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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub 11-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270101 

Artigos

O Programa Bolsa Família e a condicionalidade educacional: uma análise do desempenho escolar de estudantes em situação de pobreza

THE BOLSA FAMÍLIA PROGRAM AND EDUCATIONAL CONDITIONALITY: AN ANALYSIS OF SCHOOL PERFORMANCE OF STUDENTS UNDER POVERTY

EL PROGRAMA BOLSA FAMILIA Y LA CONDICIONALIDAD EDUCATIVA: UN ANÁLISIS DEL DESEMPEÑO ESCOLAR DE ESTUDIANTES EN POBREZA

Bárbara Amaral MartinsI 
http://orcid.org/0000-0003-4278-1661

Fabiano Quadros RückertI 
http://orcid.org/0000-0002-0887-5851

IUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul, Pantanal, MS, Brasil.


Resumo

Ao identificar uma lacuna na produção científica referente a pesquisas que tratem do desempenho escolar dos estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) e da opinião destes sobre o programa, realizou-se um estudo focado no desempenho de estudantes do ensino médio de duas escolas públicas da cidade de Corumbá, em Mato Grosso do Sul. O estudo explorou as percepções formuladas por estudantes — beneficiários e não beneficiários — a respeito do programa e do desempenho que alcançaram no transcurso do processo de escolarização. Parte dos dados analisados foi coletada por meio de dois questionários respondidos pelos estudantes, e outra parte procede dos históricos escolares consultados. O cruzamento de dados e o uso da estatística possibilitaram comparar o desempenho escolar de beneficiários com o de não beneficiários. Os resultados indicaram pouca diferença entre os dois subgrupos e ressaltaram o impacto positivo do PBF na escolarização dos estudantes beneficiados.

PALAVRAS-CHAVE desempenho escolar; Programa Bolsa Família; ensino médio

Abstract

By identifying a gap in the scientific production regarding research that addresses the school performance of students who benefit from the Bolsa Família Program (PBF) and their opinion about the program, we conducted a study focused on the performance of high school students from two public schools in the city of Corumbá in Mato Grosso do Sul. The study explores the perceptions formulated by students – beneficiaries and non-beneficiaries – regarding the PBF and the performance they achieved throughout the schooling process. Part of the analyzed data was collected through two questionnaires answered by the students, and another part comes from the School Histories checked. The crossing of data and the use of Statistics enabled comparisons between the school performance of beneficiaries and non-beneficiaries. The results indicate little difference in performance between the two subgroups and highlight the positive impact of the PBF on the schooling of the benefited students.

KEYWORDS school performance; Bolsa Família Program; high school

Resumen

Al identificar una brecha en la producción científica respecto a la investigación del desempeño escolar de los estudiantes beneficiarios del Programa Bolsa Familia (PBF) y su opinión sobre él, realizamos un estudio enfocado en el desempeño de los estudiantes de secundaria de dos escuelas públicas en la ciudad de Corumbá, Mato Grosso do Sul. El estudio explora las percepciones formuladas por los estudiantes – beneficiarios y no beneficiarios – sobre el PBF y el desempeño que lograron en el transcurso del proceso de escolarización. Los datos analizados fueron recolectados a través de dos cuestionarios respondidos por los estudiantes y consulta de Expedientes Académicos. El cruce de datos y el uso de estadísticas permitió realizar comparaciones entre el desempeño escolar de los beneficiarios y los no beneficiarios. Los resultados indican poca diferencia en el desempeño entre los dos subgrupos y destacan el impacto positivo del PBF en la escolarización de los estudiantes beneficiados.

PALABRAS CLAVE desempeño escolar; Programa Bolsa Familia; escuela secundaria

CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

O Programa Bolsa Família (PBF), criado em 2003 e regulamentado pelo decreto n. 5.209/2004 (Brasil, 2004), caracteriza-se como programa de transferência direta e condicionada de renda, ou seja, para ser beneficiário, além de estar em condição de pobreza, é necessário cumprir certas condicionalidades relacionadas à educação e à saúde. Tais condicionalidades justificam-se pela proposta do PBF, que é ultrapassar o alívio imediato dos efeitos da pobreza, quebrando o ciclo intergeracional que a subjaz. Assim, procura-se garantir o acesso das famílias menos favorecidas a direitos sociais fundamentais, o que envolve aumentar o grau de escolaridade dos seus membros. As condicionalidades abrangem a realização de exames pré-natais, o acompanhamento nutricional, a vacinação e o cumprimento da frequência escolar mínima.

O valor do benefício recebido varia de acordo com a condição de pobreza ou extrema pobreza da família, bem como a existência de gestantes, crianças e adolescentes. É responsabilidade dos municípios, em articulação com a União e os estados, identificar aquelas que são elegíveis à participação, inscrevê-las no Cadastro Único e verificar o cumprimento das condicionalidades (Brasil, 2004). São consideradas pobres as famílias cuja renda mensal varia entre R$89,01 e R$178,00 por pessoa; e extremamente pobres aquelas com renda mensal inferior a R$89,01 por pessoa. Nesta categoria, a presença de gestantes, crianças ou adolescentes na composição familiar é dispensável.

