição, respectivamente.

As crônicas estavam organizadas em ordem cronológica. Cada instituição Salesiana devia redigi-las e enviá-las mensalmente ao seu órgão superior, a Inspetoria Salesiana, que por sua vez as enviava ao centro da Congregação Salesiana, em Itália. As crônicas de 1904 a 1911 foram redigidas em língua portuguesa e a partir de 1912, até 1927, em italiano. A instituição escolar autorizou o acesso ao material e disponibilizou sua biblioteca para que a pesquisa documental pudesse ser realizada. Também foi autorizado o acesso a fotografias antigas do colégio.

Juntamente com as crônicas, foram utilizados, como fontes documentais, os relatórios, discursos, falas e mensagens presidenciais da província/estado de Mato Grosso referentes ao período entre 1835 e 19302. O acesso ocorreu ao longo do ano de 2010 e posteriormente em 2019.

Também foram realizadas entrevistas3 com três ex-alunas do colégio salesiano que estudaram na instituição entre as décadas de 1930 e 1940 e que foram localizadas por indicação de moradores da cidade. Esse procedimento foi utilizado para a obtenção de informações adicionais àquelas fornecidas pelos documentos escolares. As entrevistas foram realizadas na residência particular de cada uma das entrevistadas, na cidade de Corumbá, no ano de 2010. Às participantes foram informados, de forma clara, os objetivos da pesquisa, assim como foi solicitada autorização para a gravação de seus relatos. Todas aceitaram, oralmente e de modo livre e esclarecido, o convite para participar da investigação e consentiram que seus depoimentos viessem a ser utilizados em futuras publicações científicas. A autonomia da vontade das participantes foi respeitada, assim como existiu um cuidado com o consentimento de cada uma delas, conforme os princípios éticos gerais da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 196/1996 (Brasil, 1996), seguidos à época da realização das entrevistas e coerentes com as diretrizes que orientam as pesquisas em Educação atualmente (ANPEd, 2019).

Ao longo do texto, para a identificação de cada pessoa entrevistada, foram escolhidas, de forma aleatória, duas letras. Optou-se pela aleatoriedade para salvaguardar a confidencialidade/anonimato da identidade das participantes. A primeira entrevistada (que será identificada como AB) nasceu no ano de 1921, ingressou no colégio salesiano aos 9 anos, em 1930, e completou os estudos aos 16 anos. Foi matriculada como aluna interna, assim como suas três irmãs, após o falecimento de sua mãe. O pai trabalhava fora da cidade, na zona rural, e por isso AB e suas irmãs passaram a residir na instituição escolar; suas mensalidades eram pagas em leite, verduras e frutas fornecidas pelo genitor ao colégio. Quando a entrevista foi realizada, AB tinha 89 anos. Foram também entrevistadas duas irmãs (identificadas neste texto por DE e DL), ex-alunas externas e pagantes do mesmo colégio; estudaram na instituição entre 1935 e 1945 e no ano em que a entrevista foi realizada tinham idade de 78 e 81 anos, respectivamente. As entrevistas não seguiram um roteiro estruturado; foi solicitado que as participantes falassem a respeito do período em que frequentaram o colégio e perguntado se se recordavam da existência de alunas não pagantes. Um período de pelo menos 80 anos separou o recorte temporal do estudo e o ano em que as entrevistas foram realizadas; assim, foram procuradas ex-alunas que estudaram no colégio salesiano no período mais próximo possível àquele correspondente ao recorte temporal da pesquisa. A leitura das crônicas referentes aos anos entre 1904 e 1927 e ao período posterior a 1927 e o relato das ex-alunas entrevistadas permitiram observar que as Salesianas mantiveram, ao longo do tempo, similaridade e constância na forma de dirigir e organizar a vida interna institucional e na prática de acolhimento de crianças pobres. Tais informações combinadas permitiram presumir que o tipo de acolhimento de crianças que o colégio salesiano de Corumbá executou no período entre 1904 e 1927 aconteceu de forma semelhante no período em que as ex-alunas entrevistadas estudaram.

Conforme o propósito deste artigo, torna-se necessário esclarecer o que se entende por educação, terminologia cuja concepção fundamenta o uso que se faz neste texto.

Por educação, entende-se o processo de informação, formação e desenvolvimento da pessoa humana; processo este contínuo e pessoal, que envolve os seguintes componentes: enquadramento institucional, com uma organização interna própria e também inserido em um contexto de sociedade; ação, de alguém ou de algo sobre a pessoa que se educa; conteúdo, referente ao processo e ao objeto cultural que é apreendido; e produto (educacional), resultante desse processo que é educativo e que consiste em aprender saberes, ser disciplinado e interiorizar normas e valores (Magalhães, 2004). Nessa perspectiva, as características biológicas não são consideradas suficientes para que o ser humano se desenvolva como pessoa humana. Nasce-se ser da espécie humana, mas tornar-se humano só é possível na relação consigo, com os outros e com o mundo, por meio de um processo que é educativo: “Processo de formação, conhecimento, maturação, sociabilidade, subjetivação/personalização, a educação é percurso, é construção pessoal, interativa e integrativa, a educação é processo/constructo de humanitude” (Magalhães, 2004, p. 20). Nesse sentido, a educação é entendida como sinônimo de pessoalização, o que antecede a educação escolar e abrange, conforme a etimologia da palavra (educare e/ou educere), as ações de alimentar, criar e desenvolver a pessoa humana (Magalhães, 2010, p. 11).

A partir do Iluminismo, a educação passou a ser operacionalizada pela instituição escolar - o educacional escolar (Magalhães, 2010, p. 17) -, que se estabeleceu como instância de cidadania, carregando funções díspares, como “regenerar indivíduos e transformar as sociedades, salvaguardando a tradição e construindo a normalidade” (Magalhães, 2010, p. 61).

CRIANÇAS POBRES E ABANDONADAS EM MATO GROSSO

De acordo com os documentos presidenciais, no século XIX e nas primeiras décadas da República, vigorou, na capital de Mato Grosso (Cuiabá), a prática de abandonar crianças, e tal prática foi reconhecida pelas autoridades civis mato-grossenses. Logo na primeira metade dos anos de 1800, Cuiabá contava com dois estabelecimentos de caridade, o Hospital São João dos Lázaros4 e o Hospital Nossa Senhora da Conceição da Misericórdia de Cuiabá, para o atendimento não apenas de enfermos, mas também de desamparados (Mato Grosso, Discurso do Presidente da Província de Matto-Grosso, 1835). No ano de 1833, foi instalada uma Roda de Expostos na Misericórdia de Cuiabá (Marcílio, 2006, p. 160). De acordo com o presidente da província, em 1835 (Mato Grosso, Discurso do Presidente da Província de Matto-Grosso, 1835, p. 5-6):

Outra providencia [...] Deverá empenhar os vossos constantes desvelos. Aos esforços de huma sociedade, que teve sua existência e presentemente em abandono nesta Capital com o titulo de Philantropica conseguio-se outr’ora huma Roda de Expostos no Edificio d’aquelle Hospital de Misericordia á expensas dos socios consignados, onde já pela primeira vez fizerão recolher, e se esta creando hum innocente: quizera por sob vossos auspícios a seguridade de hum tal azilo para os infelizes que a fragilidade ou a miséria, e a indigência de seos progenitores levão á abandonal os nas estradas, e portas dos particulares onde muitas vezes terminão a aurora de sua existência, que poderia tornar-se util á Patria.

