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Revista Brasileira de Educação

Print version ISSN 1413-2478On-line version ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub Apr 12, 2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270033 

Artigos

Remuneração docente em contexto de austeridade fiscal: uma análise das redes municipais de ensino dos estados de Mato Grosso do Sul e do Paraná

REMUNERACIÓN DOCENTE Y AUSTERIDAD FISCAL: UN ANÁLISIS DE LAS REDES MUNICIPALES DE ENSEÑANZA EN LOS ESTADOS DE MATO GROSSO DO SUL Y PARANÁ

Andréa Barbosa Gouveia I  
http://orcid.org/0000-0002-8260-2720

Maria Dilnéia Espíndola Fernandes II  
http://orcid.org/0000-0001-5218-8541

Marcos Alexandre dos Santos Ferraz I  
http://orcid.org/0000-0002-5790-2457

IUniversidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

IIUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MT, Brasil.


RESUMO

O artigo objetivou verificar a remuneração docente em redes municipais de ensino de dois estados da federação brasileira, Mato Grosso do Sul e Paraná, mediante os registros da Relação Anual de Informações Sociais, em anos selecionados (de 2008 a 2018), período entrecortado pelo contexto da austeridade fiscal implantada pela aprovação da emenda constitucional n. 95/2016. Trabalhou-se com os dados registrados na Relação Anual de Informações Sociais e com a legislação educacional. Verificou-se que a aprovação da emenda em questão interrompeu um ciclo de políticas de valorização docente que estava em curso na interseção da política educacional da União com as unidades federativas. Ainda que o setor educacional, por meio de suas entidades, tenha apresentado resistência para garantir conquistas recentes, o contexto de austeridade fiscal já conduz a perdas significativas no que tange à remuneração docente, que colocam em situação de risco a manutenção e a ampliação do direito à educação.

PALAVRAS-CHAVE política educacional; austeridade fiscal; Relação Anual de Informações Sociais; remuneração docente

RESUMEN

El artículo tuvo como objetivo verificar la remuneración docente en las redes municipales de enseñanza de los estados de la federación brasilera, Mato Grosso do Sul y Paraná, mediante los registros de la Relación Anual de Informaciones Sociales (Relação Anual de Informações Sociais), en años seleccionados, de 2008 a 2018, período entrecortado por el contexto de la austeridad fiscal implantada por la aprobación de la Enmienda Constitucional no. 95/2016. Se trabajó con los dados registrados en la Relação Anual de Informações Sociais y con la legislación educacional. Se verificó que la aprobación de la Enmienda en cuestión interrumpió un ciclo de políticas de valorización docente, que estaba en curso en la intersección de la política educacional de la Unión con las unidades federativas. Mismo que el sector educacional, por medio de sus entidades, haya presentado resistencia para garantizar conquistas recientes, el contexto de austeridad fiscal ya conduce a pérdidas significativas en lo que se refiere a la remuneración docente, que colocan en situación de riesgo la manutención y la ampliación del derecho a la educación.

PALABRAS CLAVE política educacional; austeridad fiscal; Relação Anual de Informações Sociais; remuneración docente

ABSTRACT

This paper analyzed teacher compensation in municipal networks in two Brazilian states, Mato Grosso do Sul and Paraná, according to the Annual Social Information Report (Relação Anual de Informações Sociais), from 2008 to 2018. The period was characterized by fiscal austerity policies implemented after the approval of Constitutional Amendment no. 95/2016. The data were extracted from Relação Anual de Informações Sociais and relevant educational legislation was consulted. The approval of the Amendment interrupted a cycle of teacher appreciation policies that had been in place at the intersection between the federal government’s education policy and that of each Brazilian state. Although the educational sector, through its entities, has shown resistance to ensure recent achievements, the context of fiscal austerity has led to significant losses in terms of teacher compensation, which has put the maintenance and expansion of the right to education at risk.

KEYWORDS education policy; fiscal austerity; Relação Anual de Informações Sociais; teacher compensation

INTRODUÇÃO

O artigo apresenta uma análise das condições de remuneração de professores de redes municipais de ensino, com base no banco de dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS)1. O foco específico são dois estados da República Federativa do Brasil, Mato Grosso do Sul e Paraná, em anos selecionados.

A aprovação da emenda constitucional n. 95/2016, que impôs o teto de gastos públicos nas despesas primárias federais para as políticas sociais, com vigência para 20 anos (Brasil, 2016), encerrou um ciclo de políticas de valorização docente por meio remuneratório e também de melhores condições de trabalho, especialmente no que se refere à jornada. Como afirmaram, em nota técnica conjunta, a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (FINEDUCA) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, os 18% de recursos vinculados constitucionalmente para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), de responsabilidade da União, ao fim de 20 anos se transformarão em somente 10,3% (Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação e Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 2016).

Nesse contexto de restrição de recursos imposta pela União mediante ajuste fiscal, os entes federativos (estados e municípios), que são responsáveis, em regime colaborativo e concorrente, por ofertar a educação básica de forma descentralizada, são também os responsáveis pelo pagamento da massa remuneratória2 dos professores (Brasil, 1996).

Diante disso, em escala federativa3, já se vêm processando adequações fiscais aos imperativos da União. As alterações, em esfera local, para atender às induções da União no atual contexto, remetem às opções de administrar a crise financeira com base em restrições trabalhistas, entre outras limitações de direitos sociais.

A valorização docente é um princípio constitucional definido de forma inédita em 1988 (Brasil, 1988). A remuneração consiste em um dos elementos fortes de disputa desde aquele momento, colocando em confronto atores sociais coletivos, que têm buscado influenciar as ações do Estado, via legislação nacional e legislação local, dada a descentralização dos vínculos de empregos de professores nas diferentes redes públicas de ensino no Brasil.

