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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub 27-Jul-2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270066 

Artigos

Cidadania desde a infância e educação para a democracia: da negação da fala à perspectiva de fortalecimento da voz da criança

CIUDADANÍA DESDE LA INFANCIA Y EDUCACIÓN PARA LA DEMOCRACIA: DE LA NEGACIÓN DEL HABLAR A LA PERSPECTIVA DE FORTALECER LA VOZ DEL NIÑO

Delma Lúcia de Mesquita I  
http://orcid.org/0000-0002-3143-2469

IInstituto Paulo Freire, São Paulo, SP, Brasil.


RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar os pressupostos teóricos que fundamentam a promoção da cidadania desde a infância, na educação escolar, como base da educação para a democracia. Fruto de pesquisa teórica e abordagem qualitativa, com dados obtidos em revisão bibliográfica, o estudo destaca os marcos legais sobre a infância no Brasil, desde o final do século XIX até a atualidade, considerando sua interface com a legislação mundial. Busca também responder a algumas questões orientadoras acerca da relação entre cidadania, infância e educação, entre elas: quais os fundamentos para que a cidadania seja trabalhada na escola como conteúdo da educação para a democracia? Conclui-se que a educação para a democracia deve criar oportunidades pedagógicas e alternativas metodológicas no ambiente escolar que visem à construção e à vivência da cidadania desde a infância, sendo imprescindível considerar e fortalecer a voz das crianças.

PALAVRAS-CHAVE cidadania; infância; educação; democracia; voz da criança

RESUMEN

El objetivo de este artículo es analizar los supuestos teóricos que sustentan la promoción de la ciudadanía desde la infancia en la educación escolar como base de la educación para la democracia. Como resultado de una investigación teórica y un enfoque cualitativo, con datos obtenidos de una revisión bibliográfica, el estudio destaca los hitos legales sobre la infancia en Brasil, desde fines del siglo XIX hasta la actualidad, considerando su interfaz con la legislación global y busca responder algunas preguntas orientativas sobre la relación entre ciudadanía, infancia y educación, entre ellas: ¿Cuáles son las bases para que la ciudadanía se trabaje en la escuela como contenido de la educación para la democracia? Concluimos que la educación para la democracia debe generar oportunidades educativas y alternativas metodológicas en el ámbito escolar que apunten a construir y vivir la ciudadanía desde la niñez, y es fundamental considerar y fortalecer la voz de los niños.

PALABRAS CLAVE ciudadanía; infancia; educación; democracia; voz de niño

ABSTRACT

The aim of this article is to analyze the theoretical assumptions that underlie the promotion of citizenship since childhood in school education as the basis of education for democracy. As a result of theoretical research and a qualitative approach, with data obtained from a bibliographic review, the study highlights the legal milestones on childhood in Brazil, from the end of the 19th century to the present, considering its interface with global legislation. It also seeks to answer some guiding questions about the relationship between citizenship, childhood and education, among them: what are the fundamentals for citizenship to be worked with in school as a content of education for democracy? We conclude that education for democracy must create educational opportunities and methodological alternatives in the school environment that aim at building and experiencing citizenship since childhood, and it is essential to consider and strengthen the voice of children.

KEYWORDS citizenship; childhood; education; democracy; child’s voice

INTRODUÇÃO

As análises aqui propostas estão fundamentadas no entendimento de criança como sujeito integrante de um dos grupos participantes da sociedade, que se apresenta com ideias próprias, capacidade de escolher, emitir opinião e participar diretamente em decisões sobre os vários contextos sociais em que vive.

A visão do estado e da sociedade sobre a capacidade dos mais jovens em participar como agentes ativos na reflexão, proposição e efetivação de seus direitos, no Brasil, foi-se transformando ao longo do período republicano. Sobre essa ideia inicial, destaca-se, na história de nosso País, no período delimitado, a tensão entre uma visão da criança como “objeto” passivo a quem são dirigidas “ações protetivas” de modo paternalista e o entendimento de criança como sujeito de direitos. Essa visão não exclui o aspecto protetivo e a responsabilidade do Estado e da sociedade na garantia dos direitos próprios da infância, mas também propõe uma visão de criança e de adolescente como pessoa com capacidade de expressão própria e de participação nas decisões em assuntos relativos a sua vida. Com base nessas premissas, o presente artigo está organizado em dois momentos que se complementam.

Em primeiro plano, são destacados os marcos legais sobre a infância ocorridos no Brasil ao longo do século XX e início do XXI, dialogando com a legislação mundial, com o objetivo de identificar os avanços e retrocessos na visão do Estado e da sociedade a respeito da capacidade dos mais jovens em participar como agentes ativos na discussão, proposição e efetivação de seus direitos. Compõem esse item exemplos de algumas experiências desenvolvidas na atualidade que revelam as possibilidades do exercício da cidadania desde a infância, por meio de projetos ou ações educativas pontuais em espaços não escolares.

No segundo momento, procura-se responder a três questões orientadoras das reflexões sobre a cidadania exercida desde a infância: qual o conceito de cidadania tomado como referência? Quais os fundamentos para que a cidadania seja trabalhada na escola como conteúdo da educação para a democracia? Quais características particulares da criança - grupo social majoritário no interior da escola - devem ser respeitadas com vistas a concretizar um projeto de educação para a democracia, que possibilite o exercício da cidadania desde a infância? Tais questões visam principalmente contribuir para esclarecer os pressupostos teóricos que levam à defesa da possibilidade de exercício da cidadania desde a infância e fundamentam sua promoção na educação escolar. A última parte do texto é dedicada à apresentação das considerações finais.

O PARADIGMA DA “MENORIDADE” COMO SILENCIAMENTO DA VOZ NA INFÂNCIA

Ao propor breve revisão crítica sobre a formulação de leis relativas à infância no Brasil, levou-se em conta a ideia de que é possível encontrar no sistema legal de uma sociedade uma síntese da visão adulta sobre as crianças (Qvortrup, 2010).

O entendimento adotado no presente estudo é o de que o movimento social resultante da tensão entre diferentes grupos de interesse que participam da tessitura da realidade ora se antecipa à lei e influencia sua revisão, ora é antecipado pelos legisladores. Sendo assim, as leis não podem ser consideradas isoladamente, pois é na relação entre diferentes parâmetros que a arquitetura da infância pode ser compreendida e que se vão delineando as ações dos adultos em relação às crianças em uma sociedade.

O sistema jurídico atual incide sobre vários aspectos relativos à vida na infância e adolescência, de forma muito ampla, em termos de: cuidado, proteção, responsabilidades, trabalho, educação, saúde, profissionalização, entre outros. Nem sempre foi assim, no entanto. A inserção dos direitos da criança e do adolescente no cenário jurídico brasileiro e mundial praticamente inexistiu até o século XIX.

As ações destinadas a esse estrato da população, durante um longo período de tempo, ocorreram quase exclusivamente no campo assistencial, de maneira caritativa, predominantemente por ordens religiosas, para atender a crianças e adolescentes vistos como rejeitados e/ou abandonados (Rizzini e Rizzini, 2004). Contudo, o que se vem processando no decorrer da história, principalmente durante todo o século XX e nas duas primeiras décadas do século XXI, é o aumento significativo do espaço para a discussão de pontos de vista diversos e a proposição de leis e políticas direcionadas à infância e juventude.

