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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub 11-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270098 

Artigos

Heurísticas nas tomadas de decisões de estudantes do ensino médio diante de situações financeiras

HEURISTICS IN THE DECISION MAKING OF HIGH SCHOOL STUDENTS WHEN FACED WITH FINANCIAL SITUATIONS

LA HEURíSTICA EN LA TOMA DE DECISIONES DE ESTUDIANTES SECUNDARIOS FRENTE A SITUACIONES FINANCIERAS

Jessica Barbosa da SilvaI 
http://orcid.org/0000-0001-5412-3311

Síntria Labres LautertI 
http://orcid.org/0000-0002-7732-0999

1Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.


RESUMO

Este trabalho apresenta os resultados de um estudo que teve como objetivo investigar como se dá a tomada de decisão de estudantes do ensino médio ante situações financeiras. Para tal, 99 estudantes foram solicitados a resolver quatro situações financeiras fictícias que exigiam uma tomada de decisão e, posteriormente, responderam a uma entrevista individual. Os resultados revelaram que as heurísticas de ancoragem, afeto, contabilidade mental e aversão à perda estão presentes nas decisões dos estudantes, sendo as heurísticas de afeto e aversão à perda mais frequentes em suas decisões. Constatou-se, ainda, que a natureza da situação financeira teve efeito nas heurísticas mobilizadas pelos estudantes. Conclui-se que nem sempre as decisões dos estudantes estão pautadas apenas nos cálculos matemáticos, então é necessário problematizar sobre o que os leva a tomar determinadas decisões e como as heurísticas e vieses cognitivos podem influenciá-los.

PALAVRAS-CHAVE tomada de decisão; heurísticas; educação financeira

ABSTRACT

This work presents the results of a study that aimed to investigate the decision making of high school students when facing financial situations. For this, 99 students were asked to resolve four fictitious financial situations that required decision making, and subsequently responded to an individual interview. The results revealed that the anchoring, affection, mental accounting and loss aversion heuristics are present in the students’ decisions, affection and loss aversion heuristics being more frequent in their decisions. It was also found that the nature of the financial situation had an effect on the heuristics mobilized by the students. The conclusion was that students’ decisions are not always based only on mathematical calculations, so it is necessary to discuss what leads them to make certain decisions and how heuristics and cognitive biases can influence them.

KEYWORDS decision making; heuristics; financial education

RESUMEN

Este artículo presenta los resultados de un estudio que tuvo como objetivo investigar cómo se produce la toma de decisiones de los estudiantes de secundaria con relación a situaciones financieras. Para ello, se solicitó a 99 estudiantes que resolvieran cuatro situaciones financieras ficticias que requerían toma de decisiones y posteriormente respondieron a una entrevista individual. Los resultados revelaron que las heurísticas de anclaje, afecto, contabilidad mental y aversión a la pérdida están presentes en las decisiones de los estudiantes, siendo las heurísticas de afecto y aversión a la pérdida más frecuentes en sus decisiones. También se encontró que la naturaleza de la situación financiera tuvo un efecto sobre las heurísticas movilizadas por los estudiantes. Se concluye que las decisiones de los estudiantes no siempre se basan únicamente en cálculos matemáticos, por lo que es necesario discutir qué les lleva a tomar determinadas decisiones y cómo las heurísticas y sesgos cognitivos pueden influir en ellos.

PALABRAS CLAVE toma de decisiones; heurística; educación financiera

INTRODUÇÃO

A teoria clássica da economia pressupõe que as pessoas são racionais. Então, elas tomam decisões com base nas informações disponíveis, escolhem a opção que vai melhor lhes servir e ainda apresentam uma consistência nessas escolhas (Figueredo, 2018). Com base nesse raciocínio, por exemplo, pode-se inferir que um consumidor não vai comprar duas blusas (quando precisa apenas de uma) só para ganhar uma terceira que está na promoção (que ele também não precisa). Também é evidente que uma pessoa que está endividada, ou está sem dinheiro no momento, vai diminuir seus gastos em vez de parcelar a compra de um celular novo no cartão de crédito. Se nós somos realmente racionais o tempo todo, por que tanta gente faz isso?

Para alguns teóricos que investigam a tomada de decisão (Simon, 1957; Tversky e Kahneman, 1974; Kahneman, 2012), as escolhas humanas não são bem descritas pelo modelo do agente racional, ou seja, com base em regras lógicas, invariantes e buscando maximizar seus resultados. Este trabalho se baseia nas discussões sobre economia comportamental e psicologia cognitiva, buscando investigar a tomada de decisão em uma perspectiva que envolve também fatores emocionais, individuais, culturais, entre outros, além dos fatores matemáticos considerados pelo modelo do agente racional. Entre vários contextos e áreas que a tomada de decisão pode ser investigada, destacamos as decisões que envolvem o dinheiro e suas consequências.

A matemática desempenha um papel importante em situações que envolvem finanças e que podem ser percebidas facilmente no dia a dia, como em empréstimos, financiamentos, despesas familiares, entre outras. Assim, conhecimentos básicos matemáticos e financeiros são indispensáveis para nossa vida em sociedade; torna-se fundamental que esse conhecimento esteja acessível para todas as pessoas, especialmente no contexto escolar.

Nas instituições de ensino, a matemática financeira é reduzida muitas vezes à simples aplicação de fórmulas, livre de contextualização e de sentido financeiro para quem está executando. Uma abordagem contextualizada da matemática financeira pode acontecer em consonância com a educação financeira (EF), uma vez que esta última busca o desenvolvimento de uma postura crítica ante situações financeiras,1 de forma que auxilie no processo de tomada de decisão. Destaca-se que que existem outras formas de abordar a EF, mas, neste trabalho, optou-se por discuti-la do ponto de vista psicológico. Isso porque, com base em uma varredura nas plataformas Scientific Electronic Library Online (SciELO), Portal de Periódicos CAPES e Google Acadêmico nas produções dos últimos cinco anos (2015-2020), não se encontram estudos que investiguem a tomada de decisão dos estudantes do ensino médio, ante situações financeiras, por meio da mobilização de heurísticas. Essas são definidas por Kahneman (2012) como atalhos mentais podendo incorrer em vieses, que são definidos como tendenciosidade, desvio, propensão e parcialidade.

Mediante o exposto e perante uma variedade de heurísticas possíveis de serem mobilizadas pelos indivíduos, por exemplo, heurísticas de afeto, ancoragem, aversão à perda e contabilidade mental, entre outras (Tversky e Kahneman, 1974; Thaler,1985; Kahneman, 1992, 2012),2 esta pesquisa se propõe a responder às seguintes questões:

  1. as heurísticas de ancoragem, afeto, contabilidade mental e aversão à perda estão presentes nas decisões dos estudantes do ensino médio ante situações financeiras?;

  2. quais das heurísticas supracitadas são mobilizadas com mais frequência pelos estudantes ante situações financeiras?;

  3. existem diferenças na mobilização dessas heurísticas quando os estudantes se deparam com situações financeiras de natureza distinta?.

TOMADA DE DECISÃO E EDUCAÇÃO FINANCEIRA ESCOLAR

A tomada de decisão é um processo cognitivo importantíssimo, pois tomamos decisões o tempo todo, de forma consciente ou não. Além de ser considerado o mais interessante de todos os processos mentais e provavelmente o com maior impacto ao longo das nossas vidas, definido por Malloy-Diniz, Klue-Schiavon e Grassi-Oliveira (2018, p. 23) como “o processo cognitivo que resulta na seleção de uma opção entre várias alternativas possíveis”. Para Kahneman (2012), tal importância é evidenciada pelo fato desse tópico ser partilhado por muitas áreas, como a matemática, a estatística, a economia, a ciência política, a sociologia e a psicologia.