As administrações estatais, via de regra, alegam defrontar-se com “a restrição orçamentária que se impõe como critério dominante na definição dos níveis salariais absolutos” que, por sua vez, remete à questão de “que a maior parte dos professores se enquadra em escalas salariais estabelecidas no âmbito do setor público” (Morduchowicz, 2003, p. 16). Pontua-se que, no caso brasileiro, o objetivo de universalizar a educação básica como direito da população ainda é um desafio para a política educacional e requer, portanto, tanto a manutenção quanto a ampliação da força de trabalho docente, ano a ano.

Diante dos desafios de garantir e ampliar o direito à educação, o período que se estende da promulgação da Constituição Federal de 1988 até a aprovação da emenda constitucional n. 95/2016 (Brasil, 1988, 2016) foi marcado por alterações significativas no campo da política educacional, com vistas à reprodução da força de trabalho docente.

No período em tela, já em 1989, os ganhos concebidos pela Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) foram adiados diante da opção política de administrar o Estado sob a perspectiva neoliberal. Em 1996, com a instituição das políticas de fundos, ainda que o fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), aprovado pela lei n. 9.424 (Brasil, 1996), tivesse imposto como obrigatoriedade nacional, pela primeira vez na história do país, o Plano de Cargos, Carreira e Remuneração Docente (PCCR), no contexto federativo o dispositivo legal foi sendo adiado por várias unidades federativas (Gatti e Barreto, 2009). O FUNDEF, contudo, primou pela lógica neoliberal, pois destinou percentual significativo de recursos constitucionalmente vinculados, focalizando somente o ensino fundamental, desconsiderando o conceito de educação básica. Fez valer a lógica de que o problema da qualidade da educação não seria de recursos insuficientes, mas de gestão (Amaral, 2001; Davies, 2006; Pinto, 2007).

Como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), aprovado pela lei n. 11.494/2007 (Brasil, 2007), foi instituído em um contexto de ampliação de direitos sociais, resgatou-se o conceito de educação básica por meio do financiamento, na medida em que foram incluídas, na distribuição de recursos constitucionalmente vinculados, todas as matrículas de suas etapas (Pinto, 2007; Cury, 2014). O FUNDEB também

dispôs prazo para fixar, em lei específica, piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público, explicita em valores pecuniários a complementação da União, aperfeiçoa os Conselhos de Controle do Fundo, reitera a obrigação dos planos de carreira e remuneração com capacitação profissional em que a formação continuada deve promover a qualidade do ensino. (Cury, 2014, p. 1.062)

A lei n. 11.738/2008 (Brasil, 2008), que decorreu de dispositivos do FUNDEB, só pôde, de fato, vigorar a partir de 2011, depois de vencida a contenda federativa promovida por governadores estaduais contra a União (Fernandes e Fernandes, 2013). A aprovação da lei n. 11.738/2008 (Brasil, 2008) ampliou os direitos docentes. Sobretudo, a aprovação na Lei do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) e a jornada de trabalho de um terço sem interação com os educandos representaram o grande acordo de associar a reprodução do trabalho docente à qualidade da educação. Eram itens que faziam parte de uma luta histórica do movimento dos professores, organizados nacionalmente por meio de representação sindical. Desde então, garantir tais preceitos de forma descentralizada, em contexto federativo, tem sido o grande desafio.

Sintomaticamente, mesmo após a aprovação do Plano Nacional de Educação por meio da lei n. 13.005/2014 (PNE 2014-2024) e dos Planos Estaduais e Municipais de Educação, os docentes da educação básica recebem vencimentos inferiores às demais categorias laborais com a mesma formação, em cerca de 33%, e cumprem jornada de trabalho superior (Brasil, 2014a). Por tudo isso, a Meta 17 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 estabeleceu a equivalência salarial e laboral entre docentes e demais profissionais com a mesma formação (Brasil, 2014a).

O cenário construído até 2015, que promoveu a valorização docente, entre outros avanços, por meio remuneratório, foi colocado em questão com o “golpe legislativo-judiciário-midiático” (Amaral, 2017, p. 102). A conjuntura desenhada desde então, que retornou com o Estado neoliberal, expressou-se no orçamento público, quando

ao elaborar o orçamento de 2017 e que se encontra na Lei Orçamentária Anual de 2017 [...], colocou um orçamento para o MEC com um valor total de R$107,3 bilhões reajustado em apenas 1,23% em relação ao orçamento estabelecido na LOA 2016 [...], que foi de R$106,0 bilhões. Um percentual de reajuste ínfimo em relação à inflação de 2016, que foi de 6,29%, e à inflação de 2017, que possui como meta governamental atingir 4,5%. (Amaral, 2017, p. 106-107)

Diante disso, nas seções seguintes, apresenta-se a remuneração docente com base no banco de dados da RAIS nos anos de 2008, 2011, 2016, 2017 e 2018. Os anos foram selecionados para viabilizar a verificação dos efeitos da política na questão remuneratória do professor, uma vez que: no ano de 2008, deu-se a aprovação da Lei do PSPN, que teve forte papel indutor na política remuneratória; em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a constitucionalidade do valor do PSPN; em 2016, foi aprovada a emenda constitucional n. 95; em 2017 e 2018, um novo ciclo foi marcado, potencialmente, por perdas remuneratórias, impactos na jornada de trabalho docente e pelas implicações que a restrição dos direitos está impondo à qualidade da educação básica na atual conjuntura.