Contrapondo-se à visão hegemônica de incapacidade da criança para expressar juízos e participar opinativamente de decisões, construiu-se no meio acadêmico e político, com ênfase a partir da segunda metade do século XX, um discurso que apresenta a criança como ser capaz de formular sua própria visão de mundo e participar ativamente de ações da vida cotidiana que a afetam.

Esse discurso, aos poucos, tem influenciado a elaboração dos estatutos legais que se referem aos diversos aspectos da vida das novas gerações, bem como o que mais nos interessa na presente análise: as proposições de políticas e projetos educacionais voltados para a construção da cidadania no meio escolar, principalmente com foco na formação política e na atuação participativa do estudante na gestão da escola, desde a infância.

A construção social e também política dos direitos da infância dá-se dialeticamente em um cenário de arena política no qual ocorre um embate entre as perspectivas de diferentes atores que apresentam visões divergentes e, em alguns casos, bem antagônicas, sobre o tema. Na contemporaneidade, a visão que considera as características próprias da cidadania desde a infância e advoga em favor de políticas e ações que respeitem e concretizem os direitos da criança e do adolescente, em nosso país, foi

[...] incorporada na agenda dos atores políticos e nos discursos oficiais muito recentemente, em função da luta dos movimentos sociais no bojo da elaboração da Constituição de 1988. [...] As polêmicas relativas às políticas para a infância demonstram esse conflito de visões e de estratégias, por exemplo, a que se refere à divergência entre os que privilegiam a punição e os que privilegiam o diálogo, a negociação, as medidas educativas. (Faleiros, 2011, p. 35)

O tipo de política que se configura como suporte para a vivência plena da cidadania pressupõe uma relação do Estado com a sociedade diferente daquela verificada tradicionalmente no Brasil desde o período colonial, avançando pelo Império e início da República. Essa “nova política”, ao buscar superar a concepção de “menorização da infância” (Faleiros, 2011), funda-se no direito e na participação para elaborar formas de agir com a criança (sujeito de direitos/ em situação peculiar de desenvolvimento/ vista como um ser ativo) e não sobre ela (objeto a ser moldado/ de forma paternalista/ vista como um ser passivo), procurando equilibrar sua “autonomia [...] com a solidariedade social e o dever do Estado em proporcionar e defender seus direitos como cidadã.” (Faleiros, 2011, p. 36)

O quadro jurídico, no início da fase republicana no Brasil, ainda não apontava para a atenção oficial à infância, haja vista a inexistência de referências às crianças na primeira Constituição Republicana, de 1891. Há somente duas alusões relativas à educação na referida Carta Magna, que dizem respeito especificamente ao ensino superior e ao nível secundário (Breda, 2015).

Essa invisibilidade da infância no início da República, na lei máxima do País, é um fato intrigante, “pois a população brasileira de até 14 anos já representava cerca de 44% do total, de acordo com dados do recenseamento de 1900.” (Breda, 2015, p. 84)

O foco da atenção do governo central naquele momento direcionava-se principalmente para a “proteção”. De um lado, afirmava-se que era preciso proteger a criança contra os vícios nela causados pela sociedade. Por outro lado, buscava-se prevenir possíveis males causados à sociedade pelas crianças. Entretanto, qual criança era essa que tanto preocupava? Nas palavras de Rizzini (2011, p. 45, grifo meu), era aquela que “[...] personificava o perigo ou ameaça propriamente ditos (‘viciosa, pervertida, criminosa...’) ou [...] potencialmente perigosa.”

Era latente a preocupação do poder oficial com as “crianças perigosas”, constatada pelas diversas referências a elas, com esse sentido, na legislação da última década do século XIX e nos anos iniciais do século XX. Breda (2015) aponta determinações destinadas às crianças no Código Penal de 1890 (vigente até 1940); também no Código Civil de 1916 (vigente até 2002), bem como no decreto de assistência e proteção a menores abandonados e delinquentes, de 1923. Um destaque especial, como primeiro marco legal relacionado especificamente à infância e adolescência no Brasil, deve ser dado ao Decreto-Lei 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, que regulamentou a proteção e a assistência, unificando as duas leis anteriores e tornando-se conhecido como Código de Menores.

O Código de Menores de 1927 sintetiza o pensamento oficial da época em relação à infância. E o interesse legal recaía sobre duas categorias principais:

[...] a proteção das crianças nos diversos espaços que ocupa (a família, o trabalho, as instituições de assistência e de instrução) e o enfrentamento dos problemas das crianças que estão fora da família, seja por terem sido abandonadas, por terem sido retiradas de suas famílias ou as perdido e ainda pela necessidade de lidar com aquelas que, por serem delinquentes, não mais podem permanecer com suas famílias. (Breda, 2015, p. 91)

O acesso da população aos direitos sociais, promessa do novo regime, não se efetivou nas primeiras décadas da República. Em relação à garantia de ensino público como um dos direitos fundamentais para o desenvolvimento da cidadania desde a infância, não foi diferente, tendo sido mesmo “um fracasso” (Faleiros, 2011).

Naquele momento, houve continuidade do que se via até então, em que

a intervenção do Estado não se realiza como uma forma de universalização de direitos, mas de categorização e de exclusão, sem modificar a estratégia de manutenção da criança (pobre) no trabalho, sem deixar de lado a articulação com o setor privado e sem se combater o clientelismo e o autoritarismo. (Faleiros, 2011, p. 49, parênteses meus)

O conceito de “situação irregular” foi-se consolidando como “conceito-chave” na formulação de políticas para a infância no decorrer do século XX. A responsabilização pela “situação irregular”, que abrangia desde os maus-tratos, a falta de instrução e de condições de saúde, até os atos infracionais, recaía sempre sobre a família, como falta de responsabilidade e desvio de conduta dos pais. Nessa perspectiva, a pobreza era considerada um “defeito” e a atitude oficial em relação aos pobres tinha caráter assistencial para aqueles considerados em risco e repressivo para os tidos como perigosos ou delinquentes (Faleiros, 2011, p. 172).

As políticas voltadas para a infância, praticadas a partir de 1930 e que perduraram por muitos anos, tinham como enfoque “a família como elemento participativo no desenvolvimento da criança e do adolescente, e a sociedade como responsável pela garantia do direito de proteção aos mesmos, isentando assim, o Estado de qualquer responsabilidade.” (Poletto, 2012, p. 5)

Após o primeiro Código de Menores, de 1927, inicia-se um período, entre as décadas de 1930 e 1970, em que o estabelecimento de leis direcionadas à infância no Brasil se intensificou e ocorreu a criação de diversas instituições públicas, em alguns casos em parcerias com o setor privado, a Igreja e organizações da sociedade civil, para operacionalizar as políticas direcionadas à população que se encontrava em “situações irregulares”. O Quadro 1, organizado por Perez e Passone (2010), ilustra esse cenário em relação ao atendimento às crianças e aos adolescentes marginalizados. Passa por fases da República em que se alternaram, paradoxalmente, avanços na ampliação dos direitos sociais diante da pressão e da luta de setores mais progressistas da sociedade com retrocessos em relação aos direitos civis e políticos, sob o jugo de governos mais autoritários - no caso, após dois golpes: o de Vargas, que instaurou um governo populista-autoritário entre 1937 e 1945; e o golpe civil-militar de 1964, que instaurou a ditadura no país até 1985.

