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Revista Brasileira de Educação

versión impresa ISSN 1413-2478versión On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub 12-Mayo-2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270042 

Artigos

Silenciar, escutar, conviver, resistir e sonhar: aprendizados na Escola Mbya Arandu

SILENCING, LISTENING, LIVING TOGETHER, RESISTING, AND DREAMING: LEARNING FROM THE MBYA ARANDU SCHOOL

AQUIETAR, ESCUCHAR, CONVIVIR, RESISTIR Y SOÑAR: APRENDIENDO DE LA ESCUELA MBYA ARANDU

Liz Meira Góes I  
http://orcid.org/0000-0002-9241-8767

Neiva Gabriel Fernandes II  
http://orcid.org/0000-0002-0593-0691

Roberto Gonçalves Barbosa I  
http://orcid.org/0000-0002-0397-4754

IUniversidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

IIEscola Mbyá Arandu da aldeia Araxa’í, Piraquara, PR, Brasil.


RESUMO

O presente trabalho refere-se a um estudo realizado com o povo indígena Guarani, especificamente na escola Mbya Arandu, localizada na Terra Indígena Tekoa Araxa’í, na Serra do Mar, região costeira do estado do Paraná. O objetivo é discutir o papel de professores não indígenas que atuam na educação escolar indígena, à luz da interculturalidade crítica, ancorada na noção de fronteira. Para tanto, apresenta-se uma memória autobiográfica de uma das autoras deste artigo, fruto de sua experiência docente na escola indígena Mbya Arandu, pela qual se destacam saberes e ensinamentos que os autores deste trabalho acreditam ser importantes aos professores não indígenas que venham a atuar em escolas inseridas em território indígena. Entre as reflexões finais, assevera-se que a presença de educadores não indígenas em escolas em território indígena precisa vir acompanhada da disposição e do exercício cotidiano de aprender a escutar as vozes dos que vivem outras epistemologias.

PALAVRAS-CHAVE educação escolar indígena; povo Guarani; interculturalidade crítica; pedagogia decolonial; educadores não indígenas

ABSTRACT

This work was carried out with the Guarani indigenous people, specifically, at the Mbya Arandu school, in the Tekoa Araxa’í Indigenous Land, in Serra do Mar, coastal region in the state of Paraná. The objective is to discuss the role of non-indigenous teachers who work in indigenous school education, in the light of critical interculturality, anchored in the notion of frontier. To this end, we present an autobiographical memory of one of the authors of this article, which is the result of her teaching experience in the Mbya Arandu indigenous school. From that experience we can highlight knowledge and teachings that the authors of this work believe to be important to non-indigenous teachers, who will work in schools within indigenous lands. As a conclusion, we state that the presence of non-indigenous educators in schools in indigenous territories needs to be accompanied by the willingness and daily exercise of learning to listen to the voices of those who live other epistemologies.

KEYWORDS indigenous school education; Guarani people; critical interculturality; decolonial pedagogy; non-indigenous educators

RESUMEN

Este trabajo se realizó con el pueblo indígena guaraní, específicamente, en la escuela Mbya Arandu, en la Tierra Indígena Tekoa Araxa’í, en Serra do Mar, una región costera del Estado de Paraná. El objetivo es discutir el papel de los docentes no indígenas que trabajan en la educación escolar indígena, a la luz de la interculturalidad crítica, anclada en la noción de frontera. Con este fin, se presenta una memoria autobiográfica de uno de los autores de este artículo, fruto de su experiencia docente en la escuela indígena Mbya Arandu, de la cual el conocimiento y las enseñanzas que destacan los autores de este trabajo son importantes para los maestros no indígenas y quien actuará en escuelas insertadas en territorio indígena. Finalmente, se afirma que la presencia de educadores no indígenas en las escuelas del territorio indígena debe ir acompañada de la voluntad y el ejercicio diario de aprender a escuchar las voces de quienes viven otras epistemologías.

PALABRAS CLAVE educación escolar indígena; pueblo Guaraní; interculturalidad crítica; pedagogía decolonial; educadores no indígenas

INTRODUÇÃO

Pensar o mundo indígena não sendo indígena parece compor, a priori, uma contradição. Assim, quando se trata da educação escolar indígena, o professor deve posicionar-se como aprendiz. Sob tal premissa, o objetivo deste trabalho é refletir acerca da atuação de professores/as não indígenas na educação escolar indígena. Ora, questiona-se: como professores não indígenas podem atuar nas escolas indígenas, sem, contudo, invisibilizar as lutas, os conhecimentos e o modo de conceber a educação desses povos?

Tal questionamento se deve ao reconhecimento de que os educadores não indígenas são sujeitos herdeiros de um conhecimento produzido com base no Ocidente, cujos valores e saberes, fundados em uma racionalidade dominadora e colonizadora, muitas vezes os impedem de enxergar o mundo indígena na radicalidade da sua diferença (Backes e Nascimento, 2011).

Essa condição faz com que os educadores, embora queiram escutar, muitas vezes não entendam profundamente o que escutam, o que se deve, segundo a antropóloga brasileira Antonella Tassinari (2001), à existência de espaços proibidos, espaços estes que ela denomina zonas interditadas, ou seja, trata-se de limites de entendimento mútuo que precisam ser conhecidos e respeitados. Nesse sentido, o foco do presente trabalho está voltado ao reconhecimento dos conhecimentos indígenas nos espaços da educação escolar indígena, na fronteira em que se estabelece o encontro de culturas.

O artigo está dividido em quatro partes. Primeiramente, faz-se, de maneira breve, um histórico do surgimento da Terra Indígena (TI) Tekoa Araxa’í e da escola Mbya Arandu, onde o estudo foi realizado. Em segundo lugar, são apresentados os fundamentos teóricos do trabalho, que englobam as políticas e os princípios da educação escolar indígena no Brasil e no Paraná e, ainda, as bases teóricas da interculturalidade crítica sob a perspectiva da intelectual equatoriana Catherine Walsh. Em sequência, apresenta-se uma memória autobiográfica da experiência docente de uma das autoras deste trabalho realizada na comunidade Tekoa Araxa’í. E, por fim, problematizam-se e destacam-se os saberes e ensinamentos que os/as autores/as deste trabalho acreditam ser importantes aos professores não indígenas e que, porventura, venham a atuar em escolas em território indígena.

A TEKOA ARAXA’Í E A SUA ESCOLA

Os conhecimentos adquiridos a respeito da Tekoa Araxa’í1 [Aldeia do Araçá pequeno] e sua escola fazem parte da vivência e aprendizado de uma das autoras com a comunidade, principalmente durante o período em que atuou como professora, por meio dos diálogos com as lideranças e os mais velhos. A Tekoa Araxa’í, do povo Guarani, apresentada como TI Araça’í, está localizada na Serra do Mar, região litorânea do estado do Paraná. A Tekoa traz em sua origem o processo de Guata [a caminhada guarani]. A caminhada de famílias Guarani para a região começou desde o interior do Paraná, principalmente de Palmeirinha, no ano de 1999. E o fizeram em busca de um lugar melhor para morar, um lugar que oferecesse uma natureza mais exuberante.