Ao longo dos anos, estudiosos das áreas de matemática e economia tiveram o objetivo de compreender, e até mesmo prever, o comportamento humano com base em modelos de tomada de decisão. Por meio dos estudos de Simon (1957) sobre racionalidade limitada em que ele assume que os humanos, por restrições de tempo, economia de esforço ou até limitação de capacidade cognitiva, utilizam regras de conduta ou “atalhos” para alcançar certo nível de satisfação e não necessariamente otimização, Tversky e Kahneman (1974) tentaram explicar como as pessoas processam informações e tomam decisões incluindo heurísticas e vieses. Ao tentar explicar como geramos opiniões intuitivas sobre questões complexas, Kahneman (2012) elaborou que existe um procedimento simples que ajuda a encontrar respostas adequadas para perguntas difíceis, ainda que imperfeitas, que são as heurísticas, regras gerais que geram atalhos para a tomada de decisão. Heurísticas são processos mentais que simplificam a busca, seleção e análise de informações, de forma que uma solução possível para um problema possa ser encontrada, levando em consideração o acesso restrito às informações e a capacidade limitada do ser humano para sua retenção e análise (Lima Filho et al., 2010).

Apesar das heurísticas serem eficazes, em algumas situações, elas também podem levar a equívocos (vieses). Conforme os estudos de Simon (1957) e Kahneman (2012), apesar das heurísticas resultarem em respostas rápidas que podem levar a boas soluções, elas também podem levar a resultados inconsistentes, situações ruins ou distantes de uma solução ótima do ponto de vista financeiro, nesse sentido, evidencia-se a necessidade de ser investigada no âmbito de pesquisas em EF. Isso porque o aumento de estudos sobre o comportamento humano em relação ao dinheiro e às finanças pessoais nos últimos anos tem mostrado a importância desse campo de estudo (Muniz Jr., 2016; Muniz Jr. e Jurkiewiicz, 2016; Schirmer et al., 2016; Canto, Treter e Cavali, 2017). No âmbito das pesquisas em tomada de decisão, os estudos em finanças comportamentais propõem-se a enquadrar os estudos econômicos e financeiros no comportamento humano. Assim, as finanças comportamentais visam demonstrar, como cada indivíduo pode ter diferentes modos de pensar e de tomar diferentes decisões relacionadas ao dinheiro, pois elas podem ser afetadas por característica pessoais, relações de desejos, idade, estilo de vida, entre outros (Canto, Treter e Cavali, 2017).

No campo das pesquisas educacionais, a EF é uma temática que vem ganhando visibilidade na área, embora também seja investigada por pesquisadores de economia, administração, matemática e psicologia. De acordo com Mundy (2008), muitas pessoas não têm habilidades e conhecimentos suficientes para tomar decisões acertadas sobre seu dinheiro, e programas eficazes de EF podem ajudar a proporcionar a essas pessoas tais competências. Ademais, Silva e Powell (2013, p. 13) sugerem que se educar financeiramente não é atribuição apenas dos consumidores de maneira geral, mas que também cabe à escola propiciar essa formação. Nesse sentido, os autores caracterizam a educação financeira escolar (EFE) como sendo:

[…] um conjunto de informações através do qual os estudantes são introduzidos no universo do dinheiro e estimulados a produzir uma compreensão sobre finanças e economia, através de um processo de ensino, que os torne aptos a analisar, fazer julgamentos fundamentados, tomar decisões e ter posições críticas sobre questões financeiras que envolvam sua vida pessoal, familiar e da sociedade em que vivem.

Corroborando o que foi citado, Pessoa, Muniz Jr. e Kistemman (2018) defendem uma EFE que seja um convite à reflexão sobre o uso do dinheiro e também dos impactos de suas escolhas e ações nas esferas individuais e coletivas, estimulando ainda os estudantes a pensar de forma crítica, aproveitando oportunidades de maneira ética e sustentável e se defendendo das armadilhas financeiras e econômicas. E que o currículo e a metodologia de ensino devam acompanhar as mudanças que ocorrerem no cenário social. Nessa perspectiva, compreendemos que a EF deve contribuir não só para o bem-estar econômico das pessoas, como sugere a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),3 mas também para a formação de um sujeito crítico que avalie os impactos das suas decisões no meio tanto individual quanto social.

Para tentar explicar a tomada de decisão, Kahneman (2012) fez referência a dois sistemas que são mobilizados pelos indivíduos quando estes precisam tomar decisões, o Sistema 1 e o Sistema 2. Para esse autor, o Sistema 1 opera de forma rápida e automática, intuitiva, com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle voluntário, enquanto o Sistema 2 destina atenção para as atividades mentais que requisitam mais tempo, laboriosidade e controle, incluindo cálculos complexos. Nos estudos de Tversky e Kahneman (1974) e Kahneman (2012), o Sistema 1 é o grande protagonista, e foi com base nele que delineamos esta pesquisa. Podemos pensar no processo de tomada de decisão ante situações financeiras não apenas como um processo laborioso e deliberado utilizando cálculos matemáticos comandados pelo Sistema 2. Nosso olhar está para além dos aspectos matemáticos, levando em consideração, também, aspectos individuais, sociais, relativos à emoção, a heurísticas e vieses cognitivos, entre outros, que podem ajudar a compreender como ocorre a tomada de decisão de estudantes.

Ante isso, entre as várias heurísticas — atalhos para a tomada de decisão, associados ao Sistema 1 — apresentadas pelos autores ao longo das pesquisas em tomada de decisão, destacamos as heurísticas de afeto, ancoragem, aversão à perda e contabilidade mental que, em nossas buscas na literatura, são as que mais se assemelham ao presente estudo e podem resultar em decisões em situações financeiras, conforme apresentado em outros estudos (Luppe e Angelo, 2010; Quintanilha e Macedo, 2013; Muniz Jr., 2016; Canto, Treter e Cavali, 2017).

A heurística do afeto trata do papel das emoções na tomada de decisão. Nessa heurística, os julgamentos e as decisões são orientados diretamente por sentimentos como gostar ou não gostar, com pouca deliberação ou raciocínio (Kahneman, 2012). Psicólogos e economistas constataram que sentimentos e emoções, muitas vezes desvinculados do assunto, podem afetar as decisões, divergindo frequentemente da razão e da lógica. De acordo com Muniz Jr. (2016), estudos têm mostrado que, quanto mais complexa e incerta a situação, mais as emoções podem influenciar a decisão.

A heurística de ancoragem ocorre quando uma pessoa, no processo decisório, se vale de um valor de referência (âncora) para escolher uma determinada ação. Ao utilizá-la, o decisor adota um valor como referência, ou âncora, para um julgamento posterior, mesmo que ela não seja necessariamente relevante para a decisão. O uso dessa heurística de ancoragem faz com que a decisão seja influenciada, por exemplo, pela ordem em que os dados são apresentados ao decisor ou por informações atrativas (Fernandes, 2010). Essa heurística é usada geralmente em estratégias de marketing.

A heurística de aversão à perda refere-se à teoria dos prospectos ou teoria das perspectivas (Prospect Theory). Essa teoria traz um novo olhar para a tomada de decisão ao propor e demonstrar que ganhos e perdas possuem diferentes funções de utilidade, ou seja, para a maioria das pessoas o medo de perder R$100,00 é mais intenso que a esperança de ganhar os mesmos R$100,00, bem como aponta que as pessoas dão menor peso a eventos de alta probabilidade e ponderam adequadamente em eventos que são certos (Tversky e Kahneman, 1974).

Por fim, a heurística da contabilidade mental pode ser entendida como o processo de dividir o dinheiro atual e futuro em diferentes categorias a fim de monitorar os gastos (Thaler, 1985). Assim, as pessoas podem escolher tomar uma quantia emprestada a 20% ao ano, tendo a mesma quantia ou até mais do que isso rendendo a 7% ao ano na poupança (Muniz Jr., 2016).