Quadro 1 - Contextualização histórica do atendimento à infância no Brasil (1889-1985) 

Períodos Principais normatizações e legislações Principais características
Primeiros passos: marcos legais e normatizações (1889-1930)

  • - Código Criminal do Império (1830)

  • - Lei do Ventre Livre (1871)

  • - Código Penal da República (1890)

  • - Código de Menores (1927)

  • - Infância como objeto de atenção e controle do Estado

  • - Estratégia médico-jurídico-assistencial

Autoritarismo Populista e o Serviço de Assistência ao Menor (1930-1945)

  • - Departamento Nacional da Criança (Decreto-Lei n. 2.024 de 1940)

  • - Serviço de Assistência ao Menor (SAM) (Decreto n. 3.799 de 1941)

  • - Estabelece a Legião Brasileira de Assistência

  • - Avanço estatal no serviço social de atendimento infantil

  • - Organização da proteção à maternidade e à infância

Democracia Populista (1945-1964)

  • - Serviço de Colocação Familiar (Lei n. 560, de 1949)

  • - Serviço Nacional de Merenda Escolar (Decreto n. 37.106, de 1955)

  • - Instituto de Adoção (Decreto-Lei n. 4.269, de 1957)

  • - Leis das Diretrizes e Bases da Educação (Decreto-Lei n. 4.024, de 1961)

  • - Manutenção do aparato legal

  • - Regulamentação dos serviços de adoção

Ditadura militar e a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (1964-1985)

  • - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Decreto n. 4.513, de 1964)

  • - Diminuição da idade penal para 16 anos (Lei n. 5.258, de 1967)

  • - Acordo entre o Fundo das Nações Unidas para Infância e o Governo dos Estados Unidos do Brasil (Decreto n. 62.125, de 1968)

  • - Código de Menores (Lei n. 6.697, de 1979) − “Doutrina da Situação Irregular do menor”

  • - Reordenamento institucional repressivo

  • - Instituição do Código de Menores de 1979

  • - Contradições entre a realidade vigente e as recomendações das convenções internacionais sobre o direito da infância

Fonte: Perez; Passone, 2010.

Neste ponto, é importante esclarecer como se desenvolveu e se fortaleceu no Brasil outra visão de infância, em contraponto ao paradigma da menoridade. Este último era sustentado tanto pelo discurso higiênico da “proteção” quanto pelo discurso jurídico da “repressão” e da “moralidade”, que foi se delineando e sendo assumido oficialmente durante praticamente todo o século XX.

O PARADIGMA DA “PROTEÇÃO INTEGRAL”: CRIANÇAS E ADOLESCENTE COMO SUJEITOS DE DIREITOS

A situação de crescimento exponencial do abandono e da exploração de crianças e adolescentes no Brasil e no mundo, desde o final do século XIX - agravada nas primeiras décadas do século XX, com a industrialização, e principalmente no período pós-Guerras Mundiais, somada à inexistência de um sistema protetivo ou à ineficácia dos já existentes em alguns países - passou a ser motivo de preocupação para os governos e a população em geral.

Assistia-se à situação deplorável a que os mais jovens e mais vulneráveis eram submetidos em consequência de guerras, exploração de trabalho infantil, miséria decorrente das desigualdades econômicas inerentes ao sistema capitalista, entre outros fatores. O cenário descrito fez com que a garantia de direitos especiais na infância ganhasse espaço cada vez mais relevante de discussão e ações na sociedade.

Mundialmente, um dos principais marcos no início do movimento de defesa dos direitos da criança foi a fundação, em 1919, do Save the Children Fund International Union,1 - organismo com atuação fundamental na elaboração, em 1924, da primeira declaração adotada internacionalmente, conhecida por Declaração de Genebra, que fortaleceu “a premissa da criança em primeiro lugar.” (Sani, 2013)

Chega-se a 1946, logo após a II Guerra Mundial. Sob forte influência do movimento internacional em defesa da infância, é criada a Fundação das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), organismo internacional que, segundo Fernandes (1998), visa principalmente melhorar a vida das crianças ao fomentar, elaborar e apoiar projetos que ofereçam serviços de saúde, educação, nutrição e bem-estar. A UNICEF instalou um escritório no Brasil em 1948, passando a apoiar e financiar projetos diretamente em nosso país.

A aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, serviu como pano de fundo para que, em 1959, a mesma entidade aprovasse e adotasse oficialmente a Declaração Universal dos Direitos da Criança.

Não obstante a visão hegemônica de infância passiva, o fato é que, já na Declaração dos Direitos da Criança, os integrantes das novas gerações começaram a aparecer como sujeitos portadores de direitos e, para além do mero exercício destes, deveriam ser ouvidos em suas opiniões sobre vários aspectos da realização de uma vida digna em sua plenitude. Entretanto, os primeiros avanços em termos de se garantir em documentos oficiais a visão de criança e adolescente como partícipes ativos na construção de sua cidadania só viria a se efetivar, na prática, com o engajamento da sociedade civil, durante muitos anos, na luta pelo compromisso de cada Estado em proteger a infância e elaborar políticas “adaptadas às novas concepções emergentes sobre a criança, que ditavam novas dimensões a ter em atenção.” (Sani, 2013, p. 79)

No Brasil, o debate no campo educacional foi retomado após o período Vargas, com a tramitação do anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em 1946, alicerçada em princípios liberais e democráticos estabelecidos pela Constituição recém-promulgada. O Ministério da Educação foi criado em 1953, desvinculando-se do Ministério da Saúde, e a LDBEN, após vários substitutivos, foi regulamentada em 1961, depois de anos de debates acirrados entre diversos grupos de interesse.

Em razão da situação caótica do País em termos de acesso ao ensino público, no início da década de 1950 o contingente de analfabetos chegava a 50% da população com mais de 15 anos, e somente 26% das crianças e jovens com idades entre cinco e 19 anos estavam escolarizados (Romanelli, 1991 apudPerez e Passone, 2010, p. 660). O cenário educacional continuava preocupante e, em 1960, ainda havia 39,5% de pessoas entre 15 e 69 anos analfabetas (Faleiros, 2005, p. 173).

Mesmo com a luta dos movimentos de educadores e outros atores sociais que militavam em favor do atendimento da demanda do ensino primário, bem como de sua obrigatoriedade e gratuidade - apontadas ambas como condições essenciais para se dar um passo inicial no sentido do estabelecimento das “condições mínimas para qualquer regime democrático” (Perez e Passone, 2010, p. 660) -, prevaleceram, naquela LDBEN de 1961, outros interesses.