A região é marcada por símbolos e signos de antigas passagens do povo Guarani, entre os quais, a presença de plantas, como o Ka’a [erva mate] e o Pindo [palmeira jeriva]. O Xeramõi [liderança espiritual] da comunidade conta que foi guiado por um sonho e também teve o apoio de não indígenas para encontrar um local que pudesse ser habitado por indígenas e iniciou o Guata com algumas famílias, até chegarem à região onde vivem há mais de 20 anos.

A TI Araça’í foi identificada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), por meio da portaria n. 615 de 2008, e aguarda o processo de estudo, demarcação e homologação há mais de dez anos. Os processos de ensinamentos/aprendizados sobre letramento efetivaram-se logo na chegada dos Guarani Mbya ao território, principalmente pela atuação do professor Nhe’engatu Gilmar, que realizava as aulas dentro da Opy’i [a casa de reza]. Em 2005, a escola foi reconhecida pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), sendo vinculada ao Departamento de Diversidade (DEDI). A partir de então, passou a se chamar Escola Estadual Indígena (EEI) Mbya Arandu [sabedoria guarani].

A escola está vinculada também ao Núcleo Regional de Educação da Área Metropolitana Norte, no município de Piraquara, sendo a única escola indígena desse núcleo. A SEED possui um DEDI, uma das equipes técnicas que o compõe é responsável pela coordenação das escolas do âmbito da educação escolar indígena. Essa equipe é formada de profissionais majoritariamente não indígenas, sendo responsável pela formação continuada dos professores nas escolas indígenas.

A EEI Mbya Arandu apresenta cerca de trinta estudantes, com idade entre 6 e 18 anos. Atende ao ensino fundamental anos iniciais (1º ao 5º anos) e anos finais (6º ao 9º anos). As disciplinas ofertadas na escola são: língua guarani, língua portuguesa, língua inglesa, história, geografia, matemática, ciências, ensino religioso. Os anos iniciais são atendidos no período da tarde, assim como os anos finais. No momento, a escola está elaborando reestruturações em seu projeto político-pedagógico (PPP) e diálogos sobre o currículo indígena2.

A parte física da escola é composta de um espaço construído no ano de 2005, por doações realizadas por uma escola particular da região, é feita de madeira e foi parcialmente reformada pelo estado do Paraná em 2018. Dispõe de biblioteca, sala de ciências, secretaria e duas salas de aula. Também faz parte da escola um espaço de alvenaria, construído em 2019, por meio de doação de uma empresa privada, onde se localizam a cozinha, o refeitório, os banheiros, a sala dos professores e três salas de aula. Além desses espaços, em determinados momentos, é utilizada a Opy [casa de reza], as áreas abertas, com árvores, e a represa de água Piraquara II para algumas aulas, debates coletivos.

O ensino nos anos iniciais é realizado quase exclusivamente por professores indígenas, enquanto, no ensino fundamental dos anos finais, atuam quase exclusivamente educadores não indígenas. A escola conta com 12 professores, 6 professores indígenas e 6 professores não indígenas. Também integram o quadro dos trabalhadores não indígenas um diretor, uma pedagoga, uma secretária, além dos trabalhadores indígenas, quais sejam, um auxiliar e duas cozinheiras. O Xamõi [líder espiritual] é contratado como auxiliar, contribuindo grandemente para a educação de todos, incluindo estudantes e professores da escola.

Importante mencionar que nenhum dos funcionários é concursado, com exceção do diretor. Assim, possuem contratos temporários, geralmente de um ano, no formato do processo seletivo simplificado (PSS). Atualmente, os integrantes da escola e a comunidade lutam pela abertura de turmas de ensino médio.

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

Werá Tupã, uma liderança guarani, afirma que a educação indígena é tradição e a educação escolar indígena é imposição. Nesse sentido, e apesar do longo histórico das escolas de imposição que perpassaram pelos jesuítas, Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e FUNAI, a educação escolar indígena, no Brasil, principalmente a partir do contexto da Constituição de 1988, tornou-se, entre tantas outras lutas, uma pauta política importante para os povos indígenas de diferentes etnias e territórios. Hoje, já não se discute se os indígenas querem ou não escola, mas sim que tipo de escola se deve formar em seus territórios.

Durante séculos, os povos indígenas do Brasil tiveram a educação escolar pautada em um modelo de escola homogeneizadora, etnocentrista, cujas práticas envolviam a imposição da língua portuguesa, em detrimento das línguas nativas (Nascimento e Urquiza, 2010). Depreende-se porque, durante um longo período, eles manifestaram certa desconfiança e repulsa quanto à escolarização (Baniwa, 2017).

Os discursos em torno da escola são os mais variados e partem de distintos lugares e de diferentes áreas do conhecimento que buscam analisar a instituição escolar em meio indígena (Grupioni, 2013). Um marco na desconstrução do modelo colonial de educação ocorreu a partir da Constituição de 1988 e da consequente aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996 (Tassinari e Gobbi, 2009). Assim, efetivou-se o direito em razão da pressão exercida pelos povos indígenas, que também contaram com o apoio de não indígenas, que estavam ligados às pautas dos movimentos indígenas. Ora, a conquista legal não significou o fim da escola colonial, porém representou a possibilidade concreta de os povos indígenas serem protagonistas da construção de sua própria escola (Backes, 2018).

A Constituição brasileira de 1988 (Brasil, 1988), em seu artigo 21, § 2º, garante que o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. A LDB (Brasil, 1996), no art. 78, destaca como dever do Estado a oferta de uma educação escolar bilíngue e intercultural. E o artigo 79 prevê a articulação dos sistemas de ensino para a elaboração de programas integrados de ensino e pesquisa, com o objetivo de desenvolver currículos específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades. Para tanto, a lei prevê a formação de pessoal especializado, bem como a produção de materiais didáticos específicos e diferenciados.

A Convenção n. 169, realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Brasil, 2005a), que envolve os povos indígenas e tribais, foi recepcionada pelo decreto federal n. 5.051/2004 (Brasil, 2004) e, no artigo 7o, agrega aos processos de melhoria das condições de vida, trabalho, saúde ou educação dos povos indígenas os princípios de participação e cooperação. Além disso, a OIT reafirma as condições de participação, consulta e responsabilidade na condução dos processos educativos relacionados, a fim de responder às necessidades particulares, abrangendo a história, os conhecimentos e técnicas, os sistemas de valores e todas as demais aspirações sociais, econômicas e culturais dos povos indígenas (artigos 26 a 31) (Brasil, 2004).

