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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub 20-Jun-2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270046 

Artigos

Os colegios mayores como espaço de modernização do ensino superior espanhol na década de 1960: o caso do colegio mayor universitario Casa do Brasil

THE RESIDENTIAL COLLEGES AS SPACES FOR THE MODERNIZATION OF SPANISH HIGHER EDUCATION DURING THE 1960S: THE CASE OF THE CASA DO BRAZIL RESIDENTIAL COLLEGE

LOS COLEGIOS MAYORES COMO ESPACIOS DE MODERNIZACIÓN DE LA EDUCACIÓN SUPERIOR ESPAÑOLA DURANTE LA DÉCADA DE 1960: EL CASO DEL COLEGIO MAYOR UNIVERSITÁRIO CASA DO BRASIL

Tatiane de Freitas Ermel I  
http://orcid.org/0000-0003-2002-5101

Jon Igelmo Zaldívar I  
http://orcid.org/0000-0002-8587-2822

IUniversidade Complutense de Madrid, Madri, Espanha.


RESUMO

O estudo centra seu interesse nas influências internacionais como variável para compreender algumas das práticas educacionais e curriculares que se gestaram a partir da década de 1950, na Espanha. Tem como objetivo principal analisar a fundação e a projeção do Colegio Mayor Universitario Casa de Brasil, localizado em Madri, em um contexto de modernização do ensino superior espanhol, e a sua interlocução com os contextos europeu e latino-americano. A pesquisa documental privilegia documentos escritos originais e inéditos, tais como: o primeiro estatuto e os regulamentos, bem como os relatórios dos cursos acadêmicos, eventos e atividades culturais promovidos durante a década de 1960. A Casa de Brasil, além da função de residência de universitários brasileiros, divulgou o Brasil na Espanha, assim como recepcionou e acolheu culturas de outros países, especialmente da América Latina e da Península Ibérica - Espanha e Portugal -, por meio de eventos internos e públicos semanais.

PALAVRAS-CHAVE colegios mayores; ensino superior; Casa do Brasil

ABSTRACT

This paper focused on international influences as a key variable to study the educational and curricular practices developed in Spain from the 1950s onward. Its main objective was to analyze the foundation and development of the Residential College Casa do Brasil (Colegio Mayor Universitário Casa do Brasil), located in Madrid, in the context of modernization of Spanish Higher Education, and its relations with the European and Latin American context. The research was based on original and unpublished documentation, such as: the first statute and regulations, the memories and reports of the academic courses implemented, and the events and cultural activities promoted during the 1960s. Casa do Brasil played a role that, in addition to providing residence for Brazilian university students, promoted the dissemination of Brazil in Spain, as well as the reception of cultures originated in other countries, particularly from Latin America and the Iberian Peninsula - Spain and Portugal -, through internal and public events held weekly.

KEYWORDS residential colleges; higher education; Casa do Brasil

RESUMEN

El estudio centró su interés en las influencias internacionales como una variable para comprender algunas de las prácticas educativas y curriculares que se desarrollaron en España a partir de la década de 1950. Su objetivo principal fue analizar la fundación y la proyección del Colegio Mayor Universitario Casa do Brasil, situado en Madrid, en un contexto de modernización de la Educación Superior española, y sus relaciones con el contexto europeo y latinoamericano. La investigación toma como referencia documentación original e inédita, tales como: los primeros estatutos y reglamentos; las memorias e informes de los cursos académicos y los eventos y actividades culturales promovidos durante la década de 1960. La Casa do Brasil desempeñó un papel que, además de proporcionar residencia a universitarios, promovió la divulgación de Brasil en España, así como la recepción de culturas de otros países, especialmente, de América Latina y la Península Ibérica - España y Portugal -, a través de eventos internos y públicos celebrados semanalmente.

PALABRAS CLAVE colegios mayores; educación superior; Casa do Brasil

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, foram publicados estudos históricos que focalizaram seu interesse no processo de modernização da educação na Espanha, desenvolvido durante o regime de Franco (García e Gómez-Escalonilla, 2019). Mais especificamente, seguimos a linha de estudo aberta por Mariano González-Delgado, que, para além da análise das continuidades ou descontinuidades apresentadas pelo tempo da ditadura de Franco com a Segunda República ou com a transição e a democracia de 1978, centra o interesse nas influências internacionais como variável para compreender algumas das práticas educacionais e curriculares que se gestaram a partir da década de 1950. Nessa perspectiva, “se apuesta, abiertamente, por comprender el fenómeno educativo del tardo franquismo dentro de un especio caracterizado como complejo.” (González-Delgado, 2019, p. 73)

A história dos colegios mayores na Espanha possui um amplo recorrido temporal (De La Vega, 1948; Sánchez e Rodríguez, 2014). Sabe-se que a primeira instituição com essas características foi o Colegio Mayor San Clemente, fundado em 1367 por estudantes espanhóis que residiram e estudaram na Itália. Em 1401, o Colegio Mayor de San Bartolomé iniciou suas atividades em Salamanca, e nos séculos XV e XVI essas instituições acadêmicas vinculadas ao mundo universitário proliferaram em diferentes cidades espanholas. Os colegios mayores tinham como objetivo “ofrecer la posibilidad de formación superior a algunos estudiantes valiosos pero que carecían de los medios económicos necesarios para financiársela.” (Carabias Toerres, 2013, p. 69)

A icônica Residência de Estudantes de 1910 é a primeira tentativa de modernização dos colegios mayores, de grande importância na história do ensino superior na Espanha (Ribagorda Esteban, 2010).

Nesse sentido, foi marcante a projeção cultural e social desses espaços educativos, a ponto de se tornarem uma referência para as correntes musicais, literárias ou teatrais de vanguarda. Depois da Guerra Civil (1936-1939), o projeto de Residência de Estudantes teve sua continuidade em 1943 com o Colegio Mayor Ximénez de Cisneros. Entre os anos de 1950 e 60, foi criada uma importante rede de colegios mayores no espaço da Ciudad Universitaria de Madrid, que movimentou as sinergias culturais do momento.

A partir dos anos 50 do século XX, os colegios mayores posicionaram-se como espaços educativos representativos dos impulsos de modernização educacional, que perpassavam pelas estruturas do regime de Franco. Essas instituições foram palco de constantes atividades culturais e educacionais, tais como: conferências, colóquios, seminários, ciclos de cinema, exposições de arte, recitais folclóricos, concertos, espetáculos teatrais, atividades esportivas, viagens e excursões culturais, cursos de línguas, a maioria deles também dirigida ao público externo e com a presença de diferentes nacionalidades. Além dos colegios mayores próprios da Universidad de Madrid, atual Universidad Complutense de Madrid, somava-se um número significativo de colegios mayores administrados por congregações religiosas católicas. Desse mesmo modo, os países ibero-americanos fundaram seus próprios colegios mayores em Madri, entre os quais se destacavam a Casa de Brasil (1962), o Colegio Mayor Argentina (1971) e o Colegio Mayor Universitario Colombiano (1971).1

No caso do Colegio Mayor Casa de Brasil, observamos que seu propósito principal era apresentar a cultura brasileira aos espanhóis e demais residentes e transeuntes de diferentes países que circulavam pela residência. Também, constituía um local de recepção de culturas oriundas de outros países, especialmente da Espanha e de Portugal, bem como da América Latina, por meio de eventos internos e públicos semanais. Criado mediante um convênio entre os governos do Brasil e da Espanha, o objetivo do local era estabelecer na capital espanhola um espaço de residência de universitários brasileiros e de outras nacionalidades e de divulgação da cultura brasileira.

Aproximando-nos do pensamento de Reinhart Koselleck acerca da construção histórica com base em um conjunto de histórias particulares, refletimos sobre o modo como uma experiência (unicidade) de um tempo transcorre entre estruturas de repetição e acontecimento. Desse modo, a Casa de Brasil, inserida no contexto histórico de longa duração e rupturas dos colegios mayores espanhóis, desde o século XIV, foi problematizada pela perspectiva de tempo e modernidade, entre o acontecimento e sua representatividade (Palti, 2001). Sendo assim, apostamos na escrita contínua da história, em seu curso diacrônico, acumulando experiências naquelas já existentes e acrescentando novas histórias a elas (Koselleck, 2001, p. 64).