A ênfase no PSPN relaciona-se à importância da legislação, aprovada em duas direções: como potencial para uma direção nacional de valorização dos professores em um contexto federativo desigual e pela centralidade do tema do PSPN na agenda sindical nacional, sendo esta uma bandeira de luta unificada da agenda da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Como os sindicatos que representam os professores são locais e diversos4, exige-se sempre a leitura das realidades locais para compreender as lutas, as resistências e os efeitos das políticas no contexto federativo.

O CONTEXTO DE AUSTERIDADE FISCAL: UM PANORAMA APOIADO NOS DEBATES EM CURSO

O contexto de austeridade fiscal decorreu do processo de impeachment da presidenta Dilma Vana Rousseff, reeleita em 2014 pelo Partido dos Trabalhadores, que pode ser assim definido:

Um golpe cujo sentido é o retrocesso nos direitos, a redução do peso do campo popular na produção da decisão política e o adormecimento do projeto de construção de uma sociedade mais justa. A vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018 foi um desdobramento, em certa medida, imprevisto, deste processo, que continua em aberto e para o qual, infelizmente, não há perspectiva de solução a curto prazo. (Miguel, 2019, p. 21-22)

O campo educacional é exemplar para se constatar essa definição, mas não se trata apenas disso. Nos anos da primeira década do século XXI até 2016, foram profundas as transformações para a sociedade brasileira no que tange à política educacional. O imperativo foi ampliar o direito à educação, associado a um padrão de qualidade. Igualmente, tal processo ancorou-se em uma perspectiva de alargamento das relações democráticas que, não sem disputa social, foi-se forjando na tessitura da sociedade. Foram se materializando direitos por meio da política educacional, ao incluir, na escola e na universidade pública, setores sociais que nunca haviam estado nesses espaços (Dourado, 2017).

Dispositivos constitucionais de materialidade de direitos que, até então, tinham estado no plano de concepções, ganharam o terreno fértil de práticas sociais ao se transformarem em políticas de ampliação de direitos. A política de valorização docente implantada por meio do FUNDEB, da lei n. 11.738/2008 e do PNE 2014-2024 (Brasil, 2008, 2014a) é exemplo desse novo padrão de sociabilidade que se instalou no período em tela, ainda que com contradições, porque em processo de disputa social.

Imediatamente, em 2016, todo o arcabouço da materialidade de direitos foi interrompido no contexto de austeridade fiscal, em todas as esferas do projeto de sociedade.

Para o setor educacional, quando ainda tramitava a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sob n. 241 na Câmara Federal e n. 55 no Senado, e que viria a ser aprovada como emenda constitucional n. 95/2016 (Brasil, 2016), já se tinha a seguinte avaliação de suas consequências, estendidas às demais esferas da vida social e econômica:

Portanto, aqui já se pode determinar o futuro da Meta 20 do PNE (2014-2024), que somente poderia ser alcançada se, persistentemente, o PIB não tiver crescimento positivo - ou seja, fosse por longo período negativo - o que levaria, por “inanição”, os mesmos recursos financeiros de 2016, corrigidos pelo IPCA, a atingirem o equivalente a 10% do PIB em 2024. Nessa situação, o país seria levado a um completo “caos”, com o aumento brutal da desigualdade social, a elevação do nível de pobreza a níveis dramáticos e a queda da renda per capita a valores inimagináveis. (Amaral, 2016, p. 661-662)

A partir de então, o setor educacional foi duramente atingido, também em seu espectro de relações republicanas e democráticas construídas no período imediatamente anterior. Em 2016, o presidente interino Michel Temer revogou, sem justificativas e em desrespeito às normas de indicação, a nomeação de conselheiros do Conselho Nacional de Educação. Mas não somente: o Ministério da Educação emitiu a portaria n. 577, de 27 de abril de 2017, que dispôs sobre o Fórum Nacional de Educação, alterando sua composição de forma a reduzir a participação da representação da sociedade civil, como explicita Araújo (2017).

Com vistas a reivindicar juridicamente as medidas adotadas pelo governo, o Ministério Público Federal (MPF) propôs uma Ação Civil Pública, com pedido de tutela de urgência, para a União, visto que o decreto presidencial de 26 de abril de 2017 e a portaria n. 577/2017 do MEC vulneraram direitos sociais, difusos e coletivos ao modificarem a estrutura, bem como as atribuições e os poderes do Fórum Nacional de Educação (FNE). Essa Ação Civil Pública teve por finalidade

[...] ver restabelecida a composição do Fórum Nacional de Educação (FNE), a fim de que exerça as suas funções com autonomia e independência, em conformidade com o princípio da gestão democrática do ensino e da articulação do Sistema Nacional de Educação de forma colaborativa. Para isso, busca-se a declaração de nulidade do decreto presidencial de 26 de abril de 2017, que contraria os arts. 206, VI e 214 da CF, e da portaria n. 577/2017, do Ministério da Educação, por violação ao art. 6º da lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014, que confere ao FNE, de forma expressa, competências para coordenar a realização das Conferências Nacionais de Educação. (Brasil, 2017, p. 1)

No corpus da referida Ação, os procuradores do MPF argumentaram que os processos participativos, no campo educacional, aliam-se a um esforço consentâneo, com vistas a efetivar o princípio da participação social defendido pelas reformas democráticas e consagrado pela Constituição Federal de 1988. É justamente esse princípio que tem viabilizado, nas duas últimas décadas, centenas de conferências nacionais que abrangeram, por sua vez, diversas áreas setoriais, cujos debates e proposições incidem nas políticas públicas (Brasil, 2017).