O PBF tem sido foco de investigações que se desenvolvem em diferentes perspectivas. Entre os temas recorrentes, encontram-se:

  • os objetivos e os instrumentos de operacionalização do programa;

  • o monitoramento de suas condicionalidades;

  • a relação entre o programa e o acesso aos serviços de saúde;

  • a valorização das mulheres na composição e na definição do orçamento familiar; e

  • o impacto do PBF na educação — frequência escolar, evasão, aprovação/reprovação e defasagem idade/série (Martins e Rückert, 2020).

As pesquisas indicam que o PBF apresenta resultados positivos como instrumento de transferência de renda que possibilita amenizar as dificuldades impostas pela pobreza (Cavalcanti, Costa e Silva, 2013) e gerar impactos macroeconômicos com reflexos no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e na renda per capita de municípios (Denes, Komatsu e Menezes-Filho, 2018). Existem também pesquisas que ressaltam os efeitos positivos do programa na matrícula e na permanência escolares, assim como na atenção à saúde (Januzzi e Pinto, 2013; Barrientos, Debowicz e Woolard, 2016).

No que tange especificamente à condicionalidade de educação, a contrapartida dos beneficiários corresponde à frequência escolar mínima de 85% dos dias letivos de cada mês por parte dos estudantes de 6 a 15 anos e 75% para os de 16 e 17 anos (Brasil, 2004).

Numa revisão de literatura referente ao PBF, no período de 2003 a 2018, considerando a base de dados Scielo, Martins e Rückert (2019) localizaram 39 artigos científicos, entre os quais 11 o analisavam em sua interface com a educação, de modo a revelar a promoção do aumento da frequência escolar e a diminuição da defasagem idade-série e da evasão como efeitos da condicionalidade educacional. No que concerne à aprendizagem, são poucos os estudos que se dedicam a analisar as implicações envolvendo o rendimento escolar dos estudantes beneficiários do PBF. Os pesquisadores que se ocupam do tema geralmente usam notas geradas por avaliações externas.

Os estudos de Camargo e Pazello (2014) e de Denes, Komatsu e Menezes-Filho (2018) constataram que, não obstante os bons resultados sobre a frequência e a evasão escolar, há efeito negativo nas notas da Prova Brasil, as quais são componentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Trata-se de estudos de larga escala, que compararam escolas ou municípios levando em consideração o número/crescimento de beneficiários do PBF.

Enquanto Denes, Komatsu e Menezes-Filho (2018) interpretam a correlação negativa com as notas como uma consequência da presença de estudantes que não estariam na escola não fosse pelo programa, os quais podem apresentar baixo desempenho e prejudicar as médias das escolas, Camargo e Pazello (2014) elucidam que as escolas onde se concentram os maiores índices de beneficiários do PBF tendem a ser menores, com infraestrutura precária e mães com escolaridade inferior. Trata-se de instituições que já apresentavam resultados muito baixos nas avaliações antes mesmo da implantação do PBF.

Evitando centrar a análise do rendimento dos beneficiários nas suas competências cognitivas, Silveira e Schneider (2017), num estudo sobre a rede de ensino estadual do Paraná, descobriram haver um percentual elevado de professores contratados e com pouca qualificação nas escolas que concentram as maiores proporções de beneficiários do programa federal, além de condições infraestruturais deficitárias (biblioteca, internet banda larga, laboratório de informática e quadra de esportes).

Percebe-se assim a importância de estudos que ultrapassem a análise isolada de avaliações padronizadas e levem em consideração as reais condições de acesso ao conhecimento sistematizado, isto é, a qualidade da educação oferecida às camadas mais pobres da população. Nessa direção, Simões (2012) atenta para a importância de estudos voltados a verificar se programas de transferência condicionada de renda influenciam a aprendizagem e a progressão escolar. O autor lança ainda uma reflexão sobre a inversão de uma indagação recorrente: “Em vez de perguntarmos o que a educação pode fazer para reduzir a pobreza das crianças no futuro, devemos começar perguntando o que a redução da pobreza das crianças pode fazer por sua educação no presente” (Simões, 2012, p. 7).

Diante do que foi exposto, e sem desconsiderar as diversidades socioeconômicas regionais que influenciam a qualidade do ensino público oferecido, o objetivo deste estudo foi analisar o rendimento escolar de estudantes beneficiários e não beneficiários do PBF matriculados no 1º ano do ensino médio.

A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Corumbá, que se localiza no interior do estado de Mato Grosso do Sul, faz fronteira com a Bolívia e o Paraguai e conta com população de aproximadamente 112.060 habitantes1. Dados do IBGE referentes ao ano de 2018 revelam que 37,6% da população local residia em domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa; neste enquadramento, ocupava a posição 3.077 entre os 5.570 municípios brasileiros. Em 2018, a proporção de pessoas formalmente empregadas em relação à população total era de 15% (IBGE, 2018). A baixa taxa de trabalhadores formais é indicativo de um município que, apesar de um PIB alto para a média do estado, apresenta elevado contingente de população pobre.