No estado do Paraná, o momento que marca o início de atuação da SEED com a educação escolar indígena foi a instituição do DEDI. Esse espaço foi criado em 2003 com o propósito de atender à educação quilombola, à educação escolar indígena, à educação do campo, à educação das relações étnico-raciais e afrodescendência e de gênero e diversidade sexual (Amaral, 2010; Goulart, 2016; Góes e Foppa, 2019).

Em relação à formação de professores indígenas no estado do Paraná, os magistérios indígenas, principalmente nos anos de 2005 e 2006 e na turma mais recente de 2019, bem como as formações estruturadas pelo Protocolo Guarani e o Curso de Docentes Bilíngues marcaram um importante momento (Góes e Foppa, 2019). Esses momentos estimularam a participação de professores indígenas nos cargos de professores nas escolas indígenas, também evidenciaram o fortalecimento do protagonismo indígena e a valorização dos conhecimentos indígenas na educação escolar (Goulart, 2016).

No Paraná, o processo de formação de professores no ensino superior surgiu com o ingresso de indígenas nas universidades estaduais e federais do estado. A partir de 2002, os indígenas concorreram a vagas suplementares, amparados pela lei n. 13.134/2001, por meio do Vestibular dos Povos Indígenas, organizado pela Comissão Universidade para os Índios (CUIA). Esse processo tem contribuído para a atuação indígena como professores e gestores nas escolas (Goulart, 2016; Góes e Foppa, 2019).

Em relação à forma de condução das escolas indígenas, pelo princípio da autodeterminação dos povos, direito reconhecido na OIT 169 e recomendado no decreto n. 6.040/2007 (Brasil, 2007), há um entendimento de que os projetos políticos pedagógicos e os materiais didáticos devem ser feitos pelos próprios indígenas. Grupioni (2006), importante pesquisador da educação escolar indígena, aponta que durante muito tempo a educação escolar indígena brasileira foi modelada por professores não indígenas, os quais realizaram atividades de ensino, mas acabaram não aportando os conhecimentos, costumes, tradições e a língua indígena. O autor apresenta o questionamento a respeito dos professores, tanto indígenas como não indígenas, que não conhecem a cultura e a língua do território e enfrentam mais dificuldades para realizar ações educativas. Assim, insiste na importância de garantir que membros da própria comunidade possam ensinar, além do direito de usar a língua indígena na escola (Grupioni, 2006).

No Brasil, há 305 etnias, com 274 línguas, que compõem os povos indígenas (IBGE, 2012). Segundo o censo escolar de 2017 (Brasil, 2018), no total, são 3.115 escolas de educação básica localizadas nos territórios indígenas, e as instituições estão espalhadas pelas diferentes TI existentes e povos indígenas. De acordo com Soares e Meireles (2013), cerca de 14 mil docentes lecionam nas instituições. O número de estudantes indígenas matriculados na rede pública de ensino é de 233.711, os quais vivem em TI, de acordo com o censo escolar 2016 (Brasil, 2016).

O contexto da educação escolar indígena com a atuação de educadores não indígenas ainda é uma realidade nas TI, apesar de as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena (resolução CNE/CEB n. 5, de 22 de junho de 2012) orientarem que os docentes sejam oriundos das próprias TI onde lecionam, conforme descrito a seguir.

Art. 4º - Constituem elementos básicos para a organização, a estrutura e o funcionamento da escola indígena:

IV - A exclusividade do atendimento a comunidades indígenas por parte de professores indígenas oriundos da respectiva comunidade.

Dessa forma, as diretrizes não orientam para a contratação de professores não indígenas, ou seja, deixam subentendido que a prioridade é a contratação completa de professores indígenas das próprias comunidades onde lecionam. Entende-se que os professores não indígenas, segundo a diretriz, estariam em uma posição secundária e temporária, enquanto as comunidades não possuírem professores indígenas habilitados para atuar.

Em relação às línguas utilizadas nas escolas, o censo indígena de 2005 apontou que, em 78,26% das escolas indígenas do Brasil, o ensino era ministrado de alguma forma na língua nativa ou o ensino bilíngue era praticado (Brasil, 2005b). A respeito dos materiais didáticos específicos aos grupos étnicos, os dados do mesmo censo apontaram que apenas 41,54% contavam com recursos diferenciados no país. Segundo o censo escolar de 2017, esses dados diminuíram, totalizando 33% das escolas indígenas do país que não possuem material didático específico para a diversidade sociocultural (Brasil, 2017).

Apesar do aumento, ainda há um déficit na produção de materiais, entendida a importância desses para a qualidade do ensino e em respeito às normativas legais. Josiléia Kaingang e Gersem Baniwa (Bergamaschi, 2012; Paim, 2019) abordam a dimensão de que, além da ausência de materiais para as diversas realidades e etnias, outro problema identificado seria a não utilização dos existentes, pelo fato de professores não indígenas não terem condições de utilizá-los ou porque a direção escolar e a coordenação pedagógica não indígena não conseguem fazer as orientações de seus usos. Werá Tupã aponta que o branco não respeita o tempo de ensinamento escolar dos povos indígenas. Assim, ao conhecer o modo de ver, aprender e criar os ensinamentos desses povos, o professor vai beneficiar mais e desenvolver mais conhecimento (Góes e Foppa, 2019).

As políticas para a formação docente da educação escolar indígena são voltadas especificamente para a qualificação dos docentes indígenas. Pela presente realidade da educação escolar indígena, composta também de educadores não indígenas, e pela dificuldade de formação específica sobre a educação escolar indígena para esses educadores não indígenas, a intenção é refletir a respeito do papel ou o lugar dos professores não indígenas.

A INTERCULTURALIDADE CRÍTICA COMO INSTRUMENTO DECOLONIZADOR DAS ESCOLAS INDÍGENAS

A interculturalidade crítica envolve questionar, subverter e deslocar a colonialidade. Catherine Walsh (2010) defende que essas ações se referem a um recurso político, ético e epistêmico do saber que deve ser adotado por membros de culturas subalternizadas em razão do processo colonizador ainda presente nesse tempo.