A pesquisa documental, de caráter historiográfico, privilegia a consulta a documentos sobre a criação da Casa de Brasil, o primeiro estatuto e os regulamentos; os relatórios dos cursos acadêmicos (1962-1970),2 bem como de eventos e atividades culturais promovidos na década de 1960 (Quadro 1), além de outros documentos variados - escritos e iconográficos - que compõem o acervo institucional e o Archivo General da Universidad Complutense de Madrid (AGUCM).

Quadro 1 - Distribuição quantitativa das atividades da Casa de Brasil (1962-1970). 

Atividades 1962/63 1964/65 1965/66 1966/67 1967/68 1968/69 1969/70
Conferências, palestras, seminários e colóquios 9 42* 54 38 44 31 33
Sessões de cinema 16 38 31 47 40 47 33
Representações teatrais 3 5 5 5 12 2 4
Recitais folclóricos - 9 13 6 9 10 3
Concertos musicais 10 19 8 7 7 6 6
Recitais de poesia 1 - - - 5 2 2
Recepções 8 7 - - 5 11 6
Exposições de arte 2 10 5 10 4 6 5
Exposições de livros brasileiros - - - - - 1 -
Excursões - 2 - - - 2 1
Festas colegiais/juvenil 1 3 - - - - -
Audições comentadas de discos - - - 5 - - -
TOTAL 50 135 116 118 126 118 93

*Nesse ano se incluem recitais de poesia

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

Com base nessa documentação, o objetivo principal deste estudo consiste em analisar a instalação e a projeção da Casa de Brasil em Madri, em um contexto de modernização do ensino superior espanhol, e a sua interlocução com os contextos europeu e latino-americano.

A CASA DE BRASIL: SEU ESPAÇO, OS PRIMEIROS RESIDENTES E OS REGULAMENTOS DE CONVIVÊNCIA

Ao adentrar no emblemático edifício, de estilo arquitetônico moderno, do Colegio Mayor Universitario Casa de Brasil, em Madri, em atividade até os dias atuais, a residência aproxima-nos, além de tantos outros temas, das relações diplomáticas e universitárias entre ambos os países, que seriam marcadas pela constituição dessa instituição, no ano de 1959, e por sua inauguração, em 1962. Um entre tantos outros colegios mayores - residências universitárias - que integram a Ciudad Universitária de Madrid da Universidad de Madrid,3Campus Universitário de Moncloa, o Colegio Mayor Universitario Casa de Brasil foi construído em um terreno na Avenida Arco de la Victoria. No relatório do primeiro curso acadêmico (1962-1963), o diretor Joaquim da Costa Pinto Netto4 destaca a incipiência dessa instituição, o primeiro colegio mayor de origem estrangeira instalado em território espanhol (Relatório do Período Acadêmico, 1963, p. 41).

O terreno para a construção do edifício foi oferecido pelo governo espanhol, em 7 de agosto de 1959, após a visita do então presidente da república brasileira, Juscelino Kubitschek, que demonstrou interesse pela instalação de residências para estudantes brasileiros em diferentes países europeus. Logo após a aprovação pelo então presidente brasileiro, as negociações e os pagamentos referentes à construção da residência ficaram a cargo do Ministério da Educação e Cultura do Brasil, especificamente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O ato oficial de doação, realizado em Madri, em 21 de novembro, foi formalizado pelo decreto n. 42.295A, de 27 de novembro de 1959, e o acordo realizado para o pagamento da construção do edifício consistia em sacas de café excedentes do Instituto Brasileiro do Café (D’Escragnolle Filho, 1962).

No dia 17 de fevereiro de 1960, foi assinado o contrato entre Ministério da Educação e Cultura do Brasil e a Comisaría General de Abastecimentos e Transportes da Espanha, esta última representada por Eduardo Gasset y Díez de Ulzurrun, prevendo o pagamento de 20 mil sacas de café, que contabilizaram 1.200 toneladas enviadas do Brasil para a Espanha, no navio San Vicente (Araújo, 2012, p. 20-21).

As negociações acerca da criação e do estabelecimento da Casa de Brasil em Madri estiveram vinculadas à diplomacia dos dois países, especialmente pelo Ministerio de Educación Nacional da Espanha, representado pelo então ministro Jesus Rubio García-Mina, pelo embaixador do Brasil na Espanha João Pizarro Gabizo de Coelho Lisboa, assim como pela direção da Ciudad Universitária e do Instituto de Cultura Hispánica, presididos por Blas Piñar.5 Como representantes do Brasil em Madri, cabe destacar a designação do arquiteto brasileiro responsável pelo projeto, Luis Afonso D’Escragnolle Filho, que permaneceu nele até outubro de 1962. Também, o professor Leônidas Sobrino Porto, que desempenhou suas funções até junho de 1960, quando foi transferido para a França, a fim de assumir a direção da Maison Du Brèsil, em Paris. Ainda, é importante mencionar o arquiteto espanhol Fernando Moreno Barberá, indicado pelo Ministerio de la Educación Nacional para acompanhar as obras ao lado do arquiteto brasileiro e que permaneceu realizando alguns trabalhos no edifício mesmo após a conclusão das obras.

O contexto histórico das negociações para a criação da Casa de Brasil foi marcado pelo movimento desenvolvimentista brasileiro empreendido pelo governo de Juscelino Kubistchek entre os anos de 1956 e 1961. O historiador Boris Fausto (2001, p. 234) analisa que o início do governo de Kubistchek foi definido pela necessidade de promover no país um ideal de “desenvolvimento e ordem”, de modo que o presidente tratou de atender a algumas reinvindicações específicas do corpo militar, que ameaçava a recente estabilidade democrática inaugurada com o fim do Estado Novo, em 1945. Por outro lado, com o propósito de manter outros setores satisfeitos, a presidência não se opôs aos interesses da burocracia sindical e tratou de limitar as explosões grevistas. Articulou um equilíbrio entre as forças políticas e desenvolveu no plano econômico uma série de medidas que ficou conhecida como Programa de Metas, abrangendo “31 objetivos distribuídos em 6 grandes grupos: energia, transportes, alimentação, indústrias de base, educação e a construção de Brasília, chamada de metassíntese.” (Ibid., p. 235)

O campo educativo esteve assinalado por inúmeros movimentos que antecederam a primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1961, e, em relação à constituição recente da ideia de universidade brasileira, podemos destacar a criação da Universidade de Brasília (UnB), idealizada e organizada por Darcy Ribeiro, que foi seu reitor entre 1963 e 1965, a convite do então presidente Kubistchek. Anteriormente a isso, no começo do segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), temos o início das atividades da CAPES, em 1951, vinculada ao Ministério da Educação e Cultura e idealizada, entre outros nomes importantes, por Anísio Teixeira, sendo este o seu primeiro secretário-geral. O objetivo principal dessa instituição era investir na capacitação de professores de nível superior por meio da concessão de bolsas de estudo no Brasil e no exterior, com importante atuação na institucionalização da pós-graduação (Teive, 2007, p. 305). A criação da CAPES, segundo Gouvêa (2018, p. 270),

foi um reflexo da política desenvolvimentista, ou seja, do consequente modelo de industrialização implantado no país e reforçou, ainda, a postura assumida nos diversos documentos oficiais que enfatizaram a relação entre economia e educação, evidenciando a necessidade da formação de quadros de nível superior para suprir as lacunas determinadas por um novo ritmo de crescimento econômico.