Nessas condições, tem-se um movimento de resistência do FNE, de repúdio ao controle exercido pelo MEC, que culminou com a renúncia coletiva de 20 entidades integrantes do Fórum e a criação, por essas mesmas entidades, do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE)5, entendido como

[...] instrumento de resistência em defesa dos avanços e dos espaços de interlocução conquistados após décadas de muita luta e que agora estão sendo destruídos e/ou usurpados pelo atual golpe político ao qual não interessa o fortalecimento de uma educação pública, laica, democrática, inclusiva, crítica e de qualidade socialmente referenciada. (Fórum Nacional Popular de Educação, 2017, p. 2)

Ao assumir a coordenação da Conferência Nacional de Educação (CONAE), o MEC alterou as datas estabelecidas pelo FNE, deixando incerteza quanto a sua realização, o que reforçou ainda mais a organização do FNPE, que propôs, como alternativa à fragilização da CONAE, a organização da Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE).

Esse cenário de rupturas com o espaço público de negociação das políticas educacionais soma-se ao de diminuição de recursos para políticas sociais em geral, impondo uma inflexão na perspectiva de legitimidade dos direitos sociais. Nessa direção, cabe a consideração de Lebaron (2018), que defende que a austeridade, além de ser uma crença econômica na razão única dos indicadores de estabilidade fiscal, é também uma visão de mundo contra o desequilíbrio econômico, que atinge os gastos públicos relacionados às parcelas mais pobres da sociedade. Com esse pano de fundo, a questão da valorização da remuneração dos professores das redes municipais, historicamente um grupo com as menores médias de remuneração, é o foco central da análise deste artigo.

REMUNERAÇÃO DOCENTE EM REDES MUNICIPAIS DE ENSINO DOS ESTADOS DE MATO GROSSO DO SUL E PARANÁ

Compreender a remuneração de professores em um contexto federativo é um imenso desafio no Brasil, ainda que análises nacionais sempre sejam interessantes para se obter um panorama do contexto geral. O grau de descentralização do nosso sistema e o fato de que as regras de proteção do servidor público são dependentes do ente que o contrata implicam que o peso dos sistemas locais é altamente relevante na vida concreta dos docentes. Assim, observar dois estados da federação, como Mato Grosso do Sul e Paraná, serve menos para compará-los entre si e mais para aprofundar a análise de dois casos. Ou seja, as análises, sem fins comparativos, desvelam o fato de que não se esgotam as diversidades no contexto brasileiro e auxiliam a evidenciar como são complexas.

Ao usar os dados da RAIS, a primeira questão a se ter em conta é a natureza desse banco de dados. De acordo com publicações de Fernandes, Gouveia e Benini (2012) e Alves e Sonobe (2018), trata-se uma fonte administrativa do Ministério do Trabalho e Emprego, utilizada para acompanhamento do mercado formal brasileiro. O primeiro artigo destaca os limites da fonte em termos de abrangência do setor público. O trabalho de Alves e Sonobe (2018) refere-se aos dados da RAIS de 2013. Entre as conclusões, os autores indicam, novamente, desafios da cobertura dos dados em relação à rede pública. Assim, a primeira questão a ser considerada é a cobertura dos dados da RAIS, quando se está debruçado sobre uma série histórica, com recorte específico, como no caso deste artigo, em redes municipais de dois estados da federação. Outro desafio é que a série histórica é interessante para uma leitura do movimento da política, então também é preciso conferir se a cobertura é a mesma no conjunto de anos selecionados.

A Tabela 1 mostra o número de vínculos de trabalho informados na RAIS para professores de educação básica, utilizando 31 especificações constantes no Código Brasileiro de Ocupações (CBO 2002) e a identificação da natureza jurídica do empregador agregada no formato de dependência administrativa6. A primeira constatação alarmante é que a série histórica da RAIS teve perda elevada de dados em 2018, nos dois estados. As duas capitais não informaram os dados de professores de sua rede de ensino em 2018; nos municípios que não são capitais, o número de vínculos informados caiu pela metade. No período de 2008 a 2017, o crescimento do número de vínculos informados no setor público municipal tornou a RAIS uma fonte interessante de análise do perfil de remuneração docente. A RAIS tem a característica específica de ser um registro administrativo feito pelo empregador. No entanto, contém um conjunto de elementos sobre o perfil pessoal dos profissionais e o tipo de contrato, o que amplia as possibilidades de compreensão das condições de trabalho dos professores.

Tabela 1 - Número de vínculos informados na Relação Anual de Informações Sociais: professores nas redes municipais - Mato Grosso do Sul e Paraná, nos anos escolhidos. 

Estado Capitais e não capitais Ano da RAIS
2008 2011 2016 2017 2018*
Mato Grosso do Sul Não capital 15.763 19.759 24.121 27.342 15.507
Campo Grande 8.178 8.916 14.363 14.165 -
Paraná Não capital 66.945 71.914 89.671 91.399 36.382
Curitiba 10.711 11.079 17.149 16.434 1

*Dada a ausência de dados de 2018, gerou-se uma frequência para os dados daquele ano referentes aos vínculos, especificamente para os casos de Curitiba e de Campo Grande. Não foram encontrados registros a mais na categoria geral de público.

RAIS: Relação Anual de Informações Sociais.

Fonte: Elaboração própria (2020), com base na RAIS, microdados (2008, 2011, 2016, 2017, 2018).

