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Revista Brasileira de Educação

Print version ISSN 1413-2478On-line version ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub Sep 27, 2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270095 

Artigos

O poema e a transformação do horizonte de expectativa: a formação do leitor literário

THE POEM AND THE TRANSFORMATION OF THE HORIZON OF EXPECTATION: THE TRAINING OF THE LITERARY READER

EL POEMA Y LA TRANSFORMACIÓN DEL HORIZONTE DE EXPECTATIVAS: LA FORMACIÓN DEL LECTOR LITERARIO

Cristiane Aparecida Silva Nascimento I  
http://orcid.org/0000-0002-1103-6135

Jair Lopes Junior II  
http://orcid.org/0000-0002-8918-3805

Rosa Maria Manzoni ManzoniII 
http://orcid.org/0000-0001-5921-0879

ISecretaria Estadual de Educação, Bauru, SP, Brasil.

IIUniversidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Bauru, SP, Brasil.


RESUMO

O baixo índice de desempenho em leitura, diagnosticado em avalições externas, evidencia lacunas no processo ensino-aprendizagem. A pesquisa, em nível de mestrado, desenvolvida numa 1ª série do ensino médio, em escola pública paulista, teve por objetivo investigar metodologias para a formação do leitor literário. Por meio de pesquisa participante, a pesquisadora/professora fez a decomposição de três habilidades relacionadas à compreensão do texto literário, identificadas com maior incidência de erros no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo/2018, e desenvolveu uma unidade de ensino constituída de produções escritas e artísticas, vídeo fórum, provas e autoavaliação, conforme as etapas do método recepcional. Os resultados demonstraram que a unidade de ensino mediou aprendizagens e transformações no horizonte de expectativa dos alunos, em relação à fruição e à compreensão de textos literários, que passaram a se posicionar criticamente e desenvolveram uma relação mais consciente com a literatura e a vida.

PALAVRAS-CHAVE método recepcional; decomposição de habilidades; leitor literário

ABSTRACT

The low reading performance rate identified in external evaluations indicates gaps in the teaching-learning process. This research, at master’s level, aimed to investigate methodologies for the training of literary readers and was carried out in the first grade of a public high school in the state of São Paulo. Through participant research, the teacher-researcher made the decomposition of three skills related to the comprehension of the literary text, that were identified with a higher incidence of errors in the School Performance Evaluation System of the State of São Paulo/2018. and developed a teaching unit consisting of written and artistic productions, video forums, tests and self-assessment, following the receptional method. The results showed the teaching unit helped learning and transformations in the students’ horizon of expectation in relation to the fruition and understanding of literary texts. Thus, the students began to express their critical opinion since they started to develop a more conscious relationship with literature and life.

KEYWORDS receptional method; decomposition of skills; literary reader

RESUMEN

El bajo índice de desempeño en la lectura diagnosticado en evaluaciones externas, muestra brechas en el proceso de enseñanza-aprendizaje. Este trabajo, desarrollado con alumnos del primer curso de Bachillerato, objetivó investigar metodologías para la formación del lector literario. Con investigación participativa, la docente descompuso tres habilidades relacionadas con la comprensión del texto literario, identificadas con mayor incidencia de errores en el SARESP/2018, y desarrolló una unidad didáctica que consta de producciones escritas, exposiciones artísticas, video foro, pruebas y autoevaluación, de acuerdo con los pasos del Método de Recepción. Fue observado que la unidad didáctica midió aprendizajes y hubo transformaciones en el horizonte de las expectativas con relación a la fruición estética y comprensión de los textos literarios. Los estudiantes comenzaron a posicionarse críticamente y desarrollaban una relación más consciente con la literatura y con la vida.

PALABRAS CLAVE método de recepción; descomposición de habilidades; lector literario

INTRODUÇÃO

No percurso educacional brasileiro, é uma discussão ampla e histórica a “crise da leitura” (Martins, 1994, p. 25), evidenciada nos baixos índices de desempenho em leitura diagnosticado em avaliações externas e internas. Neste trabalho, destaca-se o resultado da avaliação feita anualmente pelo Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP), referente a 2018 e 2019. Os dados, em relação à proficiência leitora, demonstram que, em 2018, 25,6% dos alunos concluintes do ensino fundamental e 34,2% do ensino médio apresentaram domínio adequado.1 Em 2019, os resultados indicam que 25,5%, (ensino fundamental) e 31,5% (ensino médio) dos alunos estavam no nível adequado. Entre as competências avaliadas, a maior incidência de erros refere-se à compreensão de textos literários.

Martins (1994) aponta a necessidade de investigação dos inúmeros fatores determinantes dessa situação, que envolvem condições socioeconômicas da população e formação de professor. Segundo a autora, para atuar de forma coerente com a realidade escolar, conhecendo os limites de sua atuação, os docentes necessitam repensar sua prática, produzindo conhecimentos sobre metodologias eficientes para o desenvolvimento de repertório para a formação do leitor literário. Considerando o cenário exposto e o pressuposto de que o professor deva ser um pesquisador (Freire, 1996), este estudo teve por objetivo investigar estratégias didáticas para ampliar o horizonte de expectativas dos alunos por meio da recepção de obras literárias do classicismo e modernismo, estimulando-os a produzir sentido, identificar características dos períodos literários nas obras, relacionando-as aos seus contextos de produção e à atualidade.

Para Candido (1998), a literatura deve ser compreendida como um direito humano, conforme o pressuposto de que aquilo que consideramos essencial para a nossa vida também é indispensável para a vida do outro. Segundo o autor, a literatura é uma manifestação universal, porque não há povo ou homem que possa viver sem entrar em contato com algum aspecto do universo da ficção. Se o sonho durante o sono possibilita o equilíbrio psíquico, a literatura é indispensável porque atua em grande parte no consciente e subconsciente, e cada sociedade faz seu uso como instrumento de instrução e educação. Outro aspecto humanizador da literatura, de acordo com Candido, é o seu papel para desmascarar, denunciar condições precárias de vida, como a miséria, a servidão, a mutilação espiritual. E, por isso, ela se relaciona com a luta pelo direito humano, pois “[...] a literatura satisfaz, em outro nível, à necessidade de conhecer os sentimentos e a sociedade, ajudando-nos a tomar posição em face deles.” (Candido, 1988, p. 180)

Assim, a literatura deve ser considerada como a situação em que ocorre o desenvolvimento do humanismo, da autonomia intelectual e do pensamento crítico, pois

É à literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso a literatura é importante no currículo escolar: o cidadão, para exercer plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente [...]. (Lajolo, 1993, p. 106)

ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E MÉTODO RECEPCIONAL

Para o desenvolvimento da compreensão do texto literário, conforme aporte teórico da estética da recepção, é fundamental a interação texto e leitor, pois, além da ausência física de seus interlocutores, existe o distanciamento histórico em relação à obra literária. A interação ocorre por meio de uma fusão espaçotemporal, pela perspectiva do leitor, envolvido com a obra, “[...] a que Hans Robert Jauss chama de horizonte de expectativas, os quais incluem todas as convenções estético-ideológicas que possibilitam a produção/recepção de um texto” (Bordini e Aguiar, 1993, p. 83). Para Jauss (2011), a obra literária deve promover a experiência estética, um estranhamento, que implica a tomada de posição do receptor em relação ao objeto artístico, com base em sua imaginação, conhecimento de mundo, situado em um tempo histórico, e a sua relação com a obra literária, produzida em um período distinto do leitor.