As reflexões propostas por intelectuais conhecidos do cenário nacional, como o caso de Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, entre outros, reforçam os problemas educativos nacionais emaranhados na constituição histórica e na projeção do país como uma nação autônoma e moderna, culminando com um impressionante crescimento do setor industrial brasileiro como resultado do Programa de Metas. Na memória de muitos brasileiros, “os cinco anos do governo de Juscelino são lembrados como um período de otimismo, associado a grandes realizações, cujo maior exemplo é a construção de Brasília.” (Fausto, 2001, p. 237)

Vinculada ao momento de experiência democrática brasileira de otimismo ao projeto de desenvolvimento nacional e da formação de pessoal de nível superior no Brasil e no exterior, a Casa de Brasil foi inaugurada oficialmente em 4 de junho de 1962, sob a direção do ex-professor e sociólogo Joaquim da Costa Pinto Netto, que passou a residir em Madri em abril desse mesmo ano e esteve no cargo diretivo até 1973.6 No livro relativo à cerimônia de inauguração e de registro dos visitantes, uma mensagem inicial afirma que a residência deveria ir além de uma moradia de estudantes universitários de diferentes nacionalidades, promovendo a divulgação do Brasil na Espanha, assim como “concorrer maior aproximação cultural entre ambos os países.”7

A construção da residência, que ocupa 7.826 metros quadrados de um terreno de cerca de 12 mil metros quadrados, foi projetada em dois blocos, com o total de 120 habitações (blocos A e B), que correspondiam às alas masculina e feminina, respectivamente, conforme Figuras 1 e 2. Além dos espaços que faziam parte do núcleo básico de uma residência de estudantes, tais como administrativos (recepção, secretaria e direção), residência de pessoal de serviço, sala de descanso, salão de atos, sala de exposições, cozinha, refeitório, almoxarifado e biblioteca, foi dada especial atenção à construção de um jardim interior e de uma capela, esta última na parte externa do edifício. Sobre o projeto, o arquiteto brasileiro Luís Afonso D’Escragnolle Filho destaca a sua “plasticidad exterior” e que o edifício estava alinhado ao ideário arquitetônico do seu tempo pela “sencillez, eficácia em lafunción, máxima comodidad y beleza.”

Fonte: D’Escragnolle Filho, 1962, p. 7 e 12.

Figuras 1 e 2 - Fachadas da Casa de Brasil (1962): fachada sudeste (entrada) e fachada oeste (fundos). 

Segundo suas reflexões, “el espacio ha sido modelado en razón de las exigencias del hombre que en él ha de desarrollar buena parte de su vivir; haciéndolo más fácil a su andar, más cómodo y sosegado a la hora del descanso y del laborar cotidiano.”8 (D’Escragnolle Filho, 1962, p. 13)

A Casa de Brasil recebeu os primeiros residentes em outubro de 1962, sendo importantes os contatos com as experiências de outras instituições semelhantes que existiam em seu entorno próximo. Assim, foram realizadas visitas a outros colegios mayores. De modo especial, o então diretor da Casa de Brasil menciona o auxílio de José María Alvarez Romero, diretor de intercâmbio do Instituto de Cultura Hispánica, e de António Amado Moreno, diretor do Colégio Mayor Hispanoamericano Nuestra Señora de Guadalupe.

O perfil dos primeiros residentes, assim como dos seguintes, foi caracterizado pela divisão entre efetivos e transeuntes, este último grupo caracterizado pelos hóspedes que permaneciam menos de 30 dias na residência. Do total de 216 residentes no primeiro curso acadêmico, 156 foram efetivos e 60 transeuntes, divididos em 126 homens e 90 mulheres. Somente nesse primeiro ano de funcionamento circularam pela Casa de Brasil estudantes de 23 nacionalidades: 68 brasileiros (31,5%), 47 espanhóis (21,8%), 46 ibero-americanos (21,2%, de 11 países), 39 norte-americanos (18,1%), 14 (6,5%) europeus - não espanhóis - e, ainda, um filipino e um hindu (0,9%) (Quadro 2). Os bolsistas do Instituto de Cultura Hispánica eram em sua maioria brasileiros, sendo nove homens e 19 mulheres, além de um mexicano, uma paraguaia e duas argentinas (Relatório do Período Acadêmico, 1963, p. 14-15) (Quadro 3).

Quadro 2 - Residentes/nacionalidades (1962-1970). 

Nacionalidade 1962/63 1964/65 1965/66 1966/67 1967/68 1968/69 1969/70
Brasileiros 68 93 112 169 81 82 84
% 31,5% 35,6% 37,4% 53,31% 48,2% 45,3% 46,9%
Espanhóis 47 64 63 65 37 29 23
% 21,8% 24,5% 23,0% 20,50% 22,0% 16% 12,9%
Sul-americanos/hispano-americanos* 46 40 28 39 36 33 28
% 21,2% 15,3% 9,3% 12,3 21,5% 18,2% 15,7%
Norte-americanos 39 47 69 23 11 27 33
% 18,1% 18,0% 21,0% 7,25% 6,5% 14,9% 18,4%
Europeus/portugueses** 14 13 23 18 2 3 4
% 6,5% 5,0% 7,7% 5,68% 1,2% 1,7% 2,2%
Filipinos/asiáticos/africanos/outros*** 2 4 5 3 1 7 7
% 0,9% 1,6% 1,6% 0,96% 0,6% 3,9% 3,9%
Total 216 261 300 317 168 181 179

*Nomeados de “sul-americanos” nos dois primeiros cursos.

**Nomeados somente como “portugueses” nos três últimos cursos.

***Nomeados somente “outros” nos três últimos cursos.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

Quadro 3 - Bolsistas do Instituto de Cultura Hispánica (1962-1970). 

Curso acadêmico Número de bolsistas
1962/1963 28
1963/1964 31
1964/1965 38
1965/1966 50
1966/1967 36
1967/1968 38
1968/1969 24
1969/1970 18

Fonte: Memoria de los Períodos Académicos 1967/68; 1968/69; 1969/70, 1970, p. 30.

As primeiras atividades culturais e a vida colegial foram descritas pelo então diretor, com menção à associação da Casa de Brasil ao Sindicato Español Universitário9 e aos esforços empreendidos para a doação de publicações (periódicas ou não) para a composição da biblioteca, que contabilizava um acervo inicial de aproximadamente 600 exemplares. A cerimônia de inauguração, com a presença de personagens diplomáticas e oficiais tanto do Brasil como da Espanha, foi realizada no Salão de Atos, com recital de Lia Salgado, esposa do ex-ministro Clóvis Salgado.

Nos últimos meses de 1962, foram organizadas diferentes atividades, como uma misa capellán de inauguração e benção da capela, com o Frei António do Carmo, seguidas de almoço com a presença de autoridades brasileiras, espanholas e portuguesas, além de residentes e não residentes; palestras de Pedro Calmon, reitor da Universidade do Brasil, e do professor Manuel Diégues Júnior; projeção de filmes brasileiros e exibição de filmes mexicanos; representação teatral de La puerta cerrada, de Jean-Paul Sartre; atividade da Asociación de Universitarios Brasileños, em Madri; e a Festa de Natal, na noite de 24 de dezembro, que contou com a presença de 40 residentes e de 12 não residentes - segundo o diretor Costa Pinto, “fueron invitados todos los brasileños de Madrid que, por estar alejados de sus casas, encontrarían así, por lo menos, un ambiente brasileño que los acogiese em aquella noche.” (Relatório do Período Acadêmico, 1963, p. 21)

O reconhecimento da Casa de Brasil foi oficialmente registrado após o processo de inspeção dos colegios mayores, em 31 de janeiro de 1963, a cargo de Luis Gomes Oliveros (Relatório do Período Acadêmico, 1963, p. 41). As inúmeras atividades culturais e religiosas semanais, como as sessões de cinema e missas, apresentações de peças de teatro, palestras, conferências internacionais, recitais e almoços, encerraram o primeiro curso letivo. Nessa ocasião, já eram mencionadas as intenções de organizar um curso de língua, um curso de literatura e um curso de assuntos brasileiros, sob as cátedras dos professores Augusto Meyer, Angel Crespo e Ernesto Alberto Ferreira de Carvalho, respectivamente, em parceria com o Servicio de Propaganda y Expansión Comercial (Sepro)/Embaixada do Brasil em Madri.