De um lado, em detrimento da expansão do acesso ao ensino primário e de sua obrigatoriedade, o que prevaleceu foi o interesse do ramo do ensino técnico, como estratégia para atender às demandas por profissionalização do setor industrial. Por sua vez, a aliança entre estabelecimentos particulares e a Igreja, até então detentora do monopólio educacional, proporcionou uma relação de forças no cenário político que manteve “o acesso privado aos recursos da educação” (Perez e Passone, 2010, p. 660) e o consequente desprestígio do ensino público.

No Brasil, entre a década de 1950 e o início da de 1960, houve avanços nas políticas voltadas para a infância, sob influência de agências multilaterais como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), com ações “de preservação da saúde da criança e de participação da comunidade, e não somente repressiva[s] e assistencialista[s]” (Perez e Passone, 2010, p. 660). Uma marca dessa influência, a partir dos anos 1960, foi a criação de “centros recreativos e a participação da comunidade nos próprios programas, como um mecanismo de desenvolvimento social e comunitário da organização social.” (Perez e Passone, 2010, p. 660)

Por outro lado, a partir do novo ordenamento institucional decorrente do golpe de 1964, dificultou-se a articulação do movimento de defesa de políticas que reconhecessem os direitos universais da infância. No âmbito da Doutrina de Segurança Nacional, foi estabelecida a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), que introduziu a rede nacional da Fundação do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) em 1970.

O segundo “Código de Menores”, promulgado em 1979, só veio reforçar as políticas anteriores ao estabelecer a Doutrina do Menor em Situação Irregular. Essa lei não tinha uma proposta de abrangência universal de cuidado para todas as crianças e adolescentes, pois se restringia àqueles “que se encontravam nas situações descritas como irregulares, entre eles, as vítimas de maus-tratos, as vítimas da omissão dos pais ou responsáveis e os autores de infração penal.” (Faraj, Siqueira e Arpini, 2016, p. 730)

Após a Declaração Universal dos Direitos da Criança, o movimento internacional em defesa da cidadania infantil foi se fortalecendo e, em 1976, entrou em vigor, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), o Pacto Social dos Direitos Civis e Políticos, que também assegurou esses direitos para as crianças, mas em casos de dissolução da família e/ou de discriminação. O ano de 1979 foi declarado pelo UNICEF o Ano Internacional da Criança, um novo e importante marco, com a proposição de uma Convenção Universal dos Direitos da Criança, que viria a ser escrita e aprovada apenas em 1989.

O documento passou a ser importante instrumento de pressão em diversos países, entre eles o Brasil, um de seus signatários, para a implementação de novas leis que oportunizassem às crianças “mais do que a palavra em questões que lhe dizem respeito. A Convenção concede um grau de reconhecimento oficial à ideia de que a criança deve estar envolvida nas decisões que dizem respeito ao seu bem-estar e condições de vida” (Sani, 2013, p. 79). O próprio documento, em seu art. 12, traz: “Os Estados Partes devem assegurar à criança que é capaz de formular seus próprios pontos de vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados a ela, e tais opiniões devem ser consideradas, em função da idade e da maturidade da criança.” (UNICEF, 1989)

É inegável que a Convenção dos Direitos da Criança se tornou um marco histórico na promoção da voz da criança e em defesa de sua proteção e na avaliação de suas necessidades. Contudo, o documento não é um manual, um guia fechado, com um significado único a ser depreendido sobre o que seja “o melhor interesse da criança” (Sani, 2013). Em vez disso, apresenta-se como um parâmetro orientador, que abriu a possibilidade para que cada Estado signatário promovesse adaptações em sua legislação sobre direitos da infância. E, mais ainda, em cada contexto particular, deve-se buscar a adequada construção de situações em que a criança tenha reconhecidos e garantidos seus direitos e possa deles usufruir.

Nesse sentido, levando em conta as características próprias das faixas etárias (para se considerar o desenvolvimento biofísico, afetivo e cognitivo), bem como dos contextos sociocultural e político em que a criança vive, podemos pensar na expressão de seus direitos em “manifestações tão simples como, por exemplo, dar a oportunidade de a criança fazer escolhas, moldar a sua vida e influenciar os outros; ou compreender os desejos, os sentimentos e os pontos de vista da criança.” (Sani, 2013, p. 80)

Os modelos de implementação dos novos paradigmas para a infância propostos pela Convenção Universal dos Direitos da Criança devem buscar, assim, articular de forma equilibrada as relações entre adultos e crianças para que os jovens cidadãos possam exercitar a participação e certo nível de poder para opinar e influenciar em decisões sobre suas vidas, de modo compatível com sua maturidade, ainda sentindo-se protegidos pelos mais velhos em sua condição peculiar de desenvolvimento.

Apesar dos retrocessos sofridos em consequência das políticas oficiais impostas durante o regime militar, diversos setores da sociedade continuaram a se organizar em torno da luta pela liberdade e democracia, entre os quais aqueles que reivindicavam direitos de cidadania plena para a infância.

O final dos anos 1980 e a década de 1990 marcam, na história do país, a retomada do regime democrático. A luta da sociedade civil por avanços na conquista de direitos políticos, civis e sociais consolidava-se cada vez mais. E a noção de direitos das crianças e dos adolescentes também voltava a se fortalecer.

A proposta de incorporar à legislação o artigo da Convenção Universal dos Direitos da Criança que atribui à criança e ao adolescente os direitos fundamentais da pessoa humana foi fruto de intensa mobilização da sociedade (Faleiros, 2005). Enfim, o reconhecimento das crianças e dos adolescentes como sujeitos de direitos no ordenamento jurídico no país só veio a ocorrer com a Constituição Federal de 1988 (Faleiros, 2011). Assim, o art. 227 afirma que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Brasil, 1988)

Ainda em 1988, o Fórum Nacional Permanente de Entidades Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, ou simplesmente Fórum Nacional DCA, criado mediante articulações ocorridas durante o processo constituinte, congregou 34 entidades. Atualmente, ele representa aproximadamente mil entidades, entre organizações filiadas, fóruns e frentes estaduais (com suas ONGs filiadas) (Fórum DCA, 2018).

A atuação do Fórum DCA foi fundamental na mobilização que levou à aprovação do artigo da Constituição de 1988 que trata da garantia de direitos da criança e do adolescente. O trabalho da entidade continua tendo grande importância “na mobilização da sociedade e na luta pela efetiva implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente” (Fórum DCA, 2018). Nesse sentido, na página eletrônica do Fórum, consta a afirmação de que: “somente com a sociedade civil exercendo seu papel será possível construir um país que garanta os direitos fundamentais da criança e do adolescente.” (Fórum DCA, 2018)

Enfim, os reflexos da Declaração Universal dos Direitos da Criança no ordenamento jurídico brasileiro só vieram a ser observados mais concretamente depois de mais de 30 anos, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/1990. O ECA representa a ruptura com a visão clientelista e repressora então predominante.

Além do ECA, marco jurídico principal de respeito à infância, a atual LDBEN (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) também visa assegurar a cidadania do educando.