Ou seja, entre o efeito, como o momento condicionado pelo texto, e a recepção, como momento condicionado pelo destinatário, para a concretização do sentido como duplo horizonte - o interno ao literário, implicado pela obra, e o mundivivencial, trazido pelo leitor de uma determinada sociedade. Isso é necessário a fim de se discernir como a expectativa e a experiência se encadeiam e para se saber se, nisso, se produz um momento de nova significação. (Jauss, 2011, p. 73)

Enquanto Jauss (2011) repensa o papel da obra literária, seu impacto sobre as normas sociais, Iser (1996) investiga o efeito do texto sobre o leitor, com base no princípio de que o seu pressuposto é o leitor e o modo como o indivíduo reage aos percursos determinados por ele. Para analisar a interação texto e leitor, Iser (1996, p. 97) utiliza do arcabouço teórico da psicologia social, destacando o conceito de “[...] contingências que são encontráveis ou emergem em cada condição humana”. Para o autor, é na contingência de assimetria de texto e leitor que ocorre a interação, pois os planos de conduta de autor e leitor não são os mesmos, gerando lacunas a serem preenchidas. Para isso, o leitor precisa mobilizar suas representações, ajustando-as conforme as estruturas apresentadas pelo texto, para que, dessa forma, possa experimentar algo que ainda não faz parte do seu horizonte. Assim, o processo de comunicação é bem-sucedido quando ocorre a construção de sentido, por meio do jogo do autor com o leitor, que consiste na intervenção e referência do autor em um mundo que não existe, mas que será esboçado, levando o leitor a imaginar e, por fim, interpretar. Esse processo faz com que o leitor

[...] se empenhe na tarefa de visualizar as muitas formas possíveis do mundo identificável, de modo que, inevitavelmente, o mundo repetido no texto começa a sofrer modificações. Pois não importa que novas formas o leitor traz à vida: todas transgridem - e daí, modificam o mundo referencial contido no texto. (Iser, 2011, p. 107)

Assim, a ficcionalidade revela-se e a obra é ressignificada pelo leitor, atribuindo um novo sentido, ampliando o seu horizonte. Desse modo, a receptividade está relacionada à compreensão, e, dessa interação texto e leitor, advém a experiência estética. Por isso, segundo Bordini e Aguiar (1993), a leitura literária deve ter um papel central no contexto escolar. As autoras defendem que é necessário o planejamento de unidades de ensino contemplando o desenvolvimento do repertório leitor, considerando o processo de interação texto-leitor e a transformação do horizonte de expectativas, que

[...] depende, pois, da operacionalização de alguns conceitos básicos: receptividade, disponibilidade de aceitação do novo, do diferente, do inusitado; concretização, atualização das potencialidades do texto em termos de vivência imaginativa; ruptura, ação ocasionada pelo distanciamento crítico de seu próprio horizonte cultural, diante das propostas novas que a obra suscita; questionamento, revisão de usos, necessidades, interesses, ideias, comportamentos; assimilação, percepção e adoção de novos sentidos integrados ao universo vivencial do indivíduo. (Bordini e Aguiar, 1993, p. 88, grifo do autor)

Para tanto, Bordini e Aguiar (1993) elaboraram o método recepcional, que consiste em proporcionar ao estudante diferentes níveis de leitura, distinguindo entre os usos poético e prático da linguagem. No método, “o sujeito é entendido como um ser social, sua transformação implica a alteração do comportamento de todo o grupo, atingindo a escola e a comunidade.” (Bordini e Aguiar, 1993, p. 85)

As autoras, para elaboração do método recepcional, mencionam que Zilberman (1982) arrola as seguintes características constituintes do horizonte de expectativas: o social, referente à posição hierárquica na sociedade, o intelectual, que diz respeito à visão de mundo em relação ao espectro social e sua educação formal, o ideológico, que corresponde aos valores circulantes no meio, o linguístico, o qual está relacionado ao uso da norma padrão, e o literário, proveniente da leitura da oferta artística que está disponível no meio social. E desses aspectos decorre a necessidade de aproximação da leitura literária, emancipatória, contrária à literatura de massa, levando o leitor a comparar distintas obras, de diferentes épocas, do próximo ao distante, problematizando situações por meio de debates constantes, para que haja a reflexão, a interação texto-leitor. Por isso, os objetivos do método recepcional são:

  1. Efetuar leituras compreensivas e críticas.

  2. Ser receptivo a novos textos e a leitura de outrem.

  3. Questionar as leituras efetuadas em relação a seu próprio horizonte cultural.

  4. Transformar os próprios horizontes de expectativas bem como os do professor, da escola, da comunidade familiar e social. (Bordini e Aguiar, 1993, p. 86)

Considerando os objetivos, o método recepcional apresenta cinco etapas.

Determinação do horizonte de expectativas: o professor deve conhecer quais são os gostos, valores, preferências, estilos de seus alunos, por meio de conversas, questionários, entrevistas, mapeando o perfil da turma.

Atendimento do horizonte de expectativas: consiste em oferecer à turma situações de leitura compatíveis com as suas experiências relacionadas ao texto literário, por meio de estratégias de ensino, também já conhecidas pelos alunos.

Ruptura do horizonte de expectativas: caracteriza-se pela apresentação de textos que causem estranhamento, de modo que os leitores percebam que as obras apresentam maior exigência, pela temática ou pela composição. Para isso, as situações de ensino devem manter o ambiente de segurança, para que os alunos prossigam no percurso de leitura.

Questionamento do horizonte de expectativas: refere-se à comparação das duas etapas anteriores. Com base na análise dos textos trabalhados, identificam-se quais temas e composição exigiram um nível mais elevado de reflexão e quais possibilitaram um grau maior de satisfação.

Ampliação do horizonte de expectativas: decorre das condições dos alunos em relacionar as leituras realizadas como um modo de analisar possibilidades de atuar socialmente. Também é o início de outra etapa em relação ao método recepcional, porque é necessário que o leitor prossiga em outros percursos de leitura.

A avaliação está diretamente ligada aos objetivos do método e abrange “[...] a dinâmica do processo e cada leitura do aluno” (Bordini e Aguiar, 1993, p. 86). No decorrer do trabalho, os alunos devem evidenciar capacidade de comparar, contrastar e questionar sua própria atuação e do grupo, gerando, assim, uma leitura ampliada em relação à estética e à ideologia.

O método recepcional tem sido empregado em diferentes pesquisas para a formação do leitor literário, como as de Rodrigues e Pires (2008) e Cardoso e Lagher (2013), estudos que fazem parte do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) do estado do Paraná, em que o método é sugerido pelas diretrizes curriculares. Já o estado de São Paulo descreve o método em um documento de formação continuada de professores da educação profissional do Programa Brasil Profissionalizado, do Centro Paula Souza (Cantarin, 2018), mas ele não faz parte de outros documentos curriculares para as demais escolas da educação básica. O método também foi utilizado para o aprendizado de língua inglesa (Silva, 2011), para a formação em música (Costa, 2016) e em dança (Maciel, 2016), evidenciando as possibilidades de aplicação do método.

METODOLOGIA

O estudo tem por base a pesquisa participante (Gil, 2007), pois possibilita a interação entre o pesquisador e o grupo a investigar, de abordagem qualitativa, com predominância de intervenção no ambiente escolar. A produção e a coleta dos dados consistiram na produção de atividades orais e escritas e na obtenção de seus registros em áudios e imagens, que foram analisados pela professora pesquisadora, com enfoque na interação professor-aluno, para identificar dimensões relevantes para a compreensão do processo ensino-aprendizagem em relação à interação texto-leitor.

A pesquisa ocorreu em uma 1ª série do ensino médio, turma com 35 alunos, em que a professora é titular das aulas, período noturno, escola estadual, periférica, no interior paulista. A escolha da turma ocorreu pelos desafios enfrentados pelos alunos, como o início de um novo ciclo, o período das aulas e o baixo índice de leitores, em nível adequado, ao concluir o ensino fundamental, ingressantes no ensino médio. O estudo está delineado em três fases.

