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Revista Brasileira de Educação

versão impressa ISSN 1413-2478versão On-line ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub 22-Dez-2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270119 

Artigos

Covid-19, escolas e infâncias no Brasil: controvérsias científicas, políticas e emocionais em cena

COVID-19, SCHOOLS AND CHILDHOODS IN BRAZIL: SCIENTIFIC, POLITICAL AND EMOTIONAL CONTROVERSIES ON THE SCENE

COVID-19, ESCUELAS E INFANCIA EN BRASIL: POLÉMICAS CIENTÍFICAS, POLÍTICAS Y EMOCIONALES EN ESCENA

Flávia Ferreira PiresI 
http://orcid.org/0000-0003-0572-3542

Rosamaria Giatti CarneiroII 
http://orcid.org/0000-0002-1271-7645

Marina Rebeca de Oliveira SaraivaIII 
http://orcid.org/0000-0002-2534-8295

IUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil.

IIUniversidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

IIIUniversidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil.


RESUMO

Durante o ano de 2020, no Brasil, as escolas permaneceram fechadas e as crianças em casa; junto delas estiveram suas mães ou cuidadores, conjugando a casa e a vida profissional. Este artigo tem por propósito descrever as relações entre mães, escolas e crianças com base no debate sobre as noções de cuidado, trabalho, neoliberalismo e emoções, tendo como ponto de partida a ideia de que essas relações, a princípio, tão ordinárias, durante o primeiro ano da pandemia de Sars-Cov-2 19, descortinaram uma dimensão extraordinária de sua interface e importância para toda a manutenção da vida social. Nesse sentido, explora uma interface de campos que interessam às ciências sociais e que, por isso, lhe destacam, inclusive, a originalidade e a importância investigativa. Para tanto, foram consideradas notícias de mídia, artigos científicos, diálogos empreendidos em redes sociais e entrevistas com interlocutoras de pesquisas etnográficas em andamento.

PALAVRAS-CHAVE pandemia Covid-19; escolas; mães; crianças; emoções

ABSTRACT

During 2020, in Brazil, schools remained closed and children at home; their mothers or caregivers were with them, combining home and professional life. This article aims to describe the relationships between mothers, schools and children, based on the debate regarding the notions of care, work, neoliberalism and emotions; taking from the outset the idea that these relations, at first so ordinary, during the first year of the Sars-Cov-2 19 pandemic, unveiled an extraordinary dimension of their interface and importance for the entire maintenance of social life. In this sense, it explores an interface of fields that are of interest to Social Sciences and that, therefore, also highlight its originality and investigative importance. For this, media news, scientific articles, dialogues carried out on social networks and interviews with interlocutors of ongoing ethnographic research were considered.

KEYWORDS pandemic Covid-19; schools; mothers; children; emotions

RESUMEN

Durante 2020, en Brasil, las escuelas permanecieron cerradas y los niños en casa; con ellos estaban sus madres o cuidadoras, compaginando la vida hogareña y profesional. Este artículo tiene como objetivo describir las relaciones entre madres, escuelas e hijos, a partir del debate sobre las nociones de cuidado, trabajo, neoliberalismo y emociones; tomando desde el principio la idea de que estas relaciones, en un principio tan ordinarias, durante el primer año de la pandemia Sars-Cov-2 19, revelaron una dimensión extraordinaria de su interfaz e importancia para el mantenimiento integral de la vida social. En este sentido, explora una interfaz de campos que son de interés para las Ciencias Sociales y que, por tanto, también destaca su originalidad e importancia investigativa. Para ello, se consideraron noticias mediáticas, artículos científicos, diálogos realizados en redes sociales y entrevistas a interlocutores de la investigación etnográfica en curso.

PALABRAS CLAVE pandemia Covid-19; escuelas; madres; niños; emociones

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Este artigo tem por propósito descrever as relações entres mães, escolas e crianças com base no debate sobre cuidado, trabalho, neoliberalismo e emoções, tendo como ponto de partida a ideia de que essas relações, a princípio tão ordinárias, no primeiro ano da pandemia de Covid-19, descortinaram uma dimensão extraordinária de sua interface e de sua importância para toda a manutenção de nossa sociedade. Durante o ano de 2020, as escolas no Brasil permaneceram fechadas. Algumas continuam fechadas e outras em funcionamento parcial. Durante esse período, estivemos com as crianças em casa, mesmo que esta tenha diferentes desenhos, contornos e agentes sociais envolvidos. Estivemos, e muitas ainda permanecem, durante esse período, como outras mães - aquelas que podem física, profissional e economicamente -, em casa conjugando falaciosamente trabalho produtivo e reprodutivo. Também nesse período, muitas outras mães que precisam trabalhar fora de casa deixam seus filhos com quem podem, se é que podem e quando podem. Todas essas crianças estiveram e algumas ainda estão sem escola. Todas as escolas inicialmente fecharam, as públicas e as privadas, salvo algumas escolas particulares de elite que reabriram em outubro de 2020, sob mandato judicial. Todas as mães - as que puderam e as que não puderam ficar em casa - se viram notadamente sobrecarregadas e sem poder circular as crianças nas redes de cuidado costumeiramente tecidas. Essa relação triangular sempre existiu em nossa sociedade, mas talvez tenhamos posto pouco foco sobre os seus significados e suas relações.