O primeiro Estatuto da Casa de Brasil, datado de 1963, reforça a proposta de divulgação do Brasil na Espanha e a aproximação cultural - acrescida da espiritual - dos dois países. Descreve a sua estrutura administrativa (conforme nota 6, Figura 3), assim como as orientações gerais de funcionamento da casa com base nas atividades administrativa, cultural, artística e social que deveriam ser exercidas pelo diretor. Os solicitantes de residência de nacionalidade brasileira deveriam encaminhar uma petição de ingresso via CAPES, sendo permitido o período máximo de um ano de residência, com a possibilidade de renovação para o segundo e o terceiro ano, de acordo com rendimento acadêmico e justificativa. Também, em seu décimo artigo, o regulamento prevê a proibição de qualquer tipo de propaganda ou atividade política sem prévia autorização, que incluía as reuniões e a colocação de cartazes. A estrutura orçamentária estava prevista por meio de duas fontes: uma parte mantida pelo governo brasileiro, mediante a CAPES; e o outro pelo pagamento de mensalidades (Casa do Brasil, 1963a).

Fonte: Relatório do Período Acadêmico, 1963.

Figura 3 - Organograma da estrutura administrava da Casa de Brasil (1963). 

A convivência estudantil na residência esteve organizada no período que analisamos com base em dois regulamentos, de 1963 e 1966, que contava com a presença de um assessor universitário, que ocupava o cargo de presidente no corpo de decanos. Ao assessor universitário, caberia recepcionar reivindicações dos alunos, do clube de atividades, e ser responsável pelo “mantenimiento de un alto nivel cultural y moral em el Colegio Mayor.” (Casa do Brasil, 1963b, p. 2)

O corpo de decanos possuía alguns auxiliares, que consistiam em “tutores graduados; assessores colegiales e club de atividades”, compostos de “6 muchachos (1 por planta), 5 muchachas (1 por planta) y 1 planta de matrimonio”. Os decanos seriam eleitos “(1x curso, honor) representa responsabilidad y disciplina. Orden, ejemplo y confianza del director. Podrán ser nombrados decanos provisionales. Cada decano tiene un auxiliar (tienen voz, pero no voto)”. Ainda, estava prevista uma reunião a cada 15 dias, presidida pelo assessor universitário e pelo decano mais antigo, com os registros feitos em um “libro de decanos”, redigido pelo decano mais jovem e guardado pelo mais antigo.

Outro elemento que merece destaque são as normas destinadas à convivência feminina. Alocado em espaços distintos, o grupo feminino era considerado uma espécie de anexo à residência, sendo permitido a ele utilizar os demais espaços comuns, mas estes deveriam estar marcados por “una línea de disciplina y orden”. O nono artigo do Regulamento (1963) previa a “prohibición de la entrada de los muchachos (bloque A) en el de las muchachas (bloque B) o viceversa, sob pena de expulsión inmediata”. Todas as habitações (masculinas e femininas) deveriam estar disponíveis diariamente a partir das 9 horas da manhã, com a entrega das chaves na portaria, pois o diretor, ou a pessoa que lhe representava, teria o direito previsto em regulamento de entrar em qualquer habitação. Também, para a entrada/permanência de um residente em outra habitação (do mesmo sexo) deveria constar prévia autorização.

Sobre as sanções, o capítulo IV previa a expulsão dos residentes por falta de aproveitamento acadêmico ou disciplina, e o rendimento acadêmico insuficiente poderia ser justificado. A expulsão cabia ao diretor, que poderia fazê-la de modo imediato e informar às autoridades universitárias posteriormente (Casa do Brasil, 1963b).

A passagem para o curso acadêmico de 1965/66 foi marcada por um novo regulamento, que apresenta uma estrutura bastante semelhante à do anterior, de 1963, no entanto algumas modificações nas normas internas são justificadas pela experiência do colégio em seus quatro primeiros anos de atividades. A principal mudança refere-se ao corpo de estudantes que representam os residentes, no II capítulo, passando da composição de corpo de decanos eleitos para colegiales mayores, que, nesse caso, seriam compostos exclusivamente dos residentes contemplados com bolsa da Casa de Brasil, como podemos visualizar na Figura 4. Outras mudanças de caráter organizativo também caracterizam a formação do corpo de colegiados, como o tempo em exercício no cargo, antes anual e a partir de 1966 estendendo-se até a sua saída efetiva:

Párrafo 1º - la dignidad de Colegial Mayor es concedida por el director del colegio con motivo de la fiesta de inauguración de curso, y con motivo de la fiesta Anual Colegial […]. Párrafo 2º - una vez concedida la dignidad colegial Mayor y realizada la solemne imposición de la Beca Colegial, se es poseedor de la misma a todos los efectos todo el tiempo de permanencia en el colegio, sin más limite temporal que la salida efectiva del mismo. No obstante, si el colegial Mayor se hace indigno de la dignidad otorgada por la indisciplina, falta de responsabilidad o infidelidad a los fines de la institución, podrá ser desposeído de ella, normalmente por petición del Cuerpo de Colegiados Mayores en mayoría de dos tercios, y excepcionalmente sin ese intermediario, por el Director. (Casa do Brasil, 1966, p. 2)

Figura 4 - Festa de abertura de curso (1965/66) e recebimento da beca colegial mayor. 

As reuniões do colegiado passariam a ser presididas pelo diretor, e o livro de registros ficaria a cargo do assessor universitário, e não mais sob responsabilidade do representante de estudantes com maior tempo no cargo.10 No terceiro capítulo, que se refere à organização dos seminários e clube de atividades, as temáticas passaram a ser orientadas e conduzidas por um professor universitário, que seria o responsável pela discussão. Nessa conjuntura, o curso de 1966 foi caracterizado pelo então diretor pela “madurez adquirida como Colegio Mayor” e pela dedicação dos colegiais sob supervisão do assessor universitário:

Debemos destacar, especialmente, la madurez adquirida por la “Casa do Brasil” como Colegio Mayor universitario dependiente de la Universidad de Madrid, de acuerdo con el espíritu y el carácter formativo que caracterizan a estas instituciones, lo que se debe fundamentalmente al entusiasmo y dedicación de sus colegiales, orientados y organizados por la Dirección y bajo control inmediato de la Assessoria Universitaria del Colegio, a cuyo frente se encuentra a nuestro colaborador Prof. D. AlvaroBruj. (Memoria del Curso Académico 1965, 1966, p. 1)

Também é importante dizer que um programa de seminários começou a ser organizado a partir do curso 1965/66, contemplando diferentes áreas do conhecimento: arquitetura; ciências sociais, políticas e econômicas; direito; humanidades; engenharia; e medicina. A Festa Anual da Fundação da Casa de Brasil, realizada no dia 18 de abril de 1966, contou com a participação do professor Fernando Suárez Gonzalez, diretor do Colegio Mayor Diego de Covarrubias, com a conferência sobre a história dos colegios mayores - de Gil de Albornoz a Alberto Gimenez (Memoria del Período Académico 1965, 1966, p. 9). No curso seguinte, a abertura oficial teve a aula inaugural ministrada pelo professor Mariano Yela Granizo, catedrático de psicologia geral, da Universidad de Madrid, com a temática “Meditación en la universidad.” (Memoria del Período Académico 1966 1967, p. 8)

Nessa perspectiva, assinala o director: “Las actividades culturales […] son las de mayor transcendencia como extensión cultural o científica, marcando el carácter complementario de este Colegio Mayor con la Universidad y el aspecto formativo de la juventud que en él reside.” (Memoria de los Períodos Académicos, 1970, p. 4-5)

ATIVIDADES CULTURAIS E SEUS DIÁLOGOS COM A AMÉRICA LATINA E A PENÍNSULA IBÉRICA

A Casa de Brasil tornou-se um espaço de intensa recepção e de atividades vinculadas com os países latino-americanos, visualizadas valendo-se das inúmeras atividades que aproximavam esses estudantes, sendo a maioria decorrentes de associações nacionais. Podemos citar alguns exemplos, tais como: festival de canção colombiana, festival de folclore mexicano, venezuelano e chileno (cursos acadêmicos de 1963/1964 e 1965/1966), concerto organizado pela associação de estudantes argentinos e sessão especial de cinema argentino, com a exibição de cinco curtas-metragens, em 1965; reunião da associação de estudantes paraguaios; festival poético de cinema da associação de estudantes centro-americanos; e reunião de estudantes venezuelanos (curso acadêmico de 1964/1965). Também, mencionamos os recitais de poesia da associação de estudantes centro-americanos e da associação de estudantes peruanos (curso acadêmico de 1965/1966).