Quanto ao PBF, em novembro de 2020, foram destinados R$149.294,00 ao município, que contava com 6.303 famílias beneficiárias. Em contrapartida, o valor distribuído no município em junho de 2019 foi de R$996.106,00, destinado a 5.898 famílias atendidas, de maneira a representar a média de R$168,89 por residência (Ministério da Cidadania, 2020). Essa diferença nos montantes concedidos em 2019 e 2020 é decorrente da concessão de auxílio emergencial a parte significativa dos beneficiários do PBF (entre outros cidadãos), que têm o benefício suspenso enquanto o auxílio emergencial está em vigor. Tal auxílio é decorrente da crise sanitária e econômica desencadeada pela covid-19.

A presente pesquisa foi realizada durante o ano de 2019, em duas escolas estaduais localizadas na cidade de Corumbá, na região do Pantanal sul-mato-grossense. No universo de 11 escolas estaduais que oferecem ensino médio, selecionou-se, com base nos dados do Sistema Presença, a que apresentava o maior número de estudantes beneficiários do programa federal dentre as escolas localizadas na área central da cidade (409), e outra que apresentava o maior número de estudantes beneficiários na área periférica (541). Logo configuraram-se como participantes estudantes matriculados no 1º ano do ensino médio das escolas identificadas pelas letras A e B.

Inicialmente, com autorização da Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul, aplicou-se um questionário a todos os alunos do 1º ano do ensino médio das escolas participantes (102 discentes matriculados na escola A e 43 na escola B). O intuito do questionário foi identificar os estudantes beneficiários do PBF e consultá-los sobre o interesse em participar da segunda etapa da pesquisa.

Com a anuência manifestada por alguns dos beneficiários, procurou-se estabelecer um pareamento com estudantes não beneficiários, considerando-se a escola e o sexo a fim de se compararem os desempenhos desses grupos. Contudo, o retorno não foi equivalente, de modo que foi possível compor uma amostra de 25 discentes, dos quais seriam coletados os históricos escolares, mediante autorização previamente documentada. Essa autorização foi obtida por meio de um Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (assegurando o direito de o estudante aceitar ou rejeitar sua participação) e de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por um dos responsáveis pelo estudante. Por fim, coletaram-se 23 históricos escolares em razão de duas ausências de consentimento/assentimento para acessar o documento. Dessa forma, contou-se com a participação de 14 estudantes beneficiários e nove não beneficiários do PBF, entre os quais 17 frequentavam a escola A e seis, a escola B. A fim de preservar a identidade dos participantes, usamos a letra P seguida de um número, de modo a gerar um código identificador para cada discente integrante da pesquisa.

Optou-se por analisar a média das notas obtidas pelos estudantes durante os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e foram selecionadas as disciplinas de português e matemática como foco de análise, pois é sobre elas que incidem as avaliações externas.

A coleta de dados também envolveu a aplicação de um questionário no qual os discentes expressaram suas percepções acerca do próprio desempenho, dificuldades de aprendizagem durante o processo de alfabetização, participação dos responsáveis na sua vida escolar, além de informar abandono durante um período da escolarização.

Usou-se a planilha eletrônica Microsoft Excel, do pacote Office, para sistematizar os dados quantitativos, e o pacote estatístico IBM Statistical Package for Social Sciences (SPSS) para analisar as variáveis consideradas relevantes, dentro dos objetivos previamente fixados.

Analisou-se a associação de variáveis por meio do teste qui-uadrado, recorrendo-se ao teste exato de Fisher nos casos em que as amostras eram menores que 20. A significância da diferença do desempenho escolar nas disciplinas de língua portuguesa e matemática, entre beneficiários e não beneficiários, foi aferida por meio do teste de Mann-Whitney, com base nos dados procedentes dos históricos escolares (Marôco, 2014).

Os dados concernentes às percepções dos estudantes foram analisados qualitativamente, por meio de análise de conteúdo, segundo as proposições de Bardin (2016).

DESEMPENHO ESCOLAR DOS ESTUDANTES BENEFICIÁRIOS DO PBF: COMPARANDO HISTÓRICOS ESCOLARES

Antes de analisar o desempenho do grupo de estudantes contemplados pela pesquisa, convém apresentar, ainda que de forma sucinta, algumas informações sobre o desempenho obtido pelas escolas selecionadas nas avalições do Ministério da Educação. Sabe-se que, a priori, a classificação de uma instituição de ensino no IDEB não pode ser considerada fator condicionante no desempenho dos seus estudantes. Isso, entretanto, não impede o uso do IDEB como referência para a qualidade do ensino oferecido em determinada instituição.

A escola A não contou com número suficiente de participantes no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) em 2019 para que os resultados do IDEB pudessem ser divulgados. Em relação a 2017, a instituição obteve a nota 4,3 referente ao 9º ano do ensino fundamental, quando sua meta era 4,6. A escola B, por sua vez, conseguiu 4,2 para o 9º ano, em 2019, ficando aquém da meta de 4,4. A escola estadual com maior nota divulgada em 2019 — e a única a atingir sua meta — obteve 4,6, nota que foi ultrapassada por sete unidades da rede municipal em relação ao mesmo ano escolar, com variação de 4,8 a 5,8, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2020). Esses dados permitem inferir que a qualidade da educação oferecida nas escolas investigadas, ambas localizadas em Corumbá, MS, é mediana.