O foco da teoria da contabilidade mental é indicar que, quando tomamos uma decisão financeira, o elemento principal que enfocamos é a satisfação de uma necessidade imediata e não a análise de todas as variáveis possíveis, bem como as suas alternativas e consequências. Thaler (1985) ainda sugere que as pessoas categorizam ganhos em classes distintas, fazendo um planejamento de uso diferenciado dessas fontes de renda, ou seja, o peso de gastar R$100,00 do seu salário é maior do que gastar os mesmos R$100,00 que você ganhou de aniversário.

Assim, colocando em perspectiva a EF e a tomada de decisão, entendemos que esta última tem um objetivo central para discussões e busca de melhorias na abordagem da EFE, uma vez que a tomada de decisão pode evocar aspectos que vão além dos conceitos matemáticos aprendidos na escola, envolvendo também aspectos sociais e individuais e utilização de heurísticas e vieses. O grande desafio para a EF, e para os programas que visam educar financeiramente a população, assim como as escolas, é compreender por que tomamos decisões muitas vezes desfavoráveis a nós mesmos e como podemos intervir para torná-las menos prejudiciais e mais críticas.

Em face do exposto, este estudo tem como objetivo geral investigar a tomada de decisão de estudantes do ensino médio ante situações financeiras. De forma específica, buscou:

  1. identificar se existe a presença das heurísticas de ancoragem, afeto, contabilidade mental e aversão à perda nas decisões dos estudantes ante situações financeiras que envolvem o contexto de vestuário, alimentação, entretenimento e saúde;

  2. analisar, entre as heurísticas identificadas, quais são as mais recorrentes nas tomadas decisões dos estudantes ante as situações financeiras propostas;

  3. verificar se as heurísticas mobilizadas pelos estudantes nas tomadas de decisões diferem conforme a natureza das situações financeiras investigadas.

MÉTODO

Participaram deste estudo 99 estudantes, de ambos os sexos, com idades entre 14 e 19 anos (M=16 e DP=1,1)4 matriculados no ensino médio de escola pública da cidade de Gravatá. Essa escolha se justifica pelo fato de os estudantes terem no currículo escolar tópicos de matemática financeira.

A construção dos dados foi realizada em duas sessões. Na primeira sessão, os participantes foram solicitados a resolver, individualmente, uma atividade envolvendo quatro situações elaboradas para essa investigação (ver Quadro 1); aplicadas em contexto de sala de aula em uma atividade coletiva. Na segunda sessão, realizada de 2 a 20 dias após a primeira sessão, buscou-se investigar, em uma entrevista clínico-crítica individual, se os estudantes, ao responder aos questionamentos, mobilizavam as heurísticas de afeto, aversão à perda e contabilidade mental. Dando-se a seguinte instrução: “vocês agora vão responder a algumas perguntas referentes à atividade que fizeram anteriormente na sala de aula. Novamente, não temos a intenção de avaliar se a resposta está correta, queremos compreender como você pensou para tomar cada decisão. Você pode levar o tempo que precisar para responder e pode ficar à vontade para relatar do jeito que você pensou, sem necessidade de uma resposta formal ou bem elaborada.” Ressalta-se que, durante a realização da entrevista, os estudantes tinham disponível a atividade com suas respectivas respostas, caso quisessem consultá-la.

Quadro 1 Situações financeiras propostas e questionamentos usados na entrevista. 

Situações financeiras 1ᵃ sessão: Resolver a atividade Entrevista 2ᵃ sessão: Questionamentos após resolução
S1. Você quer aproveitar as liquidações para fazer compras. Observe algumas ofertas:

Qual dessas ofertas vale a pena aproveitar? Por quê?
  1. Se as peças referidas na oferta fossem de marcas diferentes, afetaria sua decisão? (heurística afeto)

  2. Se sua amiga lhe falasse que tem uma loja a 10 minutos vendendo as mesmas peças, mas com um desconto que, ao fim da compra, teria a diferença de R$0,50 em cada peça. Você iria para outra loja? Por quê? (heurística contabilidade mental)

  3. Imagine que você está comprando na oferta 3. Suponha agora que a terceira peça, que é grátis, é escolhida pela loja sem opção de escolha do consumidor. Você arriscaria ou escolheria outra oferta? Por quê? (heurística aversão à perda)

S2. Você quer aproveitar as ofertas de um supermercado para comprar iogurte. As promoções oferecidas são:

Qual dessas ofertas vale a pena aproveitar? Por quê?
  1. Se os iogurtes fossem de marcas ou sabores diferentes, afetaria sua decisão? (heurística afeto)

  2. Se seu amigo lhe falasse que um supermercado a 10 minutos está vendendo o mesmo iogurte de 170g por R$1,00, você iria até lá? Por quê? (heurística contabilidade mental)

  3. Imagine que você está comprando na oferta 2. Suponha agora que os iogurtes estão com o vencimento próximo e por isso está em promoção. Você arriscaria ou escolheria outra oferta? Por quê? (heurística aversão à perda)

S3. A academia que você frequenta está ofertando planos mensais nos quais o usuário pode escolher seus horários para as modalidades individuais ou em pacotes. Os pacotes oferecem um desconto de 15%. As promoções oferecidas são:

Qual dessas ofertas vale a pena aproveitar? Por quê?
  1. O fato de você gostar ou não de determinada modalidade interferiu na sua decisão? (heurística afeto)

  2. Os valores dos pacotes são válidos para os planos de 3, 6 ou 12 meses. O pagamento do plano pode ser feito à vista no ato da matrícula ou parcelado na quantidade de meses, referente ao plano, com uma taxa de 10% ao mês. Suponha que você não tem o dinheiro para pagar à vista. Você parcelaria ou esperaria um tempo pra juntar o dinheiro até poder pagar à vista? Por quê? (heurística contabilidade mental)

  3. Sabendo que o pacote que você escolheu é o que oferece mais vantagens financeiras. Suponha que os dias dos treinos são definidos posteriormente pela academia. Na incerteza se você conseguiria se adequar aos horários, você arriscaria? Por quê? (heurística aversão à perda)

S4. Uma operadora oferece normalmente as seguintes opções de plano, cujos valores estão a seguir:

Essa semana, a operadora está oferecendo 15% de desconto no primeiro (15MB) e segundo planos (20MB) e 10% no terceiro plano (25MB).
Qual dessas ofertas vale a pena aproveitar? Por quê?
  1. Você analisou os pacotes de internet, ligação e SMS? Isso interferiu na sua decisão? (heurística afeto)

  2. Os planos têm duração de 12 ou 18 meses com opções de pagamento à vista ou parcelado na quantidade de meses referente ao plano, com uma taxa de 10% ao mês. Suponha que você não tem o dinheiro para pagar à vista. Você parcelaria ou esperaria um tempo pra juntar o dinheiro até poder pagar à vista? Por quê? (heurística contabilidade mental)

  3. Sabendo que a oferta que você optou é a que oferece mais vantagens financeiras, considere que há a possibilidade de a internet perder velocidade quando atinge o uso de 10/15/20MB5. Isso mudaria sua decisão? Por quê? (heurística aversão à perda)

Fonte: Dados da pesquisa.

Nota: Do ponto de vista matemático, as respostas corretas para as situações são: Situação 1 (Oferta 1), Situação 2 (Oferta 2), Situação 3 (escolher duas modalidades) e Situação 4 (Plano 2).

Como pode ser observado no Quadro 1, a atividade aborda a tomada de decisão ante quatro situações financeiras envolvendo as temáticas: vestuário (S1), alimentação (S2), saúde (S3) e entretenimento (S4). Essas situações foram construídas pela adaptação de uma questão proposta por Dante (2013), para produzir questionamentos que possam mobilizar heurísticas de afeto (Kahneman, 2012), ancoragem (Kahneman, 1992, 2012), aversão à perda (Tversky e Kahneman, 1974; Kahneman, 2012) e contabilidade mental (Thaler, 1985; Kahneman, 2012).

