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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub 24-Nov-2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270114 

Artigos

Empoderamento profissional de alfabetizadoras em sessões virtuais colaborativas

EMPODERAMIENTO PROFESIONAL DE LAS PROFESORAS DE ALFABETIZACIÓN EN SESIONES VIRTUALES COLABORATIVAS

Wagner Rodrigues Silva, Conceituação, Curadoria de Dados, Análise Formal, Obtenção de Financiamento, Investigação, Metodologia, Administração do Projeto, Recursos, Supervisão, Validação, Visualização, Escrita – Revisão e Edição1 
http://orcid.org/0000-0002-3994-1225

Leonilde Campos, Curadoria de Dados, Visualização, Escrita – Primeira Redação2 
http://orcid.org/0000-0002-7776-8558

1Universidade Federal do Tocantins, Palmas, TO, Brasil.

2Secretaria Municipal de Educação de Palmas, Palmas, TO, Brasil.


RESUMO

Neste artigo, duas situações educativas interconectadas são investigadas. Tais situações ocorreram no ensino remoto de um componente curricular para formação inicial de alfabetizadoras. A primeira corresponde a sessões virtuais com exposição de uma professora sobre a própria prática alfabetizadora implementada numa escola pública. A segunda, à produção de relatos reflexivos sobre as referidas sessões escritos pelas professoras em formação inicial. Assume-se a abordagem qualitativa para a análise dos dados e caracteriza-se o estudo como uma pesquisa participante. Essa última se justifica pela natureza do trabalho colaborativo responsável pelo empoderamento mútuo dos envolvidos. Entre os resultados produzidos, há o fato de os participantes terem ressignificado as representações negativas compartilhadas por eles em torno das instituições educativas representadas na pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE ensino remoto; escrita reflexiva; formação de professores; universidade

RESUMEN

En este artículo se investigan dos situaciones educativas interrelacionadas. Tales situaciones se llevaron a cabo en la modalidad de educación a distancia del componente curricular para la formación inicial de alfabetizadoras. La primera corresponde a sesiones virtuales con exposición de una maestra sobre su propia práctica alfabetizadora implementada en una escuela pública. La segunda corresponde a la elaboración de informes reflexivos sobre estas sesiones redactados por docentes en formación inicial. Se adopta un enfoque cualitativo para el análisis de datos y el estudio desde la investigación participativa. Esto último se justifica por la naturaleza del trabajo colaborativo responsable del mutuo empoderamiento de los involucrados. Entre los resultados producidos, se encuentra el hecho de que los participantes han dado un nuevo significado a las representaciones negativas que comparten sobre las instituciones educativas representadas en la investigación.

PALABRAS CLAVE educación virtual; formación del profesorado; escritura reflexiva; universidad

ABSTRACT

In this article, two interconnected educational situations are investigated. Both were carried out in the remote teaching of a subject for the initial training of literacy teachers. The first situation corresponds to virtual sessions with an exposition by a schoolteacher about her own literacy practice implemented in a public school. The second corresponds to the production of reflective reports about these sessions written by teachers in initial training. A qualitative approach is adopted for data analysis and the study is characterized as participatory research. The latter is justified by the nature of the collaborative work responsible for the mutual empowerment of those involved. Among the results produced, there is the fact that the participants have given new meaning to the negative representations shared by them about the educational institutions represented in the research.

KEYWORDS remote learning; reflective writing; teacher education; university

INTRODUÇÃO

Este artigo tematiza um trabalho colaborativo entre profissionais dos ensinos básico e superior na formação inicial de alfabetizadoras.1 O principal objetivo é contribuir com as práticas de ensino nos tipos envolvidos de instituição, o que pressupõe a visibilização de aspectos produtivos e de fragilidades no trabalho pedagógico realizado. Para tanto, problematiza-se especialmente a formação inicial de professoras alfabetizadoras.

O contexto focalizado são sessões síncronas realizadas no ensino remoto noturno da Licenciatura em Pedagogia ofertada no câmpus de Palmas, na Universidade Federal do Tocantins (UFT), durante o período da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2, vírus causador da Covid-19. Este texto se configura como uma análise crítica do trabalho educativo e colaborativo em torno dessas sessões, avaliadas pelos diferentes participantes como experiências pedagógicas produtivas oportunizadas num contexto adverso.

As sessões tematizaram experiências pedagógicas de alfabetização de crianças e delas participaram um docente do ensino superior, uma alfabetizadora do ensino básico e três turmas de professoras em formação inicial, durante três períodos letivos consecutivos. A atividade integrou os trabalhos realizados no componente curricular Alfabetização e Letramento, ministrado pelo docente mencionado. Naturalmente, esse contexto possibilitou à professora a posição de convidada e motivou a nomeação agradável Jantar com Alfabetizadora para as sessões.

No âmbito da formação de professoras, a alfabetização de crianças é uma temática bastante desafiadora por razões diversas, dentre as quais são destacadas duas neste artigo:

  1. polêmicas persistentes em torno das metodologias e das abordagens teóricas passíveis de escolhas para alfabetizar crianças; e

  2. fragilidades na formação das alfabetizadoras, provocadas por um curso superior generalista e por resquícios de um ensino básico precário por elas previamente cursado.

Tais motivos foram agravados, respectivamente, pelo lançamento recente da política nacional de alfabetização (Brasil, 2019) e por alterações temporárias nas diretrizes para as atividades acadêmicas na universidade focalizada, em decorrência da implementação do ensino remoto durante a pandemia.

Dada a relevância reconhecida dos jantares virtuais e os desafios destacados em torno da temática da alfabetização, reitera-se a pretensão de contribuir com a prática docente nas licenciaturas brasileiras, realçando a relevância do trabalho colaborativo entre escolas básicas e universidades, experiência que pode ser estendida para o período pós-pandemia. A experiência focada revela a produção de saberes sustentáveis passíveis de utilização para orientar o trabalho de formadores e de alfabetizadoras. Trata-se de uma coconstrução de saberes especializados a partir do diálogo entre representantes das referidas instituições de ensino. Uma evidência dessa coconstrução é a produção deste texto pelo formador e pela alfabetizadora, respectivamente.

Este estudo está situado na Linguística Aplicada e foi desenvolvido no grupo de pesquisa Práticas de Linguagens – PLES (UFT/CNPq). Caracteriza-se como uma pesquisa participante, o que se justifica pelo engajamento dos envolvidos nas sessões virtuais colaborativas, realizadas por haver uma demanda comum pelo aprimoramento profissional dos participantes, o qual foi instaurado na ocasião pelo compartilhamento e aprofundamento de saberes sobre práticas de alfabetização de crianças.

Os dados de pesquisa foram gerados a partir da análise de relatos reflexivos escritos pelas professoras em formação inicial a fim de problematizar, sistematizar e aprofundar questões teóricas e práticas discutidas nos jantares. O exame desses documentos foi informado pela literatura científica selecionada a partir dos estudos da alfabetização (Cagliari, 2007; Freire, 2016; Silva, 2019), dos letramentos (Magalhães e Celani, 2005; Signorini, 2006a; 2006b; Silva, 2014; 2020; 2021) e do ensino superior (Demo, 2011; 2015), e por informações sobre as sessões virtuais rememoradas pelos autores deste artigo. Nesse sentido, assumiu-se uma abordagem qualitativa do exame dos dados (Silva, 2011), informada pela análise linguística na materialidade textual (Halliday e Matthiessen, 2014).