Em relação à quantidade de alunos por turma no ensino médio, a escola A tem em média 36,8, e a B, 34,4. Não há legislação nacional que limite o esse número, mas, de acordo com o documento produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2018), intitulado “O CAQi e o CAQ no PNE: quanto custa a educação pública de qualidade no Brasil?”, as salas de ensino médio de escolas urbanas podem conter até 35 alunos, o que coloca a escola B em condição adequada, e a A, um pouco acima do desejável.

Contou-se com a participação de 23 alunos matriculados no 1º ano do ensino médio das escolas A (17) e B (6). O Quadro 1 apresenta a distribuição dos estudantes segundo o sexo:

Quadro 1 Distribuição dos estudantes participantes conforme o sexo biológico. 

Sexo biológico Beneficiários Não beneficiários
Masculino 4 2
Feminino 10 7
Total 14 9

Fonte: Elaboração dos autores.

Pesquisas apontam a efetividade da condicionalidade do PBF para o aumento da frequência e a diminuição da evasão escolar (Melo e Duarte, 2010; Cavalcanti, Costa e Silva, 2013; Camargo e Pazello, 2014), o que é reafirmado pela taxa de frequência escolar no País, segundo levantamento dos indicadores sociais (IBGE, 2019), como mostra a Figura 1.

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016/2018 (IBGE, 2019).

Figura 1 Taxa de frequência escolar bruta segundo grupos de idade no Brasil em 2016 e 2018. 

Com exceção da última faixa etária, verificou-se aumento no índice de frequência escolar bruta entre os anos de 2016 e 2018. A despeito da relevância do impacto do PBF na frequência de crianças e adolescentes às salas de aula, cumpre destacar a aprendizagem por parte desses discentes. Por isso, solicitou-se o assentimento dos estudantes beneficiários do PBF, bem como a autorização de seus responsáveis, para acessar o histórico escolar dos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º anos).

Conforme observado no Quadro 1, há predominância de participantes do sexo feminino na amostra, o que impossibilitou análises estatísticas em relação à significância das diferenças considerando-se essa variável, porém, o comparativo das médias individuais pode apresentar indícios relevantes para a discussão. Veja-se no Quadro 2:

Quadro 2 Desempenho escolar dos participantes (beneficiários e não beneficiários), segundo sexo. 

Participante Sexo biológico Média em matemática Média em língua portuguesa Programa Bolsa Família
P1 masculino 6,50 6,62 Não beneficiários
P7 feminino 7,33 8,17
P12 feminino 7,56 7,75
P20 feminino 6,10 5,50
P24 feminino 7,04 7,31
P37 masculino 7,06 7,00
P40 feminino 6,19 6,62
P44 masculino 6,00 6,50
P138 feminino 7,05 6,63
P2 masculino 8,00 6,50 Beneficiários
P8 feminino 6,71 6,64
P14 feminino 7,06 7,44
P16 feminino 6,19 5,56
P17 feminino 6,19 6,44
P21 feminino 6,50 6,06
P25 masculino 7,19 6,75
P26 feminino 7,12 6,94
P30 masculino 6,62 6,50
P33 feminino 8,37 8,06
P39 feminino 6,69 7,37
P41 masculino 7,19 6,62
P79 feminino 6,50 7,00
P141 feminino 7,31 7,25
Média mínima 6,00 5,50
Média máxima 8,37 8,17

Fonte: Elaboração dos autores.

Analisando-se as médias dos estudantes nos anos finais de ensino fundamental, na disciplina de matemática, observa-se que a menor delas foi obtida por um menino (6,0) e a maior (8,37), por uma menina. Em relação à disciplina de português, tanto a menor quanto a maior média são de meninas (5,50; 8,17). Convém salientar que as médias mínimas obtidas nessas disciplinas são de alunos não beneficiários do PBF, enquanto as máximas se distribuem igualmente.

Calculando-se as medianas dos valores obtidos pelos meninos e pelas meninas, sem considerar a condição de beneficiários ou não do PBF, obtém-se a distribuição apresentada no Quadro 3.

Quadro 3 Distribuição de medianas das notas em matemática e português segundo o sexo biológico. 

Sexo biológico Mediana das médias individuais em matemática Mediana das médias individuais em português
Masculino 7,06 6,62
Feminino 6,87 6,97

Fonte: Elaboração dos autores.

Sem ignorar os limites da configuração desta amostra, a comparação sugeriu não haver diferença significativa no desempenho desses estudantes em virtude do sexo biológico.

O Quadro 4 apresenta os resultados referentes à comparação do desempenho de beneficiários e não beneficiários do PBF na disciplina de matemática.

Quadro 4 Comparação do desempenho de beneficiários e não beneficiários do Programa Bolsa Família na disciplina de matemática. 