Colocava-se para a reflexão da sociedade brasileira, após os primeiros anos da aprovação do ECA, uma questão que continua atualmente importante, passadas três décadas da vigência dessa lei:

[...] com o ECA, que considera as crianças sujeitos de direitos, e com o processo de democratização do país, houve mudanças de fato na articulação do desenvolvimento econômico desigual com as políticas para a infância. Na verdade, o reconhecimento da criança e do adolescente como cidadãos mudou o marco de referência legal, mas foi a ampla mobilização da sociedade pelos direitos infanto-juvenis que propiciou a elaboração de novas políticas. (Faleiros, 2005, p. 174)

São notáveis os avanços de direitos da criança nas últimas décadas no País. Contudo, ainda há muito a se fazer em termos práticos para efetivar esses direitos colocados no papel, para que crianças e jovens sejam verdadeiramente vistos “como atores sociais, cuja proteção deve ser sinônimo de promoção dos seus direitos individuais, econômicos, sociais e culturais.” (Sani, 2013, p. 82)

Nessa direção,

[...] é necessário que se garanta um círculo virtuoso para o desenvolvimento de crianças e adolescentes: além de vagas nas escolas e qualidade na educação, inversão da tendência de aprofundamento das distâncias sociais com a inserção num trabalho digno, o acesso a oportunidades de cultura e a garantia de políticas públicas de saúde, transporte, moradia, visando-se a diminuir a periferização dos territórios de exclusão social. As crianças e adolescentes das periferias urbanas possuem um potencial de transformação de seu meio, pois absorvem com facilidade as novas tecnologias digitais, a internet, o conhecimento de línguas, a produção cultural. É preciso assegurar o acesso delas, com qualidade. (Faleiros, 2005, p. 176)

Na perspectiva defendida no presente artigo, não é suficiente afirmar, sob o argumento questionável da proteção, que o melhor está sendo feito por nossas crianças, se é aceita a possibilidade de sua participação em questões centrais de suas vidas. Desse modo, faço minhas as palavras de Sani (2013, p. 83) quando questiona: “Se a legislação reforça o direito da criança a ter uma voz, por que é que se sustenta ainda em alguns domínios o paradoxo de serem os adultos a reproduzir as suas vozes?”

Na prática, quando o exercício da participação e da autonomia, como pilares do que defino como uma educação que proporcione o exercício da cidadania desde a infância, não se efetiva, há claras implicações sociais na formação política dos cidadãos. Alinho-me a Sani (2013, p. 83-84) para defender que:

a desconstrução e reconstrução da infância não é algo que deva ocorrer somente nas nossas próprias mentes - isto envolve uma luta de forma a aumentar as opções práticas das crianças e a transformar o contexto social e político no qual cada criança vive.

CIDADANIA DESDE A INFÂNCIA: AÇÕES EDUCATIVAS EM ESPAÇOS NÃO ESCOLARES

Apresento, a seguir, algumas experiências de valorização do exercício da cidadania desde a infância em projetos ou ações educativas desenvolvidos por organizações da sociedade civil ou por iniciativa do poder público, ou até como resultado de parcerias entre as duas instâncias, contando por vezes com o apoio do setor empresarial. São iniciativas que apresentam como traço em comum o desenvolvimento de formas de participação ativa e efetiva das novas gerações de cidadãos, visando favorecer a conquista de autonomia, protagonismo e cidadania, mediante o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e de aprendizagens coletivas desenvolvidas desde a infância.

Uma dessas iniciativas ousadas e transformadoras em termos de projetos educacionais, numa perspectiva de exercício da dimensão política da cidadania de crianças e adolescentes, é a realização desde 1999 das Conferências Lúdicas dos Direitos da Criança e do Adolescente2 - como ampliação das Conferências Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente, ocorridas a cada dois anos e organizadas pelos adultos desde 1994, obedecendo a etapas anteriores em conferências estaduais e municipais. As conferências, tanto de adultos quanto de crianças e adolescentes, vêm tendo a progressiva adesão de municípios por todo o país e

[...] apresentam natureza intersetorial, transversal e deliberativa - que articulam todas as políticas públicas capazes de assegurar os direitos fundamentais da criança e do adolescente (saúde, educação, cultura, assistência social etc.) e instauram um grande diferencial: garantir a participação das crianças e dos adolescentes em todos os espaços de debates e deliberações. (Adriano e Góes, 2012, p. 9)

A título de exemplo, citam-se as Conferências Lúdicas de Direitos das Crianças e do Adolescente ocorridas em alguns municípios da região metropolitana da cidade de São Paulo. O município de Osasco (SP) assumiu desde 2007 o compromisso oficial de sua realização, por meio da Secretaria Municipal de Educação. Segundo Adriano e Góes (2012, p. 10), a Conferência em Osasco:

É lúdica porque pressupõe a participação de todas as crianças de [escolas municipais de educação infantil] EMEI e [escolas municipais de ensino fundamental] EMEF da Rede, que debatem de forma prazerosa e criativa, por meio de atividades recreativas e de brincadeiras, melhorias para a educação a partir de seus pontos de vista. Diferentemente da Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Conferência Lúdica da Rede Municipal de Educação de Osasco ocorre anualmente, com participação das Unidades Educacionais de EMEI e EMEF. Tudo o que é discutido e aprovado pelas crianças é encaminhado à Secretaria de Educação, a qual incorpora, junto às escolas, as contribuições dos educandos.

Outra experiência educacional marcante na história brasileira, que gostaria de destacar, foi a do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR).

Criado em 1985 a partir de uma rede composta por pessoas e instituições engajadas em programas alternativos de atendimento a meninos e meninas de rua. Considerado como o primeiro interlocutor de âmbito nacional sobre a problemática, o MNMMR surgiu com um propósito muito claro: lutar por direitos de cidadania para crianças e adolescentes. (Gohn, 1995, p. 134-135)

A proposta de ação dos educadores do MNMMR destinada às crianças e aos adolescentes foi organizada em torno da ideia mobilizadora de que os próprios meninos e as meninas podem e devem participar da construção de alternativas que viabilizem a garantia plena de seus direitos (Mesquita, 2001).

Além da estrutura organizacional dos educadores, que abrangia o conselho e a coordenação nacionais, as comissões estaduais (instâncias de articulação dos diferentes grupos que atuam no movimento em um mesmo Estado) e as comissões locais (unidades de organização dos adultos que atuam em uma cidade), havia a estrutura de organização própria de meninos e meninas, em cogestão com os educadores. Nas localidades em que o MNMMR atuava, eram criados os Núcleos de Base, que se constituíam no espaço legítimo “de organização e participação dos(as) meninos(as) em sua comunidade.” (Mesquita, 2001, p. 67)

A experiência educativa nos Núcleos de Base fortalecia-se como possibilidade de participação direta de crianças e adolescentes na identificação, reflexão e elaboração de propostas de solução para os problemas que os atingiam diretamente, com base em princípios básicos como abertura à liberdade de expressão de ideias de meninos e meninas; respeito às suas características peculiares de seres humanos em desenvolvimento; e adoção de linguagens próprias de suas culturas locais.