O trecho anterior transcrito registra que a prática de abandonar crianças pelas ruas e nas portas de residência de particulares, tal como acontecia em outras localidades do país, existiu em Mato Grosso, ao menos na vila de Cuiabá. Além disso, foi possível notar a proximidade do discurso do presidente da província, na época, Antonio Pedro d’Alencastro, com o pensamento que, décadas mais tarde, difundiu-se na sociedade brasileira: a ideia de que as crianças pobres, abandonadas e sem família deveriam, por meio do trabalho, tornar-se úteis à nação brasileira.

Em meio às transformações econômicas, políticas e sociais que ocorreram no Brasil na passagem do século XIX para o século XX, quando estava em andamento o processo de consolidação de uma estrutura urbano-industrial capitalista, a atitude perante a criança ganhou outras dimensões econômica, política e social. A criança deixou de ser foco de ação exclusiva da família e das obras caritativas da Igreja para tornar-se questão social e de competência do Estado (Rizzini, 2008, p. 23). Peça importante no projeto de tornar o Brasil uma nação civilizada, passou a ser concebida como ser em desenvolvimento, projetado para o futuro; e, sobre a criança pobre, recaiu a ideia de que precisava ser protegida e moldada de forma a tornar-se cidadã útil ao progresso da nação brasileira (Rizzini, 2008, p. 84-89).

Sobre o movimento na Roda de Expostos de Cuiabá, os documentos presidenciais registraram que, no ano de 1835, a Roda havia recebido um inocente, e que no ano de 1839 três crianças foram admitidas. Em 1845, também foi registrada a presença de três crianças na instituição: uma do sexo masculino e duas do sexo feminino; acerca da situação da criança do sexo masculino, o discurso do presidente de província, em 1846, informou que ele ainda não havia sido matriculado na Companhia de Aprendizes Menores do Arsenal de Guerra; quanto às duas meninas, no mesmo ano foi relatado que sua educação estava confiada a famílias cuiabanas, que para tanto recebiam “pequenas retribuições” (Mato Grosso, Discurso do Presidente da Província de Mato Grosso, 1846, p. 20).

Segundo o relatório presidencial de 1851, durante anos a Roda não recebeu nenhuma criança, embora se soubesse que bebês recém-nascidos eram deixados em frente das residências de particulares. Tal situação, segundo o presidente da província, era explicada pela provedoria da Misericórdia, que atribuía o restrito número de crianças recebidas à proximidade física, espacial, que a Roda mantinha da guarda (vigilância) de um hospital militar, fator este que podia inibir o seu uso. Por isso, pretendia-se transferir a localização da Roda para um lugar que fosse menos movimentado no período da noite. A ausência de crianças na Roda parece ter permanecido, uma vez que no relatório de 1878 foi informado que havia 16 anos a Santa Casa de Cuiabá não recebia nenhuma criança; ao fato não foi atribuído motivo ou explicação. Pelos documentos presidenciais não foi possível saber se a diminuição do número de crianças deixadas na Roda aconteceu porque a prática de abandono declinou ou se elas continuaram a ser abandonadas, talvez não na instituição, mas em outros locais da cidade.

As informações encontradas nos documentos presidenciais permitiram ainda levantar a hipótese de que pelo Hospital dos Lázaros também passaram crianças pobres, abandonadas e/ou sem família. O relatório de 1864 registrou que duas crianças haviam sido entregues à viúva do penúltimo almoxarife do hospital: uma menina de 15 anos e um menino de três, separados de suas respectivas mães, mulheres com hanseníase, após o nascimento.

Acerca da existência e do funcionamento de ações assistenciais em Mato Grosso, os documentos presidenciais do período analisado retrataram o funcionamento das duas referidas instituições, a Misericórdia com a sua Roda e o Hospital dos Lázaros, e abordaram predominantemente as seguintes questões: a falta de recursos financeiros para a boa manutenção dos hospitais, cujos edifícios não contavam com infraestrutura adequada, funcionando precariamente e reclamando por urgentes melhorias; as despesas anuais de cada estabelecimento, que incluíam o item “ração dos menores” e seus vestuários, indicando que tais hospitais atendiam crianças que eram ali deixadas; o número de enfermos que anualmente os hospitais recebiam; e outras questões administrativas. O número de crianças que anualmente passaram pelas duas instituições não foi registrado nos relatórios.

A mensagem de 1899, proferida pelo vice-presidente do estado de Mato Grosso, trouxe um tópico específico sobre as crianças abandonadas, tópico este intitulado Instituto Orphanológico (Mato Grosso, Mensagem do 2º Vice-Presidente do Estado, 1899, p. 36):

Bem sensível é a falta que temos de um estabelecimento destinado a receber e educar os órphãos desvalidos, que nas nossas cidades crescem ao desamparo, sem receberem a indispensável instruccção elementar nem aprenderem qualquer arte ou officio mecânico, do qual possam mais tarde tirar os meios de honesta subsistência. Comprehende-se facilmente qual poderá ser o futuro desses tantos menores que por ali crescem sem os cuidados que devem cercar a infância, para que não se percam no caminho do vicio, que facilmente conduz ao crime. Não desconhecendo, porem, que temos ainda outras necessidades a attender, porventura mais urgentes do que essa [...].

Para o período examinado, as informações registradas nos documentos presidenciais permitiram afirmar que existiram crianças sem família e em situação de abandono nas vilas de Mato Grosso; tal fato teve visibilidade suficiente a ponto de ser conhecido e registrado nas falas, discursos, relatórios e mensagens presidenciais. Estes referiram vilas de Mato Grosso, mas não trouxeram informações adicionais que permitissem identificá-las.

A CHEGADA DA CONGREGAÇÃO SALESIANA A MATO GROSSO E CORUMBÁ

Em 1882, o bispo de Cuiabá solicitou à sua diocese missionários de D. Bosco5, pedido reforçado em 1893 pelo presidente do estado de Mato Grosso (Mato Grosso, Mensagem do Presidente do Estado de Matto-Grosso, 1893, p. 20). Sobre a chegada dos Salesianos a Cuiabá, Ayala e Simon (1914, p. 212) informaram:

Em 24 de Maio de 1894 partiu do Rio da Prata uma expedição de missionarios regidos por D. Luiz Lasagna, de santa memoria. Em 18 de Julho foram solemnemente recebidos em Cuyabá, onde S. Ex. o Snr. Bispo Diocesano entregou-lhes a direcção da Igreja parochial de São Gonçalo e o edificio annexo. [...] O Lyceu Salesiano de Cuyabá. Em I de Setembro installaram-se as aulas elementares, inferiores e superiores, bem como os cursos complementares, leccionando-se á diversos alumnos do primeiro e segundo anno de gymnatico.