Este artigo está organizado em três principais seções, além desta introdução, das considerações finais e das referências. Na primeira, os fundamentos teóricos orientadores do trabalho pedagógico realizado em torno das sessões síncronas são apresentados. Na segunda, o contexto institucional adverso de formação inicial das alfabetizadoras é descrito. Na terceira, algumas análises dos dados gerados são exemplificadas como evidências do empoderamento dos participantes dos jantares.

BASES TEÓRICAS DO TRABALHO REALIZADO

Subjacente ao trabalho pedagógico no componente obrigatório Alfabetização e Letramento está o entendimento de que a universidade é um espaço de construção do conhecimento e que a condição de pesquisador é um atributo constitutivo dos docentes nela atuantes. Nesse sentido, a postura crítica sobre o próprio trabalho torna-se imprescindível quando os referidos profissionais atuam em cursos de formação inicial de professoras, as denominadas licenciaturas no Brasil.

Essa imprescindibilidade se justifica porque o ensino e a formação das educadoras para a escola básica tendem a ser construídos como objetos de investigação científica dos docentes das licenciaturas (Silva, 2011). Acrescenta-se a esse argumento a relevância da postura igualmente crítica das professoras do ensino básico, logo, as universidades precisam inspirar e influenciar as acadêmicas. A mera reprodução de conhecimentos prontos é improdutiva tanto para as atividades universitárias, quanto para o trabalho educativo realizado nas escolas, afinal a investigação se faz necessária para a identificação e a solução dos percalços ou desafios internos — emergentes no agitado percurso do magistério — e externos — trazidos de outros espaços sociais (Silva, 2020; 2021).

Nessa perspectiva, tais instituições educativas se configuram como espaços de autoria, no termo utilizado por Demo (2015, p. 8) para nomear a “[…] habilidade de pesquisar e elaborar conhecimento próprio, no duplo sentido de estratégia epistemológica de produção de conhecimento e pedagógica de condição formativa […]: formar melhor, produzindo conhecimento com autoria […]” (grifos do original). Num momento anterior, o autor também é assertivo ao afirmar que se faz necessário modificar o conceito e a prática do professor, uma vez que não se definem “[…] por aula, mas por autoria […]” (Demo, 2011, p. 21).

Os jantares virtuais com a alfabetizadora se configuraram como uma atividade colaborativa alinhada à concepção de universidade descrita nos parágrafos anteriores. Assim, as licenciaturas não são apenas responsáveis pela formação inicial das professoras, precisam estar envolvidas com a prática de ensino nas escolas básicas. Para tanto, a concepção de diálogo apresentada por Freire (2016) para orientar o processo de alfabetização de adultos foi assumida ao longo dos jantares, quando se buscou o empoderamento dos participantes das sessões virtuais: docente universitário, alfabetizadora e professoras em formação inicial.

A Figura 1 representa um esforço de síntese da concepção de diálogo construída por Freire (2016), a qual se contrapõe ao que o educador compreende por antidiálogo ou silêncio. Nessa figura, foram reunidas as escolhas lexicais definidoras dos conceitos utilizadas pelo autor.

Fonte: Elaborada a partir de Freire (2016).

Figura 1 Concepções assumidas de diálogo e silêncio. 

As palavras definidoras do diálogo demandam uma postura mais humilde dos representantes das universidades diante do trabalho desenvolvido nas escolas. Frequentemente, percebe-se a arrogância na atitude dominadora para dizer às professoras o que elas devem ou não fazer no próprio local de trabalho. Isso mostra não apenas que as professoras “[…] não se veem como capazes de produzir conhecimento próprio […]”, conforme afirma Demo (2011, p. 100), mas também que a própria universidade tende a não as reconhecer como produtoras de saberes especializados.

Com no comprometimento dos participantes e na esperança de romper com a reprodução do silêncio, buscou-se o engajamento e a comunhão dos participantes dos jantares virtuais e que todos fossem responsáveis pelo desenvolvimento mútuo da amorosidade, confiança, coragem, independência e justiça. Nesse esforço, foram cultivadas ainda a crítica e algumas pequenas revoluções nas práticas profissionais dos envolvidos. Por visibilizar a participação da alfabetizadora e das acadêmicas, possibilitando uma interação harmoniosa com o docente universitário sobre a prática de ensino na escola e na universidade, entende-se que houve um esforço para evitar o silenciamento e desencadear o empoderamento, na perspectiva de Freire e Macedo (1990). As contribuições imediatas deste trabalho tematizado serão exemplificadas na seção de análise dos dados neste artigo.

Outra característica do diálogo é a reflexão. Trata-se de uma atividade bastante incentivada em contextos de formação para magistério, sendo praticamente consensual a relevância da formação de profissionais críticos, que possam “[…] refletir sobre suas práticas e sobre a formação de seus alunos […]” (Magalhães e Celani, 2005, p. 146). Na Linguística Aplicada, são realizadas pesquisas sobre os usos de instrumentos pedagógicos para desencadear o hábito da reflexão sobre a prática por parte das professoras. Magalhães e Celani (2005), por exemplo, investigam sessões reflexivas como ferramentas para o empoderamento de professoras de Língua Inglesa num curso de formação contínua reflexiva. As sessões são concebidas como “[…] um espaço colaborativo para as professoras examinarem suas aulas criticamente […]” (Magalhães e Celani, 2005, p. 135).

A reflexão é informada por saberes teóricos apropriados como referências, demostrando que o pensar criticamente sobre o próprio trabalho (e, por vezes, em colaboração com parceiros de trabalho) se realiza na articulação e negociação de saberes teóricos e práticos, ambos orientadores do agir profissional (Tardif, 2002). A reflexão também pode ser desencadeada pela escrita, conforme mostrado por Silva e Fajardo-Turbin (2011) e Silva (2014) ao investigarem relatórios de estágio supervisionado produzidos por acadêmicas da Licenciatura em Letras. Nesse último contexto, são tematizadas experiências dos estágios obrigatórios de regência ou de observação de aulas dos professores receptores nas escolas.

No contexto dos jantares, foram produzidos relatos reflexivos pelas acadêmicas, os quais são exemplificados a partir das análises apresentadas adiante. Antes das sessões virtuais, as acadêmicas eram orientadas a tomarem nota dos pontos da exposição da alfabetizadora por elas considerados mais relevantes e passíveis de tematização na escrita dos relatos mencionados. Esses textos se caracterizam como gêneros catalisadores, no termo proposto por Signorini (2006b, p. 8) para nomear os “[…] gêneros discursivos que favorecem o desencadeamento e a potencialização de ações e atitudes consideradas mais produtivas para o processo de formação, tanto de professor quanto de seus aprendizes […]”.

Os relatos reflexivos podem ser definidos por duas principais funções, aqui reproduzidas conforme Signorini (2006a, p. 54) ao investigar textos desse gênero. No estudo realizado pela autora, os textos foram produzidos por professores de Língua Portuguesa vinculados à rede pública de ensino do estado de São Paulo e, na ocasião, na condição de participantes de uma formação em serviço. As principais funções são:

[1ᵃ] dar voz ao professor enquanto profissional, ou seja, enquanto agente de um campo de trabalho específico. Através da elaboração do “relato reflexivo” são desencadeados processos de articulação e legitimação de posições, papéis e identidades autorreferenciadas, ou seja, construídas pelo narrador/autor para si mesmo […] [2ᵃ] criar mecanismos e espaços de reflexão sobre teorias e práticas que constituem os modos individuais e coletivos de compreensão e de produção/reprodução desse campo de trabalho, bem como das identidades profissionais, individuais e de grupo.