As quatro situações propostas oferecem três opções de ofertas que podem ser escolhidas livremente pelo participante, e, logo depois, ele precisa explicar o porquê da decisão tomada. Salienta-se que no escopo das situações estão dispostas âncoras6 a fim de verificar se estas interferem nas decisões dos estudantes. Por exemplo: na Situação 1, o “50%” da oferta 2 funciona como âncora; na Situação 2, a âncora está na oferta 3, que indica uma baixa de preço de R$10,00 para R$7,45; nas Situações 3 e 4, as âncoras são as informações que se encontram indicadas por (*) abaixo das imagens.

Salienta-se que as entrevistas se iniciaram logo após a coleta da primeira sessão,7 e, para cada situação financeira proposta, foram criados questionamentos em um contexto de EF para verificar se os estudantes explicitam heurísticas em suas tomadas de decisões. Tal procedimento foi necessário porque, usando apenas a atividade por escrito, poderíamos não ter acesso às heurísticas que nos propomos a investigar neste estudo. Como pode ser observado, no Quadro 1, a primeira pergunta (a) foi referente à heurística de afeto. Na Situação 1, por exemplo, referia-se às marcas das peças dispostas nas ofertas. A intenção com esse questionamento foi verificar se os estudantes levariam em consideração que comprar em uma oferta que oferecesse peças com uma marca melhor seria mais vantajoso do que comprar peças sem marca ou de uma marca inferior, e se o gosto pessoal afetaria a escolha. A pergunta foi a mesma para as outras três situações visando verificar se o gosto pessoal interfere na escolha dos estudantes.

No que diz respeito à pergunta (b), nas Situações 1 e 2, ela se refere à economia de R$0,50 nos produtos adquiridos e tem o objetivo de investigar a contabilidade mental. O desconto financeiro é oferecido em detrimento de um gasto de tempo, e o objetivo é identificar se os estudantes estariam dispostos a perder tempo para economizar dinheiro e também se os estudantes atribuem pesos diferentes a um mesmo desconto em valores de referência diferentes, ou seja, o questionamento foi feito em relação a dois valores de referência diferentes: uma peça de roupa e um iogurte, para verificar se as decisões variam de acordo com o preço do produto adquirido. Já a contabilidade mental, nas Situações 3 e 4, é investigada com base no dilema compra a prazo versus compra à vista, com o objetivo de verificar se os estudantes pagariam juros por algo que gostariam de obter no momento ou se juntariam o dinheiro para adquirir depois.

Por fim, a pergunta (c) tem o objetivo de saber como os estudantes tomam decisões em uma situação que envolve uma incerteza (aversão à perda). Em todas as situações, o questionamento envolve um risco de perda envolvendo um ganho financeiro e objetiva identificar se os estudantes são avessos a perdas. Na teoria dos prospectos, a ideia de aversão à perda era aplicada somente aos riscos, desde então outros teóricos vêm explorando o que acontece quando efeitos similares ocorrem como perdas que pesam mais que ganhos ou apenas mudanças nos produtos (Ávila e Bianchi, 2015).

Salienta-se que as situações e todos os questionamentos podem estar sujeitos ao viés de enquadramento, em que as pessoas podem tomar decisões diferentes para uma mesma pergunta de acordo com a forma que ela foi perguntada (Kahneman, 2012). Todas as entrevistas foram gravadas em MP4 e transcritas para protocolos individuais.

SISTEMA DE ANÁLISE

Inicialmente foi realizada uma análise minuciosa das respostas dos estudantes ante as quatro situações financeiras propostas na qual os estudantes deveriam escolher uma oferta dentre as três opções apresentadas. Considerando as respostas a todas as quatro situações, foi analisada a mobilização ou não da heurística de ancoragem. Para as demais heurísticas de afeto, contabilidade mental e aversão à perda, as respostas foram analisadas apenas com base nas transcrições das entrevistas individuais, uma vez que o estudante não foi solicitado a fazer o registro escrito durante a entrevista individual. Para cada resposta dos estudantes, foi atribuída uma classificação “sim” quando o estudante mobilizou a heurística e “não” quando não mobilizou ou não optou por nenhuma das ofertas, sendo adotado nesta investigação um sistema de classificação binário: zero (0) e um (1) para realização das análises estatísticas. O Quadro 2 ilustra o sistema de categorização construído para análise dos dados.

Quadro 2 Síntese do sistema de categorização. 

Heurísticas S1 S2 S3 S4
Ancoragem Optou pela oferta 2 Optou pela oferta 3 Optou pela oferta 2 (futsal+luta) Optou pela oferta 3
Contabilidade mental Preferiu economizar dinheiro mesmo gastando tempo Preferiu pagar mais caro para poder usufruir agora
Afeto Sua escolha foi motivada pelo gosto pessoal
Aversão à perda Não arriscou por medo de perder

Fonte: Dados da pesquisa.

Nota: S1: vestuário; S2: alimentação; S3: saúde; S4: entretenimento.

As respostas às entrevistas foram analisadas por duas juízas independentes, sendo o percentual de concordância entre elas de 96%. Os casos discordantes foram analisados por uma terceira juíza, também independente, sendo essa última análise considerada final.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No processo de análise estatística dos dados, foi utilizado o software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) para garantir a precisão dos dados apresentados. Após a verificação da não parametricidade dos dados, obtida por meio do teste Kolmogorov-Smirnov com p<0,001, esses foram submetidos ao teste de independência qui-quadrado,8 ao teste Friedman e ao teste Kruskal-Wallis.

Questionou-se inicialmente se os estudantes mobilizavam heurísticas de ancoragem, afeto, contabilidade mental e aversão à perda em suas decisões. Pelas situações aplicadas, verificou-se que os estudantes mobilizaram de uma a quatro heurísticas com base nas situações propostas: 48 participantes mobilizaram quatro heurísticas (48,5%), 43 participantes mobilizaram três (43,4%), 7 participantes mobilizaram apenas duas (7,1%) e apenas 1 participante mobilizou uma única heurística. Tais resultados revelam que as heurísticas de ancoragem, afeto, contabilidade mental e aversão à perda estão presentes nas decisões dos estudantes. Esses achados corroboram estudos anteriores (Tversky e Kahneman, 1974; Thaler, 1985; Kahneman, 2012) que evidenciam que as pessoas tendem a tomar decisões com base em heurísticas. A presença de heurísticas pode ser explicada pela limitação de tempo ou por economia de esforço cognitivo durante a realização das tarefas fazendo com que os estudantes precisem utilizar mecanismos de simplificação, como afirmado por Kahneman (2012).

Com base nesses resultados, questionou-se: será que alguma heurística é mais mobilizada do que outras pelos estudantes? Como pode ser observado no Gráfico 1, dos 99 estudantes, 98 (98,9%) mobilizaram a heurística de aversão à perda, 94 (94,9%) a heurística de afeto, 91 (91,9%) a heurística de contabilidade mental e apenas 53 (53,5%) estudantes mobilizaram a heurística de ancoragem.

Fonte: Dados da pesquisa.

Gráfico 1 Frequência da mobilização de heurísticas investigadas. 

Pelo teste Friedman, analisando o escore total de mobilização das heurísticas, verificam-se diferenças significativas entre as quatro heurísticas: [x²(3)=210,277; p<0,001], em que as heurísticas de aversão à perda e afeto apresentaram diferenças também significativas em relação à ancoragem e à contabilidade mental, todas com p<0,001, exceto o afeto em relação à contabilidade mental que obteve p<0,05. Dessa forma, evidencia-se que as heurísticas de afeto e aversão à perda foram as mais recorrentes dentre as heurísticas analisadas, apresentando resultados estatisticamente significativos.