Segundo Adams (2015), Catherine Walsh, com base no filósofo peruano Fidel Tubino, distingue duas diferentes noções de interculturalidade: a funcional e a crítica. A primeira, incorporada ao discurso oficial dos Estados e dos organismos internacionais na lógica neoliberal, tem por objetivo diminuir as áreas de tensão e de conflito. Ora, o objetivo nessa vertente é incluir os grupos historicamente excluídos dos sistemas econômicos capitalistas (Walsh, 2010). A interculturalidade, nesse viés, enraíza-se no reconhecimento da diversidade e diferenças culturais, com a meta de inclusão na estrutura social estabelecida. Essa é a perspectiva com base na qual algumas das lutas pelos direitos indígenas à escola diferencial foram travadas, porém com pouca alteração desses espaços (Adams, 2015). Walsh (2010) salienta que tal viés desconsidera os dispositivos e os padrões de poder institucional-estrutural, responsáveis pela manutenção das desigualdades e subalternidade de grande parte dos grupos humanos.

Em contrapartida, a interculturalidade crítica, perspectiva que a autora adota, fundamenta-se no problema estrutural-colonial-racial, ou seja, no reconhecimento de que a diferença é mantida por intermédio de uma estrutura ou matriz colonial de poder racializado e hierarquizado, em que os brancos ocupam o topo da pirâmide social, enquanto os povos indígenas e afrodescendentes, a base. A interculturalidade, nessa perspectiva, deve ser entendida como um instrumento, como um processo e projeto que se constrói pelas necessidades dos oprimidos. Walsh (2010, p. 4) enfatiza que:

La interculturalidad entendida críticamente aún no existe, es algo por construir. Por eso, se entiende como una estrategia, acción y proceso permanentes de relación y negociación entre, en condiciones de respeto, legitimidad, simetría, equidad e igualdad. Pero aún más importante es su entendimiento, construcción y posicionamiento como proyecto político, social, ético y epistémico de saberes y conocimientos, que afirma la necesidad de cambiar no sólo las relaciones, sino también las estructuras, condiciones y dispositivos de poder que mantienen la desigualdad, inferiorización, racialización y discriminación.

Apoiá-la requer a transformação das estruturas, instituições e relações sociais, bem como a construção de condições distintas de estar, ser, pensar, conhecer, aprender, sentir e viver. Para tanto, exige-se uma nova política, ou o que Dussel (1994) chama de uma antipolítica, uma vez que esta não se relaciona às formas políticas de encobrimento do outro. Nesse sentido, a interculturalidade seria uma resposta social, política, ética e epistêmica para as realidades da colonialidade (Mignolo, 2008), vividas como realidades de dominação, exploração e marginalização que ainda se perpetuam em diferentes partes do mundo.

Pode-se afirmar que a interculturalidade parte desse outro pensamento que é construído desde um lugar político particular de enunciação do movimento indígena, mas também de outros grupos oprimidos (Walsh, 2010). Sob esse viés, a interculturalidade crítica oferece uma alternativa para se pensar e construir um projeto de decolonização política, social e educacional.

A radicalidade da interculturalidade crítica no âmbito pedagógico aproxima-se da radicalidade da pedagogia do oprimido proposta pelo educador brasileiro Paulo Freire (1987), que propõe uma ação cultural para a liberdade e, entre outros teóricos, inspira-se também em um dos principais referenciais da decolonização africana, Franz Fanon, que denunciou a violência física e psíquica da polícia e do exército francês na Argélia, região norte do continente africano, durante os anos finais da década de 1950. Para Fanon (2004), o mundo colonizado é um mundo dividido em dois, divisão que supõe uma fronteira política, social, econômica e racial. Ora, pensar a educação intercultural nesse sentido implica considerar as diferenças culturais, a linguagem e as relações de poder implícitas nos métodos e no currículo escolar, baseados no racionalismo europeu, que pode levar ao que Ngugi wa Thiong’o chamou de colonização da mente, dado o uso, pelos colonizadores, dos conhecimentos obtidos pela colonização indígena e utilizados como arma de dominação (Smith, 2018). Contudo pesquisas demonstram que as escolas localizadas em contextos culturais indígenas, por exemplo, não têm apenas o papel de difusoras de conhecimentos do opressor, mas possibilitam, também, a expressão da voz dos oprimidos, é o que diz a antropóloga brasileira Antonnela M. I. Tasssinari. Segundo Tassinari (2001, p. 68), a escola em território indígena pode ser concebida como um “espaço de fronteira”, isto é:

[...] um espaço de contato e intercâmbio entre populações, como espaço transitável, transponível, como situação criativa na qual conhecimentos e tradições são repensados, às vezes reforçados, às vezes rechaçados, e na qual emergem e se constroem diferenças étnicas.

E é, portanto, nessa fronteira que se situa a interculturalidade crítica que, segundo Walsh (2010, p. 15), “deve ser entendida como instrumento pedagógico que questiona continuamente a racialização, a subalternização, a inferiorização e seus padrões de poder”. Nesse sentido, acredita-se que adotar a pedagogia decolonial ajuda a ultrapassar a monocultura moderno-ocidental-capitalista, para dar centralidade à vida e, portanto, ao trabalho ainda incompleto de humanização e decolonização (Backes, 2014). Tomando como referência o educador brasileiro Paulo Freire, pode-se dizer que a pedagogia decolonial seria aquela capaz de libertar a consciência dos oprimidos, sujeitos invadidos pela cultura opressora, e que, segundo ele, “foram transformados em seres duais, processo em que ser é parecer e parecer é se parecer com o opressor” (Freire, 1987, p. 32). Para Walsh (2009, p. 16):

La pedagogía de-colonial, como la pedagogía crítica, es “en última instancia, un sueño, pero uno que se sueña en el insomnio de la praxis. Esto se debe a que un individuo no puede decir que ha logrado la pedagogía crítica (o la pedagogía de-colonial) si deja de luchar por conseguirla”, si deja su insurgencia social, cultural, política, epistémico-intelectual y educativa. [...] la pedagogía de-colonial tiene su propia genealogía - sin tener que necesariamente denominarla así - enraizada en las luchas y praxis que las comunidades afro e indígenas han venido ejerciendo desde años atrás, las que recientemente están saliendo a la luz y siendo reconstruidas y revitalizadas como parte de una postura y proyecto políticos.

Por conseguinte, a escola indígena que outrora teve caráter colonialista passou a ser um espaço/tempo de outros modos de estar nela, outros modos de educar, outros modos de se relacionar e outros modos de lidar com os saberes (Bergamaschi e Medeiros, 2010). Desse modo, estar nesse espaço ambivalente, localizado na fronteira entre a negação e a afirmação dos saberes indígenas, ora legitimando o saber ocidental, ora subvertendo-o, transforma-o em um espaço privilegiado de negociação e intercâmbio entre a cultura indígena e a cultura ocidental (Tassinari, 2001). Logo, pode-se afirmar que, no Brasil, a escola indígena, tal qual a escola em território quilombola, possivelmente seja a forma mais concreta de uma experiência educacional com potencial para transgredir, ressignificar, hibridizar práticas, instituições e formas de saber/poder, pois a escola ocidental, autoritária, assimilacionista, homogeneizante, nos territórios desses povos, transforma-se também em um espaço/tempo de resistência e afirmação da cultura indígena.