Os relatos reflexivos sob análise neste artigo passaram por uma reescrita encaminhada pelo docente universitário. A maioria dos textos demandava mais de uma reescrita, mas esta se tornava inviável pelo acúmulo de trabalho do responsável pelo componente curricular.2 Ainda assim, as segundas versões eram corrigidas e comentadas da mesma forma que o docente fazia com a primeira versão encaminhada para reescrita. Os comentários e correções eram registrados com o auxílio da ferramenta de revisão do Word/Windows e envolviam elogios e correções (“Muito boa essa observação!”; “Gostei do seu texto. A única observação que faço corresponde à ausência do diálogo direto com a literatura científica no seu relato reflexivo.”).

Acrescenta-se que, com poucas exceções, os textos apresentavam fragilidades linguísticas diversas, desde equívocos ortográficos e gramaticais até inadequações na organização e progressão do conteúdo nos parágrafos (“Observe que você começou com o uso do verbo no pretérito, portanto, precisa manter o mesmo uso e não oscilar com o tempo presente para os fatos relatados.”; “Concordância verbal. Rever o uso da vírgula separando o sujeito e o verbo com o qual concorda.”). Além das intervenções referentes a aspectos formais, o docente registrava sobre os textos perguntas desencadeadoras de uma maior reflexão sobre aspectos teóricos e práticos do contexto da alfabetização (“Como efetivamente foi realizado isso pela professora?”; “O que você compreende por letramento mesmo?”; “Seja mais direta, o que efetivamente a professora faz com os alunos no ensino remoto? Exemplifique.”).

A abordagem colaborativa assumida nesta pesquisa participante contribuiu para reduzir a relação assimétrica entre as instituições envolvidas, pois houve um esforço para construir interações mais horizontais. Trata-se “[…] de uma forma de trabalhar a educação de uma maneira diferente, ou seja, trabalhando juntos, de forma complementar e cooperativa, para trabalhar melhor […]” (Montaño, Martínez e Torre, 2017, p. 654). Ainda nos termos das autoras mencionadas, ressalta-se que “[…] o uso das TICs [Tecnologias da Informação e Comunicação] tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento […]” de trabalhos colaborativos em contextos formativos, “[…] tornando-se um meio de comunicação que fomenta a troca de informações e o desenvolvimento conjunto do conhecimento […]” (Montaño, Martínez e Torre, 2017, p. 653).

CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO FORMATIVO

Na história da alfabetização, as disputas entre metodologias de ensino informadas por diferentes teorias têm se perpetuado e os indícios são encontrados facilmente. A partir dos estudos linguísticos, Cagliari (2007, p. 51) fala em “[…] duelo dos métodos […]” ao apresentar argumentos favoráveis ao desenvolvimento da “[…] competência técnica linguística do professor para ajudar o aluno […]” (Cagliari, 2007, p. 71). A partir dos estudos em Psicologia e em defesa do que denominam método fônico, Seabra e Capovilla (2010, p. 14) utilizam a expressão nominal “[…] o falido modelo de alfabetização construtivista dos PCNs […]”.3

Recentemente, a disputa em torno do assunto foi acirrada com a publicação da Política Nacional de Alfabetização (PNA — Brasil, 2019). Nela é defendida a exclusividade da abordagem fônica informada pela ciência cognitiva da leitura (Silva, 2019; 2021; Buin, Ramos e Silva, 2021; Silva e Delfino, 2021; Faria e Silva, 2022), ignorando diferentes pressupostos teóricos orientadores das últimas políticas brasileiras para a alfabetização, a exemplo do trabalho com textos e gêneros textuais na perspectiva dos estudos dos letramentos, produzidos em território nacional e internacional com bases antropológicas e pedagógicas (Cook-Gumperz, 1991; Massini-Cagliari, 2005; Morais, 2012; Soares, 2006; 2016).

Conforme perceptível nos relatos exemplificados mais adiante, as alfabetizadoras ainda estão se apropriando desses conceitos. Trata-se do esforço para se distanciarem das metodologias responsáveis por exercícios de repetição e memorização de letras e famílias silábicas por crianças, conforme práticas características da tradição escolar.

A atividade de alfabetização demanda um enfoque pedagógico e investigativo informado por abordagens complexas,4 pois inúmeros elementos interagem e interferem no processo de alfabetização das crianças, a exemplo de condicionantes biológicos, pedagógicos, psicológicos e linguísticos, o que justifica a atuação científica de especialistas com formação distinta. Esse enfoque é considerado no componente curricular focalizado da Licenciatura em Pedagogia, mas, dadas as adversidades da formação inicial das alfabetizadoras, prioriza-se a instrução linguística, conforme recomendado por Cagliari (2007; 2021) e Buin, Ramos e Silva (2021).

O conhecimento metalinguístico é necessário para que as alfabetizadoras assumam a autonomia indispensável ao exercício do magistério, possibilitando a escolha de estratégias e metodologias de ensino ou abordagens teóricas mais adequadas aos diferentes contextos formativos.5 Nesse sentido, compreende-se que tais profissionais precisam ter conhecimento “[…] dos problemas linguísticos relacionados com a própria atividade em sala de aula […]” (Cagliari, 2007, p. 70). Faz-se necessário o conhecimento explícito do funcionamento dos diferentes estratos da língua, envolvendo aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos.

Esses saberes contribuem para o planejamento de situações educativas que possam desencadear a conscientização linguística das crianças, de maneira que elas sejam alfabetizadas compreendendo o funcionamento da língua e não simplesmente memorizando ou repetindo letras ou famílias silábicas. Esses saberes possibilitam ainda que as alfabetizadoras analisem e interpretem as hipóteses de escrita das crianças, o que evita o tratamento equivocado dos manuscritos e, consequentemente, possibilita a produção de novas situações educativas desencadeadoras do aprendizado e do desenvolvimento das crianças.

Conforme Freire (2008, p. 34), compreende-se não haver situações educativas (também denominadas situações pedagógicas ou práticas pedagógicas)

[…] sem um sujeito que ensina, sem um sujeito que aprenda, sem um espaço-tempo em que estas relações se dão e não há situações pedagógicas sem objetivos que possam ser conhecidos. […] Não há situação educativa que não aponte a objetivos que estão mais além da sala de aula, que não tenha a ver com concepções, maneiras de ler o mundo, anseios, utopias.

Acrescenta-se que, subjacente às referidas práticas alfabetizadoras maçantes, encontra-se uma concepção simplificada de língua como um código, a qual é internalizada por crianças e professoras. Caracterizada como uma das manifestações da linguagem, assume-se aqui a língua como um sistema complexo e dinâmico, portanto, composta de inúmeros subsistemas interconectados e igualmente dinâmicos, a partir dos quais os falantes e escritores fazem escolhas dentre as opções disponíveis nos sistemas. Consequentemente, essas escolhas possibilitam a produção de sentidos diversos, motivados por condicionantes contextuais (Halliday e Matthiessen, 2014).