A ruptura da série histórica levanta grandes preocupações em relação à transparência dos dados do governo federal e parece não ser um elemento descolado do cenário de desafios postos por uma concepção restrita de Estado. Diante dessa ruptura, optou-se por manter, aqui, os dados de 2018, porém destacando-se as análises sobre as condições de remuneração no período de 2008 a 2017 e indicando-se o movimento de 2017 a 2018, tendo em vista que são dados parciais.

Ainda para entender a cobertura dos dados informados, agregou-se a informação da CBO 2002 por etapa de ensino. Cabe observar que pode haver diferença entre o registro da CBO 2002 e a efetiva atuação do professor. Por exemplo, no caso da educação infantil, foram considerados os códigos 231105 - professor de nível superior na educação infantil (4 a 6 anos); 231110 - professor de nível superior na educação infantil (0 a 3 anos); e 331105 - professor de nível médio na educação infantil. Entretanto, muitas redes municipais fazem o mesmo concurso para professores da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental e podem ter regras que permitem aos professores transitarem por entre essas etapas em sua atuação anual. Outra dimensão é a ausência, nessa opção, de profissionais que atuam na educação infantil como docentes, mas têm a denominação de educadores, assistentes, babás ou outras que a literatura tem identificado (Santiago, 2018; Heck, 2019). Apesar das limitações, os dados da Tabela 2 pretendem dar um panorama aproximado da cobertura das informações.

Tabela 2 - Vínculos de professores por etapa/modalidade de ensino, redes municipais - Mato Grosso do Sul e Paraná. 

Estado Localização Etapas Ano da RAIS
2008 2011 2016 2017 2018
Mato Grosso do Sul Não capital Outros - - - - -
Educação Infantil 2.683 3.587 4.630 5.521 3.207
Ensino Fundamental 10.779 13.883 16.910 18.698 9.476
Ensino Médio 2.012 1.829 2.241 2.698 2.700
Educação Profissional 264 319 229 305 -
Educação Especial 25 141 111 120 124
Campo Grande Outros - - - - -
Educação Infantil 11 8 5 6 -
Ensino Fundamental 8.166 8.903 14.358 14.159 -
Ensino Médio - - - - -
Educação Profissional 1 5 - - -
Educação Especial - - - - -
Paraná Não capital Outros - - - - -
Educação Infantil 5.408 6.914 16.910 17.762 4.735
Ensino Fundamental 57.560 60.973 71.190 71.809 30.710
Ensino Médio 3.042 3.266 795 1.144 842
Educação Profissional 676 592 440 382 -
Educação Especial 259 169 336 302 95
Curitiba Outros - - - - 1
Educação Infantil - - 4.514 4.458 -
Ensino Fundamental 10.711 11.079 12.635 11.976 -
Ensino Médio - - - - -
Educação Profissional - - - - -
Educação Especial - - - - -

RAIS: Relação Anual de Informações Sociais.

Fonte: Elaboração própria (2020), com base na RAIS, microdados (2008, 2011, 2016, 2017, 2018).

Novamente, utilizou-se o critério capital e não capital para tentar construir um panorama que levasse em consideração a diversidade interna dos estados e suas redes municipais. Chama fortemente atenção a ausência de informações sobre professores de educação especial nas duas capitais e um número modesto nos demais municípios. Uma interpretação otimista poderia se relacionar ao processo de inclusão, que descontinuou a presença de classes exclusivas de educação especial. Entretanto, há toda uma política de educação especial nas modalidades de apoio educacional especializado, que se ampliaram no período. Sendo assim, a interpretação mais realista é de baixa precisão na especificação do vínculo.

Como a modalidade em que o professor atua pode ter efeitos sobre diferenças de remuneração, e como a maioria dos vínculos é concernente ao ensino fundamental, decidiu-se considerar esse conjunto como o mais adequado para análise neste artigo. Assim, os dados de remuneração são tratados apenas para o coletivo de professores das redes municipais, informados como professores do ensino fundamental.

Há elementos que a literatura especializada (Camargo e Jacomini, 2016) já mapeou, como aqueles que fazem diferença na remuneração, como jornada, formação e tempo de serviço. Assim, é importante abordar esses aspectos como variáveis de controle para a leitura dos dados de remuneração.

A Tabela 3 insere os dados da remuneração considerando a jornada dos professores do ensino fundamental, conforme a carga horária semanal de contrato.

Tabela 3 - Jornada, média de remuneração e número de vínculos de professores no ensino fundamental nos municípios de Mato Grosso do Sul e Paraná nos anos escolhidos (valores reais - IPCA/IBGE 2019*). 

Jornada semanal Mato Grosso do Sul
Ano da RAIS
2008 2011 2016 2017 2018
Reais n Reais n Reais n Reais n Reais n
Até 19 horas 1.660 2.422 1.734 3.141 2.108 4.993 2.056 5.202 2.307 1.177
20 horas 2.477 9.952 2.738 12.702 3.546 17.873 3.365 18.734 2.894 5.649
21 a 39 horas 1.998 2.130 2.661 1.904 4.011 3.062 3.481 2.951 2.989 1.882
40 horas 2.992 3.517 3.109 3.902 4.000 5.033 3.692 5.728 3.847 634
Mais de 40 horas 1.823 924 2.324 1.137 3.177 307 3.808 242 5.294 134
Jornada semanal Paraná
Ano da RAIS
2008 2011 2016 2017 2018
Média n Média n Média n Média n Média n
Até 19 horas 2.079 4.676 2.191 4.569 2.642 3.785 2.779 4.177 2.891 1.693
20 horas 2.414 35.957 2.705 44.425 3.119 59.609 3.204 59.719 3.107 21.455
21 a 39 horas 1.976 18.936 2.037 14.196 2.720 10.356 2.911 10.241 2.926 4.038
40 horas 1.861 3.295 2.509 4.181 3.024 6.145 3.295 7.127 3.287 2.750
Mais de 40 horas 2.042 5.407 2.318 4.681 2.812 3.930 2.879 2.521 3.408 774

IPCA: Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo; IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; RAIS: Relação Anual de Informações Sociais; n: número.