Na “fase 1”, pesquisa documental, foram identificadas as habilidades com maior incidência de erros da rede estadual paulista (SARESP, 2018), e, entre elas, destacadas aquelas relacionadas à compreensão do texto literário. As referidas habilidades são contempladas no Currículo do Estado de São Paulo (São Paulo, 2011) na série pesquisada. Nessa fase, foi desenvolvido um planejamento de ensino fundamentado pelo método recepcional, abordando a decomposição das habilidades. A “fase 2”, intervenção no ambiente escolar, refere-se à “etapa 1” do método recepcional (“determinação do horizonte de expectativas”). Nessa, foi realizada a investigação dos conhecimentos iniciais dos alunos e a definição de nove participantes, sete meninas e dois meninos, para acompanhamento como amostragem da turma, conforme o retorno dos termos de assentimento e consentimento, mediante o desempenho em duas atividades avaliativas.

Na “fase 3”, foram desenvolvidas, filmadas e analisadas seis oficinas, com ênfase no planejamento e na execução da unidade de ensino, visando à identificação de aprendizagens que ocorreram decorrentes do ensino. As aulas foram organizadas no formato de oficinas, pelo caráter predominante de atividades práticas envolvendo a leitura. Cada uma delas foi composta de três partes, realizadas no total de vinte aulas, 80 minutos, com enfoque no desenvolvimento das habilidades priorizadas, consoante os objetivos e as etapas do método recepcional. “O trabalho apoia-se no debate constante oral e escrito, consigo mesmo, com os colegas, com o professor e com os membros da comunidade” (Bordini e Aguiar, 1993, p. 86). Assim, as oficinas estruturaram-se em atividades em duplas para a realização da leitura e respostas escritas e sua apresentação oral; leitura e análise individual de poemas, respondendo às questões escritas; pesquisas; vídeo fórum, produções, em duplas ou trios, para realizar a adaptação do poema em imagem e, assim, compor atividades artísticas para exposição no espaço escolar. A professora não interferiu na organização dos agrupamentos.

RESULTADOS

OS DOCUMENTOS CURRICULARES E O PLANEJAMENTO

O Currículo do Estado de São Paulo (São Paulo, 2011) traz para a 1ª série do ensino médio conteúdos como: o poema e o contexto histórico, o poema lírico e a epopeia, relações entre literatura e outras expressões da arte características do período do classicismo. Para compreender os textos dessa estética literária, é necessário que os alunos mobilizem diferentes conhecimentos referentes ao gênero poema. No entanto, na edição de 2018 do SARESP, destacam-se as seguintes habilidades com maior incidência de erros:

H34. Identificar recursos semânticos expressivos (antítese, personificação, metáfora, metonímia) em segmentos de um poema, a partir de uma dada definição.

H38. Estabelecer relações entre forma (verso, estrofe, exploração gráfica do espaço etc.) e temas (lirismo amoroso, descrição de objeto ou cena, retrato do cotidiano, narrativa dramática etc.) em um poema.

H41. Comparar e confrontar pontos de vista diferentes relacionados ao texto literário, no que diz respeito à história de leitura; deslegitimação ou legitimação popular ou acadêmica; condições de produção, circulação e recepção, agentes no campo específico (autores, financiadores, editores, críticos e leitores). (São Paulo, 2009, p. 56)

A habilidade H34 apresenta o menor número de acertos na rede estadual. A H38 e a H41 também apresentaram alto índice de erros, porém, na escola onde a pesquisa ocorreu, esses números indicaram uma lacuna maior na aprendizagem da leitura do gênero poema.

Considerando os resultados do SARESP e o perfil dos alunos participantes desta pesquisa, foi elaborado o planejamento de ensino, pautado pelos objetivos gerais do método recepcional, enfocando as habilidades como objetivos específicos, os quais foram divididos em dois corpus. O primeiro corpus é o de referência: 30 a 35 poemas para leitura e análise, selecionados entre autores nacionais e estrangeiros, dos períodos do classicismo e modernismo, divididos segundo critério de complexidade de compreensão literária. Pela complexidade da linguagem das obras do classicismo, distante do cotidiano dos alunos, optou-se pela comparação com o modernismo, visando a uma aproximação da leitura do texto literário, consoante as etapas do método recepcional.

Os critérios para a construção do segundo corpus, o de análise, são os conceitos utilizados no SARESP para avaliar a proficiência leitora, considerando conteúdos, habilidades e competências, agrupando os alunos da seguinte forma:

[...] abaixo do básico - os alunos demonstram domínio insuficiente dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis para ano/série escolar em que se encontram; básico - os alunos demonstram domínio mínimo, mas possuem as estruturas básicas para interagir com a Proposta curricular no ano/série subsequente; adequado - os alunos demonstram domínio pleno dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis para a série/ano em que se encontram. (SARESP, 2018)

Visando ao desenvolvimento do repertório leitor, à compreensão leitora do gênero poema e à transformação do horizonte de expectativas, foram realizadas diferentes estratégias didáticas, como produções orais, escritas e artísticas, pesquisas e avaliações.

O MÉTODO RECEPCIONAL E AS FASES 2 E 3 DA PESQUISA: INTERAÇÃO TEXTO-LEITOR

A fase 2 refere-se à primeira etapa do método recepcional, a “determinação do horizonte de expectativas”. Para identificar o repertório e a proficiência de leitura dos alunos, foram realizados dois tipos de atividades avaliativas, e, conforme os resultados, os estudantes foram agrupados, três em cada um dos três grupos: abaixo do básico, básico e adequado, seguindo os critérios do SARESP. A primeira atividade, uma produção textual de um relato de memória, possibilitou o levantamento inicial do envolvimento da turma com a leitura: o grupo abaixo do básico realiza leituras obrigatórias, somente. O grupo classificado como básico, além das leituras para obter informação, também lê gibis e crônicas. Os alunos do grupo adequado apresentam um repertório mais amplo, comentam livros preferidos, como Harry Potter. Na turma, predominam os perfis de leitores caracterizados no primeiro e terceiro grupos, leitores estes que não mencionaram a leitura de poemas. A segunda atividade mapeou a compreensão em relação à leitura desse gênero. Foi realizada uma prova com 22 questões, distribuídas em objetivas e dissertativas, contendo seis poemas, enfocando as três habilidades destacadas para o estudo. Na turma, os alunos apresentaram conhecimentos muito diferentes, conforme o nível de proficiência leitora: 11 alunos, nível abaixo do básico; 7, básico; 13, adequado. Quanto aos grupos acompanhados, apresentaram o seguinte desempenho: no grupo 1 (abaixo do básico), as alunas 1 e 2 acertaram 30% e a aluna 3 acertou 35%; no grupo 2 (nível básico), os três participantes acertaram 50%; no grupo 3 (nível adequado), a participante 1 acertou 75%, a aluna 2 acertou 80% e o aluno 3 acertou 70%. A análise realizada, por amostragem, possibilitou identificar e acompanhar o percurso da turma.

A fase 3 refere-se à intervenção em sala de aula, desenvolvendo as unidades de ensino caracterizadas em seis oficinas, seguindo as etapas do método recepcional. Na segunda etapa, “atendimento do horizonte de expectativas”, ocorreram as oficinas 1 e 2 estimulando a interação texto-leitor, conforme os conhecimentos identificados na etapa anterior. As habilidades enfocadas foram decompostas (H34 - Identificar metáforas e H38 - Identificar os versos que definem o tema do poema), pelas dificuldades apresentadas pelos alunos na avaliação inicial. As estratégias didáticas dessas oficinas caracterizam-se por leituras realizadas em duplas, respostas de questões, por escrito, seguidas de apresentação, atividades escritas individuais e produção artística.

OFICINA 1: PALAVRAS, VERSOS, IMAGENS E PRODUÇÃO DE SENTIDOS

A oficina 1 foi realizada em três partes. A primeira, em duplas, inicia-se com leitura e respostas escritas, referentes ao poema “O amor”, de Inácio da Silva Cruz (Colaço, 1970). A obra de linguagem simples envolveu os alunos, que apresentaram sua visão sobre o sentimento, facilitando a introdução da comparação e da metáfora. A seguir, a transcrição de um trecho do debate oral durante a correção das questões.