A escrita, por sua vez, do ponto de vista das formas linguísticas, não representa apenas os sons da língua e não pode ser reduzida ao “ato de escrever letras”, conforme escrito por uma acadêmica num relato reflexivo. Representa ainda o funcionamento dos diferentes estratos da língua — morfológico, sintático, semântico e pragmático —, incluindo crenças, valores e ideologias. Em síntese e evitando estender essa questão, representa discursos que se desdobram em ações pela língua(gem), provocando, por exemplo, sentimentos diversos, como alegria, empatia, tristeza, violência e sofrimento.

Mas qual é o espaço disponibilizado para o estudo sistematizado da língua portuguesa na Licenciatura em Pedagogia focalizada neste artigo? A matriz curricular do curso está organizada em nove períodos correspondentes a semestres letivos. Conforme mostrado no Quadro 1, há cinco componentes curriculares obrigatórios agrupáveis nos estudos da linguagem. Direta ou indiretamente, tais componentes podem contribuir com a educação linguística das alfabetizadoras.

Quadro 1 Estudo sistematizado da língua na licenciatura 

COMPONENTE CURRICULAR PERÍODO
1. Leitura e Produção de Texto
2. Alfabetização e Letramento
3. Fundamentos e Metodologia do Ensino de Linguagem
4. Literatura Infantojuvenil
5. Língua Brasileira de Sinais (Libras)

Fonte: Produzido a partir de Palmas (2007).

Assim como as Licenciaturas em Letras são responsáveis pela formação de professoras de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental II (EF2) e Ensino Médio, as professoras do referido componente curricular no Ensino Fundamental I (EF1) são egressas das Licenciaturas em Pedagogia. Essas últimas também são responsáveis pela formação das profissionais para atuarem na Educação Infantil e na gestão pedagógica em escolas e outras instituições que demandam conhecimentos pedagógicos especializados.

Ainda considerando o paralelo entre as duas licenciaturas, os cinco componentes curriculares do Quadro 1 comporiam um único semestre letivo de um curso superior, ao passo que, na Licenciatura em Letras, haveria outros sete períodos letivos, considerando um curso padrão com oito semestres. Em outras palavras, as professoras de Língua Portuguesa egressas desse último investem quatro anos no estudo da própria língua materna por diferentes perspectivas, ao passo que as egressas da Licenciatura em Pedagogia dedicam-se por um único semestre letivo. Nos termos de Libâneo (2017, p. 70), “[…] é impossível este paradoxo não provocar estragos no sistema de formação para os Anos Iniciais […]”.6

As críticas feitas à referida licenciatura são necessárias para que os problemas sejam visibilizados e alguma solução seja construída. Aqui não se pretende ignorar a relevância do curso no contexto educacional e político brasileiro. Assim, concorda-se com Demo (2011, p. 27) ao afirmar que

[…] pedagogia é o curso mais importante da universidade em nossos tempos, porque define o que é aprender. Mais que criticar, é urgente resgatar este curso marcadamente estratégico, por mais que seja um dos mais fracos e fortemente carregado de seleção negativa dos alunos.

Retomando o Quadro 1, ressalta-se que os três componentes curriculares destacados são ministrados por dois especialistas em estudos linguísticos, ou seja, são profissionais formados em nível de graduação e pós-graduação stricto sensu na área. Desenvolvem atividades de pesquisa e extensão e, consequentemente, possuem produção científica na área, conforme esperado de docentes universitários. Ao longo dos três períodos letivos focalizados neste trabalho, os outros dois componentes, Leitura e Produção de Texto e Literatura Infantojuvenil, não foram ofertados por falta de docentes efetivos para assumi-los ou foram ofertados por profissionais sem especialização na área, no sentido previamente descrito.7

O agravamento da fragilidade na formação linguística das alfabetizadoras parece inevitável, diante da implementação do ensino remoto8 a fim de garantir a continuidade das atividades acadêmicas e respeitar as orientações oficiais para manutenção da saúde da população, a exemplo da observância do distanciamento social. Conforme parágrafos primeiro e segundo que compõem a regulamentação da organização didática do ensino, na Resolução n° 28, de 08 de outubro de 2020 (CONSUNI/UFT, 2020, s. p.), que dispõe sobre o funcionamento das atividade acadêmicas no período emergencial decorrente da pandemia da Covid-19, foi assegurada uma redução substancial da carga horária dos componentes curriculares. Os parágrafos mencionados foram reproduzidos adiante:

§ 1° Não será obrigatória a exigência de 100% da presença de professores e alunos em um mesmo espaço físico e/ou remoto e/ou em um mesmo horário para que a aula seja contabilizada para professores e alunos em decorrência, a frequência não será considerada como critério de aprovação no componente curricular.

§ 2° Devem ser garantidos encontros síncronos que correspondam a no mínimo 25% e no máximo 50% da carga horária total do componente curricular e a carga horária excedente distribuídas em atividades denominadas estudos independentes, trabalho em equipes ou outro formato que seja mais adequado ao componente curricular.

O primeiro parágrafo assegura a não reprovação dos acadêmicos por ausências nas aulas ou encontros síncronos ministrados na modalidade remota. Conforme a leitura documental apresentada pela gestão universitária, a ausência completa nas aulas é facultada aos estudantes. Outro agravante se encontra no segundo parágrafo reproduzido: ao docente é assegurada a possibilidade de ministrar apenas 25% da carga horária originalmente programada para os componentes curriculares. Assim, o tempo reservado aos cinco componentes curriculares do Quadro 1 pode ser reduzido ao equivalente a proximamente três componentes curriculares.

Os docentes ficaram impedidos de ministrar mais de 50% da carga horária prevista originalmente para os componentes curriculares. Tais mudanças tendem a respingar no ensino básico, afinal os egressos poderão chegar ao local de trabalho com apenas 25% da carga horária orginalmente assegurada no curso. Resta saber se as mudanças também significam o conhecimento assegurado às pedagogas de apenas 25% dos conteúdos programados no projeto pedagógico do curso.

No segundo parágrafo reproduzido, afirma-se ainda que o restante da carga horária deve ser cumprido com “[…] estudos independentes, trabalho em equipes ou outro formato que seja mais adequado ao componente curricular […]” (CONSUNI/UFT, 2020, s. p.). Percebe-se que as atividades de pesquisa parecem ignoradas, a menos que se compreenda que estão subjacentes ao que se nomeia como “outro formato”. Numa universidade pública, essa ausência produz sentidos, pode significar, com otimismo, um indício da insistência na transmissão de conhecimentos ou no instrucionismo, práticas sobre as quais muitas universidades vegetam há algum tempo, ignorando as habilidades do século XXI, das quais a pesquisa é um referencial crucial, parafraseando Demo (2011).

A crítica apresentada aos ajustes regimentais não significa um posicionamento contrário à modalidade do ensino virtual. Concorda-se com Demo (2011, p. 16-17) ao afirmar que “[…] quem estuda está sempre presente, pouco importa onde esteja estudando […] presença é dinâmica maleável e multidimensional, não se restringindo ao contato físico direto […]”. O risco está na forma como docentes e acadêmicos compreendem e assumem tal flexibilização. O que significa ouvir recorrentes relatos das acadêmicas afirmando que estão cursando sete disciplinas no semestre para aproveitar a facilidade do ensino remoto? As acadêmicas precisam comparecer “[…] à universidade, física ou virtualmente, para produzir conhecimento, exercitando autoria, não para absorver sucata […]” (Demo, 2011, p. 17).