*Os dados foram atualizados com os seguintes deflatores: IPCA/IBGE 12/2019: 1,8442639 (2008); 1,5708871 (2011); 1,1173642(2016); 1,0868894 (2017) e 1,044625 (2018).

Fonte: Elaboração própria (2020), com base na RAIS, microdados (2008, 2011, 2016, 2017, 2018).

Os dados da Tabela 3 levam a algumas reflexões no tocante às políticas de valorização quando lidos na horizontal, mas também a alguns impasses na valorização quando lidos na vertical. Observando-se os valores reais de 2008 a 2017, quando o volume de dados da RAIS é consistente, houve aumento da média da remuneração em todas as jornadas, nos dois estados. A jornada mais comum, nos dois casos, foi a de 20 horas semanais - o incremento salarial médio foi de 36% em Mato Grosso do Sul e de 33% no Paraná.

A segunda concentração de vínculos por jornada, no estado de Mato Grosso do Sul, foi de 40 horas semanais. Nesse caso, o crescimento da média salarial em valores reais foi de 23%, significativamente abaixo da média dos vínculos de 20 horas. No estado do Paraná, o segundo grupo com mais vínculos declarados foi de professores que trabalharam entre 21 e 39 horas, que tiveram reajuste de 47%, o que pode significar que os professores trabalharam mais horas ao longo do período.

No caso dos professores com 40 horas, no estado do Paraná, o incremento salarial foi bastante superior ao do grupo com 20 horas, um acumulado de 77%. Todavia, quando se lê a tabela na vertical, é bastante preocupante que a remuneração média para as jornadas de 40 horas, em nenhum ano, nos dois estados, tenha sido o dobro da jornada de 20 horas. Isso problematiza as padronizações que, muitas vezes, são utilizadas para analisar a remuneração dos professores. Por exemplo, um procedimento que apresente o cálculo do salário por hora tende a projetar que, para 40 horas, a remuneração será o dobro de remuneração de 20 horas, o que os dados da Tabela 3 não permitem confirmar.

Essa variação para baixo das remunerações para os vínculos de 40 horas pode ser explicada por formação ou tempo de serviço, por exemplo. Professores com 40 horas podem ter formação menor e menos tempo de serviço. Ou podem estar concentrados em municípios que pagam menos. Não será possível, neste artigo, desenvolver todas as variáveis, porém é uma questão a ser sempre ponderada ao se estabelecerem comparações entre a remuneração dos professores e a de outros profissionais, buscando homogeneidade de dados em um sistema marcado por desigualdades municipais.

Sobre a Tabela 3, cabe ainda registrar que a passagem de 2017 para 2018 sugere perdas salariais entre o grupo de 20 horas, no qual se concentrou a maioria dos vínculos informados. Isso pode ser um indício de que as políticas de austeridade tenham rompido rapidamente o ciclo de valorização da remuneração.

Um dos elementos com forte impacto nas diferenças de remuneração, e que constitui uma política de valorização, é o incremento salarial de acordo com o tempo de trabalho. Nos planos de carreira, esse fator pode ser denominado de pagamento por antiguidade. Trata-se de um ponto sempre muito polêmico. Se, por um lado, significa reconhecimento da experiência, o que ajuda a manter os profissionais no exercício da profissão, por outro lado, é acusado por críticos mais conservadores, com o argumento contestável de ser um mecanismo automático, que premia maus professores, que apenas permanecem na profissão sem melhorar seu desempenho (Morduchowicz, 2003; Goldstein, 2015).

As Tabelas 4 e 5 demonstram a síntese da remuneração de professores do ensino fundamental, especificamente relativa à jornada semanal de 20 horas, jornada predominante nas redes, ainda que não exclusivas, e o tempo de serviço. Dado o volume de informações, os dados foram divididos por estado. A Tabela 4 sintetiza os dados de Mato Grosso do Sul.

Tabela 4 - Remuneração média de professores do ensino fundamental, jornada semanal de 20 horas e tempo de serviço, nos anos escolhidos - Mato Grosso do Sul, redes municipais. 

Tempo de serviço 2008 2011 2016 2017 2018
Reais n Reais n Reais n Reais n Reais n
Até 3 anos 2.304 6.753 2.307 7.359 2.968 10.354 2.689 11.338 2.622 3.982
3 a 5 anos 2.325 536 2.978 1.589 3.407 801 3.534 697 2.939 134
5 a 10 anos 2.316 761 3.136 1.693 4.209 3.054 4.402 3.124 3.273 550
10 a 20 anos 3.208 1.745 3.639 1.493 4.194 2.466 4.109 2.426 3.467 675
Mais de 20 anos 3.089 156 4.110 560 5.624 1.187 5.586 1.131 4.503 303

n: número.

Fonte: Elaboração própria (2020), com base na RAIS, microdados (2008, 2011, 2016, 2017, 2018).

Tabela 5 - Remuneração média de professores do ensino fundamental, por jornada semanal e tempo de serviço, nos anos escolhidos - Paraná, redes municipais. 