Os Núcleos de Base representavam a concretização da razão da própria existência do MNMMR, expressa em um de seus objetivos enquanto organização no movimento popular de luta por cidadania plena no Brasil, ou seja: “possibilitar espaços de organização e formação de crianças e adolescentes das camadas populares, prioritariamente meninos e meninas de rua, favorecendo sua participação na reflexão e busca de solução dos problemas que lhes afetam, a fim de expressarem e exercerem seus direitos de cidadania.” (Mesquita, 2001, p. 67)

Outra contribuição de destaque para a valorização da cidadania desde a infância é o trabalho da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS). Ao ser fundada, em 1990, passou a representar oficialmente, perante o poder público, os interesses de diversos grupos de moradores, já organizados desde a década de 1970 naquela região da cidade de São Paulo. Interesses relativos à conquista e à efetivação de direitos sociais.

Inicialmente, o objetivo da luta era mais restrito ao direito à moradia e à posse da terra. Atualmente, a Unas desenvolve importante trabalho em várias frentes, entre elas a relativa às cidadanias infantil e juvenil. Segundo a declaração da própria UNAS (2018) em sua página na internet, a associação atua “acreditando na pessoa como sujeito de direitos independentemente da idade, fortalecendo sua autonomia para a efetivação da cidadania, assim procurando quebrar as paredes invisíveis que separam as periferias dos outros bairros da cidade.” (UNAS, 2018)

Os projetos atingem diretamente mais de 12 mil pessoas mensalmente, por meio de 50 projetos sociais, como indica a página na internet citada. Crianças e adolescentes são beneficiados em muitas dessas ações. Entre as dezenas de atividades da entidade, destaca-se o Centro para Criança e Adolescente (CCA), que engloba, segundo informações contidas no site da UNAS (2018), “cerca de 1.560 crianças e adolescentes de 6 a 14 anos” e tem por objetivo “contribuir para o desenvolvimento pessoal e social de crianças e adolescentes, por meio de atividades socioculturais e educacionais no contraturno escolar que oportunizem a conquista da autonomia, a cidadania e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.” (UNAS, 2018)

As três experiências de educação cidadã - Conferências Lúdicas dos Direitos da Criança e do Adolescente; Núcleos de Base do MNMMR; e projetos educativos com crianças e adolescentes da Unas - representam demonstrações reais de trabalhos com vistas à construção de iniciativas que possibilitem avançar da expressão formal (leis e projetos político-pedagógicos) para a concreta concepção de criança e adolescente como sujeitos de direitos, com capacidades singulares de participação ativa quanto à avaliação da sua realidade de vida; expressão de ideias com linguagem própria; criatividade na proposição de soluções para os problemas que vivenciam; e atuação política para a conquista e a garantia de seus direitos de cidadania.

CIDADANIA DESDE A INFÂNCIA E SUA CONSTRUÇÃO NO CONTEXTO DA ESCOLA PÚBLICA

A análise que se segue distancia-se da pretensão de realizar um resgate histórico amplo do conceito de cidadania, mas busca responder a três questões orientadoras das reflexões sobre a cidadania exercida desde a infância, indicadas na introdução do presente artigo: qual o conceito de cidadania tomado como referência? Quais os fundamentos para que a cidadania seja trabalhada na escola como conteúdo da educação para a democracia? Quais características particulares da criança - grupo social majoritário no interior da escola - devem ser respeitadas com vistas a concretizar um projeto de educação para a democracia, que possibilite o exercício da cidadania desde a infância?

Parte-se de dois pressupostos em diálogo com o referencial teórico sobre concepções de criança e infância e de pesquisa nesse campo. O primeiro é a convicção de que a cidadania tem um significado diferente em cada contexto e para cada grupo etário, coordenando-se esse pressuposto inicial com a noção de que a criança tem capacidade para expressar seu modo de sentir e entender o que seja a vivência de direitos e deveres. Sendo assim, como grupo etário predominante no universo escolar, as crianças devem ser ouvidas na construção da cidadania própria daquele meio social e cultural.

As origens da noção de cidadania no mundo ocidental, que remonta à Grécia Antiga, remetem-nos à vivência de direitos e deveres dos moradores livres da cidade. O debate sobre a cidadania ressurgiu na modernidade como um dos fundamentos do ideário de luta da burguesia que, em dado momento histórico, era o grupo social organizado politicamente que liderava a luta contra-hegemônica no ocidente. A partir de seu reaparecimento na modernidade, a cidadania foi se desenvolvendo ligada à conquista e ao exercício de direitos sociais, civis e políticos.3 Esses direitos chegam à contemporaneidade sintetizados na noção ampla de “direitos humanos”.

A cidadania, entendida como vivência em toda a sua plenitude numa sociedade democrática, é, como alerta Manzini-Covre (1997, p. 11), um direito de todos “que precisa ser construído coletivamente, não só em termos do atendimento às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o papel do(s) homem(s) no Universo.”

Manzini-Covre (1997, p. 33-34, parênteses meus) contribui para o entendimento dessa possibilidade no sentido de universalidade da cidadania, ao argumentar que:

[...] a cidadania não é uma categoria burguesa no sentido estrito. É uma categoria que pode também ser elaborada, apropriada e utilizada pelos trabalhadores, como o foi pela burguesia revolucionária e, depois, pela burguesia dominante no sentido que lhe conveio, e novamente reedificada em nosso século (século XX) pelos capitalistas tecnocratas. A bem da verdade, ressalte-se que a cidadania pode ser reeditada pelos trabalhadores mais no seu sentido universal, pois só assim servirá de fato a eles. Isso depende de uma luta contínua e efetiva para fazer valer universalmente os direitos civis, sociais e políticos.

A conquista da cidadania vem se universalizando enquanto bandeira de luta para todos os estratos sociais em sociedades democráticas. Nesse sentido, o significado da cidadania como realização democrática em determinada sociedade surge efetivamente quando pode ser vivida de forma “compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida” (Corrêa, 2002, p. 217). Faz-se necessário esclarecer que a cidadania, entendida como conquista, não é algo dado a priori. É sim resultante de um “processo conflitivo de construção de um espaço público que propicie os espaços necessários de vivência e de realização de cada ser humano, em efetiva igualdade de condições, mas respeitadas as diferenças próprias de cada um.” (Corrêa, 2002, p. 221)

Deve-se entender de maneira ampla a contribuição histórica da burguesia no período em que representava um grupo que lutava contra a dominação instituída. Essa contribuição à humanidade é o “sentido histórico libertário e revolucionário na luta pela definição de espaços civis por parte de novos grupos emergentes” (Corrêa, 2002, p. 217) e foi o primeiro passo em um longo caminho que se delineia até os dias atuais e, certamente, no futuro, para a concretização do sentido universal e democrático da cidadania.

Realização que será uma conquista a ser empreendida por toda a humanidade, agora com novos atores emergentes, que buscam se organizar para participar efetivamente da cidadania. Tem-se, desse modo, que a cidadania não é uma representação particular desse ou daquele indivíduo ou grupo já incluído no exercício dos direitos sociais, civis e políticos. Entende-se a cidadania como experiência de um “homem emancipado, fazendo emergir a autonomia de cada sujeito histórico, como a luta por espaços políticos na sociedade a partir da identidade de cada sujeito” (Souza Junior, 1986 apudCorrêa, 2002, p. 217). Nesse sentido, pode-se apontar como regra geral, analisando a literatura sobre o tema, que “cidadãos são os portadores de direitos, entre eles os discriminados” (Corrêa, 2002, p. 217). Desse modo, parte-se da premissa de que a cidadania, como concepção universal, não é propriedade deste ou daquele grupo, ou desta ou daquela classe social.