Em março de 1899, os primeiros padres Salesianos aportaram a Corumbá e, com o desejo inicial de realizar uma obra educacional, começaram a lecionar. Três anos depois, tiveram início as obras de construção de um colégio Salesiano para meninos (Castilho, 2001). Apesar de o princípio norteador da congregação ser o atendimento e a formação de crianças e jovens provenientes das camadas pobres da população, o colégio fundado destinou-se a atender alunos pagantes, filhos de comerciantes, pecuaristas, profissionais liberais e políticos de Corumbá. Segundo Manfroi (1997), tal situação não poderia ter sido diferente visto que foram essas as famílias que, com as autoridades eclesiásticas, criaram as condições necessárias para que os Salesianos se estabelecessem na cidade.

Como registrado no início deste artigo, tratava-se de uma região em expansão, cuja vitalidade estava relacionada ao trânsito de mercadorias entre a Europa e o interior do Brasil, assim como entre os países da América do Sul, especialmente Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil. O relato de um viajante que chegou a Corumbá em 11 de junho de 1912 (Amorim, s.d., p. 445) refere-se ao fortalecimento da economia na região:

O nome primitivo era Albuquerque. Fundaram-na em 1778. Quando o presidente de Matto Grosso, o almirante Delamare mandou, em 1859, levantar a planta da povoação, e deu-lhe um traçado á hispano-americana, isto e, ruas cortando-se em angulo recto e praças rectangulares e amplas. Com a ocupação paraguaya (1865-1867) Corumbá decaiu, notavelmente. Com a reconquista, em 67, ergueu-se, pouco a pouco, reatando o fio do seu progresso.

Concomitantemente ao desenvolvimento do comércio portuário, que foi o agente de crescimento e de progresso que transformou Corumbá na vila mais importante de Mato Grosso, as condições de vida da maior parte da população estavam marcadas por pobreza, violência e epidemias. Segundo Ito (2000), os problemas sociais existentes foram agravados pela vinda de imigrantes paraguaios, que para Corumbá se deslocaram no período posterior à guerra da Tríplice Aliança (1864-1870). A população corumbaense das primeiras décadas da República foi heterogênea em sua composição, formada por diferentes grupos, que provinham de diversas localidades e que estavam em constante circulação. Corumbá recebeu soldados, imigrantes paraguaios, europeus, sobretudo italianos, árabes e brasileiros, quando tiveram início a formação de um mercado internacional e o aproveitamento de força de trabalho destinada às obras ferroviárias. Amorim (s.d., p. 446) relatou que, no ano de 1912, a cidade possuía 10 mil habitantes, distribuídos da seguinte forma:

[...] 3.000 naturaes; 2.000 paraguayos, bolivianos e correntinos; 1.000 allemães, ingleses, italianos e portuguezes; 1.000 soldados; 2.000 nacionaes de varia procedencia, e cerca de 1.000 turcos. É, á semelhança de Manáos, uma cidade viceralmente cosmopolita.

Comerciantes portuários e proprietários de fazendas de gado começavam a se fixar na região, assim como pequenos comerciantes varejistas, artesãos, soldados da Marinha, funcionários públicos e trabalhadores braçais, entre eles negros e brancos desempregados, indígenas da etnia Kadiwéu, paraguaios e bolivianos em busca de uma nova pátria, geralmente inseridos no setor informal de serviços (Corrêa, 2006; Souza, 2008).

Dessa forma, a pungência de desenvolvimento econômico, cultural e político coexistiu com uma pobreza desamparada de condições humanas de sobrevivência. Segundo Souza (2008), que resgatou as memórias de Renato Báez, figura importante no cenário político e econômico de Corumbá, até a primeira década do século XX os habitantes corumbaenses foram categorizados em dois grupos distintos: os citadinos, que eram os moradores da parte alta da cidade, e os portuários, que habitavam a região do porto e as margens do rio Paraguai. Às extremidades da rua Delamare, localizada na parte alta e considerada a mais importante rua da cidade, podia ser observada a existência de bairros populares e mal-afamados que, situados na região da barranca e do porto, compunham uma realidade de cidade diferente daquela existente na parte alta. Tais bairros e seus moradores foram protagonistas dos poemas do escritor Lobivar Matos (1915-1947)6. Assim, apesar de na literatura específica sobre Mato Grosso (Ito, 2000; Corrêa, 2006; Souza, 2008) não constarem informações sobre como viveram as crianças filhas da população pobre corumbaense, os poemas de Lobivar Matos retrataram a desigualdade social, as condições de vida de crianças com fome (“Sarobá”, 1936), a periferia da cidade (“Beco sujo”, 1936) e a questão da exploração sexual de meninas (“Pelêga”, 1936).

O poema “Cartaz de sensação” (Lobivar Matos, 1936 apudAraújo, 2009, p. 99) ilustra a constatação de Corrêa (2006), segundo a qual Corumbá foi uma cidade caracterizada por contrastes.

“Bungalow” moderno./ Madame bonita, católica/ beata, não sái da Igreja e da janela/ e sua vida é uma organização de festas de/ caridade em benefício disto ou daquilo./ Madame não tem filhos, não quer/ filhos, para que filhos?/ Gosta de papagaios,/ de periquitos/ e de cachorros de sangue/ azul./ Trata bem os papagaios,/ tem uma paixão maluca pelos periquitos/ e os “lulus” comem do bom e do/ melhor. Em frente á casa dessa/ madame virtuosa, num barracão escuro,/ vegeta uma família de negros./ O preto não encontra trabalho na rua/ e a barriga da negra vive sempre/ estufada. Pretinhos esmolambados,/ rasgados,/ não têm pão, comem/ terra, não têm roupa, / andam, nús./ - Fé em Deus, viva a Patria e... chova arroz!

Foi nesse panorama que, no ano de 1904, chegaram a Corumbá as Filhas de Maria Auxiliadora, as salesianas, que fundaram um colégio destinado à educação de meninas, como registrado nos cadernos de crônicas. Registros daquela época apontam essa escola como uma das instituições particulares de ensino mais importantes em todo o estado de Mato Grosso (Ayala e Simon, 1914, p. 175):

Este importante ramo da administração publica [a instrução] está dividido em tres secções: primaria, secundaria e profissional; além das Escolas publicas existem nas cidades principaes Collegios e Escolas particulares, alguns d’ellas de muita importancia como: em Cuyabá o Lyceu dos Padres Salesianos, comprendendo todas as tres secções acima indicadas; a Escola Agricola dos mesmos Padres no Coxipó da Ponte; a Escola [...], do sexo masculino, também dirigida pelos Padres Salesianos e o Collegio [...], do sexo feminino, dirigido pelas Irmães Filhas de Maria Auxiliadora, ambos em Corumbá [...].