Tempo de serviço 2008 2011 2016 2017 2018
Reais n Reais n Reais n Reais n Reais n
Até 3 anos 1.874 7.681 1.887 7.692 1.949 11.428 2.021 10.409 2.014 3.369
3 a 5 anos 1.885 3.560 2.078 3.573 2.369 6.739 2.517 5.705 2.250 2.112
5 a 10 anos 2.041 7.391 2.427 11.520 2.680 9.899 2.683 12.492 2.530 4.778
10 a 20 anos 2.710 12.132 2.885 13.056 3.226 16.934 3.358 17.300 3.088 5.965
Mais de 20 anos 3.421 5.158 3.806 8.541 4.574 14.472 4.672 13.742 4.717 5.199

n: número.

Fonte: Elaboração própria (2020), com base na RAIS, microdados (2008, 2011, 2016, 2017, 2018).

Levando-se em conta especialmente o grupo com jornada de 20 horas, no qual se viu o maior número de vínculos declarados na RAIS para todos os anos, constata-se que, entre 2008 e 2017, houve incremento real das médias salariais para os professores de todos os agrupamentos de tempo de serviço. Chama bastante atenção o fato de que o incremento na média dos professores de até três anos, portanto em início de carreira, foi de 17%. Esse é o conjunto dos professores que estão diretamente relacionados ao PSPN, pois os valores dos vencimentos iniciais precisariam ser reajustados de acordo com a variação nacional do piso. Entretanto, o valor do PSPN ajustado, segundo o IPCA, deflator utilizado aqui, teve variação de 46%, significativamente maior que o encontrado nas redes municipais de Mato Grosso do Sul. Ainda que seja necessário incluir a formação, seria razoável que houvesse alguma diferença entre os dois valores, porém não dessa dimensão.

O segundo elemento a se destacar na leitura da tabela é no que tange às diferentes entre as faixas de tempo de serviço. A razão entre a média de remuneração de professores com mais de 20 anos e os ingressantes - professores com até três anos de trabalho -, nas redes municipais de Mato Grosso do Sul, em 2008, era de 1,34. Essa razão subiu significativamente até 2018, chegando a 2,08. Entretanto, novamente parece haver uma sinalização de que os efeitos da austeridade congelaram os planos de carreira, pois a razão caiu a 1,72, apesar da evidente diminuição dos dados disponíveis.

No caso do Paraná (Tabela 5), aparecem os mesmos elementos. Outra vez, conferindo o caso dos professores com carga horária de 20 horas semanais, ocorreu um incremento na média de remuneração entre 2008 e 2017, nesse caso de 8%, mais uma vez muito distante da média de variação do PSPN no período. Houve queda muito discreta no valor da média, na passagem para 2018, porém novamente com um terço dos vínculos informados. Uma das questões que ficam sem resposta é: as redes que mais congelaram as carreiras são aquelas que deixaram de informar a RAIS?

Quando se avalia a movimentação ao longo da carreira dos professores, no caso do Paraná, novamente se identifica o reconhecimento do tempo de serviço na média salarial, com razão de 1,83 em 2008 para 2,31 em 2017.

Como mostram os dados registrados na RAIS, em ambos os estados, para suas redes municipais de ensino, as semelhanças detectadas devem-se à interseção da União com os entes federativos na condução da política educacional. O ciclo de políticas do período em tela, ainda que em disputa por diferentes atores sociais e coletivos, materializou dispositivos constitucionais que valorizaram a força de trabalho docente. Para isso, foi fundamental a indução da União, tanto na manutenção da obrigatoriedade de PCCR quanto na aprovação do FUNDEB, que garantiu recursos para a remuneração docente e o vínculo com o PSPN.

Particularmente em relação ao PSPN, tanto em seu valor inicial quanto ao incidir na carreira docente e também quanto ao fato de regulamentar a jornada de trabalho, pelos dados da RAIS, houve ganhos efetivos aos professores das redes municipais de ambos os estados.

A conjuntura do período também esteve marcada - e fez parte do ciclo de políticas de valorização docente - pela aprovação do PNE 2014-2024, que alinhou o planejamento educacional em contexto federativo e que pode, também, ter sido responsável pelas semelhanças encontradas nos dados da RAIS, em ambos os estados, para suas redes municipais de ensino no que tange à valorização docente por meio remuneratório.

Não seria exagero, então, afirmar, diante desses dados, que a indução da União para uma política de valorização docente em contexto federativo por meio remuneratório promoveu políticas de coordenação federativa, com vistas a equilibrar assimetrias regionais.

Da mesma forma, os dados da RAIS - ou a ausência deles para 2018 - parecem indicar um cenário contrário, no contexto de indução da União. Os dados registrados na RAIS em 2018 demonstram que o contexto de austeridade fiscal promovido pela União já provocou efeitos significativos para o trabalho e a remuneração docente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo objetivou verificar as condições de remuneração de professores de redes municipais de ensino em dois estados da federação brasileira, Mato Grosso do Sul e Paraná, com base nos dados registrados na RAIS, cujos informantes são as esferas públicas correspondentes; neste caso, os municípios.

Sem a intenção de comparações de quaisquer naturezas, o estudo situa-se na perspectiva da compreensão de que, ainda que o Estado central brasileiro tenha forte poder de indução, o grau de descentralização da política educacional, que se expressa em seus múltiplos sistemas de ensino, torna a realidade de cada um de grande diversidade para a materialidade da qualidade e do direito à educação.

Os dados registrados pela RAIS, ao mesmo tempo em que expressam essa diversidade, apontam para questões que remetem ao empenho do Estado mediante suas administrações, quando se apresenta com maior ou menor grau de transparência em sua relação com a esfera pública e a sociedade civil. Os anos de 2008 a 2017 foram um período em que as preocupações do poder público com as transparências de seus atos se materializaram no banco de dados. Assim, a perda elevada de dados na RAIS nos dois estados, em 2018, parece ser indicativa de que o Estado central brasileiro rompeu as preocupações em tornar esse banco de dados efetivo em seu caráter republicano.