Ainda, no dia 12 de outubro de 1965, foi realizada a sessão de abertura do Forun Universitario Iberoamericano, com a palestra “La presencia del universitário latino-americano em Europa”, ministrada pelo professor Alberto Sala Mestre. No curso de 1966/67, podemos destacar o recital poético de estudantes equatorianos, com a projeção do filme boliviano Ukamau; a Semana de México, com a exibição do filme Viento negro e festival folclórico Bailes y Canciones de Mexico; e a conferência “Antigua Guatemala, monumento de America”, ministrada por Maria Odete Orzú de Canivell, subgerente de turismo da Guatemala. Em novembro de 1969, a Casa de Brasil recebeu da Casa de Puerto Rico o diploma de “Socio Protector.” (Memoria de los Períodos Académicos, 1970, p. 18)

O curso acadêmico de 1964/1965 é representativo do ponto de vista organizativo e administrativo, assim como acadêmico e cultural. Os registros são ricos em detalhes, que descrevem, de modo especial, as atividades culturais - praticamente diárias - que estavam a cargo do assessor universitário Pedro de Oñate,11 empreendendo importantes iniciativas de apresentação e divulgação do Brasil na Espanha e vice-versa, assim como aproximações com o país vizinho, Portugal, e demais países latino-americanos, conforme descrevemos anteriormente. Entre as atividades mais frequentes, podemos destacar o cineclube, que era realizado em geral aos sábados; um dia de comemoração dos aniversariantes do mês; recitais de música, clube de teatro, cursos de idiomas (português, espanhol, inglês, francês e alemão), conferências, reuniões e palestras. A abertura oficial desse curso ocorreu no dia 11 de novembro de 1964, presidida pelo embaixador do Brasil, com a palestra do professor Sérgio Rábade Romeo, catedrático de Metafísica e diretor do Colegio Mayor Antonio de Nebrija. Dois dias depois, uma sessão solene do Sindicato Español Universitario foi realizada para entrega de prêmios de competições universitárias (Relatório do Período Académico 1964, 1965, p. 8).

Entre as diferentes atividades culturais organizadas para a projeção do Brasil na Espanha, podemos citar os colóquios brasileiros, que apresentavam as cidades/regiões. Em um primeiro momento, duas importantes cidades do país foram destacadas: São Paulo, com o título “São Paulo: el mayor centro industrial de America del Sur”, sob responsabilidade dos residentes paulistas Benedito Barreto Fonseca e das professoras Gerda Davanzo e Monica Paula Rector; e “Rio de Janeiro: ciudad maravillosa cumple 400 años”, que ficou a cargo do residente Agostinho Dias Carneiro.” (Relatório do Período Académico 1964, 1965, p. 12)

No ano seguinte, outras atividades marcaram as representações das diferentes regiões/estados do Brasil, como, por exemplo, a exposição folclórica sobre a Bahia e uma exposição geral sobre os estados brasileiros, ambas organizadas pelos próprios residentes (Memoria del Período Académico 1965, 1966).

O colóquio brasileiro realizado entre os meses de março e maio de 1970 dispôs de uma série de atos públicos a respeito de regiões e estados do Brasil, como, por exemplo, a exposição de fotografias, artesanato e gráficos estatísticos. No Dia da Bahia, de acordo com a Figura 5, houve um evento especial, assim descrito pelo diretor:

La sala de exposições fue decorada imitando la plaza de la Iglesia N.S. del Bomfim, en Salvador, sin faltar la típica caseta, donde três señoritas brasileñas, ataviadas com trajes de “baiana” sirvieron um pequeno plato de la comida típica “vatapá” a cerca de 400 invitados, que llenaron totalmente el recinto. (Memoria de los Períodos Académicos, 1970, p. 13-15)

Fonte: Memoria de los Períodos Académicos 1967/68; 1968/69; 1969/70, 1970, p.29.

Figura 5 - Coloquios brasileños (1970): residentes vestidas de baianas em companhia do diretor. 

A ocasião reuniu jornalistas de periódicos e revistas e a gravação de um programa, com entrevistas e música.

A Semana do Brasil era organizada pela Associação de Estudantes Brasileiros e contava com uma série de festividades, como, por exemplo, entre os dias 31 de maio e 5 de junho de 1965 ocorreu o lançamento da pedra fundamental do busto do padre Anchieta, patrono da biblioteca da residência, que seria inaugurada oficialmente em 1968 (Figuras 6 e 7). Uma conferência foi proferida pelo diretor da Casa de Brasil no Salão Nobre do Ateneu de Madri, relatando os três primeiros anos de sua experiência na Espanha. Nessa mesma ocasião, o diretor recebeu o diploma de membro honorário da Associação Universitária Brasileira pelo diretor da associação Benedito José Barreto Fonseca. Ainda nessa mesma semana de atividades, podemos citar uma missa do capelão José Lopez Caneda, um almoço no refeitório da residência, com o prato típico brasileiro feijoada, e um baile de encerramento nos salões do Hotel Plaza, em Madri, no dia 5 de junho de 1965.

Fonte: Memoria de los Períodos Académicos 1967/68; 1968/69; 1969/70, 1970, p. 10.

Figuras 6 e 7 - Cerimônia de inauguração da estátua do Padre Anchieta (1968). 

Na Semana do Brasil do curso seguinte, realizada entre os dias 24 e 30 de abril de 1966, além da apresentação dos diferentes estados brasileiros, foi dado destaque para o Rio Grande do Sul, sendo promovida uma confraternização-almoço com o churrasco gaúcho, prato típico da região (Memoria del Período Académico 1965, 1966).

Com vistas à divulgação do Brasil na Espanha, eram organizados cursos sobre o país, como, por exemplo, o intensivo de literatura brasileira e sua problemática, ministrado no período acadêmico de 1967/68 por Eliane Zagury, licenciada pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com carga horária de 15 horas e cerca de 60 alunos matriculados, uma parte de seu programa esteve dedicada à literatura brasileira, desde a época colonial até a contemporânea, e outra parte, a gêneros literários, correntes e problemática da literatura brasileira. Também, cursos de português eram ministrados todos os anos, em que se matriculava também o público geral, com exame ao final e certificação dos aprovados (Memoria de los Períodos Académicos, 1970, p. 8-9).

Se, por um lado, a divulgação do Brasil e do idioma português parecia ser um marco fundamental desde a proposta de criação da Casa de Brasil, por outro também eram frequentes as atividades que estimulavam os residentes a conhecer a Espanha e aproximações com as tradições universitárias desse país. Além da vinculação ao Sindicato Español Universitario desde o primeiro ano, conforme assinalamos anteriormente, os residentes da Casa de Brasil participavam de modo constante das competições esportivas. As festas universitárias também eram recorrentes, como, por exemplo, o Paseo del Ecuador, em comemoração à conclusão da primeira metade da carreira universitária. No período analisado, foram organizadas duas delas nas dependências da residência: uma do curso de aeronáutica, em 1965, e outra do curso de ciências, em 1966. A Fiesta Colegial, considerada uma tradição dos colegios mayores espanhóis, também fazia parte das atividades dos residentes.

O clube de excursões realizou algumas viagens para conhecer cidades espanholas, como, por exemplo, Salamanca e Segóvia (curso de 1964-1965) e, em 1966, a cidade de Toledo. Sobre o folclore musical e o território espanhol, foram doados sete rolos gravados de cintas magnetofônicas e um conjunto de slides sobre o território, ambos pelo Ministerio de Información y Turismo. No curso acadêmico de 1965/66, residentes espanhóis apresentaram documentários e palestras sobre diferentes regiões do país, tais como: El país Vasco, Semana de Málaga, Las Fallas de Valencia, Festival Flamenco e Charlas sobre Mallorca e Toledo. O curso de 1969-1970 contou com a presença de professores do Instituto de Sociologia y Desarrollo del Area Iberica Henrique Couceiro, Manuel Lizcano e Jaun José Sanz Jarque, que discorreram sobre temas da Espanha e da área ibérica de modo mais amplo (Memoria de los Períodos Académicos, 1970, p. 6).