MEU CAMINHAR COM O POVO GUARANI DA TEKOA ARAXA’Í E A SUA ESCOLA

Era uma tarde de sol, quando cheguei pela primeira vez na TI Araça’í no ano de 2014, o verde da floresta me tranquilizou, senti que estava entrando em outro tempo. Lembro-me de ter ficado durante algumas horas em silêncio, sentada em uma rocha. Fui para a comunidade a fim de ficar durante pouco tempo só para conhecer, sem muita ansiedade em conversar ou em insistir em conversas banais com as pessoas. Percebi certa timidez no comportamento do povo Guarani e em mim também, então, fiquei concentrada em sentir, observar e deixar que as coisas fossem acontecendo. Algo me chamava a atenção, eu não sabia quase nada a respeito do viver daqueles indivíduos, ora, como deveria eu conhecê-los se, sob o signo da modernidade, esses são povos primitivos e sem história e cujas tradições foram encobertas pela cultura europeia ocidental (Dussel, 1994)?

Eles estavam em roda e eu junto a eles, que apresentavam a dança e a luta do Xondaro [Guerreiro]. A integração entre crianças e adultos me levou a sentir a força de suas tradições. Essa simples tarde ensolarada ecoou como um chamado em meu coração.

Decidi então inscrever-me no processo seletivo para atuar como professora na escola da comunidade. De início, não fui escolhida, mas, passado um mês de aula, a antiga professora de ciências desejou sair, por isso eles me fizeram o convite. Isso aconteceu em 2016.

Antes de entrar em sala de aula, eu precisava falar quais eram minhas intenções com a comunidade, dentro da Opy [casa de reza]. A espiritualidade é um elemento central na vida guarani, esses momentos na casa de reza acontecem todo início de ano e percebo que são importantes, pois demonstram o compromisso, o respeito e a renovação de ciclo dos professores. A cada ano, todos os professores, mesmo aqueles que já atuam na comunidade, precisam falar quais são suas intenções, seus objetivos para aquele ano.

Situada na fronteira entre o mundo indígena e o não indígena, nesse momento, eu dava os primeiros passos em direção a minha decolonização pedagógica, política e filosófica, na qual eu começava a desaprender-aprender (Mignolo, 2008).

Aprendi que a Opy é considerada o principal espaço de educação da comunidade. Nesse lugar, aprendem-se as verdadeiras sabedorias do ser. Os Guarani contaram-me que, quando uma Tekoa [aldeia] se inicia, uma das primeiras construções é a Opy [casa de reza]. É dentro dela que se asserena o ser, que se busca a serenidade e se agradece pela vida e pelas dádivas da natureza.

Os rituais que ocorrem ao longo do ano são o Nhemongarai e o Nhemongarai Ka’a. O primeiro marca o fim do Ara ymã [tempo velho] e o início do Ara pyau [tempo novo]. Esses rituais são restritos a pessoas da comunidade e convidados e neles ocorre a revelação do nome guarani. Quando a pessoa recebe o nome em guarani, este revela seu espírito protetor, cada nome implica um jeito de ser, um agir específico que constitui cada pessoa ou indivíduo. “O nome é importante para lembrar quem a enviou, de qual direção e morada divina e também define como o indivíduo vai agir, suas habilidades e seus cuidados” (Benites, 2015, p. 18).

Na escola, os nomes da chamada dos alunos estão escritos em português, assim como se encontram nos documentos de identidade das crianças e dos jovens. As pessoas da comunidade preferem ser chamadas pelo nome guarani, por isso, em sala de aula, oriento-me para chamar os estudantes pelo seu nome em guarani. As turmas são pequenas, contam com, no máximo, oito estudantes. Minhas participações na escola ocorreram principalmente no período da manhã, porque as séries iniciais são ministradas majoritariamente por professores guaranis.

Durante o primeiro ano em que atuei como professora, eu tinha a preocupação em respeitar as diretrizes curriculares nacionais para o ensino de ciências, parecia-me que era essa a minha função na escola, ensinar os conteúdos de ciências assim como se ensinavam em outras escolas. Comprometi-me com a qualidade, preocupada com o aprendizado dos estudantes, e estruturava o planejamento didático por meio de ações de leitura de livros, escrita no caderno, resolução de exercícios do livro didático, exercícios práticos, observação da natureza, experimentos em laboratórios, desenhos artísticos, saídas de campo etc.

Eu me sentia uma professora dedicada, porém algo me dizia que aquilo tudo era insuficiente ou mesmo sem sentido para os estudantes guaranis. Sob o viés decolonial, pode-se dizer que a minha prática pedagógica era resultado da minha imersão subjetiva no universo simbólico e de padrões de produção de sentido e objetivação da modernidade ou da “matriz colonial do poder” (Mignolo, 2008, p. 313), que é uni e não pluriversal e, portanto, antidialógica.

Uma aula, contudo, fugiu completamente do planejado e das estruturas didáticas com que eu estava acostumada. Era noite, tinha acabado de voltar de outra escola onde lecionava e uma amiga enviou-me um vídeo que apresentava a cosmovisão do povo Guarani sobre o céu. Na manhã seguinte, resolvi apresentá-lo às turmas e, durante a aula, um dos professores guarani, Nhe’engatu Gilmar, assim como o Xamõi Marcolino, entraram na sala para assistir ao vídeo com a classe. Foi um momento muito especial no qual os estudantes debateram o vídeo e Gilmar interagiu com eles em guarani. Percebi o quanto é importante para o processo de ensino e aprendizagem acessar materiais didáticos produzidos por outros professores e lideranças guaranis, bem como socializar esses materiais dentro da escola.

Ao longo do segundo ano, tive uma vivência diferente com a comunidade. Decidi mudar de cidade, por isso não pude atuar como professora, mas, no decorrer do ano, fiz várias visitas nas quais minimizava a saudade dos amigos que tinha feito. Nessas oportunidades, participei dos rituais, dormi algumas vezes na comunidade, escutei pela primeira vez alguns Kaujo [causos], percorri trilhas com eles, pude acompanhá-los para nadar e brincar na represa, tomar sol e ver os animais. Também participei de uma festa em outra TI, na companhia de uma família da Araxa’í, quando conheci o pai e as irmãs de uma de minhas amigas mais próximas, Yva Juscelina. Nesse ano, tive meu nome guarani revelado, Jaxuca, o que significava que, mesmo eu não lecionando na escola, os jovens continuavam a me chamar de professora.