A ATUAÇÃO DO COLÉGIO SALESIANO PARA MENINAS

Embora os colégios fundados se destinassem ao ensino de crianças provenientes da camada da população que detinha poder econômico, partiu-se da hipótese de que os Salesianos, orientados por sua doutrina, realizariam algumas ações com as crianças pobres. De fato, a documentação do colégio salesiano para meninas mostrou que a instituição também acolheu crianças provenientes de outros estratos sociais.

Segue a fotografia da turma de alunas em frente ao prédio do colégio que estava em fase de construção; a data provável da fotografia é o ano de 1925 (Figura 1).

Fonte: Coleção do Centro de Ensino Imaculada Conceição.

Figura 1 - Turma de alunas. Prédio do colégio em construção. Data provável 1925. 

No período analisado (1904-1927), o colégio contou com a presença de crianças em duas distintas condições ou situações de vida. Havia as que eram alunas, oficialmente matriculadas e pagantes de mensalidades; algumas retornavam aos seus lares ao fim do dia de atividades escolares (alunas externas), enquanto outras permaneciam no colégio (alunas internas), quando suas famílias residiam nas fazendas, estando sujeitas a grandes distâncias do centro urbano e às características geográficas do pantanal. Além dessas alunas regulares, nos cadernos de crônicas foi registrada a presença de crianças que eram acolhidas pelas Salesianas; elas residiam na instituição escolar e eram chamadas de meninas da casa7. Segundo os documentos escolares, também havia a presença de crianças indígenas, da etnia Bororo, trazidas pelas Salesianas de aldeias de Mato Grosso8. Tanto as crianças indígenas quanto as crianças acolhidas residiam e trabalhavam na instituição escolar9. Eram encarregadas dos serviços domésticos, como serviços de cozinha e de lavanderia, e da portaria. A Figura 2 traz a fotografia, provavelmente tirada em 1945, de uma aluna do colégio vestida para festividade ou sacramento da religião Católica.

Fonte: Coleção do Centro de Ensino Imaculada Conceição.

Figura 2 - Aluna com vestimenta para festividade ou sacramento da religião Católica. Data provável 1945. 

A presença de tais crianças, as meninas da casa, foi rememorada pelas três entrevistadas. AB, que estudou no colégio como aluna interna nos anos de 1930, relatou: “[...] elas tinham as meninas que elas criavam que não eram internas, elas estudavam também, mas elas que lavavam, passavam e tudo… [...] eu não lembro o nome de nenhuma... Tinha bastante dessas meninas [...]” (2010, comunicação pessoal). No relato de DL (2010, comunicação pessoal): “[...] realmente tinham essas meninas que eram órfãs ou pobres, que não tinham condição de pagar o colégio, então os pais deixavam aí... E elas aprendiam o ofício, o trabalho de limpeza de casa, de cozinha, de tudo, e de noite elas estudavam”. DE, que, assim como sua irmã DL, foi aluna externa entre os anos de 1930 e 1940 e passou pela experiência de residir no colégio durante um mês, quando seus pais viajaram à fazenda que tinham na região, também relembrou a presença das meninas da casa (2010, comunicação pessoal):

Tinham moças mesmo, já moças feitas, e tinham crianças né, tinha menina. Todas trabalhavam, cada uma num setor conforme o tamanho, a idade [...] limpeza da classe, da sala de aula, limpavam as carteiras, o dormitório, outras ajudavam na cozinha, lavar uma louça.

A Tabela 1 foi construída com as informações registradas nos cadernos de crônicas; de 1904 a 1911, não houve registro explícito a respeito da presença de crianças acolhidas. A partir de 1912, começou a ser anotado o número de crianças acolhidas no colégio e suas ocupações. Tal registro foi feito de forma semelhante nos anos que se sucederam. Além da quantidade de crianças e respectivas ocupações domésticas, não foram encontradas outras informações que possibilitassem a obtenção de dados adicionais acerca da identidade das meninas da casa, como seus nomes, idades e famílias de origem. Ainda é possível observar que nem sempre houve relação entre o número de crianças acolhidas e o tipo de trabalho destinado a elas.

Tabela 1 - Número de crianças acolhidas no colégio em cada ano e tipo de atividade por elas executadas. 

Ano Número de crianças acolhidas Atividades domésticas
1904 Sem registro Sem registro
1905 Sem registro Sem registro
1906 Sem registro Sem registro
1907 Sem registro Sem registro
1908 Sem registro Sem registro
1909 Sem registro Sem registro
1910 Sem registro Sem registro
1911 Sem registro Sem registro
1912 3 Cozinha, lavanderia etc.
1913 3 Cozinha, lavanderia etc.
1914 Sem registro Sem registro
1915 Sem registro Sem registro
1916 2 1 porteira, 1 cozinheira e 1 ajudante
1917 2 Sem registro
1918 2 1 cozinheira
1919 2 1 cozinheira e 1 ajudante
1920 3 1 cozinheira e 1 ajudante
1921 2 1 cozinheira e 1 ajudante
1922 1 1 cozinheira e 1 ajudante
1923 Sem registro Sem registro
1924 Sem registro 1 cozinheira
1925 Sem registro 1 cozinheira
1926 Sem registro Cozinheira e chapeleira
1927 Sem registro 2 jovens cozinheiras

Fonte: Cadernos de Crônicas Salesianas (1904-1927).

Elaboração dos autores.

Embora o registro da presença de crianças acolhidas tenha sido feito a partir de 1912, numa passagem da crônica do dia 15 de maio de 1911 (Cadernos de Crônicas Salesianas, 1904-1927) foi descrito um acontecimento que envolvia uma menina, o que indica que a prática de acolhimento já existia. Segue a transcrição do excerto das crônicas (Cadernos de Crônicas Salesianas, 1904-1927 [1911]):

Devido a uma inexperiência de ter feito acompanhar uma menina (que da um anno estava-nos entregue em condição de criada ou orphão) por um moço, e este era irmão de uma nossa Irmã, deu occasião a um grande barulho aqui em Corumbá e em todo o Estado de Matto Grosso.

Os documentos escolares não revelaram se, além de trabalhar, às crianças acolhidas era permitido estudar. Entretanto, as ex-alunas entrevistadas testemunharam que as meninas da casa estudavam: “[...] elas tinham aula, quem tinha aula ia na aula e quando saía tinha a obrigação, todas elas eram tratadas como internas [...] mas chamavam moças de casa porque elas tomavam conta dos outros serviços que as internas não faziam” (AB, 2010, comunicação pessoal).