O entendimento da cidadania como vivência plena da experiência de vida em sociedade é, ainda, uma conquista a ser alcançada por muitos grupos na atualidade, incluindo-se aqui o grupo etário das crianças e adolescentes.

Manzini-Covre (1997) apresenta a noção de “cidadania em construção” como proposta para a cidadania contemporânea, numa tentativa de superar a visão tradicional de cidadania fundada nos direitos atrelados ao Estado, com regras abstratas de democracia. Dessa perspectiva, o entendimento de cidadania no cotidiano das instituições formais e não formais é ampliado e extrapola o exercício de direitos e deveres determinados a priori. A cidadania, vista desse modo, está em processo constante de (re)elaboração pelos atores que se encontram mediados pelas relações interpessoais em cada contexto particular.

Mas em que espaços pode ocorrer a construção da cidadania na infância, e com quais características? Ao situar as múltiplas possibilidades de construção da cidadania, por diferentes grupos de interesse e em espaços diversos, a escola é um desses contextos, no qual a criança pode e deve vivenciar esse exercício.

O que venho apresentando como perspectiva de cidadania a ser construída e vivida singularmente, com sentido e significado próprios para os sujeitos envolvidos em cada experiência intersubjetiva de convívio social, alia-se ao pensamento de Padilha (2008) quando defende que a educação cidadã, ou educação para o exercício da cidadania realizada na escola, deve ser pensada em termos da “transversalidade cidadã”. Esse tipo de transversalidade pressupõe que não se parta de conteúdos e disciplinas predefinidos nos programas, nem de temas transversais escolhidos por especialistas em função de “pseudourgências sociais”, mas da consideração de que os temas relacionados à educação cidadã emergentes para a práxis educativa nascem, numa perspectiva freiriana, da “leitura prévia do mundo”. Leitura “definida e realizada na relação entre educadores e educandos e destes com o mundo em que vivem enquanto sujeitos do ato educativo e sujeito do/no mundo.” (Padilha, 2008, p. 97)

Benevides acresce importante contribuição às reflexões sobre a relação entre educação democrática e exercício pleno da cidadania, ao apresentar o conceito de cidadania ativa como “aquela que institui o cidadão como portador de direitos e deveres, mas, essencialmente, criador de direitos para abrir novos espaços de participação política.” (Benevides, 1994 apudMesquita, 2001, p. 93-94)

A cidadania vai se constituindo, assim, na formação de espaços sociais de luta, em que o cidadão tem comportamentos próprios e, também, cria direitos, mas na coletividade.

Hoje, pode-se afirmar que a noção de importância da cidadania continua em expansão, contudo, conforme alerta Benevides (1996, p. 2):

[...] a ação política continua desvalorizada e o cidadão pode ser visto apenas como o contribuinte, o consumidor, o reivindicador de benefícios individuais ou corporativos, e não do bem comum. E sequer o princípio constitucional de escola para todos consegue ser cumprido.

Do mesmo modo, a “educação para a cidadania” aparece como um objetivo a ser alcançado em qualquer programa oficial de educação, seja em nível estadual, seja municipal, porém não há garantia de alcançá-lo porque sua inscrição no documento curricular prescrito oficialmente não depende do compromisso explícito dos governantes ou dirigentes educacionais com a prática democrática. Nesse sentido, Benevides (1996, p. 3, grifo meu) assevera que “em nossa realidade estamos distantes de uma educação para a democracia em que todos os cidadãos aprendam, sem distinção, tanto a serem governados quanto a serem governantes.”

Para a devida crítica à escola dualista - uma para quem deve mandar e outra para quem deve obedecer -, que representa uma concepção de escola na contramão de uma sociedade verdadeiramente democrática, destaco as palavras do educador brasileiro Anísio Teixeira (1956, p. 6, grifo meu) contra o que ele chama de “escola paternalista”, ou seja, a que é:

[...] destinada a educar os governados, os que iriam obedecer e fazer, em oposição aos que iriam mandar e pensar, falhando logo, deste modo, ao conceito democrático, que a deveria orientar, de escola de formação do povo, isto é, do soberano, numa democracia.

O mesmo Anísio Teixeira destaca características da escola enquanto meio de convívio sociocultural, que, se exploradas e trabalhadas pedagogicamente, podem contribuir para proporcionar a todos que ali interagem uma educação para a vida em democracia, desde que o propósito seja superar a citada “escola paternalista”. Nesse sentido, ele ensina que:

A escola é uma comunidade com seus membros, seus interesses, seu governo. Se esse governo não for um modelo de governo democrático, está claro que a escola não formará para a democracia. Diretores, professores e alunos devem organizar-se de forma a que todos participem da tarefa de governo, com a divisão de trabalho que se revelar mais recomendável. A participação de todos, o sentimento de interesse comum é essencial ao feliz desempenho da missão educativa da escola. (Teixeira, 1956, p. 5)

A definição breve de democracia como regime político fundado na soberania popular e no respeito integral aos direitos humanos traz em si a vantagem de agregar democracia política e democracia social. E a educação, como base concreta da plena realização dos valores democráticos em uma sociedade, é entendida por Benevides (1996) como orientada de modo a formar intencionalmente o ser humano para:

[...] desenvolver suas potencialidades de conhecimento, julgamento e escolha para viver conscientemente em sociedade, o que inclui também a noção de que o processo educacional, em si, contribui tanto para conservar quanto para mudar valores, crenças, mentalidades, costumes e práticas. (Benevides,1996, p. 3)

Há destaque, aqui, para duas dimensões cruciais na educação para a democracia. Uma é “a formação para os valores republicanos e democráticos”, que deve estar concatenada com a outra dimensão desse processo, “a formação para a tomada de decisões políticas em todos os níveis” (Benevides, 1996, p. 3). A educação para a democracia, portanto, não se resume ao mero exercício de direitos sociais e civis, mas é entendida também e, diria, principalmente, como a educação para saber discutir e escolher.

E na escola, se a criança e o adolescente tiverem a oportunidade de exercitar suas capacidades comunicacionais, cognitivas, sociais, afetivas, éticas e criativas, em situações de discussão e escolha e, consequentemente, de decisão, no âmbito de direitos e deveres que os afetam pessoalmente ou aos interesses do coletivo que integram, haverá uma aproximação com um dos princípios dessa educação para a democracia articulada intimamente com o exercício da cidadania. Reforçando essa ideia, no livro Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire (1996, p. 106) ensina que “é decidindo que se aprende a decidir”.