Profa.: É possível afirmar que há metáfora no poema?

Alunos: Sim.

Dupla 1: Porque tem citações comparativas. Comparando o amor a duas borboletas.

Dupla 2: Ou como um passarinho...

Dupla 3: Como o sol, a lua.

Profa.: Tem diferença: “o amor é como duas borboletas” e “o amor são duas estrelas”? Os dois versos são metáforas?

Profa.: Qual dos dois versos apresenta uma metáfora?

Dupla1: O segundo verso.

Profa.: Por que vocês escolheram o primeiro verso? [dirigindo-se aos alunos].

Dupla 5: Porque tem o “como”.

Profa.: Por que vocês escolheram o segundo verso? [dirigindo-se aos alunos].

Dupla 1: Porque tem o “são”. A metáfora tem que ser direta. E, no primeiro verso, tem a palavra como.

O procedimento corretivo, com ênfase na produção oral dos alunos, foi conduzido por perguntas indutoras, levando-os a analisar o poema por meio das questões, identificando as características da metáfora, diferenciando-a da comparação. As respostas evidenciam a confusão entre as figuras mencionadas: uma parte da turma demonstra ter compreendido, e a outra, não. Ao não convalidar as respostas, a professora tem por objetivo favorecer a interação professor-aluno, alunos-alunos, texto-leitor, por meio da troca de ideias, visando evitar inibições daqueles que emitiram respostas erradas. Ainda, referente ao poema “O amor”, os alunos precisaram identificar os versos em que o eu-lírico define o sentimento e tiveram dificuldades para responder à questão. Por isso, no segundo poema, “O poeta” (Murray, 2001), há a continuidade de atividades enfocando as habilidades H34 e H38, estimulando os alunos a refletir sobre o fazer de um poeta, conforme destacado no trecho a seguir.

Profa.: Qual é o tema do poema?

Dupla 1: Conceito de poeta.

Dupla 2: De onde ele tira sua inspiração para os poemas.

Dupla 6: Universo do poeta, a expressão do poeta.

Profa.: O que o poeta cria? Como ele faz para criar seus poemas?

Dupla 5: Ele escreve.

Dupla 1: Do cotidiano, da vida dele.

Profa.: Se você pensa assim, que se tira da vida, do cotidiano, que se pode tirar da simplicidade, o poeta é algo distante de nós?

Dupla 1: Não. Qualquer um pode ser poeta.

A habilidade “identificar o tema” precisa ser desenvolvida, porque todo texto é escrito com base em uma temática, e, para isso, o leitor necessita mobilizar seus conhecimentos linguístico, social, intelectual, literário e ideológico (Bordini e Aguiar, 1988). O poema “O poeta” facilitou a identificação dos diferentes assuntos que podem ser abordados pelo gênero, possibilitando, assim, a motivação para realizar a leitura. Os fragmentos de transcrição da enunciação durante a situação de ensino exemplificam o formato das atividades orais realizadas em todas as oficinas.

Na segunda parte da oficina, a atividade foi individual, com enfoque nas habilidades H38 e H34. Os alunos responderam, por escrito, a cinco questões sobre dois poemas: “Amor não é só” (Murray, 2001) e “Convite” (Paes, 2019). Os textos abordam as temáticas lirismo amoroso e fazer poético, respectivamente, predominando a comparação e a metáfora. O resultado individual está apresentado, conforme o nível de proficiência, segundo o SARESP. No grupo 1, somente a aluna 3 estava presente e apresentou dificuldades para identificar o tema dos poemas. Em relação aos grupos 2 e 3, os alunos acertaram todas as questões referentes às duas habilidades enfocadas. As dificuldades identificadas no grupo1 foram retomadas na aula seguinte, por meio do procedimento corretivo, produção oral dos alunos. Realizar atividades individuais é fundamental para que o professor acompanhe o percurso da aprendizagem dos estudantes, mapeando os avanços e as dificuldades, para planejar as etapas posteriores.

A atividade que integra a terceira parte da oficina é uma produção textual, texto verbal e não verbal, com base nos quatro poemas estudados, para uma exposição na escola. A atividade, em duplas, consistiu em selecionar um dos poemas lidos, adaptá-lo para imagem e escrever a justificativa da escolha, de forma que palavra e imagem compusessem o texto. A atividade possibilitou uma nova abordagem dos poemas, ampliando a interação texto-leitor. Destaca-se, nos Quadros 1, 2 e 3, o trabalho dos participantes.

Quadro 1 - Resultados - Grupo 1. 

Participantes Poemas Produção: texto não verbal Justificativa

  • 1 e 2

  • dupla

“O amor” Uma grande rosa vermelha ao centro da página e duas pequenas borboletas ao redor. Escolhemos esse poema porque achamos mais fácil para desenhar e muito bonito.

  • 3

  • individual

“O amor” Um grande coração, no qual escreveu AMOR, e um cadeado aberto com os dizeres “Amor é tudo que é justo e livre”. Escolhi esse poema porque nós somos livres para amar quem queremos e não precisa ser só pessoas, mas sim o que faz bem.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

Quadro 2 - Resultados - Grupo 2. 

Participantes Poemas Produção: texto não verbal Justificativa

  • 1

  • individual

“O amor não é só” Um grande coração contornado por flores, ao centro da página. Se, em um dia de tristeza, você tiver de escolher entre o amor e o mundo, escolha o amor e conquiste o mundo.

  • 2

  • individual

“Convite” Um pião, uma amarelinha e uma bola distribuídos pela página. Escrito de forma centralizada e em letras grandes: “Vamos brincar de ser poeta com nossas emoções”.

  • 3

  • individual

“O poeta” Instrumentos que destacam a escrita, como tinteiro e folha, e o planeta Saturno. Escolhemos esse poema porque nos identificamos com esse universo de maravilhas.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

Quadro 3 - Resultados - Grupo 3. 

Participantes Poemas Produção: texto não verbal Justificativa

  • 1

  • individual

“O amor não é só” Figura feminina em posição de ioga, em destaque ao centro, desenhos menores (gaiola, arco-íris, árvore, bebê, aliança, mãos dadas, palavra zoo). Numa grande árvore escreveu a justificativa. Existem outras formas de amar, amar os animais, a natureza, os objetos, o universo onde habita e, claro, amar seu próprio universo. Amar é ser livre, independentemente dos outros...

  • 2

  • individual

“O amor não é só” A aluna produziu o seu poema constituído de duas estrofes com cinco versos, intitulado “Substantivo abstrato”.

  • Transcrição da primeira estrofe:

  • “O existir de ti em mim/ É classificado de substantivo abstrato/ Não faz sentido/ Me faz inanimado/ Como um retrato [...]”.

  • 3

  • individual

“O poeta” Uma grande árvore e uma cartola ao lado de onde saem vários elementos, como mágica, conforme propõe o poema. Usou o termo PALAVRA transformando-a num castelo.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

A escolha dos poemas e a produção dos alunos, nas quais apresentaram conhecimentos relacionados às experiências pessoais e à temática do poema escolhido, permitem identificar e relacionar o nível de leitura em que se encontram. As participantes 1 e 2, do grupo abaixo do básico, realizaram sua produção com a predominância de substantivos concretos presentes no poema, o que proporciona, de forma direta, a evocação de imagens mentais, estabelecendo a relação entre a palavra e o mundo. Na produção dos alunos no nível básico, as imagens (tinteiro, folha, planeta) e o poema como forma de expressão indicam conhecimentos oriundos de uma educação formal. Já na produção dos estudantes que integram o nível adequado, há o uso de recursos visuais como forma de expressão, destacando o papel do poeta, o uso das palavras, a formulação de hipóteses mais elaboradas em relação aos textos, a mobilização de conhecimentos de mundo e linguísticos e a reflexão sobre características do texto literário. Assim, as condições de ensino proporcionaram aos alunos efetuar leituras compreensivas, produzindo sentido, conforme a linguagem apresentada nos poemas lidos.