Verifica-se então que, mesmo com ofertas oferecendo vantagens financeiras, o risco de perder algo fez com que os estudantes repensassem suas decisões. Salienta-se que as situações envolvem cenários fictícios, mas que podem facilmente ser observados no dia a dia, considerando que a maioria das nossas decisões precisam ser tomadas em situações de pressão e incerteza. Pode-se observar também que o medo da perda faz com que pessoas tomem decisões de forma impulsiva e se deixem levar por emoções e conceitos errôneos em situações de incertezas e riscos. Dessa forma, abordar discussões dessa natureza na escola pode ajudar os estudantes a adquirir competências que os auxiliem em suas decisões cotidianas, ainda podendo agregar outros conceitos matemáticos e estatísticos como probabilidade.

É importante ressaltar que a decisão dos estudantes nos questionamentos referentes à aversão à perda pode não ter sido influenciada apenas por esta, mas também por seus gostos pessoais, tendo os sentimentos um papel relevante na tomada de decisão. Macedo et al. (2003) enfatizam que as heurísticas não são mutuamente excludentes, ou seja, na verdade, pode-se ter mais de uma heurística em operação em nossos processos de tomada de decisão em qualquer dado momento. Isso pode ser observado, também, pelo fato de a heurística de afeto ser recorrente nas decisões dos estudantes.

Analisando as respostas dos estudantes, observa-se que suas decisões são influenciadas pelo fato de gostar ou não gostar de determinada marca de roupa, iogurte, modalidades de esportes e até preferências por internet e ligação. Para Kahneman (2012), as pessoas fazem julgamentos e tomam decisões consultando suas emoções, pelo que gostam ou não, e muitas vezes sem se dar conta do que estão fazendo. Muitos dos estudantes afirmaram que mesmo não obtendo benefícios financeiros na compra, por exemplo, era mais importante consumir a marca de sua preferência, assim como fazer uma modalidade que gosta na academia é mais satisfatório do que obter um desconto em uma modalidade que não gosta tanto, o que, para Muniz Jr. (2016), pode estar ligado às reações emocionais. Essas reações às vezes divergem da razão e da lógica para dominar o processo de tomada de decisão.

Corroborando a discussão, Kahneman (2012) afirma que as heurísticas tendem a produzir desvios sistemáticos de julgamento, isso pode nem sempre ser percebido durante a decisão. Dessa forma, o uso das heurísticas pode trazer, inevitavelmente, vieses para as decisões, ou seja, uma escolha feita de forma rápida e automática pode nem sempre ser a mais correta. Do ponto de vista financeiro, pode-se afirmar que os estudantes optando por gastar mais para poder consumir algo que gostam estariam em desvantagem financeira, mas, fazendo uma reflexão mais crítica, é válido ressaltar que o consumo de algo apenas por economia de dinheiro pode trazer desvantagens a longo prazo. A situação de compra de uma peça de roupa na promoção, mas com pouca qualidade, pode ser menos vantajosa do que comprar uma peça mais cara, mas com maior durabilidade. O investimento inicial pode ser maior, mas as vantagens serão a longo prazo.

Esses resultados apontam debates relevantes para a EFE ao demonstrar que, utilizando uma atividade de matemática financeira e produzindo questionamentos com base nela, é possível verificar que nem sempre as decisões dos estudantes estão pautadas apenas nos cálculos matemáticos, destacando a importância de discutir como as heurísticas podem influenciar as decisões e os riscos que elas podem apresentar. Esses resultados corroboram estudos anteriores (Muniz Jr., 2016; Silva e Lautert, 2019) que investigaram a tomada de decisão de estudantes em situação que envolve atividades de matemática financeira em um contexto de EF.

Considerando os resultados apresentados, buscou-se investigar se existem diferenças na mobilização das heurísticas quando se consideram as quatro situações financeiras apresentadas aos estudantes, ou seja, será que existe efeito da situação financeira em relação à mobilização das heurísticas de ancoragem, afeto, contabilidade mental e aversão à perda? O Gráfico 2 ilustra a mobilização de cada heurística nas diferentes situações (S1, S2, S3 e S4).

Fonte: Dados da pesquisa.

Gráfico 2 Análise de mobilização de heurísticas nas quatro situações financeiras. 

Como pode ser observado no Gráfico 2, a heurística de ancoragem é mais frequente na S1 (30,3%), seguida da S4 (18,2%) e da S3 (11,1%), e menos frequente na S2 (6,1%). Esse resultado foi confirmado por meio do teste de Friedman9 que constatou o efeito da situação financeira em relação à heurística de ancoragem com [x²(3)=23,059; p<0,001].10

A análise por pares constatou diferenças significativas apenas na S2 (alimentação) em relação à S1 (vestuário), com p<0,05. Uma possível explicação é que, na S1, os estudantes podem não ter prestado atenção para o fato de que a oferta era de até 50%. Eles podem ter realizado julgamentos equivocados por não observarem informações importantes ou nem perceberem que elas estão faltando. Tal resultado corrobora o que Kahneman (2012) chama de âncora, em que os julgamentos das pessoas são influenciados, muitas vezes, por um número pouco ou não informativo, bem como evidencia o que foi apontado por outros autores, que afirmam que a heurística de ancoragem pode alterar o comportamento do consumidor, principalmente em relação à percepção e à estimação dos preços de produtos e serviços (Chapman e Johnson, 1999; Luppe e Angelo, 2010). Em relação à S2 (alimentação), grande parte dos estudantes optou pela oferta mais barata (Oferta 2) e justificou sua resposta com esse motivo. Esse resultado pode estar relacionado ao fato de a situação apresentar uma resolução mais simples do ponto de vista matemático, fazendo com que os estudantes conseguissem respondê-la sem precisar recorrer a atalhos mentais, as heurísticas. Dessa forma, os estudantes acabaram mobilizando mais a heurística de ancoragem na S1, atraídos pelo desconto, do que na S2.

No que concerne às S3 (saúde) e S4 (entretenimento), a âncora chamava atenção para as ofertas que ofereciam mais vantagens financeiras, porém os estudantes levaram em consideração outros aspectos para tomar a decisão (cálculos matemáticos, experiências pessoais, entre outras), e os dados não apresentaram diferenças significativas. Isso também pode ter ocorrido porque as situações tratavam de pacotes de academia e internet e envolviam uma duração de tempo. Uma decisão com impactos a longo prazo pode demandar do decisor uma responsabilidade maior na hora da escolha, fazendo com que ele opere de forma mais crítica e laboriosa para decidir. Outra explicação também pode ser o fato de que as âncoras estavam representadas nas informações marcadas com (*) e podem não ter chamado tanta atenção dos estudantes.

A heurística de afeto foi a segunda mais recorrente nas decisões dos estudantes e apresentou frequência semelhante nas quatro situações financeiras, como pode ser observado no Gráfico 2. Ainda assim, com o teste de Friedman, verificou-se um efeito significativo [x²(3)=7,823; p<0,05] em relação às situações financeiras de modo geral, mas não houve diferenças significativas quando comparada por pares, a saber: [S1 vs. S2 (p=0,285); S1 vs. S3 (p=1,0); S1 vs. S4 (p=1,0); S2 vs. S3 (p=1,0); S2 vs. S4 (p=0,914); S3 vs. S4 (p=1,0)]. Dessa forma, não se pode afirmar que a natureza da situação financeira tem efeito significativo sobre a mobilização da heurística de afeto.

Todas as situações apresentaram taxas acima de 50% na mobilização dessa heurística. Esse resultado pode ser facilmente explicado pelo fato de as decisões serem fortemente influenciadas pelos gostos e preferências pessoais do decisor (Kahneman, 2012). Nas S1 e S2, em que os contextos envolviam vestuário e alimentação, respectivamente, é compreensível que os gostos pessoais estejam diretamente ligados à escolha pelo produto. Os estudantes afirmaram em suas respostas que o fato de gostar ou não de determinado produto é um fator decisivo na hora da escolha, uma vez que não vale a pena adquirir algo apenas pelo desconto ser mais vantajoso. Quando a escolha envolve alimentação, as respostas são ainda mais incisivas, pois é importante para os estudantes adquirirem um produto com maior qualidade, mesmo que ele seja mais caro. Da mesma forma que os estudantes consideram importante adquirir alimentos com melhor qualidade, eles também acreditam que os mais caros são os que oferecem essa garantia. Tal afirmação aponta necessidades de discussão em sala de aula, levando em consideração que não se pode afirmar que o produto mais caro é sempre o com melhor qualidade. Existem fatores diversos que interferem no preço de um produto, por exemplo, o investimento em marketing, em propagandas, que pode aumentar seu preço, mas não garante sua qualidade. Na S3, fica evidente nas justificativas dos estudantes que, embora o desconto seja importante e tenha um peso nas decisões, o interesse por determinadas modalidades foi o fator determinante quando eles precisaram escolher um pacote. O mesmo ocorreu na S4 quando os estudantes escolheram o plano de internet de acordo com as suas preferências de uso.