Sobre a relação entre a construção da sociedade democrática e a educação, o educador Anísio Teixeira (1956, p. 1) postulava, já nas primeiras décadas do século XX, que a democracia “liga o programa de vida que representa a um programa de educação, sem o qual uma organização democrática sequer poderia ser sonhada”. E fundamentava sua afirmação política também nas descobertas recentes (naquela época) de que o ser humano é um animal extremamente educável. Teixeira (1956, p. 1) defende que “todos os homens são suficientemente educáveis para conduzir a vida em sociedade, de forma a cada um e todos dela partilharem como iguais, a despeito das diferenças das respectivas histórias pessoais e das diferenças individuais.”

Não obstante a defesa que tenho feito da capacidade da criança de participar ativamente nos processos decisórios que a afetam, é preciso afirmar que, na educação para a democracia, a intervenção do adulto é imprescindível para oferecer opções, criar oportunidades pedagógicas e alternativas metodológicas que visem à construção e à vivência da cidadania desde a infância.

A importância da intervenção do adulto nesse processo dá-se, em primeiro plano, em sua postura de se colocar em diálogo com a criança, no mesmo nível, não acima dela, nem interpretando seus sentimentos e interesses e nem respondendo por ela aos desafios que vão surgindo no maravilhoso processo de aprender. Dá-se também em seu exercício profissional diário de planejar e desenvolver na prática ações educativas que viabilizem a participação da criança nas decisões do cotidiano escolar. Creio, então, que a cumplicidade do adulto com a criança é fundamental. Ambos serão educadores e educandos simultaneamente. Como afirma Freire (1989), “ninguém educa ninguém, as pessoas se educam em comunhão”; porém com responsabilidades e papéis distintos.

Sobre a educação como ponto de encontro entre a perspectiva dos adultos e a das novas gerações enquanto partícipes da construção de um mundo comum, destaco a proposição da pensadora Hannah Arendt (2009, p. 243) quando enfatiza que:

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disto com antecedência para a tarefa de renovar o mundo comum.

Arendt defende que o amor ao mundo e o amor às crianças são justificativas para se pensar uma educação comprometida com a “tarefa de renovar o mundo comum”. Nessa direção, Paulo Freire (1983, p. 93) apresenta o “amor ao mundo e aos homens” como um dos pressupostos para o diálogo. Diálogo definido como “o encontro dos homens mediatizados pelo mundo para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu”. Ainda citando Freire (1983, p. 94): “Sendo fundamento do diálogo, o amor é também diálogo.”

Amar as crianças é comprometer-se com sua causa. É abrir-se para o encontro com o novo. É pronunciar a educação como possibilidade e não determinismo.

É, acima de tudo, criar condições para sua participação cidadã, para o exercício de sua cidadania; para que sejam reconhecidas e, principalmente, se reconheçam como sujeitos de direitos, que se sintam dignas e estabeleçam relações culturais críticas, criativas, políticas, democráticas e, ainda, participem de vivências e convivências cidadãs.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O percurso “da negação da fala à perspectiva de fortalecimento da voz da criança” passa pelo entendimento de que a mudança de um paradigma para outro consiste na compreensão de um processo não linear, de natureza transformadora e que porta em seu bojo controvérsias. Implica desacordos, conflitos, contradições e tensões, haja vista ser um processo inevitavelmente dialético. Todavia, os atores que se posicionam em defesa da educação democrática como caminho para alcançar as transformações que permitam o exercício da cidadania e, mais especificamente, o exercício da cidadania desde a infância devem depositar sua esperança na experiência concreta de construção da própria cidadania e democracia em curso.

A gestão da escola tem-se configurado como um espaço de decisão do adulto. Entretanto, é nesse mesmo espaço, de natureza dialética, constituído pelo debate de ideias, que os adultos podem se convencer da importância educativa de se escolher e decidir, no âmbito do projeto político-pedagógico, a favor da participação das crianças, de forma sistemática.

É preciso compreender a escola como instituição passível de modificações e, assim, enxergar os educandos como sujeitos ativos e atuantes nesse espaço, com seus próprios interesses e capazes de contribuir ativamente nesse movimento de modificação.

A busca pela cidadania é um processo de vida inteira, talvez semelhante ao de transformação de um grão plantado e fertilizado que, morrendo, nasce como trigo e, por sua vez, vivendo, morre como pão. A cidadania, assim, a cada etapa, renasce, revive e é ressignificada, transformando-se em alimento para a superação de novos desafios e pela busca de novas conquistas, novos objetivos. Vamos nos tornando grão, trigo e pão, no processo de ser e estar sendo cidadãos no mundo em busca do bem comum.

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1 Disponível em: <https://www.savethechildren.net/about-us/our-story>. Acesso em: 6 mar. 2018.

2 Na efervescência do Movimento de Luta pelos Direitos da Infância, no Brasil, “desde 1994, os adultos já realizam as Conferências dos Direitos da Criança e do Adolescente. Os resultados das discussões são repassados ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) para dar continuidade à construção da política de atendimento à criança e ao adolescente. O reconhecimento político dessas conferências no Brasil ainda é recente: veio no contexto da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990” (Pini; Favarão, 2012, p. 9). “As primeiras crianças e adolescentes que participaram da Conferência Lúdica estavam em situação de rua, e, por isso, conseguiram enxergar ali uma saída, um mecanismo que dava o direito à participação, espaço esse que normalmente é ignorado pelos adultos. Em 1999, no vale do Anhangabaú (bairro localizado no centro de São Paulo e famoso por acolher meninos e meninas em situação de rua), cerca de 130 adolescentes articulados pelas organizações e pessoas ligadas ao Fórum Estadual DCA participaram da 1a Conferência Lúdica no Brasil, e dali em diante os avanços foram gradativos. Em 2001, tivemos o primeiro adolescente a participar da Conferência Nacional, em 2002, o Conselho Estadual dos Direitos das Crianças e Adolescentes (CEDECA) realiza o 1º Encontro Lúdico Estadual com o intuito de promover formação política de adolescentes com o intuito de levantar temas ascendentes como trabalho infantil, criminalização de adolescentes, enfrentamento ao abuso e explorações sexuais e diversas outras temáticas, em 2003 o CEDECA abraça a iniciativa da Conferência Lúdica e passa a considerar seus encaminhamentos como oficiais, em 2007 tivemos a participação das primeiras crianças no processo de Conferência DCA e em 2010 pela primeira vez um adolescente coordenou a Conferência Estadual Lúdica, que teve a participação de 52 crianças e 450 adolescentes.” (Disponível em: <https://rededesabafosocial.wordpress.com/2013/05/06/conferencia-ludica-avancos-e-desafios/>. Acesso em: 7 jan. 2018).

3 Marshall (1967) relacionou o desenvolvimento histórico da cidadania com três elementos que compõem os “direitos humanos: o elemento civil, relacionado com os direitos civis de liberdade individual; o elemento político, consubstanciado pelos direitos ligados à participação no exercício do poder político, e o elemento social, concernente aos direitos ligados ao bem-estar econômico e à herança social.” (Corrêa, 2002, p. 214)

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Recebido: 04 de Março de 2021; Aceito: 19 de Agosto de 2021

Delma Lúcia de Mesquita é doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Revisora pedagógica e membro do Conselho Editorial da EaD Freiriana. E-mail: delma.mesquita1@gmail.com.br

Conflitos de interesse: A autora declara que não possui nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

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