Nesse contexto de aproximações, podemos assinalar as parcerias constantes com Portugal. Além da projeção de filmes portugueses na residência, alguns cedidos pela embaixada do país, o diretor da Casa de Brasil Joaquim da Costa Pinto Netto participou do I Congresso das Comunidades Portuguesas, em Lisboa, em dezembro de 1964, a convite especial do professor Adriano Moreira (Relatório do Período Académico 1964, 1965, p. 31). Também, tornaram-se recorrentes as viagens de estudantes brasileiros a Portugal, e o professor Adriano Moreira, na ocasião de uma conferência realizada na Casa de Brasil em 27 de janeiro de 1966, recebeu concessão de bolsa Colegial Mayor de Honor da Associação de Estudantes Brasileiros. O evento também contou com a presença do embaixador de Portugal Luís Pinto Coelho. O II Congreso de la Union de las Comunidades de Cultura Portuguesa ocorreu em Moçambique, em julho de 1967, e teve novamente a participação do diretor Joaquim da Costa Pinto Netto, como membro do Conselho da União das Comunidades de Cultura Portuguesa.

Um comunicado foi apresentado sobre a possibilidade de criação de outra Casa de Brasil na cidade universitária de Lisboa, tomando como base as que já existiam em Paris e Madri (Memoria del Período Académico, 1967, p. 32). O Encontro Europeu de Universitários, realizado todos os anos em Lisboa, contava especialmente com a participação dos Colegios Mayores de Madri, Salamanca, Valladolid, Oviedo e Valência, sendo a Casa de Brasil um dos colégios presentes nesse evento (Memoria de los Períodos Académicos, 1970, p. 8).

Citamos outras relações internacionais, sobretudo vinculadas à projeção de filmes, e parcerias com as embaixadas, que possibilitaram alguns ciclos históricos de cinema, tais como: Far-West, americana; Cine de arte, italiano; e Nouvelle Vague, francesa. A Semana da Cultura Egípcia nas dependências da Casa do Brasil foi patrocinada pela Embaixada da República Árabe (Relatório do Período Académico 1964, 1965, p. 26). Uma viagem de estudantes bolsistas foi organizada para a participação no curso de direito comparado de Estrasburgo, França, por 30 dias, mediado pelo professor Vega Salas, secretário do Instituto de Direito Comparado. Ainda, no curso acadêmico de 1966/67, foi organizado um seminário de humanidades que trouxe como temática o continente africano, com a conferência ministrada por P. Payet S. J. intitulada Panorama actual de África.

A CASA DE BRASIL COMO RESIDÊNCIA ESTUDANTIL E ESPAÇO CULTURAL

A primeira década de experiências e atividades da Casa de Brasil, como residência estudantil e espaço cultural, pode ser caracterizada pela interlocução entre diferentes países, consolidando, dessa maneira, um espaço precursor para países latino-americanos, com a criação dos colegios mayores argentino e colombiano, ambos no ano de 1971. A proposta de expandir a experiência para Lisboa, assim como as constantes interlocuções com o ambiente universitário espanhol e europeu, demarcou um cenário de inserção da recente rede de universidades brasileiras, especialmente impulsionadas pela CAPES.

Em relação aos estudantes brasileiros, cabe assinalar que, além das bolsas cedidas pelo Instituto de Cultura Hispánica, eles poderiam contar com bolsas e auxílios de outras instituições, assim como receber um auxílio do Departamento Cultural e Educacional do Itamaraty, do Brasil, para realizar estudos na Espanha.12

Para o acompanhamento mais eficaz dos residentes, especialmente dos bolsistas, dois formulários foram instituídos no curso acadêmico de 1964/65: um de projetos acadêmicos e outro de atividades, com a finalidade de estabelecer um sistema de pontos positivos e negativos. As informações contidas nesses dois formulários, no caso dos bolsistas brasileiros, eram enviadas diretamente à CAPES. Ainda, esse material era analisado para pedidos de reingresso, emissão de cartas para pais/responsáveis dos residentes,13 advertências e outros comentários sobre aproveitamento, disciplina, participação e engajamento nas normas e no espírito da residência (Relatório do Período Académico 1964, 1965).

Outro elemento que marcou a primeira década de experiências da Casa de Brasil e da gestão do primeiro diretor consiste em uma lista de orientações destinada às instituições brasileiras e estrangeiras quanto à saída de brasileiros para estudos fora do país. Organizada em cinco pontos, recomendava que os estudantes brasileiros, especialmente de pós-graduação, fossem encaminhados para centros que estivessem de acordo com suas especializações e que esses alunos recebessem dos órgãos oficiais as informações necessárias sobre as instituições culturais e científicas em que iriam realizar seus estudos.

Segundo Costa Pinto Netto, foram assinaladas algumas condições especiais para a concessão de bolsas e auxílios de viagem, que deveria ser autorizada somente quando efetivamente a instituição ou o centro de destino estivesse dirigido à área de especialização do estudante. Era recomendado o preenchimento mais rigoroso de relatórios de acompanhamento apresentados pelos estudantes sobre as atividades desenvolvidas, sendo o então diretor contrário aos relatórios muito amplos, livres, mais ou menos imprecisos e aleatórios; indicava-se, nesse caso, a substituição por formulários periódicos (não apenas ao final dos estudos) mais concisos e objetivos. Os estudantes/bolsistas deveriam apresentar um trabalho sério do curso realizado em seu estágio no exterior, e as instituições que concediam bolsas aos estudantes brasileiros deveriam selecioná-los de acordo com o modelo de currículo vitae, com os antecedentes pessoais e profissionais (incluindo estágios anteriores) devidamente comprovados. Em síntese, o diretor recomendava a exigência de uma “absoluta assiduidad a los centros donde realicen sus estúdios, pruebas concretas de aprovechamento durante y al final de sus cursos o estancias.” (Memoria del Curso Académico 1966, 1967, p. 15-16)

Do ponto de vista material, um balanço quantitativo permite-nos mencionar a constituição de um significativo acervo institucional, que contava em 1965 com 1.168 lâminas de projeção em cores, sendo 689 de aspectos brasileiros - organizadas por residentes especialmente por meio de fotografias retiradas das revistas brasileiras Manchete e O Cruzeiro - e 479 de aspectos espanhóis. O acervo da biblioteca Padre Anchieta era anualmente renovado com a aquisição e/ou doação de livros. Em relação às publicações periódicas, a residência assinava os jornais diários ABC e Ya, as revistas semanais Gaceta Ilustrada e La Cordoniz e a revista mensal Ritmo. Eram comuns insistências constantes de doações para instituições brasileiras e portuguesas, assim como o apoio da embaixada Brasileira em Madri, de onde recebia o maior número de doações.

Nessa década, cabe mencionar o lançamento da Revista de Cultura Brasileña, uma publicação periódica iniciada em 1962, fundada por João Cabral de Melo Neto e editada pelo Servicio de Propaganda y Expansión Comercial de la Embajada del Brasil em Madri. Inicialmente, foi dirigida por Angel Crespo Pérez, poeta, professor, ensaísta e tradutor crítico de arte espanhol. A secretaria de redação estava a cargo de Pilar Gómez Bedate, e, segundo o relatório de 1966 da Casa de Brasil, a revista era editada em suas dependências (Memoria del Período Académico 1965, 1966, p. 5).

Em setembro de 1970, a biblioteca contava com 2.450 volumes, com a média de 60% de publicações no idioma português. O curso acadêmico de 196719/68 recebeu doações do Serviço Cultural da Embaixada Americana em Madri, merecendo destaque para Grolier Universal Encyclopedia (20 volumes) e Appleton’s New Cuyas Dictionary Grolier (inglês-espanhol e espanhol-inglês, dois volumes). Outras doações foram recebidas, como de 425 volumes de livros didáticos de primeiro e segundo ciclos de ensino. Em 1970, o arquivo da discoteca contemplava 35 discos, 10 rolos de cintas e dois mil slides. Deste último tipo de coleção, cabe mencionar que ele era cedido para outros organismos culturais, colegios mayores e escolas, sendo realizadas 18 sessões fora da Casa de Brasil entre 1967-1970 (Memoria de los Períodos Académicos, 1970, p. 16-17 e p. 30).