OFICINA 2: O POEMA E A REFLEXÃO CRÍTICA

A oficina 2 é continuidade da etapa “atendimento do horizonte de expectativas” e apresenta as mesmas condições de ensino explanadas na oficina 1. A decomposição das habilidades H34 e H38 foram retomadas em poemas com enfoque na temática de crítica social.

Na primeira parte, é realizada a leitura, em dupla, da obra “Ao shopping center” (Paes, 1992). Com base nela, os alunos identificaram com facilidade o tema, apresentando, oralmente, opiniões sobre o consumismo, assunto presente no cotidiano. Quanto à habilidade H34, os alunos identificaram as figuras de linguagem: metáfora, personificação e antítese, em diferentes versos do poema.

A segunda parte, realizada individualmente, foi composta de questões dissertativas sobre o poema “Dois e dois: quatro” (Gullar, 1983). Neste, os alunos apresentaram mais dificuldades para identificar as figuras de linguagem, por isso a docente se questionou sobre a adequação da questão que solicitava aos alunos a discriminação de metáfora, antítese e personificação. Uma justificativa para a dificuldade reside no fato de a professora não ter apresentado o contexto de produção da obra, faltando, assim, conhecimento histórico.

A terceira parte foi a produção de um cartaz, em duplas, destacando aspectos da vida que devem ser valorizados. Uma das questões dissertativas, na parte 2, solicitava aos alunos que elaborassem, com base no poema “Dois e dois: quatro”, uma lista de fatos, situações, sentimentos que justificassem “a vida vale a pena”. A atividade envolveu a síntese entre o tema abordado no poema e a visão de mundo dos alunos. Os cartazes apresentaram diferentes temáticas, destacadas no Quadro 4.

Quadro 4 - Resultados - Grupos 1, 2 e 3. 

Grupos Participantes Produção: cartaz
1 1 e 2 Um grande livro aberto, e, ao centro dele, escreveram “Fé em tudo naquele que me fortalece”.
1 3 Três quadros distribuídos na folha. No primeiro, há uma flor e a palavra “gratidão”. No segundo, há um casal e a palavra “companheirismo” e, no terceiro, há um sol sorrindo e a palavra “alegria”.
2 1 Uma grande escola ao centro da página e, acima, a frase: “Você pode viver a vida como quiser, mas, se você focar nos estudos, poderá viver momentos essenciais”.
3 1 Produziu dentro de um quadro: dois rostos, alguns corações pequenos, notas musicais e as palavras “artista preferido + música + afinidade”. Em outro quadro, há a imagem de um garoto com um microfone e a frase “I’m in love with my car string back gloves in my automolove. Em outra parte do quadro, há uma garota e a frase “Oh girls just wanna have fun!”. Abaixo dos quadros, a frase “Não há som que cante uma amizade que se soldou na música”.
3 2 Um casal de crianças de mãos dadas, símbolo cifrão e as palavras “fama” e “noites de balada”. “Quanto vale uma amizade?”
3 3 Um grande círculo com uma paisagem: o mar entre ilhas, coqueiros e um barco a vela, o céu da cor do sol, ambos amarelos. Fora do círculo, há uma grande árvore, copa avermelhada e o texto “Os pássaros vivem felizes a viajar, sem serem abalados em suas emoções, pois sabem que, além do horizonte, uma ilha para descanso e deleite. Por isso vivamos e façamos nossa vida valer a pena”.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

Segundo Lajolo (1993), a leitura literária é imprescindível, porque permite discutir simbolicamente os impasses, os desejos e as utopias de uma sociedade. E a atividade proporcionou um momento de reflexão sobre a temática do poema e a sua relação com a vida. Cada grupo apresentou seu conhecimento de mundo, intelectual, linguístico e literário, estimulando o imaginário, a sensibilidade, valores e comportamentos. É possível verificar nos cartazes a produção de sentido em relação ao que vale a pena na vida, por meio de temas como companheirismo, amizade, educação, emoções e natureza, destacando elementos que constituem o humanismo.

OFICINA 3: O CLASSICISMO E O MODERNISMO: PRIMEIRO CONTATO

Na etapa “ruptura do horizonte de expectativas”, os alunos entram em contato com textos que apresentam maior exigência para a leitura, necessitando de um ambiente de segurança, por isso as atividades realizadas em duplas são uma resposta à demanda, porque os alunos podem se apoiar, compartilhando ideias, conhecimentos, promovendo aprendizagens por meio da interação entre os alunos e o texto-leitor. As habilidades H34 e H38 são retomadas e a H41 tem a primeira decomposição: identificar o contexto de produção das obras de Manuel Bandeira, Ferreira Gullar e Camões.

A primeira parte caracteriza-se pela leitura e análise comparativa dos poemas “O bicho”, “Poema tirado de uma notícia de jornal” (Bandeira, 1973) e “Poema brasileiro” (Gullar, 1993). Por meio de questões indutoras, os estudantes realizaram a comparação dos elementos característicos dos poemas e do texto jornalístico, contribuindo para explicitar a diversidade temática do gênero, que, nesses poemas, destaca a crítica social. A identificação da metáfora “bicho” bem como a composição dos poemas causaram impacto e estranhamento nos alunos. Após a análise da forma, os alunos identificaram a crítica à desigualdade social e à fome e refletiram sobre as diferentes situações que ocorrem no cotidiano. Em seguida, realizaram a leitura do poema “Ao desconcerto do mundo” (Camões, 1966), sendo solicitado que estimassem o ano em que a obra foi produzida. Os alunos perceberam que se tratava de um texto mais antigo que os demais lidos e estimaram que o poema tivesse sido produzido no século XIX ou XX. Houve espanto e admiração ao saber que a obra do século XVI, de Camões, aborda um tema tão atual. Assim, os alunos experenciaram a leitura de novos textos, demonstrando receptividade, pelos questionamentos e comentários.

Quanto às segunda e terceira partes, os alunos em duplas na sala de informática da escola realizaram pesquisas bibliográficas e levantamento das principais características das obras de autores estudados, orientados por roteiros de questões. Na primeira situação, os alunos pesquisaram Manuel Bandeira, Ferreira Gullar e Camões. As duplas, especialmente aquelas formadas por alunos nos níveis abaixo do básico e básico, receberam orientações constantes da docente para localizar as informações e identificar, em análises críticas literárias, diferentes pontos de vista sobre um mesmo poema. Assim, a noção de contexto social, histórico, literário foi ampliada, o que possibilitou uma interação maior entre texto e leitor. Na aula seguinte, as pesquisas foram socializadas, e elaborou-se um esquema na lousa, destacando aspectos primordiais da vida e obra dos autores, para que os demais colegas compreendessem a relação.

Na segunda situação, os alunos pesquisaram sobre a vida de Camões e a obra Os Lusíadas (Camões, 2010). Na aula posterior, houve a apresentação das respostas, e, com elas, a professora completou o esquema organizado na lousa. Dessa forma, os alunos realizaram diferentes leituras de textos informativos, literários, de crítica literária, apresentaram informações, comentários, favorecendo a interação texto-leitor, diferentemente de aulas expositivas. Após a produção oral, em duplas, responderam a três questões dissertativas sobre um dos cantos de Os Lusíadas, o episódio “O velho do Restelo”. A habilidade avaliada foi a H38. Os alunos dos grupos 1 e 2 acertaram parcialmente as questões, porque não retiraram os versos do poema para comprovar as respectivas respostas. Os participantes do grupo 3 acertaram integralmente as respostas.

A oficina, pela leitura comparativa, proporcionou a primeira aproximação dos alunos com obras distantes entre si no tempo, dos períodos do classicismo e modernismo, identificando as suas principais características. Todas as duplas apresentaram o desenvolvimento de seu repertório leitor, dadas as diferentes leituras que realizaram.