A análise dos dados da RAIS leva a crer que, de 2008 a 2016, houve um ciclo de políticas de valorização por meio remuneratório nas redes municipais, ainda que tenha peso a diferença regional, como fica evidente no caso das redes municipais de ensino nos estados de Mato Grosso do Sul e do Paraná.

Constatou-se que, para as redes municipais de ensino nos dois estados da federação brasileira, para a jornada de trabalho mais comum aos professores, qual seja, de 20 horas semanais, houve incremento salarial de 36% no estado de Mato Grosso do Sul e de 33% no estado do Paraná. Sobretudo, os dados da RAIS mostram muita variação entre uma e outra rede e entre cada uma delas quando a aferição se dá via jornada de trabalho. Os dados ainda revelam que, a partir de 2017, o contexto da austeridade fiscal promovida por meio da emenda constitucional n. 95/2016 (BRASIL, 2016) vem interferindo e derrotando o cenário imediatamente anterior, de valorização da força de trabalho docente e de suas condições laborais. O objetivo final da força de trabalho docente é a qualidade da educação, articulando-se à ampliação desse direito, que ainda permanece inconcluso em nossa sociedade para enormes parcelas da população.

O fato de o Estado brasileiro, a partir de 2016, optar por se relacionar com amplos setores sociais, restringindo direitos e ao mesmo tempo diminuindo o peso do campo popular nas decisões da política, vem construindo uma nova sociabilidade, até mesmo de resistências - como a que levou à construção do FNPE, tendo como imperativo manter as conquistas recentes do campo educacional.

Certamente, desde então, os múltiplos sistemas de ensino pelo país, entre os quais as redes municipais de ensino dos dois estados aqui em destaque, perante o novo ciclo de austeridade fiscal, terão que se haver, também, com múltiplos desafios, que testarão o grau de organização docente e de amplos setores da população, para garantir tanto sua reprodução como força de trabalho quanto a permanência e a ampliação do direito à educação.

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1 Entre as características básicas do banco de dados RAIS, encontra-se: “Rendimentos: representa a remuneração média nominal ou em salários-mínimos, no período vigente do ano-base da força de trabalho empregada. Para efeito estatístico, não são consideradas as remunerações referentes ao 13º salário” (Brasil, 2014b, p. 2).

2 Convém destacar: “faz-se necessário conceituar os termos ‘salário’, ‘vencimento’ e ‘remuneração’ [...]. O salário é definido juridicamente como uma retribuição paga diretamente pelo empregador ao empregado pelo tempo de trabalho realizado. [...] Já o termo ‘vencimento’ é definido legalmente (lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, art. 40) como ‘retribuição pecuniária pelo exercício de cargo público, com valor fixado em lei’. Os vencimentos dos cargos efetivos são irredutíveis e, para cargos de mesma atribuição ou de atribuição semelhante na mesma esfera administrativa, é garantida isonomia. O conceito de ‘remuneração’, por sua vez, refere-se ao montante de dinheiro e/ou bens pagos pelo serviço prestado, incluindo valores pagos por terceiros. A remuneração é a soma dos benefícios financeiros, dentre eles o salário, acordada por um contrato assinado entre empregado e empregador. O salário é, assim, uma parte da remuneração” (Camargo et al., p. 341-363, 2009).

3 O estado de Mato Grosso do Sul, por exemplo, aprovou em 2017 a emenda à Constituição Estadual n. 77, “para instituir o Regime de Limitação de Gastos, e dá outras providências”, adequando-se à Emenda Constitucional n. 95/2016. Embora a Emenda Estadual não provoque congelamentos de gastos públicos, todavia, entre outras medidas, aumenta a alíquota de contribuição previdenciária para os servidores públicos estaduais com base no teto salarial de R$5.000,00 (Mato Grosso do Sul, 2017).

4 Importa destacar que os docentes da educação básica brasileira mantêm organização sindical nacional por meio da CNTE. Esta, atualmente, “conta com 50 entidades filiadas e mais de um milhão de sindicalizados”. (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 2019, p. 1). Dado o número de sindicalizados e o número de entidades filiadas a ela, afere-se que muitos sindicatos municipais integram sua base.

5 As entidades da sociedade civil que compõem o FNPE e os documentos produzidos podem ser acessados em seu endereço eletrônico (Fórum Nacional Popular de Educação, 2020). Disponível em: http://fnpe.com.br/entidades/. Acesso em: 25 maio 2020.

6 Entre as opções para a natureza jurídica do empregador, a RAIS conta com três códigos gerais para “pública”. Como o interesse, aqui, eram especificamente as redes municipais, os casos em que a informação pública não estava especificada por esfera governamental não foram incluídos na seleção.

Financiamento: Pesquisa financiada com recursos de Bolsas Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PQ/CNPq).

Recebido: 26 de Junho de 2020; Aceito: 14 de Junho de 2021

Andréa Barbosa Gouveia é doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: andreabg@ufpr.br

Maria Dilnéia Espíndola Fernandes é doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: mdilneia@uol.com.br

Marcos Alexandre dos Santos Ferraz é doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: ferrazmarcos@uol.com.br

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Contribuições dos autores: Análise Formal, Conceituação, Escrita - Primeira Redação, Escrita - Revisão e Edição: Gouveia, A. B.; Fernandes, M. D. E.; Ferraz, M. A. S.

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