Ao longo dessa primeira década, alguns ajustes espaciais foram realizados a fim de atender às atividades que tiveram maior êxito, de maneira especial as projeções do cineclube da Casa de Brasil, conforme já citado anteriormente. Uma tela panorâmica de cinema e uma cortina foram adquiridas, tendo em vista a necessidade de utilizar um mesmo espaço para os diferentes eventos - cine, teatro, palestras, seminários -, evitando assim mudanças constantes que prejudicavam os equipamentos e espaços.14 Afiliado à Federación de Cine-Clubs Españoles, o cineclube da Casa de Brasil consta como uma das atividades de maior assistência ao longo da década de 1960, firmando um convênio com o Colegio Mayor José António, em 1965, que permitia que seus residentes assistissem às sessões mediante o pagamento de uma cota anual. No curso de 1966/67, contabilizava cerca de mil sócios, com variados ciclos de cinema nacional e internacional: dinamarquês, japonês, cinema jovem espanhol, checoslovaco e polaco. Em 1968, o ciclo novo cinema brasileiro teve repercussão na imprensa espanhola: o jornalista Pedro Rodrigo dedicou três colunas no Diário Madrid a ele e Enrique Braso escreveu um extenso artigo na revista semanal Fotograma destacando “El gran Glauber Rocha”. No curso acadêmico de 1968/69, com cinco ciclos de cinema internacionais (americano, francês clássico, francês valores atuais, inglês e o novo cine brasileiro), contabilizaram-se cerca de 11 mil espectadores (Memoria de los Períodos Académicos, 1970, p. 12). Segundo dados dos relatórios anuais, o cineclube foi suspenso em dezembro de 1970, e no curso acadêmico de 1970/71 as projeções ficaram restritas somente aos residentes, assim como sessões públicas ou privadas de filmes brasileiros a colegiais ou convidados especiais.

As artes plásticas e exposições igualmente constituíram um espaço de destaque na residência, sendo a sala de televisão dividida em dois ambientes, uma parte seguia para o fim original, e a outra se destinava para o estúdio de artistas, sobretudo pintores, no curso acadêmico de 1965/66. Em 1969, dois murais foram pintados no hall do edifício pelo artista plástico Dirso José de Oliveira, um deles representa a evolução da humanidade, sobre madeira em acrílico, e o outro, sobre madeira com lápis de cera e cores suaves, aspectos folclóricos do nordeste brasileiro (Memoria de los Períodos Académicos, 1970, p. 16).

A questão religiosa, mais especificamente a presença do catolicismo desde o projeto e nas atividades desenvolvidas, consiste em um elemento-chave da constituição da Casa de Brasil nessa primeira década. Nessa perspectiva, desde a construção da capela em um espaço de destaque e o patrono da biblioteca, padre Anchieta, assinala-se a aproximação da Companhia de Jesus, um vínculo fundamental com a história do Brasil e da América espanhola. No período analisado, passaram pela residência vários religiosos, como o padre Angel Lopez Abad, que regressou ao Brasil e deixou indicação do padre José Lopez Caneda. Este esteve até o fim do ano letivo de 1965, quando assumiu um estágio em Salamanca. Pela sua ausência, Caneda indicou o padre Miguel Angel Elosua para um mês e, em seguida, o padre Luis Palacín Gomez (Relatório do Período Académico 1964, 1965).15

Além das missas regulares, as programações de eventos estiveram alinhadas com as celebrações religiosas, como missas especiais programadas para a Semana do Brasil, que ocorriam anualmente entre os meses de abril/maio. No início do ato comemorativo desse evento no ano de 1967, no dia 1º de maio, uma missa especial foi concelebrada na sala de exposições por nove sacerdotes e teve a participação de residentes que tocaram e cantaram a Missa do Morro, especialmente recebida do Brasil.16 Em decorrência do êxito dessa atividade religiosa, o evento foi repetido no dia 7 de maio, a pedido da embaixada do Brasil, que convidou corpo de diplomáticos de várias nações, contando com a presença de 400 pessoas, e autoridades de diferentes países hispano-americanos, Portugal e Estados Unidos. Além disso, nesse mesmo mês foi celebrada uma missa especial, por sacerdotes chilenos, como atividade da Semana do Chile de 1967 (Memoria del Curso Académico 1966, 1967, p. 11).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando o momento da criação e a primeira década de funcionamento do Colegio Mayor Casa de Brasil em Madri, observamos um cenário de modernização do Brasil que foi impulsionado pelo plano de metas do governo de Juscelino Kubistchek. No âmbito do ensino superior, o país esteve alinhado ao projeto de ampliação e diversificação da graduação e pós-graduação, de modo especial organizado após a fundação da CAPES, do fornecimento de possibilidades de formação de estudantes e profissionais brasileiros no exterior e da aproximação da cultura universitária europeia. Na Espanha, a Casa de Brasil esteve vinculada ao projeto de modernização dos colegios mayores, ou seja, espaços que, além da função de moradia estudantil, contemplavam uma significativa produção artística, cultural e intelectual no cenário universitário de diferentes cidades espanholas a partir dos anos 1950. Igualmente, representam um espaço de certa abertura, propício para a recepção de influências educativas internacionais durante o regime ditatorial de Franco.

A estrutura e as regras gerais da residência estiveram alinhadas ao Estatuto de 1963 e aos dois regulamentos (1963 e 1966) que definiram o espaço da Casa de Brasil como residência mista de estudantes, apesar de a seção feminina ser apresentada em documentos internos como uma espécie de anexo da parte masculina. Valendo-se da documentação analisada, visualizamos alguns aspectos da gestão, especialmente no que diz respeito à escolha dos representantes estudantis, que passaram de eleitos pelo colegiado a escolhidos entre os estudantes nomeados com bolsa. A presença constante do diretor nas atividades do colegiado e a criação da figura do inspetor de disciplina, inserida em 1966, reforçam a ideia de controle dos inúmeros eventos realizados anualmente.

As atividades culturais e seus diálogos com a América Latina e Portugal constituíram um dos principais elementos observados nos relatórios anuais. Podemos assinalar o vínculo com as associações estudantis de países da América Latina, que utilizavam os espaços da Casa de Brasil para reuniões e atividades culturais relacionadas a seus países. A aproximação com Portugal é visível pela participação do diretor Joaquim da Costa Pinto Netto e demais residentes em eventos vinculados a esse país e, também, pelos convites especiais e pelas visitas do professor português Adriano Moreira, que recebeu menção honrosa dos estudantes brasileiros.

As relações estabelecidas com a Espanha consistiram em um dos principais marcos nessa primeira década, pois, além da presença significativa de residentes do país, que apresentaram as diferentes regiões/cidades espanholas, podemos citar o estímulo a festas universitárias, viagens, excursões e cursos do idioma espanhol, que esteve destinado, em grande parte, aos estudantes brasileiros. Outro aspecto que merece a nossa atenção é o caráter religioso, como um acercamento das relações entre Brasil e Espanha e entre os diferentes países que integravam esse espaço, sobretudo os da América Latina.

A concessão de bolsas aos residentes, em sua grande maioria destinada aos brasileiros pelo Instituto de Cultura Hispánica, configurou, dentro da casa, um grupo diferenciado, que merecia um tipo de cobrança especializada por parte da direção da Casa de Brasil, assim como da Capes. Foi possível observar uma série de iniciativas do diretor para a verificação e cobrança de rendimentos de modo mais direto desses residentes. Para isso, instituiu dois formulários - um de projetos e outro de aproveitamento - e, ainda, enviou ao Brasil uma série de recomendações, que compreendia desde o planejamento da viagem de estudantes de graduação e pós-graduação à recomendação da alteração do formato dos relatórios parciais e finais elaborados pelos bolsistas.