Os documentos escolares sugeriram que as rotinas das alunas regulares e das meninas da casa também eram distintas, uma vez que a estas eram designados os serviços domésticos e àquelas cabiam, predominantemente, as atividades escolares. Os relatos ainda informaram que os espaços físicos que as crianças acolhidas ocupavam eram diferentes daqueles destinados às alunas pagantes. Existiam dormitórios e refeitórios distintos para cada grupo (alunas regulares e crianças acolhidas), assim como uniformes. Segundo uma das ex-alunas externas pagantes: “[...] elas moravam separadas da gente né? Em outro pavilhão do colégio, e elas faziam mais serviço que nós [...] tinha o refeitório delas” (DL, 2010, comunicação pessoal). Quando indagada se as alunas matriculadas mantinham contato com as meninas acolhidas, DL respondeu: “[...] quase nenhum”. AB também se recordou das diferenças que eram estabelecidas entre as alunas e as meninas da casa na vida cotidiana que acontecia no interior do colégio (2010, comunicação pessoal):

Elas tinham o quarto delas separado, tinha uma irmã assistente [...] andavam de chinelo né? De sandália [...] Elas usavam vestido, e as Irmãs, a maior parte era as Irmãs mesmo que davam o vestido [...] nosso (referindo-se ao uniforme que ela e as outras alunas internas usavam) era de prega, listadinho, de gola, manga comprida.

Uma possibilidade de leitura acerca da separação das crianças/jovens pelas atividades, cômodos ocupados e roupas aproxima-se da ideia disseminada na época de que as crianças pobres eram naturalmente propensas aos vícios e às perversões. Caso crescessem em um ambiente vicioso, desenvolveriam perversões; já em um bom ambiente, poderiam desenvolver virtudes e bons hábitos. Como precaução, era imprescindível que tais crianças não se misturassem às demais, porque as más inclinações eram contagiosas - ideia de contaminação moral (Rizzini, 2008, p. 45-82). Tal distinção, sugerida pelos indícios encontrados, remete às ideias que passaram a ser difundidas a partir do século XVII, quando médicos começaram a atribuir os desajustes sociais a causas orgânicas (Michelet e Woodill, 1993); eram os primeiros elementos das teorias da degenerescência humana de Felix Platter (1536-1614). Traços dessa perspectiva circularam, no Brasil, no início da República, com os Serviços de Higiene e Educação Sanitária Escolar (Kassar, 1999).

Importa registrar que, segundo as ex-alunas entrevistadas, as pagantes também assumiam atividades de arrumação e limpeza no colégio, especialmente as alunas internas, mas em menor volume que as meninas da casa. Esse tipo de ação/educação, que consistia no uso da força de trabalho, aconteceu em um momento da história do atendimento à criança desvalida no Brasil em que a tônica das ações foi o trabalho. Pensando-se na história do atendimento à criança pobre brasileira, dividida por Marcílio (2006, p. 132) em três fases - caritativa, filantrópica e do Estado do bem estar do menor -, ao longo da fase filantrópica, que, segundo a autora, teve início em meados do século XIX e findou por volta de 1960, e que é onde está inserido o período abordado no estudo, o trabalho foi concebido como o instrumento capaz de tornar a criança pobre, abandonada e sem família, a criança desvalida, em cidadão válido para o Estado, a quem interessavam braços trabalhadores para fazer progredir a nação. Além disso, o trabalho era tido como instrumento moralizador e disciplinador do corpo e da mente, atestado de virtude e de aceitação do sujeito na sociedade (Rizzini, 2008, 2009). No caso das meninas da casa do colégio Salesiano corumbaense, é possível considerar que o trabalho também propiciava a integração, a participação e, por fim, o reconhecimento dessas crianças.

A leitura da doutrina Salesiana também contribui para entender a importância que o trabalho assumia enquanto princípio educativo/pedagógico fundamental da ação voltada aos jovens, sendo possível notar a proximidade entre a doutrina religiosa e o pensamento difuso na sociedade brasileira da época. Segundo a doutrina Salesiana, o trabalho consistia no cumprimento de deveres atribuídos a cada pessoa; o jovem deveria habituar-se desde cedo a trabalhar, o que preveniria vícios e perniciosidades (Ferreira, 2008). Uma nota do Congresso Legislativo Mineiro, de 1903, sobre a atuação das escolas Salesianas naquela localidade ilustra tal ideia:

São ali [Escolas Dom Bosco] educados na escola da moral e do trabalho, além de 6 alunos por conta do Estado, muitos órfãos pobres, os quais assim preparados, serão depois outros tantos propugnadores do engrandecimento moral e material de nosso Estado, que neles terá segura garantia contra as perniciosas doutrinas nascidas da ociosidade e da ignorância. (Memórias dos cinco lustros das Escolas Dom Bosco, 1921 apudPassos, 2004, p. 10)

A ideia que circulava no Brasil, de que vícios e virtudes eram socialmente adquiridos e que, portanto, a regeneração era possível por meio do desenvolvimento do hábito do trabalho, ia ao encontro do valor que a doutrina Salesiana conferia ao trabalho, e ambas as questões permitem pensar que as Salesianas consideravam o serviço braçal/doméstico realizado pelas crianças pobres e indígenas acolhidas no colégio como adequada componente/formação educativa.

Carvalho (2008), em sua pesquisa sobre a história do ensino profissional no Brasil, apontou que a formação das camadas pobres da população e as ações destinadas às crianças pobres, abandonadas e sem família estiveram sempre vinculadas ao mundo do trabalho. Rizzini (2013, p. 376) reforça esse aspecto:

As crianças pobres sempre trabalharam. Para quem? Para seus donos, no caso das crianças escravas da Colônia e do Império; para os “capitalistas” do início da industrialização, como ocorreu com as crianças órfãs, abandonadas ou desvalidas a partir do final do século XIX; para os grandes proprietários de terras como boias-frias; nas unidades domésticas de produção artesanal ou agrícola; nas casas de família; e finalmente nas ruas, para manterem a si e às suas famílias.

Ao trabalho, soma-se a frequência das meninas da casa às salas de aulas, que deve ser entendida como atividade necessária para a ordenação e a normalização social, uma vez que a instrução possibilita atribuir o estatuto de civilidade ao ser em desenvolvimento (Magalhães, 2010).

As crônicas e os relatos das entrevistadas não apontaram a representação do trabalho desempenhado pelas meninas da casa como negativa ou como ponto de distinção se comparada ao tipo de formação educativa que as alunas matriculadas recebiam na instituição escolar; o princípio da caridade apareceu como justificativa tácita para o tipo de acolhimento que existiu no interior do colégio e esse viés religioso/caritativo também pode contribuir para explicar a presença das meninas pobres na instituição escolar. Concomitante às ideias que circulavam no Brasil na primeira metade do século XX, ideias estas propagadas por médicos higienistas, juristas e filantropos, ainda estava presente nas mentalidades e práticas o princípio da caridade, fundamento das propostas de acolhimento e de assistência à criança abandonada desde a colônia até o Império. Ou seja, em um momento histórico em que a criança passava a ser considerada peça-chave do projeto de construção da nação brasileira - e que para tanto deveria ser cuidada, categorizada, limpa (fisicamente e moralmente) e instruída no mundo do trabalho -, parecia também persistir um sentimento de compaixão e de misericórdia pela vida de privações da criança pobre e desvalida e pela sua alma, a ser salva pela doutrina católica.