Programa
Bolsa Família
Variação (mín.–máx.) Mediana Dispersão
(Q3–Q1)*
Beneficiários 6,19–8,37 6,88 7,22–6,50
Não beneficiários 6,00–7,56 7,04 7,19–6,14

Fonte: Elaboração dos autores.

*Intervalo interquartil.

Verifica-se que a mediana referente ao desempenho na disciplina de matemática é maior no grupo de não beneficiários. Resta avaliar a significância estatística de tal diferença. Na sequência, o Quadro 5 exibe os resultados referentes à comparação do desempenho de beneficiários e não beneficiários do PBF na disciplina de português.

Quadro 5 Comparação do desempenho de beneficiários e não beneficiários do Programa Bolsa Família na disciplina de português. 

Programa
Bolsa Família
Variação (mín.–máx.) Mediana Dispersão
(Q3–Q1)*
Beneficiários 5,56–8,06 6,69 7,28–6,48
Não beneficiários 5,50–8,17 6,63 7,53–6,56

Fonte: Elaboração dos autores.

*Intervalo interquartil.

No Quadro 5, nota-se que as medianas referentes ao desempenho na disciplina de português são bastante aproximadas, apresentando variação mínima. Em continuidade, o teste de Mann-Whitney foi utilizado para avaliar a significância das diferenças entre os grupos nas disciplinas referidas, conforme mostra o Quadro 6.

Quadro 6 Nível de significância das diferenças entre os grupos de beneficiários e não beneficiários do Programa Bolsa Família nas disciplinas de português e matemática. 

Grupos comparados Valores de p
Matemática Português
Beneficiários X Não beneficiários 0,403 0,734

Fonte: Elaboração dos autores.

Os resultados do Quadro 6 explicitam não haver diferença estatisticamente significativa entre as notas dos grupos de beneficiários e não beneficiários em ambas as disciplinas. Tal constatação aponta para a eficácia da condicionalidade educacional do PBF, que, mantendo na escola crianças e adolescentes que vivem em condição de pobreza e extrema pobreza, lhes possibilita a aprendizagem e o desenvolvimento compatíveis com os dos colegas que não necessitam do auxílio para sua subsistência.

Cabe ressaltar que, além da diferença socioeconômica (determinante para a concessão do benefício), os dois grupos de estudantes apresentam diferença no capital cultural das famílias, sendo que o grau de escolaridade das mães de estudantes beneficiários é mais baixo. Entre as 14 genitoras desse grupo de estudantes, seis (a maioria) não completaram o ensino fundamental, cinco concluíram essa etapa e apenas três possuem o ensino médio completo. Já entre as nove mães dos não beneficiários, percebe-se certo equilíbrio, pois três delas não concluíram o ensino fundamental, enquanto duas encerraram os estudos ao concluí-lo; três possuem ensino médio completo e uma é graduada; não houve respostas a respeito da escolarização de uma delas.

Buscando relacionar a escolaridade das mães com o desempenho dos estudantes nas disciplinas de português e matemática, as mães foram classificadas em três faixas de escolaridade, a saber: ensino fundamental incompleto ou não alfabetizadas; ensino fundamental completo; e ensino médio completo. Os resultados referentes à disciplina de matemática apontaram para a não associação entre as variáveis (X2(4) = 3,248; p = 0,517). A mesma constatação ocorreu no caso da disciplina de português (X2(4) = 1,764; p = 0,779). Isso significa que a escolaridade das mães não influenciou no desempenho dos estudantes nas duas disciplinas contempladas pela análise.

A idade dos estudantes é outro fator importante a ser analisado. Dos 14 beneficiários do programa, 11 estavam na idade adequada para o 1º ano do ensino médio, considerando-se que a coleta dessa informação ocorreu nos primeiros meses do ano letivo, ou seja, quando tinham 14 ou 15 anos. Três estudantes, por sua vez, apresentavam idade um pouco acima (16, 17 e 18 anos), respectivamente identificados como P8, P33 e P2.

A análise dos históricos escolares desses discentes aponta que P8 reprovou no 2º ano do ensino fundamental, em 2009, refazendo-o em 2010. Em 2011, participou do programa “Se Liga”, que é voltado para a alfabetização e visa corrigir o fluxo escolar nos primeiros anos de escolarização (Prefeitura de Corumbá, 2012). A estudante cursou o 3º ano em 2012 e, em 2013, ingressou num programa de aceleração. A aluna P33 é natural da Bolívia e ingressou no 1º ano do ensino fundamental em 2011, aos 9 anos, sendo acelerada para o 2º ano. Não se observa nenhum problema de desempenho acadêmico com base em suas médias nas disciplinas. Já o estudante P2 possui em seu histórico apenas as notas referentes ao ano letivo de 2017, quando cursou o Bloco Final (8º e 9º anos do ensino fundamental) no projeto “Avanço do Jovem na Aprendizagem” (AJA-MS). Esse projeto é desenvolvido pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul e tem o objetivo de corrigir a distorção idade/série de alunos de 15 a 17 anos que cursam o ensino fundamental (Mato Grosso do Sul, 2017). Ademais, P41, que completou 16 anos no último semestre de 2019, também foi reprovado no 3º ano.