OFICINA 4: O CONTATO COM OS CÂNONES

A continuidade da etapa “ruptura do horizonte de expectativas” apresenta uma exigência maior quanto à leitura literária, pelo contato com os cânones. Por isso, as habilidades enfocadas são abordadas de forma específica em cada parte das oficinas. Na primeira parte, a H38 apresenta-se da seguinte forma: estabelecer relação entre forma e tema na obra de Camões: epopeia, lirismo filosófico e lirismo amoroso. As condições de ensino têm início com a retomada da atividade em que é analisada a obra Os Lusíadas, destacando suas principais características. A segunda atividade teve como objetivo aproximar obras cronologicamente distantes, por meio da leitura do soneto “Amor é fogo” e de audição da música “Monte Castelo”, (Legião Urbana, 1995). Alguns alunos conheciam a música e a banda, porém desconheciam o contexto de produção e que a maioria dos versos é de um poema de Camões. A terceira atividade foi a produção de um esquema, por meio de cartazes colados na lousa, destacando as características da epopeia, Os Lusíadas, do lirismo amoroso, soneto “Amor é fogo”, e da lírica filosófica, “Ao desconcerto do mundo.”

Após as atividades de produção oral, os alunos responderam, em duplas, a três questões dissertativas e uma objetiva para identificar características do lirismo amoroso e da lírica filosófica. Quanto ao desempenho, apresentou-se da seguinte forma: nos grupos 1 e 2, as participantes acertaram parcialmente as questões, apresentando dúvidas quanto à composição dos poemas; já os alunos do grupo 3 não demonstraram dificuldades.

A segunda parte foi uma pesquisa na sala de informática, orientada por roteiro de questões sobre textos e vídeos, enfocando as habilidades: H38 - estabelecer relação entre a forma e o tema em diferentes obras artísticas; H41 - identificar o contexto de produção de diferentes obras artísticas, bem como pontos de vistas no que diz respeito a uma legitimação acadêmica em uma análise crítica do poema “Seiscentos e sessenta e seis” (Quintana, 2009) e do quadro A persistência da memória (Dali, 1931). A atividade possibilitou o desenvolvimento do repertório leitor de todos os grupos, pois os alunos que, normalmente, não se manifestam, puderam expor suas dúvidas e ideias para a professora, enquanto outros, com maior autonomia, realizaram a atividade somente com as orientações iniciais.

A terceira parte enfocou as habilidades H34 (identificar metáfora, antítese e personificação) e H38 (estabelecer relação entre a forma e o tema do poema), comparando as obras de Camões, Shakespeare e Mario Quintana. O primeiro momento da aula, produção oral, foi a retomada da pesquisa realizada na aula anterior, destacando a intertextualidade das obras. A docente apresentou o “Soneto 12” (Shakespeare, 2020), versão em português, por meio de um grande painel ilustrando o poema, para que os alunos comparassem e identificassem a temática e as figuras de linguagem presentes no texto. No segundo momento, os alunos, individualmente, responderam a questões dissertativas sobre o poema “Seiscentos e sessenta e seis”, apresentando avanços no desempenho, pois identificaram as figuras de linguagem e a temática.

No terceiro momento, foi enfocada a H41 - identificar pontos de vista no que diz respeito a uma legitimação acadêmica em uma análise literária do poema “Garoa do meu São Paulo” (Andrade, 1988). Os alunos responderam a questões escritas, estabelecendo a relação entre o tema, a forma e o contexto. Realizaram a leitura de uma crítica literária sobre o poema, identificando as informações e comparando com as respostas apresentadas por eles. O texto oportunizou a análise sobre a desigualdade social, constatada pelos alunos que “está encoberta pela garoa de São Paulo”.

Por meio de diversificadas situações de ensino, os alunos ingressaram no campo dos textos literários, com temática e composição diferentes das habituais leituras, e perceberam a leitura como fonte de conhecimento.

OFICINA 5: O DESENVOLVIMENTO DO REPERTÓRIO LEITOR E DA COMPREENSÃO

Na etapa “questionamento do horizonte de expectativas”, as atividades enfocaram as habilidades H38 - estabelecer relação forma e tema, discriminando uma composição poética estruturada com versos livres de um soneto e discriminando, no poema, os temas lirismo amoroso de crítica social, e H41 - discriminar o contexto de produção de obras do classicismo e do modernismo, bem como os representantes dos períodos literários. Para isso, na primeira parte, foi realizada uma exercitação, para que os alunos discriminassem os períodos literários classicismo e modernismo, conforme as principais características: contexto social, tema e forma, destacadas em um representante de cada movimento: Camões e Manuel Bandeira. Seguindo um passo a passo, a professora elaborou um esquema na lousa, por meio de cartazes, enfatizando os conceitos.

Os poemas destacados foram um soneto lírico amoroso de Camões (1996) e o poema “A arte de amar” (Bandeira, 1973). Concluído o procedimento, que teve como objetivo a sistematização dos conceitos abordados, os alunos realizaram, individualmente, uma atividade escrita, contendo quatorze questões objetivas a respeito de um soneto lírico amoroso de Camões (1996) e do poema “Meninos carvoeiros” (Bandeira, 1973). A atividade possibilitou aos alunos a comparação e a reflexão sobre as características dos períodos, posicionando-se em relação aos textos, escolhendo o de sua preferência e justificando a escolha. Quanto às questões objetivas, em relação à H41, os alunos identificaram o contexto de produção das obras e a sua relação para a compreensão dos poemas. Em relação à H38, a participante 1 do grupo 2 apresentou dificuldades.

A segunda parte foi um vídeo fórum, pois possibilita relacionar literatura e cinema pela linguagem cinematográfica, em que os alunos puderam identificar o uso da metáfora e da personificação. O curta-metragem The flying books of Mr. Morris (2011) destaca a personificação. Dos filmes A menina que roubava livros (2014) e O carteiro e o poeta (1994), foram destacados fragmentos para que os alunos identificassem a elaboração de metáforas de diferentes maneiras no cotidiano. Após a exibição das cenas e da produção oral, os alunos responderam a duas questões dissertativas sobre o papel das figuras de linguagem e a opinião sobre as obras. Os alunos dos grupos destacaram que “o desenho faz sua crítica à falta de conhecimento e leitura” e “o que mais chamou a atenção é como as pessoas conseguem reacender sua esperança, o seu mundo, com os livros”.

A terceira parte foi uma atividade avaliativa individual, contemplando as três habilidades enfocadas, com dez questões sobre quatro poemas: dois cantos de Os Lusíadas (Camões, 2010), A paixão medida (Andrade, 1980), “Aninha e suas pedras” (Coralina, 2018) e “Simultaneidade” (Quintana, 1997). A habilidade H38 foi avaliada por meio de cinco questões, e os alunos acompanhados não apresentaram dificuldades. Os acertos variaram entre 80 e 95%. Quanto à H34, a aluna do grupo 1 teve dificuldades para identificar a personificação nos cantos de Camões, acertando 32% das quatro questões. Os alunos dos grupos 2 e 3 acertaram 88%. O resultado da prova foi satisfatório, pois, dos 27 alunos presentes, 2 acertaram menos que 50%. Comparando a porcentagem de acertos nas avaliações inicial e final, é possível identificar os avanços no desenvolvimento das habilidades de compreensão leitora e gênero poema em todos os grupos. As participantes do grupo abaixo do básico apresentaram um desempenho esperado para o nível básico, com destaque para a aluna 3, que frequentou todas as aulas e seu desempenho aproximou-se do nível adequado. No nível básico, a participante 1 apresentou na avaliação final o mesmo índice de desempenho que na avaliação inicial. A participante 2 teve um desempenho considerado de nível adequado, e o índice de acertos do participante 3 aproximou-se do nível desejado. Os alunos do grupo 3 apresentaram notas mais altas na avaliação final do que na inicial, evidenciando avanços em seu desempenho na compreensão de poemas (Gráfico 1).