O trabalho doméstico desempenhado pelas meninas acolhidas foi ainda rememorado pelas ex-alunas entrevistadas como forma de pagamento pela moradia e alimentação que recebiam na instituição Salesiana. No relato de AB (2010, comunicação pessoal):

[...] elas eram moças que os pais não pagavam, elas viviam ali, estudavam, fazia tudo por conta do serviço. Eram muito bem tratadas, as irmãs cuidavam que nem se fossem internas, só que elas trabalhavam, umas lavava roupa [...] eram tidas com o maior carinho, a única coisa é que elas trabalhavam pra pagar a estadia delas, mas elas eram como quase igual às internas, as irmãs tratavam elas muito bem.

Pelos depoimentos das ex-alunas ainda foi possível saber que algumas meninas da casa eram órfãs, outras provinham de famílias pobres e, eventualmente, encontravam-se com seus familiares. Conforme informações de DL, anteriormente transcritas, eram meninas órfãs ou pobres, e AB, ao relatar que aos domingos o colégio permitia a visita de familiares, foi indagada se as meninas da casa também eram visitadas: “[...] todas elas acho que tinham pai, não lembro muito bem, mas todas elas recebiam. Não falo que todo domingo elas recebiam, porque eu não via, não sabia, mas elas recebiam [...]” (2010, comunicação pessoal).

CIRCULAÇÃO E ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS EM CASAS DE FAMÍLIA

Cabe ressaltar que, durante a realização da pesquisa, foi mencionado10 que o acolhimento de crianças pobres e/ou órfãs também foi prática entre as famílias de Corumbá. Não raro, proprietários rurais traziam de suas fazendas filhos de seus trabalhadores para morarem e trabalharem em suas casas e, em alguns casos, estudarem. De acordo com Marcílio (2006), a prática de famílias - tanto pobres quanto ricas - acolherem crianças foi o tipo de assistência de maior abrangência no Brasil. Tendo como foco as famílias dos centros urbanos, Marcílio (2006) entende que tal prática era motivada, ao menos em parte, pela força de trabalho complementar e gratuita que a criança acolhida representava. Comumente essas famílias preferiam ter uma criança acolhida como empregada a contratar os serviços de uma pessoa adulta, porque se acreditava que a criança, por ter sido acolhida e criada pela família, seria mais obediente. O trabalho doméstico, segundo Rizzini (2013), foi e atualmente ainda é11 a principal atividade exercida pelas meninas trabalhadoras brasileiras.

Acerca das crianças filhas de trabalhadores rurais que eram levadas pelos patrões de seus pais para residirem, trabalharem e estudarem na cidade, importa dizer que na Corumbá das primeiras décadas do século XX nem todo proprietário rural tinha grandes posses e nem todo trabalhador rural braçal foi pobre e detentor de status social inferior. Conforme explicou a historiadora Maria do Carmo Brazil (2014), no processo de povoamento e ocupação das terras da região sul de Mato Grosso, estabeleceram-se grandes propriedades agropastoris. Nesse processo produtivo, foram integrados homens livres trabalhadores, brasileiros (brancos, negros, indígenas e mestiços), bolivianos, paraguaios e familiares daqueles que se iam tornando proprietários das terras conquistadas:

[...] a ocupação dessa região assumiu uma feição singular [...] baseada na relação de camaradagem e parentesco ou numa forma de agregamento parental [...] Esse tipo de agrupamento envolvia o chefe com autoridade irrefutável sobre a mulher, a prole, os agregados, familiares e proletários livres indicando uma política de ocupação nitidamente vinculada à segurança [...] a preocupação com a segurança misturava-se ao sentimento de “ajudar parentes e amigos” [...] Esta relação de camaradagem e parentela propiciou que muitos empregados, capatazes e peões se tornassem proprietários de vastas extensões de terras [...]. (Brazil, 2014, p. 267-268)

Isso permite pensar em duas questões. Aquela anteriormente referida, sobre nem todo trabalhador rural braçal ter sido pobre, porque, com a consolidação de seus negócios agropastoris, muitos passaram a integrar o grupo daqueles que detinham recursos econômicos, em Corumbá. Esse pode ter sido o caso do genitor de AB, que pagava as mensalidades do colégio com produtos agrícolas de sua fazenda. Segundo Brazil (2014), naquele tempo de ocupação e tomada de posse de grandes extensões de terras, latifundiários e empregados das fazendas pareciam estar agregados em uma relação de parentesco e de amizade, o que devia conferir outro tipo de hierarquia na relação e a possibilidade real de o empregado vir a se tornar proprietário12. Com o tempo, além dos latifundiários, dos funcionários públicos, dos comerciantes e portuários, alguns trabalhadores rurais, como os peões e os vaqueiros mencionados por Brazil (2014), tornaram-se também proprietários, e, portanto, detentores de poder econômico. A segunda questão diz respeito à circulação de crianças entre a zona rural e o centro urbano poder ter feito parte dessa relação interpessoal e laboral de parentesco e de amizade, ou proximidade, que proporcionava suporte, apoio e auxílio entre aqueles que se relacionavam e que se tornavam camaradas, compadres e comadres. No relato de AB, a menção da figura da madrinha:

Ele trabalhava fora, ia pro mato, ele cuidava, ele era criador [...] tinha vaca [...] papai trabalhava muito fora, e pra ele colocar uma pessoa pra cuidar, ele experimentou uma vez. Colocou todas nós pra passar as férias numa mulher, não deu certo, ele tirou [...] Nós ficamos muito com madrinha. (AB, 2010, comunicação pessoal)

Sobre a sua irmã mais nova, após o falecimento de sua mãe: “Madrinha criou ela até moça, depois ela foi pro colégio das Irmãs [...]” (AB, 2010, comunicação pessoal). E acerca da decisão, tomada pelo seu genitor, de matriculá-las no colégio Salesiano como alunas internas: “Era muito católico, mamãe era muito católica. Eles não achavam outro lugar melhor. Dar a filha dela pra outra... Em outra casa pra criar... Meu tio veio pra nos buscar e ele não deu” (AB, 2010, comunicação pessoal). Em seu relato, evidencia-se a circulação de crianças pela rede familiar e a importância que possivelmente era atribuída, pela população, ao colégio Salesiano, considerado o melhor lugar para os filhos serem criados e educados. Vale dizer, porque remete à questão assinalada anteriormente sobre a heterogeneidade da composição populacional de Corumbá, que os genitores dessa entrevistada eram paraguaios.