Com base no estudo realizado, foi possível constatar a consolidação da Casa de Brasil enquanto residência estudantil e espaço cultural, especialmente vinculada aos residentes brasileiros, espanhóis e latino-americanos. O grande número de atividades e eventos internos e públicos desenvolvidas semanalmente, assim como as relações e parcerias firmadas dentro e fora da residência, sinaliza para a inserção da Casa de Brasil no processo de modernização da educação superior espanhola. Também, visualizamos a constituição de um acervo institucional, as colaborações entre diferentes instituições e o desenvolvimento de estratégias que facilitaram uma projeção da Casa de Brasil no cenário espanhol pelo intercâmbio de experiências culturais e universitárias.

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1 Segundo Lascaris (1952), os primeiros colégios criados na Espanha para receber estudantes hispano-americanos foram: o Colégio Mayor Casa de Santa María del Buen Aire, criado em 1943 em Sevilha; o Colégio Mayor Nuestra Señora de Guadalupe, criado em 1947 em Madri; e o Colégio Mayor Hernán Cortez, criado em 1950 em Salamanca.

2 Utilizamos como nomenclatura relatórios dos períodos acadêmicos, que se iniciam, de modo geral, no mês de setembro e finalizam em junho do ano seguinte. No período analisado, a nomenclatura é alterada de relatório para memória. Nas referências mantemos a escrita original.

3 A atual Universidad Complutense de Madrid mudou de nome em diferentes ocasiões durante o século XX. Desde 1850, seu nome era Universidad Central. Entre os anos de 1943 e 1970 adotou a denominação de Universidad de Madrid. Em 1970 recebeu o nome Universidad Complutense de Madrid, que mantém até os dias atuais.

4 Joaquim José da Costa Pinto Netto (Salvador, BA, 1913-1996) foi o primeiro diretor da Casa de Brasil e esteve no cargo até o ano de 1973. Graduou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia da Bahia (1943). Foi professor do Ginásio da Bahia e do Instituto Normal da Bahia. Mudou-se para Rio de Janeiro, onde desempenhou, além de atividades como professor, também as de comerciário (Wildberger, 1957, p. 43). Foi enviado à Europa, juntamente com o embaixador Manoel Emilio Pereira. Guilhon, por meio dos contatos com Anísio Teixeira e Péricles Madureira de Pinho, para tratar da criação da Casa do Brasil (Araújo, 2012).

5 O Instituto de Cultura Hispánica foi criado em 1945, como um organismo assessor do Ministerio de Asuntos Exteriores da Espanha. As relações com países ibero-americanos seguiram vinculadas na segunda metade do século XX ao Instituto de Cooperación Iberoamericana, criado em 1979, incorporado, em 1989, a Agencia Española de Cooperación Internacional, passando a integrar a Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo. Informação disponível em: https://www.aecid.es/ES/biblioteca/un-poco-de-historia/historia-y-or%C3%ADgenes. Acesso em: 20 jul. 2020.

6 O Estatuto da Casa, de 1963, em seu artigo 2º, dispõe sobre o Conselho de Administração e esclarece que caberia ao Ministério da Educação e Cultura do Brasil propor o nome do diretor ao Ministério de Educación Nacional da Espanha. O Conselho da Casa estava organizado em oito membros, sendo o diretor um deles, possuindo direito à voz, mas não ao voto. Os demais membros estavam assim distribuídos: embaixador do Brasil na Espanha; reitor da Universidad Complutense de Madrid; diretor do Instituto de Cultura Hispánica; personalidade espanhola com vinculação ao Brasil designada pelo Ministério de Educación Nacional da Espanha; representante do setor de cultura espanhola, designado pelo embaixador; representante do Instituto Brasileño de Cultura Hispânica, designado pela direção; e personalidade brasileira com vinculação à Espanha, designada pelo Ministério da Educação e Cultura do Brasil. O conselho deveria desempenhar as funções de examinar, aprovar e remeter ao Minstério da Educação e Cultura do Brasil a memória anual da casa, o programa de administração e as atividades gerais, a nomeação do diretor, as mensalidades, petições de renovação de moradia na residência, escala da equipe de trabalho, sanções sobre diretor, equipe de trabalho e residentes, assim como as possíveis omissões feitas pelo diretor. As reuniões do conselho deveriam ocorrer una

7 Livro registro do ato de inauguração, 4 de julho de 1962, p. 1. Acervo da Casa do Brasil/Madrid. Espanha.

8 O edifício e suas instalações foram tema central no início das atividades, merecendo destaque uma variedade de imperfeições e deficiências que foram encarregadas à Torregrosa Empresa Constructora e, também, as mudanças de disposição dos espaços projetados originalmente, como a sala do diretor e a secretaria, que foram divididas em sala de música e sala de televisão, assim como o deslocamento do espaço destinado a princípio à biblioteca, que passou a funcionar no térreo do bloco B, e ainda o espaço do salão central, que foi destinado para as reuniões dos estudantes (Relatório do Período Acadêmico, 1963).

9 Sobre o tema, ver Ruiz Carnicer (1996).

10 Um novo organograma foi apresentado no curso de 1966/67, muito semelhante ao anterior, passando a contar com um inspetor de disciplina, que estava vinculado ao setor cultural (biblioteca, atos públicos, cursos e capela) e diretamente subordinado ao diretor.

11 Pedro de Oñade exonerou-se do cargo ao final do ano letivo para assumir a cátedra de filosofia no interior da Espanha. Para substituí-lo, foi designado Alvaro Buj Gimeno, professor auxiliar da cátedra de pedagogia geral e da de fundamentos de filosofia, da Universidad de Madrid. A justificativa apresentada para a escolha consiste no fato de Gimeno ser um ex-residente, do curso 1964/65, e estar familiarizado com o funcionamento e a gestão da Casa de Brasil (Relatório do período académico 1964/65, Madrid, 1965).

12 No curso acadêmico de 1964/65, podemos visualizar uma lista de instituições que forneceram o total de 14 bolsas para estudantes brasileiros: Relaciones Culturales, do Ministério do Exterior espanhol; Organização dos Estados Americanos; Fundação Ford, União Panamericana e Organización Iberoamericana de Seguridad Social; Food and Agriculture Organization; Câmara de Veradores de Campina Grande (Paraíba); e Prêmio de Viagem Museu Nacional do Rio de Janeiro (Relatório do período académico 1964/65, Madrid, 1965, p. 38).

13 As cartas remetidas aos pais e responsáveis ao final dos cursos acadêmicos descreviam o aproveitamento nos estudos, assim como o comportamento e a disciplina dos residentes (Memoria del período académico 1965/66, Madrid, 1966).

14 Os filmes eram projetados em máquinas alugadas de 35 mm (Memoria de los Períodos Académicos, 1970, p. 13).

15 Desde o ano de 1976, José Luis Cancelo Garcia, religioso Agostinho, é o capelão na Casa de Brasil. Desempenhou, também, a função de assessor universitário entre 1977 e 1980.

16 De acordo com Campos (2017), no ano de 1965, uma missa sincretista foi anunciada em um jornal, sendo celebrada na Basílica de São Bento, na cidade de Salvador. A proposta era a apresentação de músicas populares acompanhadas por instrumentos de percussão, como atabaques e berimbaus. A celebração, segundo a autora, era intitulada Missa do Morro.

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Recebido: 22 de Dezembro de 2020; Aceito: 15 de Julho de 2021

Tatiane De Freitas Ermel é doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Professora da Universidade Complutense de Madri (Espanha). E-mail: tatiane.ermel@gmail.com

Jon Igelmo Zaldívar é doutor em Educação pela Universidade Complutense de Madri (Espanha). Professor da mesma instituição. E-mail: jigelmoz@ucm.es

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Contribuições dos autores: Conceituação, Curadoria de Dados, Análise Formal, Investigação, Metodologia, Escrita - Primeira Redação: Ermel, T. F.; Zaldívar, J. I. Escrita - Revisão e Edição: Ermel, T. F.

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