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

Gráfico 1 - Comparativo avaliações inicial e final. 

Os alunos também realizaram uma autoavaliação, por meio de duas perguntas. A primeira solicitava que identificassem, assinalando numa tabela de 1 a 3, o grau de dificuldade para responder a cada uma das questões. Foram destacadas como difíceis as de número 2 e 3. Esta última, a mais errada, solicitava a identificação da personificação em um dos cantos de Camões e também envolvia a H38 e H41, pois era necessário identificar o tema da obra, relacionando-o a seu contexto de produção.

Em relação ao questionamento sobre os poemas lidos na prova, em outra questão, os alunos destacaram Os Lusíadas como o mais difícil, justificando “por causa da época que foi escrito, sua linguagem difícil de compreender”. Sobre os poemas estudados durante as oficinas, os grupos acompanhados destacaram como preferidos: Sonetos, de Camões, “Seiscentos e sessenta e seis” e “Simultaneidade”, de Mário Quintana, “Dois e dois: quatro”, de Ferreira Gullar, e “A arte de amar”, de Manuel Bandeira. Justificativas que sintetizam as demais: “[...] poema ‘Seiscentos e sessenta e seis’ tem uma mensagem [...] que o tempo passa e não para para ninguém. ‘Dois e dois: quatro’, porque ele traz uma ideia de esperança profunda, ao mesmo tempo, singela e bela”.

A oficina possibilitou a leitura de vários poemas, bem como a comparação e análise para identificar quais deles exigiram um nível mais elevado de reflexão, detectando as dificuldades a serem superadas e os avanços já alcançados, favorecendo, assim, emergir perspectivas sobre “preferência quanto à temática e outros elementos da literatura, assim como transposição das situações narrativas líricas para a órbita da vida real dos jovens leitores.” (Bordini e Aguiar, 1993, p. 90)

OFICINA 6: A VIDA, A POESIA: ENTRE LIVROS

A etapa “ampliação do horizonte de expectativas” ocorreu dada a reflexão a respeito das relações entre a literatura e a vida, possibilitando a percepção de que as leituras realizadas se referem “[...] não só a uma tarefa escolar, mas ao modo como veem seu mundo, os alunos, nessa fase, tomam consciência das alterações e aquisições, obtidas através da experiência com a literatura” (Bordini e Aguiar, 1993, p. 90). Para isso, as situações de ensino realizadas contemplaram as três habilidades enfocadas, e os alunos produziram um fanzine e uma instalação poética, que compuseram uma exposição para a comunidade escolar.

Na primeira parte, etapa 1, os alunos realizaram, individualmente, a escolha de um poema, entre os vários autores já estudados e outros apresentados pela professora. Em seguida, compartilharam suas escolhas e formaram duplas para a análise da obra, por meio de questões dissertativas, identificando o tema, o contexto de produção, a composição poética e as figuras de linguagem presentes, justificando, também, a escolha do poema. As duplas expuseram suas respostas e, aquelas que preferiram, puderam juntar-se a outras, formando grupos.

A segunda parte foi a produção do fanzine. A professora apresentou a definição do termo, modelos e exibiu dois vídeos sobre o assunto, para que os alunos decidissem o formato e o modelo de revista a ser produzida. Após a sua montagem, os grupos fizeram a apresentação. A terceira parte da oficina foi o planejamento e a produção de uma instalação, que visa à tradução de um determinado nível da linguagem poética, em uma obra artística de natureza tridimensional, para produzir efeitos sensoriais no público. Para isso, foram realizadas outras leituras dos poemas, e muitas ideias e informações foram compartilhadas para a definição dos espaços e materiais. Os grupos mantiveram-se os mesmos da produção do fanzine, e a instalação, intitulada “A vida, a poesia: entre livros”, foi constituída de dez obras.

Serão destacadas as principais características do fanzine e da instalação poética dos participantes, conforme os respectivos grupos, nos Quadros 5, 6 e 7.

Quadro 5 - Resultados - Grupo 1. 

Participantes Poema analisado Fanzine Instalação poética Justificativa

  • 1, 2 e 3

  • juntas

Escrita dos poemas “Dupla delícia”, “Livros e Flores” e um fragmento do poema “O Livro e a América”. Destaque do campo semântico utilizando recortes, colagem e desenhos. Utilizaram canetinhas, sulfites coloridos, transformando-os em bonecos como se fossem livros com vida. Os poemas apresentam a ideia do livro vivo, que acompanha o leitor.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

Quadro 6 - Resultados - Grupo 2. 

Participantes Poema analisado Fanzine Instalação poética Justificativa

  • 1

  • individual

Escreveu o poema ao longo das páginas e destacou o campo semântico usando recortes e colagem de imagens de pessoas, aparentemente refugiados, à procura de lugar para viver. Usou cartolinas para a montagem de placas, sinalizando caminhos e destacando os substantivos abstratos do poema. O poema pode indicar possíveis caminhos de vida, como: fortuna, felicidade e fortaleza.

  • 2

  • trio

Destaque do campo semântico por meio de colagem de imagens relacionadas à infância do autor e uma foto dele já idoso. Utilizaram pilhas de livros para montar uma penteadeira, com vários objetos em cima representando lembranças. Produziram um mural com várias fotos do autor. O poema apresenta a passagem da vida e a percepção de que cada momento precisa ser valorizado.

  • 3

  • trio

O poema foi escrito nas páginas do fanzine, destacando seu campo semântico por meio de desenhos. Utilizaram um caixão, em cima de livros, e fizeram uma lápide com o desenho de uma caveira e a frase “Tenho um minuto de vida”. A obra destaca sufoco, desesperança, sofrimento e morte.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

Quadro 7 - Resultados - Grupo 3. 

Participantes Poema analisado Fanzine Instalação poética Justificativa

  • 1

  • trio

Escreveram o poema e colaram várias imagens de mulheres de diferentes idades e etnias. Montaram um espelho com diferentes fotos, inclusive das participantes do grupo. O que mais chamou a atenção é o fato de ela dizer que já foi várias pessoas, essa metamorfose que a gente passa ao longo da vida e o espanto com o envelhecimento.

  • 2

  • trio

Na capa, colaram uma rosa e escreveram a palavra “morte”. Nas páginas seguintes, o poema e o contexto de produção, informações sobre as guerras mundiais e a frase “Não importa o porquê”, com imagens de maços de dinheiro. Na página final, uma imagem de explosão de bombas, corpos caídos e a frase “Vamos transformar a tragédia em arte”. Usaram uma caixa de papelão para criar um cenário, com uma rosa branca de plástico manchada de tinta vermelha e colagem de imagens referentes ao campo semântico do poema. Colocamos o presidente dos EUA, do Japão, o número de vítimas, algumas causas, e não importa o porquê, a guerra acontece, na verdade, pela ganância do ser humano. Escolhemos o poema por causa de sua história e o sentimento que ela nos traz. Destacou a morte com o sentimento de saudade, tristeza.

  • 3

  • trio

O poema foi escrito nas páginas do fanzine, destacando seu campo semântico por meio de desenhos. Utilizaram um caixão, em cima de livros, e fizeram uma lápide com o desenho de uma caveira e a frase “Tenho um minuto de vida”. A obra destaca sufoco, desesperança, sofrimento e morte.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

A produção do fanzine e da instalação viabilizou ampliar a visão sobre o poema escolhido, pois várias pesquisas sobre o contexto de produção foram realizadas, ampliando a elaboração de imagens mentais, a reflexão e a compreensão. É possível identificar, pelas obras produzidas pelos alunos e suas respectivas justificativas, os avanços no repertório leitor. No grupo 1, as participantes, que só realizavam leituras obrigatórias do cotidiano, leram vários poemas para a produção dos trabalhos, justificando a importância da leitura. Os grupos 2 e 3 destacaram, em seus trabalhos, uma reflexão sobre a passagem do tempo e as fases da vida e problemas como a guerra, que podem apressar a morte. Assim, as produções evidenciaram que, por meio do gênero poema, os alunos puderam mobilizar diferentes conhecimentos, desenvolvendo o repertório leitor, a compreensão e a estética.