Dentre os nove participantes não beneficiários, cinco reprovaram em algum momento da escolarização: P1 e P20 foram retidos no 2º ano; P44, no 3º ano; e P24 e P37, no 5º ano. Todos completaram 16 anos em 2019. Em adição, salienta-se que P39 foi aprovado pelo Conselho Escolar no 8º ano. É relevante ressaltar que a reprovação foi maior no grupo de estudantes não beneficiários.

Na contramão de pesquisas que investigaram o desempenho escolar por meio de notas obtidas por escolas ou municípios em avaliações externas, tendo como variável principal o percentual de estudantes beneficiários do PBF (Camargo e Pazello, 2014; Denes, Komatsu e Menezes-Filho, 2018), o presente estudo investigou diretamente os sujeitos, permitindo observar que o aproveitamento escolar de beneficiários e não beneficiários é semelhante. Todavia, é preciso refletir sobre a qualidade da educação oferecida às camadas mais pobres.

A partir de revisão de literatura internacional acerca de Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCR), Simões (2012) encontrou autores que defendem a vinculação do rendimento escolar à participação nesses programas como condicionalidade adicional. Contudo, sugerem que tal exigência esteja acompanhada de maiores investimentos escolares com vistas a impulsionar a melhoria da qualidade educacional, influenciando assim os resultados na aprendizagem de beneficiários e não beneficiários.

Refletindo sobre os resultados na aprendizagem obtidos por instituições educacionais vinculadas ou não a um programa de distribuição de alimentos para famílias de baixa renda, cujos filhos frequentam a escola primária em Bangladesh, Ahmed e Ninno (2002) corroboram a ideia de que qualquer escola gera desempenho estudantil mais elevado quando dispõe de melhor infraestrutura, qualificação e incentivo aos docentes.

Sendo assim, compreende-se como fator limitante a tendência a atender aos beneficiários em escolas que recebem menores investimentos, prejudicando as experiências educacionais disponíveis aos que vivem em condição de pobreza e extrema pobreza, fato constatado por Silveira e Schneider (2017, p. 128) na rede escolar do Paraná. As autoras advertem que a materialização da oferta é insuficiente, pois “garantir a plena efetivação do direito [à educação] implica em reconhecer as diferenças e trabalhar no sentido de superá-las, tornando a escola realmente justa”, o que implica superar as desigualdades entre as escolas administradas por um mesmo ente federativo, uma vez que essas diferenças “tendem a reforçar as desigualdades sociais, políticas e econômicas”. É preciso que as condições de qualidade (infraestrutura e formação/trabalho docente) sejam satisfatórias e equitativas para todos os discentes que frequentam as escolas públicas.

Nessa perspectiva, Simões (2012) considera que uma política efetiva de enfrentamento da desigualdade educacional deve associar apoio social a programas de melhoria da qualidade escolar, voltados, principalmente, para beneficiários de PTCR.

O DESEMPENHO ESCOLAR NA ÓTICA DOS ESTUDANTES

Os estudantes dos dois grupos foram interrogados sobre a percepção do próprio desempenho, a existência de dificuldade de aprendizagem no processo de alfabetização, a ocorrência de abandono por um período durante a escolarização e a participação dos responsáveis na sua vida escolar.

No total de reprovações, chamou a atenção a incidência desse fato nos 2º e 3º anos do ensino fundamental, justamente dentro dos três primeiros anos, os quais se destinam à alfabetização e ao letramento. Nesse aspecto, esta amostra identificou a ocorrência de um problema que é de âmbito nacional, pois, como demonstram Schmidt e Aguiar (2016), as avaliações externas têm revelado um expressivo contingente de alunos que chegam ao fim do ciclo de alfabetização sem o domínio da escrita e da leitura.

Indagados sobre a percepção de dificuldades ou não durante o processo de alfabetização, seis dos 14 beneficiários e três dos nove não beneficiários responderam afirmativamente, o que supera o total dos reprovados nesses anos escolares (5). O conjunto de respostas é interessante porque destoa do senso comum, que tende a relacionar “dificuldades” de aprendizado com reprovação escolar. Supõe-se que alguns estudantes resgataram as vivências do 1º ano, etapa na qual o aluno tende a ser aprovado independentemente do seu desempenho, quando se compreende tratar da fase inicial de um ciclo que visa à alfabetização e ao letramento.

Vale destacar que, com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular, o ciclo de alfabetização limitou-se aos dois primeiros anos do ensino fundamental, reduzindo-se ao desenvolvimento da consciência fonológica e à aquisição da técnica da escrita (Gontijo, Costa e Perovano, 2020), deixando em segundo plano sua função social, o que pode comprometer ainda mais o aprendizado dos discentes pertencentes às camadas menos favorecidas social e economicamente.

Também se perguntou aos participantes como compreendiam a experiência de reprovação. Foram três os beneficiários do PBF a responder à indagação, dois deles dizendo compreender a vivência como positiva por possibilitar a aprendizagem, enquanto o terceiro a entendeu como negativa em decorrência do atraso temporal nos estudos. Entre os não beneficiários, três perceberam a experiência como desperdício de tempo; três revelaram sentimentos/consequências negativos: tristeza, preocupação e desmotivação; dois valorizaram a oportunidade de adquirir os conhecimentos que lhes faltavam. Nesse aspecto específico da pesquisa, a diversidade de respostas sugeriu a necessidade de uma reflexão aprofundada sobre a experiência de reprovação, como é assimilada pelos estudantes.