De modo geral, foi possível verificar que em Corumbá crianças pobres, órfãs e/ou indígenas foram admitidas no colégio Salesiano e foram criadas por pessoas conhecidas e/ou próximas às suas famílias de origem (relações de compadrio/comadrio, relações familiares e de trabalho). Os documentos escolares e os relatos das entrevistadas não permitiram a constatação da existência de crianças abandonadas nas ruas ou em portas de residências de particulares, como foi usual nos principais centros urbanos brasileiros da época.

AINDA ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ao retomar o propósito deste artigo, os dados documentais e as entrevistas mostraram que as crianças acolhidas no colégio - as meninas da casa - provieram da camada pobre da população corumbaense e de grupos indígenas de aldeamentos de Mato Grosso. Foi possível entender que a prática de acolhimento de crianças também ocorreu entre as famílias residentes na região urbana, o que vai ao encontro do discurso do Presidente da Província de Mato Grosso (Mato Grosso, Discurso do Presidente da Província de Mato Grosso, 1846) mencionado anteriormente, que informou que famílias cuiabanas, em troca de alguma retribuição, tinham-se encarregado da educação de meninas deixadas na Roda da Santa Casa de Cuiabá.

Na bibliografia, nos documentos e nos relatos não foi identificada a existência, em Corumbá, de uma ação pública organizada e específica de assistência às crianças pobres e/ou órfãs da população. Até o momento, mantém-se que iniciativas de particulares, tanto dos Salesianos quanto de famílias, acolheram e receberam crianças cujas condições de viver demandaram acolhimento.

Ao longo do período examinado, o colégio registrou a entrada, em cada ano, de uma a três crianças, o que indica que o acolhimento de crianças não pagantes na instituição de ensino resumiu-se a poucos casos, contrariando o relato de uma das entrevistadas, segundo o qual existiam, no colégio, muitas meninas da casa.

Com relação à prática de abandonar crianças, os documentos presidenciais de Mato Grosso consultados não fizeram referência a Corumbá, identificando que tal prática existiu na capital Cuiabá, assim como nos principais centros urbanos do país, o que levou mesmo ao funcionamento de uma Roda de Expostos na Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá, ao longo dos anos de 1800. Quanto à realidade que se desenhou em Corumbá, os dados empíricos não foram conclusivos.

As informações reunidas revelam que, para além de acolher, as Salesianas assistiram as crianças pobres, órfãs e/ou indígenas, uma vez que estas passavam a residir no colégio e a integrar a sua organização e dinâmica internas. Enquanto o acolhimento transmite a ideia de uma ação que é realizada muito em torno de possibilidades circunstanciais (havendo recursos, acolhe-se; não havendo recursos ou vagas, não é possível acolher), a assistência vai além porque implica acompanhamento e permanência. Os relatos das entrevistadas, ao informarem que as crianças acolhidas tinham dormitórios próprios, e os cadernos de crônicas, ao registrarem devidamente as ocupações que a elas cabia desempenhar, apontam para uma dinâmica institucional organizada para receber tais crianças. O colégio era uma instituição privada de ensino e, portanto, tinha orçamento, geria recursos financeiros; essa administração deve ter sido condição para assegurar o acolhimento e a assistência do referido e específico segmento infantil. Pensar no colégio Salesiano feminino enquanto instituição escolar que acolheu e assistiu crianças pobres, órfãs e/ou indígenas, que lá tiveram o seu lugar de viver - onde dormiam, alimentavam-se, recebiam instrução e formação religiosa, trabalhavam e brincavam -, significa pensar e tentar compreender a dimensão educativa que a instituição teve no desenvolvimento e na formação (humana) daquelas crianças e o tipo de ação (educativa) que existiu para elas.

Considera-se que o colégio salesiano comportou duas realidades educativas: uma para as alunas regulares, envolvidas majoritariamente com as atividades escolares, e outra para as meninas da casa, ocupadas sobretudo com os serviços domésticos - com este grupo a instituição escolar Salesiana atuou congregando educação e assistência. Ao mesmo tempo, para os dois grupos de crianças foi passada uma mesma mensagem, assente na religião uma vez que se tratava de um colégio católico, e tanto as alunas quanto as meninas da casa tinham a obrigação de realizar tarefas do universo doméstico. Além disso, segundo as entrevistadas, também todas as assistiam às aulas. Seguindo a análise feita por Magalhães (2010), a escola constrói o aluno em sua identidade, uma identidade que é aceita socialmente, preparando-o para ser cidadão: “[...] a essência da escola residiu na construção do aluno como escolar, portador de uma identidade socialmente aceite, cumpridor de um desempenho sociocultural, cuja incorporação antropológica ficou comprovada por atitudes, artefactos e públicas-formas” (Magalhães, 2010, p. 39). Dessa forma, a cultura escolar também envolve “[...] a dimensão simbólica, bem como os modos de pensar e agir, resultantes dos processos formais de educação, e as culturas infantis que se desenvolvem em sede escolar” (Magalhães, 2010, p. 13). E essa ideia do aluno é importante pela comunalidade que representa, superando condicionalismos socioeconômicos.

O esforço da investigação esteve na busca por compreender como a população infantil pobre de uma determinada época e do interior do Brasil, um país marcado por complexas e importantes diferenças regionais, viveu - em que espaços institucionais esteve e como foi educada. Além da busca por essa compreensão, pretendemos dar visibilidade a esses sujeitos e à formação educativa que receberam e que existiu concomitantemente à escolarização e para além dela. Vale dizer que, durante a investigação, procurou-se localizar, em Corumbá, mulheres que viveram no colégio salesiano na condição de meninas da casa; entretanto, nenhuma delas foi encontrada. Ainda foi propósito deste estudo colaborar com a reconstrução histórica da forma (ou pelo menos, de uma das formas) como crianças pobres e órfãs foram educadas, em uma realidade (local e institucional) constituída de particularidades e ao mesmo tempo constituinte e representação do que foram a sociedade brasileira e o projeto societário de educação nas primeiras décadas do século XX.

Futuras pesquisas poderão dar continuidade aos achados apresentados e investigar se o tipo de acolhimento/assistência encontrado garantia a educação escolar das crianças acolhidas. Novos caminhos de investigação também poderão clarificar que percurso tais crianças faziam até serem admitidas na instituição escolar como meninas da casa - por quais lugares e pessoas passavam, como circulavam e se circulavam as crianças indígenas entre os aldeamentos e o colégio. Aponta-se ainda a necessidade de estudos acerca do colégio salesiano para meninos (em Corumbá), pois tudo sugere que a referida instituição escolar também teve papel significativo na educação de meninos pobres.

Sem a pretensão de chegar a conclusões definitivas, estas foram primeiras aproximações da reconstrução de uma história.

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*O presente estudo foi desenvolvido com base na dissertação de mestrado de Thais Palmeira Moraes, intitulada O atendimento à criança pobre, abandonada e sem-família em Corumbá (MT): 1904-1927, realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

1 Será mencionada a região sul do estado de Mato Grosso em vez do estado de Mato Grosso do Sul porque o recorte temporal da pesquisa correspondeu a um período em que Mato Grosso ainda era um único estado. Em 1977, por lei federal, ocorreu a divisão do estado em duas unidades federativas distintas, a saber: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Sena, 2010).