No que diz respeito à contabilidade mental, por meio do teste de Friedman, observou-se efeito significativo da heurística em relação às quatro situações financeiras: [x²(3)=61,419; p<0,001]. Como os questionamentos realizados para investigar a mobilização dessa heurística tinham objetivos diferentes — S1 e S2 (verificar se os estudantes estavam dispostos a gastar tempo para poupar dinheiro) e S3 e S4 (investigar o dilema compra à vista vs. compra a prazo) —, realizaram-se as análises entre (S1 e S2) e (S3 e S4). Foi observado um efeito significativo da S1 (vestuário) em relação à S2 (alimentação) com p<0,001. A contabilidade mental apresentou frequência mais expressiva na S2, com taxa de 75,8% no escore geral, como pode ser verificado no Gráfico 2. Nessa situação específica, o questionamento foi em relação a um desconto de R$0,50 a cada iogurte comprado, mas teria que ir a um supermercado a 10 minutos de distância. Assim, a maioria dos estudantes respondeu que iria até a outra loja justificando que o desconto seria vantajoso. O mesmo não aconteceu em relação à S1, que apresentava o mesmo desconto, mas em um valor de referência maior, que, no caso, eram peças de roupa. Nesta última situação, apenas 29,3% dos estudantes responderam que iriam até outra loja. A Tabela 1 ilustra as respostas da S1 em comparação às respostas da S2.

Tabela 1 Frequência e porcentagem (entre parênteses) da contabilidade mental em relação às Situações 1 e 2. 

S2 (alimentação)
NÃO SIM
S1 (vestuário) NÃO 19 (19,2) 51(51,5)
SIM 5 (5,1) 24 (24,2)

Fonte: Dados da pesquisa.

Observa-se que 51,5% dos estudantes responderam que não iriam a outra loja na primeira situação e iriam na segunda. Esse resultado corrobora a teoria da contabilidade mental, que aponta que o consumidor dá valores diferentes ao dinheiro quando aplicado a valores de referência distintos, ou seja, consumidores provavelmente consideram um desconto de R$5,00 (um ganho) mais atraente no contexto de um preço de referência de R$10,00 do que no contexto de um preço de referência de R$100,00 (Ávila e Figueiredo, 2009). No caso em questão, os estudantes acharam o desconto mais atrativo para o iogurte do que para a peça de roupa, o que fez com que eles tomassem decisões diferentes em cada uma das situações. Em ambos os casos, provavelmente o desconto de apenas R$0,50 não era vantajoso levando em consideração o tempo que seria gasto até o outro estabelecimento, porém enxergar vantagem em uma situação e em outra não evidencia que existem outros aspectos envolvidos na decisão que não apenas os financeiros, confirmando a mobilização de heurísticas.

Também foram verificadas diferenças significativas na S3 (academia) em relação à S4 (entretenimento) com p<0,05. Essas situações apresentavam um pagamento a prazo envolvendo juros. Na S4, os estudantes tinham a opção de assinar o pacote de internet à vista ou pagá-lo por mês com uma taxa de juros de 10%. Mais da metade dos estudantes (51,5%) optou pelo pagamento a prazo para poder assinar a internet em imediato (Gráfico 2). O mesmo não ocorreu na S3, que apresentava um cenário semelhante, mas no contexto de modalidades na academia. Apenas 27, 3% dos estudantes optaram por pagar juros, enquanto 72,7% optaram por esperar um tempo para poder iniciar o plano. Quando questionados sobre o motivo de preferir pagar juros pela internet e não pela academia, os estudantes alegaram que a internet é mais necessária do que a academia.

Observou-se, ainda, uma preocupação dos estudantes com o endividamento, quando eles, nas S3 e S4, mencionam nas entrevistas que optaram por juntar o dinheiro e esperar um tempo para não pagar juros, alegando que o medo de não conseguir pagar o plano até o fim os impediria de assinar os pacotes. Percebe-se que, embora boa parte da população esteja endividada, pagando altas taxas no crédito, os estudantes mostraram-se bastante preocupados com essa questão. Ainda que não sejam responsáveis por suas finanças e provavelmente não administrem a de suas casas, os estudantes já mostram uma consciência crítica desse assunto que é tão importante e pode ser mais bem explorado na escola.

Assim como na heurística de afeto, o teste Friedman detectou diferenças na mobilização da aversão à perda em relação às situações financeiras [x²(3)=8,100; p<0,05], mas, na análise entre pares, as situações não apresentaram efeitos significativos em relação à heurística [S1 vs. S2 (p=0,592); S1 vs. S3 (p=0,285); S1 vs. S4 (p=0,914); S2 vs. S3 (p=1,0); S2 vs. S4 (p=1,0); S3 vs. S4 (p=1,0)].

Como disposto no Gráfico 2, na S1, o questionamento de levar uma peça grátis, mas sem a possibilidade de escolha do produto, fez com que 52,5% dos estudantes optassem por não comprar na oferta. Se as decisões fossem totalmente racionais, o fato de gostar ou não de determinada peça, ou preferir não arriscar ganhar um produto porque não poderia escolher, não deveria ser um problema na hora de tomar uma decisão financeira. A S3, no contexto de escolha de modalidades na academia, foi a com maior recorrência da heurística (70,7%), pois a situação envolvia um desconto nas modalidades sob a incerteza de não poder escolher os horários para prática. Nas decisões dos estudantes, o medo de perder o dinheiro investido mostrou-se maior do que a vantagem em obter um desconto. Esse resultado confirma o que Kahneman (1992) encontrou em seus estudos empíricos de que a insatisfação de perder uma quantia x é, em geral, 2,5 vezes maior do que a satisfação de ganhar a mesma quantia, o mesmo ocorreu na S4.

De maneira geral, nota-se que, embora haja variação entre a mobilização das heurísticas de ancoragem, afeto, contabilidade mental e aversão à perda em todas as situações, em uma análise comparativa, as situações financeiras só apresentaram efeito significativo sobre as heurísticas de ancoragem e contabilidade mental, sendo a heurística de ancoragem mais mobilizada em uma situação de vestuário e a contabilidade mental no contexto de alimentação e entretenimento. Esses resultados indicam que, em um cenário de tomada de decisão, a mobilização de heurísticas pode sofrer efeito do contexto em que a situação financeira está inserida, isto é, uma heurística pode ser mais mobilizada em algumas situações do que em outras.

Buscando aprofundar o conhecimento sobre a mobilização das heurísticas nas situações apresentadas, empreendeu-se, ainda, a análise separada de cada uma das situações propostas (ver Gráfico 3).

Fonte: Dados da pesquisa.

Gráfico 3 Mobilização das heurísticas por situação financeira. 