Os discentes ainda responderam a perguntas sobre o número de escolas em que cursaram o ensino fundamental, cuja finalidade era saber se existiram mudanças constantes, as quais geralmente são desencadeadas por troca de domicílio, o que pode interferir no processo educacional em razão da necessidade de adaptação à nova escola, aos professores, aos colegas, aos métodos etc. A maioria dos beneficiários do PBF cursou todo o ensino fundamental na mesma instituição, um o fez em duas, e dois estudaram em três. Entre os não beneficiários, cinco estudaram em somente uma escola, três deles em duas e um estudante matriculou-se em três escolas. No grupo de amostra desta pesquisa, verificou-se menor mobilidade escolar entre os estudantes cujas famílias recebem o benefício do PBF. O resultado obtido adverte para a necessidade de relativizar a hipótese de que a condição de pobreza obriga as famílias a se mudarem constantemente.

Em razão do pequeno número de participantes desta etapa da pesquisa, considerou-se o teste exato de Fisher para análise da significância estatística. O Quadro 7 exibe a percepção dos estudantes sobre o próprio desempenho escolar.

Quadro 7 Distribuição de acordo com a percepção de desempenho. 

Desempenho Beneficiários % Não beneficiários %
Regular 10 71,40 4 44,44
Bom 4 28,60 5 55,56
Total 14 100,00 9 100,00

Fonte: Elaboração dos autores.

Quanto à percepção do próprio desempenho, apesar de os históricos escolares revelarem similaridade nas notas de ambos os subgrupos, os beneficiários do PBF pareceram mais modestos, visto que a maioria o considera “regular”, enquanto no outro grupo é maior o quantitativo daqueles que o consideram “bom”. Contudo, não há significância estatística para apoiar essa diferença (X2(1) = 1,675; p = 0,383).

Comparando as expectativas sobre a continuidade dos estudos entre beneficiários e não beneficiários do PBF, Martins e Rückert (2020) observaram que o segundo grupo estabeleceu metas mais objetivas, como cursar o ensino superior ou ingressar nas Forças Armadas; já entre os beneficiários, foram frequentes as expectativas que não explicitavam relação direta com o prosseguimento dos estudos, por exemplo, “ter um futuro melhor” ou “arrumar um emprego”.

Infere-se que a pobreza influencia a percepção de si e das possibilidades existentes. Para Arruda (2017), a pobreza é capaz de limitar os sonhos das pessoas acometidas por ela, uma vez que o foco das preocupações tende a ser a satisfação das necessidades básicas de subsistência. Certamente, interfere nas projeções dos sujeitos que vivem em situação de vulnerabilidade social. Contudo, quando se trata da relação entre a pobreza e a escolarização dos mais pobres, convém evitar generalizações, e o mesmo pode ser dito a respeito da participação familiar no processo de escolarização.

O Quadro 8 mostra a percepção dos estudantes sobre a participação da família em sua vida escolar.

Quadro 8 Participação das famílias na vida escolar dos estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família. 

Tipo Às vezes Frequentemente Total
n % n % n %
Participação em reuniões 5 38,50 8 61,50 13 100
Verificação de cadernos 7 53,80 6 46,20 13 100
Acompanhamento do rendimento nas avaliações 0 0 13 100 13 100
Auxílio nas dificuldades
com os estudos
3 23,10 10 76,90 13 100
Incentivo ao
prosseguimento dos estudos
0 0 13 100 13 100

Fonte: Elaboração dos autores.

Todos os alunos beneficiários do PBF pontuaram a participação da família no processo de escolarização em intensidade de moderada a alta. O acompanhamento constante das notas e a frequência no incentivo aos estudos subsequentes foram unanimidades entre os componentes desse grupo. O Quadro 9 evidencia a participação dos familiares dos estudantes não beneficiários do PBF.

Quadro 9 Participação das famílias na vida escolar dos estudantes não beneficiários do Programa Bolsa Família. 

Tipo Às vezes Frequentemente Total
n % n % n %
Participação em reuniões 5 55,56 4 44,44 9 100,00
Verificação de cadernos 5 55,56 4 44,44 9 100,00
Acompanhamento do rendimento nas avaliações 9 100,00 0 0,00 9 100,00
Auxílio nas dificuldades com os estudos 5 55,56 4 44,44 9 100,00
Incentivo ao prosseguimento dos estudos 9 100,00 0 0,00 9 100,00

Fonte: Elaboração dos autores.