Mesmo que “[…] a tendência hoje […]” seja “[…] não oferecer curso só com presença física ou só com presença virtual, mas de estilo mesclado (blended) […]” (Demo, 2011, p. 17), compreende-se que os participantes precisam estar minimamente preparados e compromissados. No contexto desta pesquisa, diversas acadêmicas possuem equipamentos precários para acesso à internet e também acesso restrito aos serviços de internet, o que restringe o tempo de conexão e compromete a realização do horário integral das aulas.9 Em casos desse tipo, o governo federal deveria responder com políticas robustas e eficazes, pois a educação de uma nação está condicionada à formação dos professores e, no caso aqui focalizado, trata-se da profissionalização de pessoas responsáveis por alfabetizar crianças. No contexto institucional focado, é possível encontrar casos de acadêmicas que possuem pleno acesso à internet, mas preferem usufruir do direito de não participar das aulas síncronas e isso pode significar ausências de todas as aulas.10

TECENDO VOZES DOS PARTICIPANTES

Ao ser contactada pelo docente universitário para compartilhar experiências profissionais no primeiro Jantar com Alfabetizadora, a professora compreendeu que a atividade seria relevante por possibilitar algum contato das acadêmicas com o futuro local de trabalho. Assim, seria possível contribuir com a qualificação das futuras professoras. Essa consciência não livrou a alfabetizadora da angústia e do medo diante de uma experiência desconhecida, porém tais sentimentos foram superados pela coragem e por três atitudes destacadas pela profissional:

  1. disponibilidade ao diálogo com outras colegas de trabalho, as quais a incentivaram a aceitar o convite;

  2. rememoração de participações em alguns encontros de formação a fim de compartilhar a própria prática com professoras de outras escolas, resultando no reconhecimento do trabalho mostrado; e

  3. rememoração das experiências com a preceptoria de estagiárias vinculadas a outras instituições de ensino superior, as quais sempre deixaram algo de bom para a alfabetizadora e levaram contribuições para a vida acadêmica e profissional.

O aceite do convite foi decidido pela consciência de que o encontro virtual poderia contribuir para a continuidade da reflexão sobre a própria prática pedagógica. Essa prontidão para o aprendizado de novos saberes foi perceptível durante as exposições da alfabetizadora. Ao compartilhar algumas atividades realizadas com as crianças, articulações teóricas eram realizadas. Provocar a consciência nas acadêmicas da relevância da articulação entre teoria e prática foi uma das motivações para a participação da alfabetizadora no jantar. E esse foi o ponto de partida do roteiro da exposição. Os principais teóricos mencionados como influenciadores do trabalho realizado na escola foram Artur Gomes de Moraes, Emília Ferreiro, Isabel Solé e Magda Soares.

Nos excertos reproduzidos adiante como exemplos, foram destacadas com sublinhado as passagens representativas das quatro temáticas selecionadas para análise:

  1. articulação entre teoria e prática;

  2. leitura do contexto escolar adverso;

  3. prática alfabetizadora da convidada; e

  4. próprio processo de alfabetização.

Com sublinhado e itálico, foram destacadas as marcas linguísticas de reflexão pela escrita das acadêmicas ou atribuídas às professoras da escola básica.

No primeiro excerto dos Fragmentos A, Tânia11 relata o processo de rememoração compartilhado pela alfabetizadora (“lembrou”; “achar”; “foi descobrindo”), quando ela ignorava as teorias no momento do ingresso no magistério. Essa postura parece recorrente entre as professoras em formação inicial. Sob a influência do teoricismo universitário, elas demonstram alguma desconfiança das teorias estudadas ou dificuldade para articulá-las às demandas do local de trabalho. Espera-se que os jantares contribuam para evitar falas recorrentes dos seguintes tipos por parte das acadêmicas: “as teorias estudadas na universidade não servem para a prática na escola”; “na teoria é uma coisa, na prática, é outra completamente diferente”.

Por exigência do ofício, posteriormente, a alfabetizadora percebeu a relevância da teoria para orientar a prática, inclusive na elaboração de respostas para as perguntas realizadas por ela mesma sobre a própria sala de aula, que passou a ser concebida como um laboratório. Ao fim do primeiro excerto dos Fragmentos A, a acadêmica se posiciona em concordância com a valorização da teoria, apresentando o que se pode considerar uma paráfrase desta fala da alfabetizadora, reproduzida previamente, antes de aluna escrever o fragmento: “[…] teorias são importantes, pois respondem as perguntas e inquietações do professor, contribuindo, assim, para a resolução de problemas e dúvidas que possam surgir na sua prática..

Fragmentos A. Articulação entre teoria e prática

  1. A educadora contou da sua prática, e lembrou que, logo no início, quando entrou na sala de aula, abandonou muitas teorias, por achar que não eram necessárias, ficando apenas com a prática, mas, no decorrer da caminhada, foi descobrindo que não poderia andar sem a teoria. Segundo a profissional, “a sala de aula é um laboratório, e os teóricos respondem as nossas perguntas para que a gente possa auxiliar no processo de aprendizagem dos alunos, para que eles possam avançar”. Nesse sentido, as teorias são importantes, pois respondem as perguntas e inquietações do professor, contribuindo, assim, para a resolução de problemas e dúvidas que possam surgir na sua prática. (Tânia)

  2. Além dos recursos visuais e atividades, vi que a alfabetizadora contou com um extenso conhecimento teórico que é de suma importância para compreender o desenvolvimento do letramento de cada criança. (Rita)

  3. Concluo este relato, destacando que o Jantar com alfabetizadora me agregou muitos aprendizados no que se refere ao processo de alfabetização e letramento, os quais, conforme destaca Magda Soares (2004), ocorrem simultaneamente. Destarte, toda e qualquer ação educativa baseia-se na teoria e prática, e ambos conhecimentos são indissociáveis para uma formação de excelência. (Kélbia)

No segundo excerto, Rita também realça o conhecimento teórico da alfabetizadora e o uso feito desse conhecimento para o acompanhamento do desenvolvimento das crianças (“[…] alfabetizadora contou com um extenso conhecimento teórico que é de suma importância para compreender o desenvolvimento do letramento de cada criança.). O terceiro excerto mostra a relevância da articulação entre a teoria e a prática para Kélbia, pois tal realce foi realizado no parágrafo conclusivo do relato reflexivo.

Ao pensar sobre a seleção de experiências a compartilhar no jantar, a alfabetizadora rememorou os próprios questionamentos nos primeiros anos do exercício do magistério, pois as acadêmicas poderiam compartilhar dúvidas semelhantes. Os questionamentos que surgiram na lembrança da alfabetizadora foram: qual seria o melhor método? Como alfabetizar as crianças? Como ajudar o aluno com dificuldades? Por onde começar o processo de alfabetização? A professora tentou levar uma mostra relevante da própria sala de aula para a universidade, com evidências dos avanços no aprendizado das crianças e amostras dos procedimentos para proporcionar tais avanços significativos.

Para compartilhar respostas às perguntas elencadas, a alfabetizadora mostrou parte do caminho construído como referência no processo de alfabetização das crianças, o qual é formado pelo trabalho com consciência fonológica e sistematização de outras propriedades da escrita. Conforme esperado para o nível das crianças, as aulas não são completamente expositivas, mas os alunos exercem constantemente o protagonismo a partir de vivências diversas, envolvendo interações em pequenos ou grandes grupos, a fim de que sejam realizadas descobertas coletivas, conforme situações educativas criadas.