No ano de 2017, visitei e conheci outra TI localizada próximo à cidade onde morei em Santa Catarina, a TI Morro dos Cavalos. Assim pude entender como funcionava a escola que já possuía um PPP, com práticas escolares bem diferentes das que eu tinha participado na TI Araxa’í, pois agora elas eram mais voltadas à cultura guarani, mesmo nos anos finais do fundamental e ensino médio. No mesmo ano, aconteceu o Encontro Regional da Educação Escolar Indígena em Florianópolis, do qual participei como ouvinte, e foi gratificante a experiência de conhecer outros lugares e lideranças guarani.

Retornei à sala de aula no ano seguinte na TI Araxa’í e iniciei a prática pedagógica pautada em atividades que valorizavam o que os estudantes gostariam de saber, com questões e perguntas por meio das quais cada estudante foi construindo seu projeto de pesquisa. Fazíamos leituras de textos sobre as atualidades e líamos textos escritos por indígenas de outras terras e de outras etnias. Durante esse ano, desenvolvi a prática de convidar o Xamõi [avô] Marcolino para participar com maior frequência das aulas. Quando algum estudante tinha dúvidas sobre os conhecimentos guarani, chamávamos o Xamõi. Ele geralmente explicava em guarani para os estudantes, depois falava em português para que eu também pudesse aprender. A sua presença em sala era sempre especial, todos faziam silêncio para ouvir as suas palavras de sabedoria, muitas vezes as histórias eram engraçadas e todos riam juntos. Nesse período, eu experimentava a interculturalidade como um processo que se constrói junto e pelas necessidades dos oprimidos e que Walsh (2010) chama de interculturalidade crítica. Para Mignolo (2008, p. 316):

A interculturalidade deve ser entendida no contexto do pensamento e dos projetos decoloniais [...]. A interculturalidade nos Andes é um conceito introduzido por intelectuais indígenas para reivindicar direitos epistêmicos. A intercultura, na verdade, significa interepistemologia, um diálogo intenso que é o diálogo do futuro entre cosmologia não ocidental (aymara, afros, árabe-islâmicos, hindi, bambara, etc.) e ocidental (grego, latim, italiano, espanhol, alemão, inglês, português).

Certo dia, um estudante chamado Karai Tukumbo Tiago falou-me durante uma aula que ele achava ruim permanecer tanto tempo em sala, na maioria das vezes lendo e escrevendo, afirmou que ele ficava cansado. Eu refleti muito sobre o que ele me falou, voltei para casa pensando no que ouvira e percebi que, embora eu tivesse vivenciado inúmeros momentos com os Guarani e aprendido muito com eles, eu ainda não tinha sido capaz de me desvencilhar de certas condutas pedagógicas hegemônicas, sobretudo centradas na leitura e escrita de textos em sobreposição a outros modos de conhecer do povo Guarani.

No dia seguinte, quando retornei à escola, fiz um convite ao pai do estudante com quem havia conversado para participar de uma aula junto comigo. Jeguaka Silvio, além de pai de Karai Tukumbo Tiago, é também professor de ciências e conhecido na comunidade pelos bichinhos que entalha, bem como por ser um ótimo caçador. Ele aceitou o meu convite, e nos preparamos para ministrar uma aula sobre a caça guarani. Após uma pesquisa na internet, encontrei um texto que tratava da caça guarani em uma TI guarani no Rio Grande do Sul. Conversamos um pouco e ele pediu que, antes de ler o texto na turma, eu o complementasse com algumas informações que ele próprio sabia.

No dia da aula, Jeguaka e seu filho Karai Tukumbo conversaram com a turma sobre as armadilhas tradicionais e como o alimento da caça precisa ser respeitado, informou também que não é a qualquer momento que se pode caçar, que existem algumas restrições, pois há algumas caças que somente os Xamõi podem comer. Disse ainda que, antes de os antigos irem à caça, conversavam com os Xeramõi [liderança espiritual].

Para mim, essa experiência foi muito bonita, e carrego essa dedicação e prática que eles têm de nos ensinar por meio de conselhos para que possamos melhorar as aulas que são ministradas para seus filhos. A comunidade valoriza os professores Juruá [não indígenas] que ali trabalham e, aos poucos, vão nos ensinando sobre o Nhandereko [os seus modos de ser]. Sob esse aspecto, tanto Tassinari (2001) quanto Walsh (2007) mencionam esse permanente processo de negociação e intercâmbio entre a cultura ocidental e a cultura indígena nos espaços de fronteira. Para Walsh (2010, p. 4), “o mais importante é tomar isso como um projeto político, social, ético e epistêmico de saberes e conhecimentos que afirme a necessidade de alterar não só as relações, mas também as estruturas, condições e dispositivos de poder”.

A Opy certamente é um importante espaço para o aprendizado, ela ilustra e corporifica uma concepção de que o conhecimento pode acontecer em diferentes lugares e momentos. As crianças observam as ações dos adultos, imitando, percebendo as ações e palavras sem que seja necessária uma formalidade na relação. O aprender vai constituindo a experiência de estar junto, aprender fazendo juntos, em liberdade, muitas vezes sem perceber que se está aprendendo. Essa é uma busca de conhecimento que vem de dentro de cada pessoa no encontro com outras pessoas, lugares, casas de parentes, Opy, aldeias etc. (Haibara, 2018).

No fim do ano, a pedagoga e o diretor pediram meu apoio para escrever o PPP da escola, recebi o convite com muita alegria, mas senti que era algo de muita responsabilidade. Nesse mesmo ano, iniciei alguns diálogos com lideranças da comunidade procurando observar como eles viam a escola e a educação guarani. Ainda com a direção, realizamos uma oficina que contou com a participação dos professores guarani para fazer o levantamento dos conhecimentos da Tekoa Araxa’í e da escola. Foi nesse momento que iniciamos a elaboração e o registro da árvore da sabedoria da escola Mbya Arandu.

Com o estudo para o PPP, eu busquei novas fontes bibliográficas para entender a educação escolar indígena em um âmbito maior que o contexto da escola na Tekoa Araxa’í. Compreendi que os componentes curriculares indígenas são essenciais à efetividade de uma escola indígena e que o movimento indígena e seus apoiadores lutaram fortemente para a garantia dos Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena (RCNEI). Esse referencial dá aval para que a própria comunidade escolha quais conteúdos quer aprender, de acordo com seu contexto, e aponte quais formas, em que lugares e com base em qual concepção se dará esse aprendizado.

Em 2019, mantive a atuação no processo de construção do PPP, pautada no desafio de auxiliar o processo coletivo e a escrita do documento. A intenção foi colocar no papel as práticas já existentes na escola ao longo de todos os 20 anos de história e valorizar os conhecimentos dos professores, trabalhadores, estudantes, enfim, de toda a comunidade Guarani, e participar desse processo foi bastante gratificante.