Semelhantemente ao grupo anterior, o conjunto de não beneficiários destacou a frequência da família no acompanhamento das avaliações e no estímulo ao prosseguimento dos estudos. Entretanto, nos quesitos “participação em reuniões” e “auxílio nas dificuldades”, as respostas apresentam menor positividade. Para explorar essa variável, cruzou-se cada tipo de participação familiar com a condição de beneficiário ou não beneficiário do PBF, e não se verificou associação entre tal condição e a participação dos pais nas reuniões (p = 0,666), na verificação dos cadernos (p = 1,000), no acompanhamento das avaliações, no auxílio perante as dificuldades escolares (p = 0,187) ou no incentivo a estudos posteriores (uma constante).

Com o intuito de identificar as características das famílias beneficiárias do PBF que influenciam o cumprimento da condicionalidade de frequência escolar, e comparando famílias que cumprem ou não a exigência, Abreu e Aquino (2017) constataram que o fato de a mãe possuir um companheiro, menor número de filhos, ter contato direto com a escola e bom conhecimento sobre ela (professores, direção, atividades extracurriculares) colabora para o sucesso no cumprimento da condicionalidade educacional.

Igual importância foi atribuída ao oferecimento de auxílio nas tarefas escolares, seja por parte da mãe ou de outro familiar. Verificou-se, no cotejo dos Quadros 8 e 9, que a percepção de tal auxílio foi mais frequente entre os estudantes beneficiários do PBF em relação aos que não o são. O mesmo ocorreu com a participação da família em reuniões, acompanhamento dos resultados das avaliações e incentivo ao prosseguimento dos estudos.

Nesse sentido, ainda que não se tenha constatado significância estatística, essa diferença pode ser consequência dos sentimentos de pertencimento e reconhecimento social que Pires (2013) identificou ao analisar a percepção de beneficiários a respeito do programa. Esses sentimentos emergem justamente do compromisso assumido pela família na forma de condicionalidade, que é entendida como contrapartida numa relação de reciprocidade com o Estado. Como acrescentam Testa et al. (2013), aquilo que inicialmente soa como imposição, gradativamente, propicia a valorização da escola, pois a família passa a perceber efeitos positivos da frequência escolar, levando-a a desejar a continuidade dos estudos por parte dos filhos, almejando melhores condições de vida.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Sem desconsiderar os limites desta amostra, a pesquisa revelou que a condicionalidade educacional do PBF — manter na escola crianças e adolescentes em vulnerabilidade social — possibilitou-lhes adquirir conhecimentos do mesmo modo que os colegas que não estão em condição de pobreza.

Com base nas notas dos históricos escolares referentes aos anos finais do ensino fundamental, foi possível observar que a menor média obtida nas disciplinas de português e matemática é de estudantes não beneficiários do PBF, grupo em que se constatou o maior número de reprovações. É pertinente destacar a inexpressiva diferença de rendimento entre meninos e meninas.

Não obstante existam certas diferenças, cabe salientar que, estatisticamente, esta pesquisa constatou que beneficiários e não beneficiários apresentaram desempenho escolar equivalente. Acredita-se que esse fato seja um indicativo de que, na cidade de Corumbá, o PBF atingiu êxito na medida que contribuiu para que crianças e adolescentes pobres permanecessem na escola e concluíssem o ensino fundamental com um desempenho compatível com o dos que não necessitam do auxílio para subsistência.

No entanto, isso não permite afirmar que o rendimento apresentado seja equivalente ao de estudantes de outras escolas públicas (menos ainda de instituições privadas), tampouco que esses alunos estejam desempenhando de acordo com seu potencial máximo, pois não se podem desconsiderar as condições das escolas que recebem as populações menos favorecidas. Como é de conhecimento geral, as escolas públicas geralmente apresentam problemas de infraestrutura e atendem com recursos materiais e qualificação profissional insuficientes.

Estudantes beneficiários parecem apresentar uma percepção mais modesta acerca do próprio desempenho. Em contrapartida, atribuem maior ênfase à participação familiar no processo de escolarização, fato que pode expressar maior envolvimento dessas famílias em decorrência da responsabilidade assumida como contrapartida junto ao Estado, como também pode se tratar de um reflexo da necessidade de prestar contas sobre o cumprimento das condicionalidades para a manutenção do benefício.

Como implicações para futuras pesquisas, recomenda-se comparar a participação das famílias beneficiárias e não beneficiárias na escolarização dos filhos, por meio da percepção dos próprios estudantes, com relatos de educadores e registros escolares, bem como investigar os efeitos da pobreza e da reprovação escolar na autoestima dos estudantes.

1A estimativa populacional foi feita pelo IBGE. Em virtude do cancelamento do recenseamento previsto para 2021, optou-se por usar a estimativa fixada em 2018.

Financiamento: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 12 de Maio de 2021; Aceito: 21 de Dezembro de 2021

SOBRE OS AUTORES: Bárbara Amaral Martins é doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus do Pantanal (UFMS). E-mail: barbara.martins@ufms.br

Fabiano Quadros Rückert é doutor em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus do Pantanal (UFMS). E-mail: fabianoqr@yahoo.com.br

Conflitos de interesse: Os autores declaram não possuir nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Contribuições dos autores: Investigação, Análise formal, Escrita – primeira redação, Escrita – revisão e edição: Martins, B. A. Investigação, Análise formal, Escrita – primeira redação: Rückert, F. Q.

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