Outro assunto destacado e considerado pela alfabetizadora de maior importância para as acadêmicas foi o diagnóstico do nível de compreensão da escrita e os procedimentos pedagógicos para estimular e orientar as crianças a continuarem progredindo na construção do conhecimento sobre o sistema de escrita alfabética. Mais uma vez, a alfabetizadora buscou antecipar as dúvidas das acadêmicas a partir das experiências particulares. Durante a própria prática pedagógica, ela realizou muitos diagnósticos, mas desconhecia o caminho a percorrer, as atividades a serem realizadas e as intervenções necessárias para proporcionar o avanço no aprendizado e no desenvolvimento das crianças.

As acadêmicas perceberam que a alfabetizadora desenvolvia um trabalho diferenciado quando comparado ao que é passível de observação nas escolas e ao que se mantém como representação negativa do magistério. No primeiro excerto dos Fragmentos B, observa-se que a exposição da alfabetizadora levou Jane a refletir (“me levar a uma reflexão”; “penso”) sobre a permanente defasagem do ensino atribuída exclusivamente às professoras, responsáveis pelo uso da cartilha caracterizada pelo trabalho com letras e pequenas frases sem nexo. Tal prática é contraposta ao ambiente alfabetizador diferenciado mostrado no jantar e descrito previamente por Jane no relato reflexivo: alfabeto de parede e calendário construídos pelos alunos, existência de cantinho da leitura, jogos pedagógicos, ficha de leitura, mural de combinados.

O primeiro excerto dos Fragmentos B corresponde ao último parágrafo do relato reflexivo de Jane, que demonstra não ser otimista no tocante às mudanças necessárias na prática de alfabetização. Mais uma vez, as alfabetizadoras são representadas como principais responsáveis pela prática pedagógica improdutiva, que não responde às demandas individuais das crianças (“[…] nem todos os educadores estão dispostos a encarar o desafio da alfabetização, que requer dedicação, reinvenção diariamente.”).

Fragmentos B. Leitura do contexto escolar adverso

  1. Esse momento de fala com a professora alfabetizadora foi essencial para me levar a uma reflexão do quão defasado nosso ensino se encontra e de como os professores ainda resistem em alfabetizar usando cartilhas para reescrita de letras e pequenas frases sem nexo. Penso que não será fácil mudar a forma que se alfabetiza, esse é um processo lento e, como mencionado anteriormente, nem todos os educadores estão dispostos a encarar o desafio da alfabetização, que requer dedicação, reinvenção diariamente. Tudo isso a fim de atender as particularidades de cada aluno e assim alfabetizá-lo. (Jane)

  2. O comportamento dela difere muito do imaginário coletivo que tenho das professoras de Ensino Fundamental e Médio. Justifico: percebo uma preguiça reinante no que diz respeito à leitura, estudo e esforço. Parece-me que temos caminhado rumo a facilidades e temo não haver volta […]. Tal fato é perceptível nos bancos escolares, quando as tarefas são muitas, as aulas são longas, os filhos reclamam com os pais, que reclamam com a escola, que, por sua vez, facilitam a vida dos alunos. As professoras, ao se adequarem às demandas apresentadas, sentem-se cada vez mais desmotivadas a produzir mais, melhor e diferente […]. (Sara)

No segundo excerto dos Fragmentos B, o comprometimento da alfabetizadora também é reconhecido (“O comportamento dela difere muito do imaginário coletivo […]”) e tal postura é contraposta à representação negativa do magistério presente no imaginário popular (“[…] preguiça reinante no que diz respeito à leitura, estudo e esforço.”), conforme a percepção de Sara. Ao mesmo tempo em que parece responsabilizar as professoras pelas rotinas exaustivas nas aulas e pela falta de investimento na própria formação (“[…] as aulas são longas, os filhos reclamam com os pais, que reclamam com a escola, que, por sua vez, facilitam a vida dos alunos.”), a acadêmica reconhece que as professoras também são desmotivadas por interferências dos responsáveis pelos alunos e da própria gestão escolar no trabalho docente realizado (“[…] ao se adequarem às demandas apresentadas, sentem-se cada vez mais desmotivadas a produzir mais, melhor e diferente […]”).

A surpresa demonstrada por Sara diante da prática pedagógica da alfabetizadora se justifica pelo fato de a acadêmica carregar uma representação negativa da cultura escolar, caracterizada por pujantes flexibilizações ou facilidades (“[…] temos caminhado rumo a facilidades e temo não haver volta []”), talvez semelhantes ao percebido por outras acadêmicas na própria universidade ao afirmarem que estavam aproveitando a facilidade do ensino remoto para cursarem sete disciplinas no mesmo período letivo.

No primeiro excerto dos Fragmentos C, há outras duas evidências que justificam a surpresa da Sara (“[…] tudo isso é revolucionário!”):

  • a prática de alfabetização parte do trabalho com textos, sensibilizando os alunos a perceberem os recursos linguísticos responsáveis por repetições sonoras diversas, as quais permitem o trabalho com unidades menores da língua, a exemplo de frases, versos, palavras, sílabas e fonemas (“Começar uma alfabetização do macro (texto) para que, através da própria percepção da criança, possa-se chegar ao micro (palavras) é reconhecer na criança uma potencialidade perceptiva […]”); e

  • a conscientização linguística trabalhada pela alfabetizadora com seus alunos não fez parte do processo de alfabetização experienciado pela acadêmica quando criança (“[…] sinto que me foi renegada. É como se desde o começo, na alfabetização, houvesse uma presunção da nossa incapacidade de compreensão […]”).

Sara compreende que o método de alfabetização utilizado com sua própria geração limitou o desenvolvimento dessas pessoas (“[…] cerceou o desenvolvimento de muitos potenciais e habilidades na minha geração, que, como já dito, foi alfabetizada de outra forma.”).

Fragmentos C. Prática alfabetizadora da convidada

  1. Para mim, tudo isso é revolucionário! Começar uma alfabetização do macro (texto) para que, através da própria percepção da criança, possa-se chegar ao micro (palavras) é reconhecer na criança uma potencialidade perceptiva que sinto que me foi renegada. É como se desde o começo, na alfabetização, houvesse uma presunção da nossa incapacidade de compreensão, que cerceou o desenvolvimento de muitos potenciais e habilidades na minha geração, que, como já dito, foi alfabetizada de outra forma. (Sara)

  2. Para mim estudante de pedagogia, foi muito importante receber conhecimento de uma professora que se preocupa com a formação de seus alunos. Não se pensa apenas em ensiná-los a ler ou escrever, mas formar uma criança pensante e questionadora. E desta forma, é através desta matéria, venho construindo meu conhecimento sobre o processo de alfabetização, descontruindo meu conhecimento e aprendendo de fato o ato de alfabetizar. (Teca)

  3. Para a realização das aulas, a docente também conta com o auxílio das ferramentas digitais, devido ao atual momento pandêmico em que estamos inseridos. Ressalto que me impressionei com as possibilidades tecnológicas exploradas pela professora na aplicação dos conteúdos, a exemplo das ferramentas disponíveis no aplicativo do Zoom, a partir do qual a professora utiliza uma lousa interativa que permite aos alunos escreverem nas telas do computador/celular por meio do mouse ou dos dedos. (Kélbia)

No segundo excerto dos Fragmentos C, observa-se a confrontação de Teca com uma postura profissional e uma prática de alfabetização diferenciadas, certamente distantes das representações compartilhadas pela acadêmica. Uma professora preocupada com o aprendizado e o desenvolvimento de seus alunos não deveria causar surpresa, mas a afirmação da acadêmica parece apontar para alguma excepcionalidade (“[…] foi muito importante receber conhecimento de uma professora que se preocupa com a formação de seus alunos.”). O processo de alfabetização a partir da conscientização das crianças no tocante ao funcionamento do sistema de escrita chamou a atenção da acadêmica e essa abordagem também envolve uma educação crítica dos alunos (“Não se pensa apenas em ensiná-los a ler ou escrever, mas formar uma criança pensante e questionadora.”).