Percebo que, em relação ao aprendizado, algo marcante nos Guarani é a valorização do saber do outro, da escuta atenta, do respeito, práticas em que se considera que cada pessoa tem saberes distintos. Observo esse modo de ser com base nos nomes guaranis, que definem diferentes habilidades dos indivíduos, em que cada criança e jovem tem muita sabedoria. Sinto que o ambiente escolar tradicional pressupõe uma padronização dos estudantes, por meio de práticas como as fileiras nas carteiras, a medição do conhecimento na forma escrita e o padrão no sistema de provas. Esse formato apresenta a homogeneização, segundo a qual todos precisam deter os mesmos conhecimentos, em contraposição à forma diversa de entender o conhecimento e aprendizado, na perspectiva guarani.

A sabedoria Mbya Guarani me fez perceber que existe uma diferença significativa entre essa escola e as escolas da cidade. Na escola Mbya Arandu, pautada na sabedoria guarani, não cabe o autoritarismo, não cabe a pressa, não cabem as correrias para vencer os conteúdos, não cabem as divisões, nem separações entre pensar e fazer, entre o individual e o coletivo, entre o espiritual e o terreno. O mundo guarani não cabe em disciplinas, ele transborda os limites das disciplinas, é transdisciplinar, centrado na vida, na humanização, nas plantas, nos animais, nos seres espirituais que cuidam da natureza, no respeito aos tempos de cada um, de cada lugar e de cada ação, no respeito às entidades que mantêm a vida e às diferentes formas do aprender. Esse meu olhar, agora transformado, situa meu pensamento no que Walsh (2007) chamou de posicionamento crítico fronteiriço, lugar este em que se rompe com a universalidade de constructos como conhecimento, Estado e poder e afirma-se a perspectiva indígena no limite das perspectivas indígenas e não indígenas, em um processo que alimenta a interculturalização.

Ao longo dessa caminhada, em que muito mais aprendi que ensinei, eu me descobri uma aliada do povo Guarani, nas lutas pelos direitos indígenas, respeitando e apoiando suas formas de resistências. Sinto-me convidada a apoiar os projetos de valorização da cultura guarani e a auxiliar no registro dos conhecimentos, sem, contudo, querer apropriar-me deles. Sinto o compromisso de compartilhar o que eles têm apresentado como conhecimentos importantes de serem registrados em uma escola intercultural. São conhecimentos tão profundos que resultam de mais de 4.000 anos de existência do povo Guarani e de mais de 520 anos de sua resistência à colonização e ao epistemicídio (Santos, 2009).

Para encerrar, eu gostaria de salientar que me sinto fortalecida por estar junto ao povo Guarani, como se ele me mostrasse o caminho mais difícil do aprendizado, aquele caminho que me faz aprender profundamente, ser resistente. Os Guarani lembram e valorizam os verdadeiros conhecimentos que me fazem ser quem realmente sou, revelam o melhor de mim, porque me acalmam, apoiam, dão a mão para juntos cantarmos e termos forças para resistir às adversidades da vida.

Os pés na terra, as mãos nas sementes, o olhar no tempo da imensidão, o fogo aceso, a fumaça sagrada, as palavras de sabedoria, escutar, concentrar-se, estar sereno, ouvir os mais antigos, resistir como xondaria [guerreira], saber os tempos de cada coisa, saber ler as palavras e sonhar são todos ensinamentos que carrego comigo.

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, INTERCULTURALIDADE CRÍTICA E O QUE APRENDEMOS COM O POVO GUARANI

Com base na memória apresentada, realizamos uma reflexão a respeito dos alcances e limitações para a construção do fazer pedagógico de educadores não indígenas informados pela perspectiva intercultural. Para isso, tomamos como referência o posicionamento crítico fronteiriço da professora-pesquisadora, que se coloca numa posição de aprendizado com o povo Guarani, e também os pensamentos de outros intelectuais indígenas, particularmente das etnias Krenak, Mundurucu, Yanomami e Maori para apresentar cinco ensinamentos que acreditamos ser importantes para os/as professores/as indígenas que porventura estejam presentes ou venham a atuar nas escolas indígenas. São eles: silenciar, escutar, conviver, resistir e sonhar, ensinamentos que resultam de um diálogo intercultural.

Para Collet (2006, p. 126), é preciso “documentar e avaliar como as ideias ou a retórica da interculturalidade são traduzidas na prática, tanto nos cursos de formação de professores como no dia a dia da experiência escolar indígena”, e uma dessas experiências é a de educadores não indígenas.

Maria Aparecida Bergamaschi (2014), ao refletir a respeito da interculturalidade nas práticas escolares indígenas, pergunta em que medida a escola indígena vem constituindo um lugar da interculturalidade. A escola indígena é entendida como sendo construída pelo diálogo intercultural tanto internamente, em que ocorre “a interação entre os modelos tradicionais de educação e a educação escolar, quanto como possibilidade de diálogo entre duas diferentes sociedades e culturas: a indígena e a não indígena” (Bergamaschi, 2014, p. 48). Cohn e Santana (2016) apontam que, mesmo no contexto de desigualdade nas relações de poder que se estabelecem nas escolas indígenas, existe um espaço em que os indígenas acabam domesticando a escola e produzindo enfrentamentos com base em seus regimes próprios de conhecimento e sociocosmologias.

Assevera-se que os saberes do povo Guarani mencionados neste trabalho foram significados e traduzidos, em sua maioria, na língua portuguesa, entretanto algumas palavras foram destacadas na língua guarani. De todo modo, importa ressaltar que as palavras aqui descritas só adquirem significado profundo quando subsidiadas pela experiência vivencial. Na sequência, apresentamos os cinco ensinamentos que também são ações, referenciados com aporte de autores indígenas de diversas etnias, bem como de autores não indígenas.

O primeiro deles, o silenciar, baseia-se no jeito ocidental de ser, que, segundo Smith (2018), caracteriza-se pelo falar antes de ouvir. Para Daniel Munduruku (2004), o silêncio também é uma forma de usar a palavra, até mais eloquente. Segundo ele, quando a pessoa se cala, seu silêncio é preenchido de encantamento, “pois traz ao universo do excesso de palavras da cidade o que é vivo no coração da floresta” (Munduruku, 2004, p. 3). Para o povo Guarani, a meditação dos sábios, o silêncio do respeito é fonte de inspiração para os jovens, o poder de concentração e conexão entre o mundo humano e o mundo divino (Clastres, 2003). O mundo ocidental é cheio de sons, rádio, TVs, motosserras, tratores e máquinas dos garimpeiros que invadem e destroem as florestas, que, por sua natureza, é silenciosa, mas não morta, a floresta está viva, mas, para ouvi-la, os seres humanos precisam se calar. Davi Kopenawa (2015, p. 137) afirma que os espíritos Xapiri “são muito ariscos e desaparecem assim que os humanos fazem muito barulho”.