Constata-se na S1(vestuário) que os estudantes apresentam percentuais diferentes nas heurísticas de afeto (50,5%) e de aversão à perda (52,5%) e de ancoragem (30,3%) e contabilidade mental (29,3%). O teste de Friedman indicou diferenças significativas [x²(3)=19,847; p<0,001] entre as heurísticas. Contudo, quando comparado por pares, o teste não detectou diferenças significativas na mobilização de heurísticas. Isto é, embora haja diferenças entre as heurísticas, elas não são significativas ao ponto de poder afirmar que existe efeito de uma em detrimento da outra. Essa situação envolve um contexto de vestuário em que o afeto e a aversão à perda tiveram taxas mais altas de mobilização. Embora a ancoragem apresente uma taxa de apenas 30,3%, foi nessa situação que ela foi mais recorrente, como evidenciado na análise anterior (ver Gráfico 2). Já a contabilidade mental apareceu menos em relação às outras situações. Mesmo não apresentando diferenças significativas, os resultados mostram que os estudantes mobilizam heurísticas com variações em situações dessa natureza. Do ponto de vista da EF, um cenário de compra de roupas pode ser um cenário rico de discussões como consumo consciente, desejo vs. necessidade e também de mobilização de heurísticas.

Na S2 (alimentação), observa-se um índice mais elevado da heurística de contabilidade mental (75,8%), seguido das heurísticas de afeto (68,7%), aversão à perda (67,7%) e um índice menor da heurística de ancoragem (6,1%). O teste de Friedman detectou diferenças significativas [x²(3)=114,479; p<0,001] entre essas heurísticas. O teste identificou ainda diferenças significativas entre a ancoragem e as outras três heurísticas (afeto, contabilidade mental e aversão à perda) com grau de significância p<0,001. Isso porque a ancoragem teve sua menor incidência nesta situação, e as demais apresentaram altas taxas de mobilização. Esse resultado está relacionado à análise anterior que indicou que as heurísticas de afeto e contabilidade mental tiveram suas maiores taxas de mobilização nessa situação e o afeto sua segunda maior incidência. Isso indica que, em uma situação de alimentação, os estudantes acabam mobilizando mais as heurísticas.

Na S3 (saúde), a heurística mais mobilizada foi a de aversão à perda (70,7%), seguida da heurística de afeto (58,6%), contabilidade mental (27,3%) e ancoragem (11,1%). O teste de Friedman indicou diferenças significativas entre a mobilização das heurísticas com: [x²(3)=82,407; p<0,001]. Quando comparado por pares, observou-se que o afeto apresentou diferenças em relação à ancoragem e à contabilidade mental, com p<0,001 e p<0,5 respectivamente, e a aversão à perda também em relação a essas duas, com p<0,001. Assim, nessa situação, os estudantes mobilizaram mais a aversão à perda e o afeto e menos a contabilidade mental e a ancoragem. Tais resultados reforçam que essa situação foi a em que os estudantes mais mobilizaram a aversão à perda, e esta foi também a heurística mais mobilizada na situação (70,7%) em relação as outras. Ademais, foi a situação em que a contabilidade mental foi menos mobilizada pelos estudantes.

Na S4 (entretenimento), constata-se um índice mais elevado da heurística de aversão à perda (65,7%), seguido das heurísticas de afeto (55,6%), contabilidade mental (51,5%) e um índice menor da heurística de ancoragem (18,2%). O teste de Friedman detectou diferenças significativas entre a mobilização dessas heurísticas com [x²(3)=52,781; p<0,001]. Quando comparadas entre si, o teste evidenciou diferenças significativas da ancoragem em relação ao afeto (p<0,001), à contabilidade mental (p<0,05) e à aversão à perda (p<0,001). Esses resultados são semelhantes aos observados na Situação 2, embora sejam de naturezas distintas. Isso ocorre porque a heurística de ancoragem foi menos mobilizada em todas as situações, então, nas situações em que as outras heurísticas tiveram altos índices, o teste detectou diferenças significativas. Ressalta-se que essa situação envolve um contexto de entretenimento que, tratando-se de um público adolescente inserido no universo digital, tem grande relevância. Assim, suas preferências e necessidades imediatas estavam presentes em suas decisões, indicando um possível motivo pelo qual o afeto, a aversão à perda e a contabilidade mental foram mais mobilizadas.

Os resultados dessas análises confirmam que existem variações na mobilização de heurísticas quando se considera cada uma das situações isoladamente. Isso porque, em três das quatro situações propostas, algumas heurísticas apresentaram diferenças significativas em relação a outras (S2: ancoragem vs. afeto; ancoragem vs. contabilidade mental; ancoragem vs. aversão à perda; S3: afeto vs. ancoragem; afeto vs. contabilidade mental; aversão à perda vs. ancoragem; aversão à perda vs. contabilidade mental; e S4: ancoragem vs. afeto; ancoragem vs. contabilidade mental; ancoragem vs. aversão à perda). Embora não tenham sido detectadas diferenças significativas na S1 (vestuário), os resultados mostram percentuais distintos de mobilização entre as heurísticas (ver Gráfico 3), o que indica a necessidade dessa questão ser mais bem explorada em pesquisas futuras.

Tais resultados evidenciam que existem efeitos significativos da situação financeira em relação à mobilização de heurísticas, evidenciando que o contexto no qual o estudante precisa tomar uma decisão é um fator importante no processo decisório e que esse pode levá-lo a escolhas distintas que nem sempre estão pautadas em cálculos matemáticos, destacando a importância de discutir no contexto escolar o uso de heurísticas nas tomadas de decisões apontando os riscos e benefícios que elas podem gerar em nossas ações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Três questões nortearam esta investigação:

  1. as heurísticas de ancoragem, afeto, contabilidade mental e aversão à perda estão presentes nas decisões dos estudantes do ensino médio ante situações financeiras?

  2. Das heurísticas investigadas, quais são as mais recorrentes nas decisões dos estudantes ante as situações financeiras propostas?

  3. As heurísticas mobilizadas pelos estudantes diferem conforme a natureza da situação financeira proposta?

Na sequência, serão apresentadas as principais conclusões com base nesses questionamentos que instigaram a investigação sobre a tomada de decisão de estudantes pela mobilização de heurísticas.

AS HEURÍSTICAS DE ANCORAGEM, AFETO, CONTABILIDADE MENTAL E AVERSÃO À PERDA ESTÃO PRESENTES NAS DECISÕES DOS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO ANTE SITUAÇÕES FINANCEIRAS?

De acordo com os resultados obtidos por meio das situações financeiras propostas aos estudantes, afirma-se que estes mobilizam as heurísticas de ancoragem, afeto, contabilidade mental e aversão à perda em suas decisões. Todos os estudantes mobilizaram alguma heurística nas suas decisões, destes, 1 estudante mobilizou apenas uma, 7 mobilizaram duas heurísticas, 43 mobilizaram três e 48 mobilizaram quatro heurísticas. Ainda, do total de 99 estudantes, 98 mobilizaram a aversão à perda, 94 o afeto, 91 a contabilidade mental e 53 a heurística de ancoragem. Esses achados corroboram os estudos realizados por Kahneman (2012) e o resultado de outros trabalhos que buscaram identificar a presença de heurísticas nas decisões (Luppe e Angelo, 2010; Quintanilha e Macedo, 2013; Canto, Treter e Cavali, 2017). Ressalta-se que, embora haja a predominância de respostas intuitivas, baseadas em heurísticas, não se pode afirmar que elas são operadas apenas pelo Sistema 1 (automático), uma vez que, no processo decisório, existe uma influência mútua entre os dois sistemas. Ainda assim, considera-se que o Sistema 1 influenciou predominantemente as respostas dos estudantes quando eles precisaram tomar decisões financeiras. Nesse sentido, os resultados apontam que apenas conhecimentos matemáticos não são suficientes para discutir uma EF; é necessário considerar o papel das emoções, os aspectos éticos, a sustentabilidade, entre outros, mas que a matemática é uma importante ferramenta que pode auxiliar os estudantes em suas decisões.

DAS HEURÍSTICAS INVESTIGADAS, QUAIS SÃO AS MAIS RECORRENTES NAS DECISÕES DOS ESTUDANTES ANTE AS SITUAÇÕES FINANCEIRAS PROPOSTAS?