2 Esse é o período abrangido por essa fonte documental que, no momento em que a pesquisa foi realizada, encontrava-se digitalizada e disponível no seguinte endereço eletrônico do Center for Research Libraries: http://www-apps.crl.edu/node/2. Atualmente, verificou-se que a referida base de dados foi remodelada/reorganizada, assim como o link para acessá-la; o novo endereço eletrônico é o seguinte: http://ddsnext.crl.edu/titles/170#?c=0&m=0&s=0&cv=4&r=0&xywh=-1054%2C0%2C3739%2C2637. Acesso em: 2 fev. 2022.

3 Ao longo do texto, aparecerá a transcrição de alguns trechos das referidas entrevistas, e é importante informar que tal transcrição respeitou a forma como cada entrevistada falava (pronúncia de palavras, concordância verbal etc.) e não seguiu as normas ortográficas e gramaticais da língua portuguesa.

4 O Hospital de São João dos Lázaros de Cuiabá foi fundado no ano de 1816, com o nome Casa Pia de São Lázaro (Nascimento, 2001).

5 A Congregação Salesiana foi fundada pelo sacerdote italiano Dom Bosco (1815-1888). Em sua juventude, iniciou um trabalho com jovens pobres e desamparados de sua cidade, Turim. Com o passar dos anos e diante do número crescente de pessoas que buscavam a sua ajuda, organizou a Sociedade Beneficente São Francisco de Salles - os salesianos -, cuja missão era atender jovens em situação de pobreza, desamparo e perigo. Quando faleceu, sua obra já estava disseminada não apenas pela Europa, mas ainda por países da América do Sul, como o Brasil. Dom Bosco propôs um sistema educativo chamado Sistema Preventivo, que, ainda que tenha sido concebido para ser aplicado a jovens pobres e desamparados, foi considerado adequado aos jovens de todas as camadas sociais (Ferreira, 2008).

6 Lobivar Matos de Barros nasceu em Corumbá, no ano de 1915. Foi uma criança órfã, pois em seus primeiros anos de vida vivenciou a ausência do pai e a morte da mãe. Em 1932, publicou no jornal corumbaense Folha da Serra o seu primeiro poema. As obras de Lobivar Matos que receberam selo editorial foram: “Areôtorare” (1935) e “Sarobá” (1936). Os poemas de Lobivar Matos mencionados neste texto estão integralmente disponíveis na dissertação de Susylene Dias de Araújo (2009).

7 “Meninas da casa” é o termo que consta nos Cadernos de Crônicas Salesianas, utilizado para designar as crianças acolhidas e que pode remeter à ideia de posse ou pertencimento. A partir do momento em que tais crianças passavam a viver no colégio, deixavam de ser identificadas, ao menos nos registros escritos consultados, pelo nome e/ou sobrenome e passavam a ser designadas pelo termo comum a todas que compartilhavam essa condição de viver; passavam a ser reconhecidas como meninas da casa, que remete à ideia de pertença à casa-colégio-instituição. Registra-se que após a conclusão da pesquisa foi localizada uma ex-menina da casa procedente de uma escola salesiana da cidade de Campo Grande (MS), o que sugere que o acolhimento de crianças pobres foi uma prática comum a outras instituições escolares salesianas.

8 Desde meados dos anos 1700, ordens religiosas haviam edificado, em Mato Grosso, aldeamentos indígenas para a catequização e a conversão dos nativos (Alves, 1996). No ano de 1895, o presidente do estado de Mato Grosso, por decreto de 19 de abril, passou aos salesianos a Colônia Teresa Cristina, para que seus habitantes indígenas, Bororo, fossem evangelizados. Anos mais tarde, os salesianos edificaram a colônia Missão dos Tachos para a catequese das tribos Bororo, onde também trabalharam Irmãs Filhas de Maria Auxiliadora; estas tinham o papel de educar as meninas indígenas nos valores morais e cristãos (Castilho, 2001).

9 Em 2010, durante o período de investigação, conseguiu-se a informação de que as salesianas, fundadoras do colégio para meninas, ainda atuaram na Santa Casa de Corumbá, fundada no ano de 1904 e inaugurada em 1913, sob responsabilidade da Sociedade Beneficente de Corumbá (Souza, 2008); foi informado que na instituição hospitalar as religiosas também acolheram meninas pobres. Tal informação não pôde, entretanto, ser verificada e aprofundada naquele período de pesquisa, e não foram encontradas fontes documentais (escritas) na Santa Casa de Corumbá - a instituição informou que a documentação anterior aos anos de 1980 havia sido destruída por falta de espaço físico para arquivá-la.

10 Durante a investigação que deu origem ao presente artigo, foi entrevistado um dos antigos médicos de Corumbá. Ele relatou ter sido costume, no município e região, famílias locais acolherem em suas próprias residências crianças pobres.

11 Em 2016, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) identificou que trabalhos com cuidados de pessoas e afazeres domésticos respondiam por 50,2% das atividades realizadas pelas crianças trabalhadoras. “PNAD Contínua 2016: Brasil tem, pelo menos, 998 mil crianças trabalhando em desacordo com a legislação”, Agência IBGE, 29 nov. 2017. Disponível em: https://censos.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/18383-pnad-continua-2016-brasil-tem-pelo-menos-998-mil-criancas-trabalhando-em-desacordo-com-a-legislacao. Acesso em: 15 jan. 2021.

12 Sobre tais aspectos, mereceria ser averiguado se os donos de fazendas compuseram a elite corumbaense naquela época, uma vez que ainda estavam numa fase de apropriação e consolidação da atividade agropastoril em suas fazendas.

Financiamento: O estudo contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Recebido: 08 de Junho de 2020; Aceito: 18 de Junho de 2021

Thais Palmeira Moraes é doutoranda em história da educação no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (Portugal). E-mail: thaispalmeiramoraes@yahoo.com.br

Mônica de Carvalho Magalhães Kassar é doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: monica.kassar@gmail.com

Justino Pereira de Magalhães é doutor em história da educação pela Universidade do Minho (Portugal). Professor da Universidade de Lisboa (Portugal). E-mail: justinomagalhaes@ie.ulisboa.pt

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Contribuições dos autores: Administração do Projeto, Conceituação, Curadoria de Dados, Escrita - Primeira Redação, Escrita - Revisão e Edição, Investigação, Metodologia, Obtenção de Financiamento: Moraes, T. P. Administração do Projeto, Conceituação, Curadoria de Dados, Escrita - Primeira Redação, Escrita - Revisão e Edição, Investigação, Metodologia, Supervisão, Validação: Kassar, M. de C. M. Conceituação, Escrita - Revisão e Edição, Validação: Magalhães, J. P. de.

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