Escutar, o segundo ensinamento, implica ouvir histórias que vêm sendo silenciadas ao longo desses cinco séculos. Escutar a voz dos que foram silenciados (Backes e Nascimento, 2011), ouvir as histórias e tudo que compõe o mundo indígena, ouvir os mais velhos, ouvir a floresta e seus seres, ouvir a água e seus protetores, ouvir o fogo. Para o povo Guarani, a oralidade e a gestualidade são os meios pelos quais a cultura é transmitida de geração para geração, e escutar, ou Endu, significa compreender bem (Melo, 2014).

O terceiro ensinamento está relacionado a conviver, mas conviver no sentido de conhecer, pois conviver significa também aprender. Aprender com os povos indígenas que existem outros modos de ser, existir e viver. Por exemplo, “[...] nós naturalmente fazemos um caminho que não afirma essas instituições (o Estado) como fundamentais para a nossa saúde, educação e felicidade”, é o que diz o líder indígena Ailton Krenak (1999, p. 30). Diferentemente dos brancos, “[nós, yanomamis,] nunca guardamos os objetos que fabricamos ou que recebemos mesmo que nos façam falta depois. [...] Por isso não temos realmente bens próprios” (Kopenawa e Albert, 2015, p. 412). São formas de viver e pensar que, para serem compreendidas em toda a sua complexidade, exigem uma experiência vivencial que é, por essência, educativa. A resistência é uma dessas formas de conviver e que será descrita no quarto ensinamento.

Pode-se dizer que não há outra característica que melhor identifica os povos indígenas que não seja a resistência. Com a resistência cultural, histórica e humana, a existência deles comprova a força dessa ação. São povos que, no Brasil, há mais de cinco séculos, sobrevivem às doenças e à violência dos europeus, bem como à colonização, à invasão cultural e à catequização. Logo, é com eles que os não indígenas devem aprender como resistir a governos autoritários, como o que hoje vigora no país. Em relação a esse contexto, Ailton Krenak (2019, p. 31) relata em seu livro, Ideias para adiar o fim do mundo, que:

Em 2018, quando estávamos na iminência de ser assaltados por uma situação nova no Brasil, me perguntaram: Como os índios vão fazer diante disso tudo? Eu falei: tem quinhentos anos que os índios estão resistindo, eu estou preocupado é com os brancos, como que vão escapar dessa.

E, por último e não menos importante ensinamento, destaca-se o ato de sonhar, sonhar com outros tempos e com outros mundos. O sonho, na cultura yanomami, é também um momento de encontro com os espíritos da floresta. Segundo o xamã Davi Kopenawa (2015, p. 466), “nós habitantes da floresta, nunca esquecemos os lugares distantes que visitamos em sonho. De manhã quando acordamos, suas imagens permanecem vivas em nossa mente”. Na cultura guarani, para ser um bom sonhador, é preciso viver de acordo com as rezas, participar das cerimônias, dedicar-se ao máximo ao coletivo, lembrando que é também no sonho que novos horizontes são revelados.

Acreditamos que essas reflexões auxiliam na percepção do quanto os educadores não indígenas têm de aprender, mesmo que a presença não indígena seja provisória nas escolas indígenas. Portanto, uma das tarefas principais na perspectiva intercultural está ligada ao estímulo para que os professores indígenas e os estudantes indígenas participem e transformem cada vez mais a escola em um espaço indígena, e não em uma “escola da imposição”. Desse modo, a afirmação das culturas e identidades indígenas promove a decolonização do ambiente escolar, e evidenciam-se novas formas de atuação dos educadores não indígenas que vivenciam esses espaços.

A escola com a qual se sonha é aberta às transformações indígenas e aos não indígenas para forjar uma aliança. A escola indígena, nesse sentido, torna-se um espaço privilegiado de negociação entre a cultura indígena e a cultura ocidental, um espaço de fronteira, como chamou Tassinari (2001). Essa relação genuína de superposição entre dois mundos, na escola, produz novos horizontes e novas formas de silenciar, escutar, conviver, resistir e sonhar, para indígenas e não indígenas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A luta histórica dos povos indígenas pela educação indígena, diferenciada, bilíngue, intercultural e que propicia processos próprios de aprendizagem, é um direito urgente que ainda enfrenta resistências. O compromisso não indígena no contexto da educação escolar indígena faz-se importante em um marco de atuação que visibilize os seus interlocutores, os povos indígenas, suas lutas, seus conhecimentos, sua forma de ver a educação. Desse modo, o papel e o lugar de educadores não indígenas na educação escolar indígena estariam ligados ao engajamento como aprendizes junto e em aliança com os povos. Nesse contexto, a interculturalidade crítica como filosofia e viés político-pedagógico pode propiciar aos educadores não indígenas a coparticipação no processo de decolonização dos ambientes escolares.

A presença de educadores não indígenas em escolas inseridas em territórios indígenas precisa vir acompanhada da disposição e do exercício cotidiano de aprender a escutar as vozes dos que vivem outras epistemologias.

Entretanto, há que se entender que somente aqueles que vivem o mundo indígena podem dar orientações no sentido do que pode e deve ser ensinado no espaço escolar indígena, pois, como ensina o ancião da Tekoa Araxa’í, a escola tem que começar pela comunidade. Enfim, neste trabalho, silenciar, escutar, conviver, resistir e sonhar representam ensinamentos, filosofias e conhecimentos resultado da vivência educacional com os Guarani e do diálogo com diferentes intelectuais indígenas com a intenção de inspirar e ampliar vivências, trocas, diálogos e conhecimentos entre os educadores não indígenas em contextos indígenas.

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1 Para melhor entendimento dos leitores, optou-se por uma tradução seguida de cada palavra guarani dentro de colchetes.

2 Esse trabalho de construção coletiva do PPP tem sido realizado com apoio do projeto de pesquisa e extensão Ecologia de Saberes da Universidade Federal do Paraná.

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Recebido: 24 de Setembro de 2020; Aceito: 07 de Julho de 2021

Liz Meira Góes é doutoranda em meio ambiente e desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: liz.mgoes@ufpr.br

Neiva Gabriel Fernandes é graduanda em licenciatura em educação do campo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Educadora na Escola Mbyá Arandu da Aldeia Araxa’í (Paraná). E-mail: arapoty2019@gmail.com

Roberto Gonçalves Barbosa é doutor em ensino de ciências e educação matemática pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: robertobarbosa@ufpr.br

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Contribuições dos autores: Administração do Projeto: Barbosa, R. G. Escrita - Primeira Redação: Goés, L. M. Escrita - Revisão e Edição: Barbosa, R. G.; Fernandes, N. G. Investigação: Goés, L. M. Metodologia: Barbosa, R. G.

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