Na parte final do segundo excerto dos Fragmentos C, Teca explicita a consciência do próprio processo de aprendizagem no componente curricular Alfabetização e Letramento, que se realiza pela desconstrução de antigas representações sobre a prática de alfabetização e pela construção de novos saberes (“venho construindo”; “descontruindo”; “aprendendo”). No terceiro excerto, observa-se a surpresa de Kélbia diante dos usos realizados pela alfabetizadora das ferramentas digitais (“me impressionei”), nas aulas remotas ministradas para as crianças (“[…] uma lousa interativa que permite aos alunos escreverem nas telas do computador/celular por meio do mouse ou dos dedos.”). Certamente, a representação de aulas de alfabetização compartilhada pela acadêmica correspondia ao modelo da tradição. É significativo que a inovação tecnológica tenha chegado à acadêmica pela própria escola.

Nos Fragmentos D, são reproduzidos três excertos que exemplificam a rememoração das acadêmicas do próprio processo de alfabetização a que foram submetidas na infância. Em outras palavras, são confrontados o processo rememorado e a prática pedagógica compartilhada pela alfabetizadora, assim como realizado por Sara no primeiro excerto dos Fragmentos C. Todas admitem que foram alfabetizadas por metodologias da tradição escolar, bastante diferentes da abordagem da conscientização linguística mostrada nos jantares.

Fragmentos D. Próprio processo de alfabetização

  1. No meu desenvolvimento educacional, não vivenciei um processo de conscientização do Sistema de Escrita Alfabética com uma didática tão dinâmica igual a essa apresentada pela Leonilde Campos. A minha alfabetização foi só através da memorização das letras e pela repetição das escritas de palavras das cartilhas pontilhadas. (Wanda)

  2. Algumas experiências são incapazes de provocar reflexão nos alunos, e isso favorece o uso de metodologias tradicionais as quais muitos de nós infelizmente fomos expostos e por isso tendemos a reproduzir. (Raca)

  3. Na minha infância fui alfabetizada na base do decora, só percebo a importância da consciência fonológica “hoje” na faculdade. (Jucy)

No primeiro excerto, Wanda descreve a metodologia de ensino a que foi submetida como uma prática de memorização de letras, escrita repetitiva de palavras sobre os pontilhados das cartilhas. No segundo excerto, Raca caracteriza as metodologias tradicionais como incapazes de provocar reflexões nos alunos e admite que as acadêmicas expostas a tais metodologias tendem a reproduzi-las com as crianças ao exercerem o magistério (“[…] infelizmente fomos expostos e por isso tendemos a reproduzir.”). No terceiro excerto, Jucy utiliza a expressão “base do decora” para caracterizar a prática de alfabetização à qual foi submetida na infância e admite ter conhecido o conceito de consciência fonológica na Licenciatura em Pedagogia (“percebo”).

Não só as professoras em formação inicial foram provocadas durante os jantares, mas também a própria alfabetizadora, que admite ter considerado os questionamentos levantados por acadêmicas e docente universitário nos jantares passados para planejar as exposições dos jantares posteriores. Alguns dos questionamentos foram: qual é a diferença entre trabalhar com crianças que nunca frequentaram a escola e as que passaram pela educação infantil? Qual é a melhor metodologia? Como trabalhar com alunos com necessidades especiais? Como trabalhar com alunos que fazem trocas de letras?

Questionamentos como esses e outros comentários realizados nos jantares virtuais fizeram a alfabetizadora refletir sobre algumas situações de sala de aula. Um exemplo foi a observação realizada pelo docente universitário, quando foi mostrado o texto da Figura 2 com o registro da seguinte palavra produzida por uma criança de 6 anos e 9 meses, ao fim do 1° ano do EF1: larãnja.

Fonte: Aluna do 1° ano.

Figura 2 Narrativa escolar. 

O docente comentou que um dos desafios do processo de alfabetização é a interpretação das hipóteses de escrita das crianças, o que demanda das alfabetizadoras conhecimentos linguísticos dos diferentes níveis de análise da língua. Comentou também que provavelmente a aluna utilizou o acento til na palavra “laranjas” por ter percebido o som nasalado da sílaba tônica. Assim, a alfabetizadora compreendeu que, antes de identificar ou destacar o equívoco cometido pela criança, seria relevante perceber que, por um lado, ela tem conhecimento da sílaba tônica e da função do acento til, mas, por outro, a criança não percebe ou desconhece que a letra “n”, na posição final silábica, já estava marcando o som tônico nasalado.12 Não seria possível a dupla marcação do som nasalado numa palavra.

Outro exemplo de aprendizado da alfabetizadora nos jantares foi como fazer intervenção nas situações de escrita em que as crianças trocam a letra “u” pela letra “l” no fim de palavras, como em frases do seguinte tipo produzida por outra criança ao fim do 1° ano: “A lagarta virol uma gorboleta”. Num jantar, o docente explicou que, em casos desse tipo, as alfabetizadoras podem mobilizar o conhecimento da morfologia dos verbos, pois esse uso corresponde à flexão verbal na terceira pessoa do singular no pretérito perfeito do modo indicativo. A título de esclarecimento, reproduzimos o poema O Elefante Eduardo, de Alexandre Azevedo, que contém ocorrências dessa forma verbal contextualizada.

O ELEFANTE EDUARDO

O elefante

Eduardo

Era tão elegante…

Mas, um dia,

Entrou num

Restaurante,

Comeu,

Comeu,

Comeu,

Comeu bastante…

Bebeu,

Bebeu,

Bebeu,

Bebeu refrigerante…

O elefante

Eduardo

Engordou cem quilos

Num instante! (Azevedo, 2011, p. 9)

Após se conscientizar da flexão verbal focalizada, a alfabetizadora passou a utilizar o que pode ser denominado estratégia da ação em sala de aula, pois compreendeu que tais palavras têm sentido de ação passada. Quando alguma criança pergunta se a escrita de uma dada palavra é com a letra “l” ou “u”, a alfabetizadora responde com a seguinte pergunta: “é uma ação passada, que já aconteceu?”. Logo, os alunos mesmos respondem que tais palavras se escrevem com a letra “u”.

Em síntese, a alfabetizadora compreendeu que a escola e a universidade estão sendo beneficiadas com as sessões virtuais colaborativas. O mais importante para a professora é que, em consequência dos encontros promovidos, os seus estudantes tiveram a oportunidade de continuar aprendendo e ela se sente motivada para oferecer sempre o melhor às crianças. Entende ainda que os jantares promoveram experiências inesquecíveis e contribuíram para ela ter outro olhar para a sala de aula e a universidade e fortaleceram a certeza da importância do respaldo teórico na prática alfabetizadora e da necessidade de intervenções com mais intencionalidade nas situações educativas

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em meio às adversidades da pandemia da Covid-19, este estudo mostrou que os Jantares com Alfabetizadora se configuraram como situações educativas e colaborativas desencadeadoras do empoderamento dos seus participantes. Isso foi possibilitado pela disponibilidade ao diálogo por parte dos representantes do ensino básico e do ensino superior, que foram um docente universitário, uma alfabetizadora e três turmas de professoras em formação inicial.