Eles ainda realizaram uma exposição monitorada para alunos do ensino fundamental possibilitando a essas turmas uma nova experiência com o gênero poema. Na etapa final, por autoavaliação, puderam expor a sua visão sobre o próprio percurso durante todo o estudo, a montagem e realização da exposição, bem como do trabalho em grupo, por meio de questões escritas e comentários orais. A situação de ensino possibilitou a discussão sobre diferentes temas abordados nos poemas: tempo, morte, injustiça social, guerra, amor, estimulando a análise sobre valores e diferentes comportamentos. Nas variadas situações comentadas, prevaleceu a esperança, com destaque para o comentário “Vamos transformar a tragédia em arte” (participante 2, grupo 3). A reflexão sobre as características das obras, estabelecendo a relação com a sociedade, promoveu uma visão crítica sobre a atuação individual e do grupo, a ampliação do horizonte de expectativas dos alunos e da professora, favorecendo, assim, a continuidade do processo de interação texto-leitor, oportunizando novas leituras e novos horizontes de expectativas.

DISCUSSÃO

O planejamento e a execução das estratégias didáticas ocorreram fundamentados pelos pressupostos teóricos e metodológicos do método recepcional e as habilidades destacadas e fundamentadas em relação ao gênero poema. O processo de ensino-aprendizagem, caracterizado pela interação texto-leitor, seguindo etapas, do mais simples para o mais complexo, considerando o perfil dos estudantes, seus conhecimentos prévios e o horizonte de expectativas, proporcionou o envolvimento deles, favorecendo o desenvolvimento do repertório leitor e das habilidades de compreensão leitora.

As condições de ensino, como pesquisas orientadas por roteiros, uso da tecnologia e interdisciplinaridade de literatura, arte, música e cinema, possibilitaram que os alunos realizassem várias leituras: textos informativos, argumentativos, imagens e variados poemas, de períodos literários distintos, como o modernismo e o classicismo, de diferentes autores, com as temáticas lirismo amoroso, descrição de cena, com enfoque nos poemas que abordam crítica social, passagem do tempo e metapoema. Assim, ocorreu “[...] a comparação entre o familiar e o novo, entre o próximo e o distante no tempo e espaço” (Bordini e Aguiar, 1993, p. 86). A leitura dos poemas, conforme suas características de plurissignificação e abstração, possibilitou o debate sobre temas como: fome, discriminação social, trabalho infantil, guerras e papel do poeta e da literatura na sociedade, pois, por meio dela, uma sociedade expressa e discute simbolicamente seus problemas e desejos, possibilitando que seus indivíduos se formem como cidadãos (Lajolo, 1993). Ao longo das diferentes produções orais, escritas e visuais, é possível observar a mudança de comportamento dos alunos, pois realizam a leitura de variados poemas, textos informativos e argumentativos, partindo de uma linguagem simples, gradativamente, para textos mais complexos, como cânones da literatura, demonstrando a percepção de que a obra literária tem uma função social para além dos espaços escolares e ao longo do tempo.

Por se tratar de um planejamento de unidades de ensino, em que a avaliação é considerada possibilidade para identificar a ocorrência de aprendizagem, o comportamento dos alunos esteve em constante observação, durante a dinâmica do processo e em cada leitura do aluno. A análise das gravações em vídeo e áudio possibilitou à professora a ampliação do olhar para a sua atuação, identificando a relação das estratégias didáticas e as aprendizagens. As variadas formas de atuação dos alunos, produções orais e escritas, apresentaram evidências de quais habilidades foram desenvolvidas e quais precisarão ser retomadas. É possível identificar, nas situações de ensino, a intencionalidade de se estabelecer relação entre os objetivos, tipos de atividades e avaliação como parte do processo ensino-aprendizagem.

Quanto às três habilidades enfocadas, a decomposição, alinhada às etapas do método recepcional, favoreceu o desenvolvimento do repertório leitor literário, pois se constatou a transformação, ao longo das situações de ensino, da exigência do nível de compreensão, conforme os diferentes textos apresentados. Contudo, há variações no desempenho dos alunos, especialmente em relação à H34, dependendo do poema, de sua linguagem e do contexto de produção. Essa habilidade também não foi desenvolvida na sua íntegra, porque a metonímia não foi abordada. Pelo tempo determinado para as aulas, a metáfora, por ser considerada a figura de linguagem mais importante (Martins, 2000), teve maior enfoque. Já a H41, por se tratar da 1ª série do ensino médio, foi parcialmente desenvolvida, sendo destacado o aspecto da legitimação ou deslegitimação em relação aos críticos e leitores.

O estudo apresenta limitação, pois verificou o nível de compreensão e a ampliação de repertório leitor em relação ao contexto de sala de aula, porém não foi criado nenhum instrumento para verificação de leitura, além das situações controladas pela professora. Por diversos fatores, o funcionamento da biblioteca no período noturno é restrito, inviabilizando o planejamento de estratégias didáticas que necessitassem de tal recurso, dificultando o acesso do leitor a outras obras. Conforme afirma Candido (1998), a literatura deve ser compreendida como um direito do ser humano, pois, além do caráter de formação individual, tem o aspecto social como denúncia de condições precárias de vida. Por isso, há a necessidade de estudos que promovam investigações de situações de ensino para desenvolver o repertório leitor, ampliando o horizonte de expectativas para que ele seja atuante na busca de resolução de problemas da realidade individual e social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O método recepcional traz contribuições para a formação do leitor, porque possibilita ao professor planejar o processo de interação texto-leitor, considerando o horizonte de expectativas. O método contribui para selecionar e organizar os textos, elaborando as unidades de ensino, e isso demanda que o professor tenha conhecimento de acervo literário para oportunizar obras que interessem aos alunos. Esse processo proporciona ao professor produzir conhecimento, pois ele é o autor do planejamento das situações de ensino coerente às demandas da turma, não se limitando ao uso de livros didáticos ou outros materiais, dos quais não participou da elaboração.

O recorte apresentado destaca dados dos nove participantes que autorizaram a divulgação, restando mais de vinte trabalhos que foram criteriosamente analisados durante o processo ensino-aprendizagem de interação texto-leitor. As diferentes estratégias de ensino desenvolvidas possibilitaram a transformação do horizonte de expectativas da turma e da professora, configurando outras possibilidades de leitura, visão de mundo e atuação.

REFERÊNCIAS

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1 Domínio adequado - os alunos demonstram domínio pleno dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis para a série/ano em que se encontram (SARESP, 2018).

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Recebido: 19 de Maio de 2021; Aceito: 01 de Dezembro de 2021

Cristiane Aparecida Silva Nascimento é mestra em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Bauru). Professora da Secretaria Estadual de Educação de Bauru/SP. E-mail: crisnascimento0702@gmail.com

Jair Lopes Junior é doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Bauru). E-mail: jair.lopes-junior@unesp.br Rosa Maria Manzoni é doutora em Letras pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Professora da mesma instituição. E-mail: rm.manzoni@unesp.br

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Contribuições dos autores: Escrita - Primeira Redação, Escrita - Revisão e Edição, Investigação, Recursos, Curadoria dos Dados: Nascimento, C. A. S. Supervisão, Metodologia: Lopes Júnior, J.; Manzoni, R. M. Conceituação, Análise Formal, Administração do Projeto, Validação, Visualização: Lopes Júnior, J.; Manzoni, R. M.; Nascimento, C. A. S.

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