Os resultados apontam que as heurísticas de afeto e aversão à perda apresentaram diferenças significativas em relação à ancoragem e à contabilidade mental. A aversão à perda foi a mais frequente nas situações financeiras, com exceção na Situação 2 (alimentação), em que prevaleceu o afeto, sendo esta última a segunda heurística mais recorrente nas demais situações. Esse resultado evidencia que, mesmo as ofertas dispondo de vantagens financeiras, as emoções ainda têm papel importante nas decisões dos estudantes e fez com que eles optassem por gastar mais para consumir o que gostam ou para não arriscar perder algo.

Nos resultados gerais, 98,9% dos estudantes mobilizaram a heurística de aversão à perda e 94,9% a de afeto, contabilizando que a maioria dos estudantes manifestou essas heurísticas em suas decisões. A aversão à perda foi investigada em todas as situações com base em um risco de perda, e verificou-se que os estudantes preferem não arriscar para não perder. Baseado no conceito desse viés, observa-se que o medo de perder pode fazer com que os estudantes tomem decisões que nem sempre serão as mais acertadas. No que diz respeito à heurística de afeto, ela foi uma forte influência nas decisões dos estudantes, podendo, inclusive, estar relacionada às outras heurísticas, já que ela está tão ligada ao raciocínio que, às vezes, nem se percebe que está influenciando as decisões, uma vez que uma de suas principais características é inibir os defeitos do que gostamos e desvalorizar os benefícios do que não gostamos. No mundo das finanças, essa influência pode incorrer em erros nas decisões e desencadear consequências a longo prazo.

Dessa forma, afirma-se que estudar modelos, cálculos e teorias deveria auxiliar os indivíduos em decisões mais racionais, mas ainda assim eles podem se deixar levar por emoções e conceitos errôneos em situações de incerteza e risco, como foi observado em outros estudos (Leal e Campos, 2015; Silva, 2017; Kich et al., 2018). Assim, entende-se que as aulas de EF ou mesmo os programas em EF devem instrumentalizar os estudantes com conceitos matemáticos e estatísticos, mas também expandir suas janelas cognitivas, levando-os a refletir sobre o que os leva a tomar determinadas decisões e como as heurísticas e vieses cognitivos podem influenciá-los.

AS HEURÍSTICAS MOBILIZADAS PELOS ESTUDANTES DIFEREM CONFORME A NATUREZA DA SITUAÇÃO FINANCEIRA PROPOSTA?

As heurísticas apresentaram frequências diferentes nas decisões dos estudantes quando analisadas por situação financeira. No contexto de quatro situações envolvendo vestuário, alimentação, saúde e entretenimento, foram encontradas variações nas heurísticas mais recorrentes. Verificou-se que as situações financeiras tiveram efeito sobre as heurísticas de ancoragem, afeto, contabilidade mental e aversão à perda, sendo a ancoragem mais frequente na S1 (vestuário), com taxa de 30,3%, e menos frequente na S2 (alimentação), com 6,1%, sendo esta a menor frequência observada em relação a todas as heurísticas. A heurística de afeto foi mais recorrente na S2 (alimentação), com 68,7% de frequência, e menos na S1 (vestuário), com 50,5%, mesmo tendo apresentado taxas acima de 50% em todas as situações. No que diz respeito à contabilidade mental, foi mais frequente na S2 (alimentação), com 75,8%, e menos frequente na S3 (saúde), com 27,3%. Por último, a aversão à perda obteve frequência acima de 50% em todas as situações, mas foi mais recorrente na S3 (saúde), com 70,7%, e menos na S1 (vestuário), com 52,5%. Quando analisadas as situações separadamente, verificou-se que, na S1 (vestuário), a heurística mais mobilizada foi a de aversão à perda (52,2%) e a que menos se manifestou foi a contabilidade mental. Na S2 (alimentação), a contabilidade apresentou a maior taxa, de 75,8%, enquanto a ancoragem obteve apenas 6,1%. Nas S3 (saúde) e S4 (entretenimento), a heurística mais mobilizada foi a aversão à perda, com 70,7% e 65,7% respectivamente, e a ancoragem com as menores taxas, sendo 11,1% na S3 (saúde) e 18,2% na S4 (entretenimento).

Esses resultados mostram que o contexto no qual o estudante toma decisão pode interferir nas suas decisões, ou seja, os processos cognitivos e afetivos envolvidos no julgamento e na avaliação da decisão sofrem influência da natureza da situação. Assim, de forma consciente ou não, os estudantes atribuem maior importância a situações de seu interesse, não levando em consideração, muitas vezes, aspectos importantes, ao inibir o que não é de interesse imediato e dar maior relevância ao que é, naquele momento. Dessa forma, ao pensar em uma EF, é importante levar em consideração o contexto em que o estudante está inserido e suas especificidades. As decisões, além de contar com as particularidades do decisor, envolvem diversos fatores relacionados ao contexto, o momento que a decisão está sendo tomada e todos os fatores externos que não são controláveis. Sabe-se que a maneira como agimos, pensamos e sentidos é fortemente influenciada pelo meio onde vivemos e por nossos interesses pessoais; com as decisões, não seria diferente.

Como mencionado nas discussões, contudo, são necessários mais estudos empíricos, tendo em vista que estes resultados podem não representar um diagnóstico preciso de comportamentos dos estudantes, mas oferecem informações relevantes do ponto de vista psicológico. As situações financeiras apresentadas, apesar de fictícias, envolvem contextos que podem facilmente ser vivenciados no dia a dia de um estudante que está no ensino médio ou mesmo depois de formado. Tomar consciência dos diversos vieses que podem interferir nas suas decisões pode fazer com que os jovens não caiam em armadilhas financeiras, ou pelo menos tenham conhecimento de que suas decisões nem sempre são totalmente racionais e que precisam ser bem avaliadas para possibilitar a escolha mais satisfatória dentre as possibilidades acessíveis.

1Considera-se, neste trabalho, como situação financeira atividades ou situações que exijam uma postura crítica ante um contexto envolvendo o dinheiro e o uso consciente dele.

2Para maiores informações, ver: Simon (1990) e Kahneman (2012).

3Órgão que tem como propósito fomentar e promover políticas públicas voltadas ao desenvolvimento econômico e promover o bem-estar social da população mundial. Disponível em: http://www.oecd.org/about/.

4Média e desvio padrão das idades dos estudantes.

5Esse dado varia de acordo com a oferta que o participante escolheu, ex.: na oferta 2, a internet baixa para 15MB, na oferta 3, baixa para 20MB.

6Termo utilizado por Kahneman (2012) para se referir a heurística de ancoragem.

7O tempo de intervalo entre a 1ᵃ e a 2ᵃ sessão variou pela disponibilidade dos estudantes.

8Para verificar a independência das variáveis e construção das tabelas.

9O teste de Friedman realiza uma primeira análise indicando se há diferenças significativas entre todos os resultados, ou seja, se há variação entre os percentuais, e depois indica onde essa diferença é observada comparando por pares. Nesta última, ele usa um p (significância estatística) ajustado por conta do número de comparações que foram feitas. Dessa forma, é possível que se obtenha uma diferença significativa de maneira geral, mas não sejam observadas diferenças nas comparações por pares.

10Sendo x² o valor do qui-quadrado, (3) os graus de liberdade e p o nível de significância.

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

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Recebido: 09 de Dezembro de 2020; Aceito: 01 de Dezembro de 2021

Jessica Barbosa da Silva é doutoranda em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora do Colégio de Aplicação da mesma instituição. E-mail: jjessicabarbosa@hotmail.com

Síntria Labres Lautert é doutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora na mesma instituição. E-mail: sintria.lautert@ufpe.br

Conflitos de interesse: As autoras declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Contribuições das autoras: Curadoria de dados, investigação, escrita — primeira redação: Silva, J.B. Conceituação, análise formal, metodologia, escrita — revisão e edição: Silva, J.B; Lautert, S. L.

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