As sessões virtuais se caracterizaram como uma produtiva atividade no componente Alfabetização e Letramento da Licenciatura em Pedagogia focalizada. O trabalho colaborativo foi complementado com a produção escrita de relatos reflexivos pelas acadêmicas, tematizando aspectos selecionados da prática pedagógica compartilhada pela alfabetizadora convidada e considerando contribuições teóricas dos textos trabalhados e recomendados para leitura no referido componente curricular. As principais temáticas identificadas foram: a articulação entre teoria e prática, a leitura do contexto escolar adverso, a prática alfabetizadora da convidada e o próprio processo de alfabetização.

Salienta-se que o diálogo interinstitucional contribuiu para a apropriação teórica por parte das acadêmicas, as quais perceberam a relevância dos pressupostos teóricos trabalhados em outros encontros virtuais e demonstraram maior autonomia para pesquisar conceitos desconhecidos ou interesse em compreender as disputas teóricas e metodológicas em torno da alfabetização. De fato, algumas questões metodológicas trabalhadas só foram apropriadas pelas acadêmicas após o compartilhamento da prática alfabetizadora nos jantares e a vivência da experiência da reflexão pela escrita e reescrita de relatos.

Os jantares se configuraram como oportunidades de compartilhamento de saberes entre a alfabetizadora convidada e o docente universitário. Esse último, por exemplo, aproximou-se mais diretamente do trabalho escolar efetivo no ciclo de alfabetização, experiência não vivenciada no ensino presencial, quando as acadêmicas são acompanhadas por educadores generalistas (e não pelos especialistas nos “conteúdos disciplinares”) nos estágios supervisionados obrigatórios. É bastante produtivo que os trabalhos realizados nas duas instituições aqui representadas possam ser fortalecidos mutuamente. Nesse sentido, alguns ajustes importantes nos próprios trabalhos pedagógicos foram realizados pelos referidos educadores durante os três períodos letivos focalizados.

Finalmente, espera-se que as licenciaturas exerçam efetivamente a vanguarda na formação de professoras, preparando-as para as demandas escolares presentes e futuras. Este estudo revelou a importância da participação da escola básica nesse processo, trabalho condicionado à confiança mútua. Esse vanguardismo dificilmente será alcançado com as universidades envaidecidas e silenciadas.

1A forma feminina alfabetizadora será utilizada ao longo deste artigo. A escolha se justifica pelo entendimento de que se faz necessário visibilizar o trabalho realizado predominantemente por mulheres no magistério do ensino básico, especialmente na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

2Excepcionalmente, algumas acadêmicas insistiam em realizar mais de uma reescrita e o docente as autorizava, mas eram exatamente aquelas cujos textos menos demandavam novas versões.

3Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são diretrizes para Ensino Fundamental I, publicadas na década de 90 do século XX (Brasil, 1997). Os autores citados fazem referência aos PCN para o Ensino de Língua Portuguesa. Sobre essas disputas teórico-metodológicas no contexto da alfabetização, sugere-se a leitura de Silva (2019; 2021).

4Por complexidade, compreende-se a dinâmica de inúmeros atores humanos e não humanos unidos numa espécie de rede dinâmica, onde são desencadeadas ações e retroações (Morin, 2008; Silva, 2011). Nesse sentido, a complexidade não é aqui compreendida simplificadamente como algo complicado ou difícil.

5Conforme Cagliari (2007, p. 71), “Se ele é mais fônico ou menos fônico, mais behaviorista ou menos behaviorista, mais ou menos cognitivista é uma questão que, até certo ponto, depende da habilidade e da preferência do professor. Alguns funcionam melhor dentro de uma determinada abordagem, trabalhando especificamente com determinado método ou com um outro”.

6Sobre essa questão, Cagliari (2007, p. 65) afirma que “[…] o professor precisa de uma formação sólida, abrangente, atualizada e adequada à sua tarefa como professor e como educador. As faculdades de educação, na prática, pensam sempre no educador e esquecem que ele será também um professor com tarefas técnicas específicas, com conteúdos científicos e artísticos que deverão ser usados em seu dia-a-dia profissional […]” (grifos nossos).

7Diante da ausência de docentes efetivos para os referidos componentes curriculares, parte do colegiado do curso tem compartilhado a compreensão de que os próprios educadores, ou seja, os pedagogos com formação em cursos de pós-graduação stricto sensu em Ciência da Educação podem assumir os referidos componentes.

8Conforme o artigo primeiro da Resolução n° 28, de 08 de outubro de 2020 (CONSUNI/UFT, 2020, s. p.), entende-se por ensino remoto “o conjunto de atividades acadêmicas realizadas nos componentes curriculares dos cursos de graduação presencial com mediação tecnológica em momentos síncronos e assíncronos durante o período de isolamento social com restrição total da presença física”.

9No contexto desta pesquisa, há uma polêmica em torno da duração das aulas síncronas. Há quem compreenda que o tempo de 50 minutos de referência para uma aula seja observado para a integralidade de cada sessão remota. Porém, no ensino presencial, cada sessão corresponde a quatro aulas consecutivas nas disciplinas de 60 horas, totalizando 200 minutos. A justificativa para tal intepretação é o comprometimento do aproveitamento das acadêmicas diante das telas dos computadores ou celulares. Tal questão não é posta para as aulas na pós-graduação stricto sensu. Essa questão foi ignorada no componente curricular Alfabetização e Letramento, o que foi visto de forma positiva pelas acadêmicas. Ainda assim, o docente se manteve atento ao envolvimento e aproveitamento das acadêmicas durante as aulas virtuais, e ajustes foram realizados conforme a demanda emergente.

10Com a autorização dos participantes, as aulas virtuais do componente Alfabetização e Letramento foram gravadas para disponibilização exclusiva no Google Sala de Aula. Na universidade focalizada, a gravação das aulas foi facultada aos docentes e estudantes. A opção pela gravação se justificou por dificuldades esporádicas de algumas acadêmicas para acessar a internet no horário das aulas, assim os vídeos puderam ser acessados e, até mesmo, revistos para realização das atividades. Os jantares foram igualmente gravados e disponibilizados. Recentemente, a funcionalidade de gravação foi desativada no referido ambiente educacional, o que poderá comprometer algumas atividades acadêmicas, diante dos diversos usos desse recurso apreendidos pela comunidade universitária.

11Foram utilizados nomes fictícios para identificar os fragmentos selecionados dos relatos reflexivos. Alguns fragmentos sofreram pequenas correções para evitar a reprodução de erros bastante marcados. As acadêmicas autorizaram o uso dos excertos neste estudo.

12O uso do til pela criança assemelha-se à escrita da palavra cãibra, concorrente com a variação câimbra.

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Agradecimento

O primeiro autor deste artigo agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade em pesquisa – PQ/1D (Proc. 304186/2019-8).

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Recebido: 02 de Agosto de 2021; Aceito: 11 de Fevereiro de 2022

Wagner Rodrigues Silva é doutor em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT). E-mail: wagnersilva@uft.edu.br

Leonilde Campos é graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Paraíso (FECIPAR). Professora da Secretaria Municipal de Educação de Palmas (SEMED-Palmas/TO). E-mail:leonildedecampos@gmail.com

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

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