Em tempos de pandemia, a prática antropológica se viu profundamente alterada e muitos têm sido os debates sobre as suas possibilidades, transformações e limites (Carneiro, 2020; Silva e Ferreira, 2020; Maluf, 2021). Muitas antropólogas - que são também mães - estão em casa, dando aulas, pesquisando, cuidando dos filhos e da casa. Passamos em todo o planeta a olhar o mundo atrás de nossas próprias janelas. De uma prática de pesquisa presencial, interativa e de longo prazo, de imersão e descritiva por excelência, de uma relação sui generis que caracteriza a etnografia, passamos a olhar para a nossa sociedade e para as demais de nossas telas de computadores, de celulares e de televisão, ou, por meio de nossos ouvidos, conectados a áudios de WhatsApp ou a uma vasta maré de podcasts. E, assim, temos nos acercado das impressões e sentidos sociais dados à pandemia de Covid-19 e à vida nesse novo enquadramento, bem como pudemos conhecer os arranjos, as práticas e as resistências locais diante das mazelas e do sofrimento experimentados. Muitas de nós passaram a fazer antropologia com base na própria experiência, lançando mão e legitimando a prática da autoetnografia (Aureliano, 2020; Carneiro, 2020; Pires, 2020); outras tantas recorreram aos arquivos de notícias de jornais, mídias, posts em redes sociais, entrevistas realizadas pontualmente e do contato persistente com os seus campos de investigação e interlocutoras de pesquisa, mesmo a distância e em tempos de isolamento (Carneiro, 2020; Santana, 2020; Tempesta, 2020).

Conosco não foi diferente. Somos três antropólogas dedicadas aos estudos das maternidades, das infâncias e da educação, cada uma de um desses universos, cujos olhares se mantiveram atentos ao que a pandemia desvelava para cada uma de nossas áreas de interesse acadêmico. O isolamento social afetou nossos universos de investigação e de trânsito intelectual, já que a pandemia atacou de maneira singular a tríade mães, crianças e escolas. A tríade possui per si uma relação intrínseca e muito importante no que diz respeito à vida social, do cuidado em largo sentido, ainda que - aos nossos olhos - ignorada ou não devidamente valorizada em sua interface. Essa percepção nos impulsionou a escrever e a refletir sobre tais correlações à luz da antropologia. Para tanto, consideramos notícias da mídia em geral, comentários de nossas interlocutoras de campos de pesquisa em andamento ou concluídos e leituras de artigos advindos da antropologia, mas também da saúde e da educação. Trata-se portanto de uma etnografia virtual e multissituada (Marcus, 1995) que tomou por base diferentes fontes de informação: jornais locais e nacionais; documentos oficiais de governo federal, dos ministérios da Educação e da Saúde; diálogos virtuais estabelecidos em grupos on-line de mães, no Facebook, WhatsApp, ou em comentários e posts do Instagram; e entrevistas com nossas interlocutoras de pesquisa já em andamento, realizadas via Zoom, Google Meet e Skype. O material foi coletado de maneira intermitente durante todo o ano de 2020 e no início de 2021.

Essa não é a prática etnográfica mais usual, mas tem sido a prática possível e adaptada ao contexto sanitário mundial. Para tanto, tomamos a cautela de arquivar os posts, as notícias e os documentos, bem como realizar a transcrição das entrevistas empreendidas. Registramos, em alguma medida, também nossas interpretações e interações pessoais, ao sentirmos o movimento de provocação mútua, seja por parte das mães, das crianças ou do lugar das escolas que conhecíamos mais de perto. Quanto a esse encontro de campos, parece-nos interessante também considerar que, aos nossos olhos, muito tem se produzido sobre crianças de maneira apartada das maternidades e das figuras maternas. Nos últimos anos, o Brasil assistiu à ascensão do que algumas chamam de uma “antropologia do parto”, com debates que sugerem novas “políticas do corpo” (Carneiro, 2015), mas não diretamente sobre maternidades ou mais ainda mothering (Walks, 2010).

O mesmo parece ocorrer com as escolas, ainda não pensadas de maneira central ou concentradas na antropologia, mais afeita aos debates sobre educação de modo mais ampliado. Em relação à antropologia da criança, as temáticas que giram em torno do que poderíamos chamar de a função social da escola encontram-se alijadas (Haddad, 1997; 2006; 2016). A ideia de função social da escola parte do princípio de que a escola diz respeito a toda a sociedade e de que as crianças são parte de uma engrenagem social que também contempla os pais e os outros adultos. Nesse sentido, as relações societais são desprezadas em função da função intelectual da escola (Haddad, 2006). Dessa maneira, este artigo resulta, em última instância, também de um investimento no diálogo entre antropologia da criança, antropologia das maternidades e antropologia da educação, colocando-as também em relação.

Para tanto, o artigo conta com quatro sessões. Em um primeiro momento, procuramos jogar luz sobre a controvérsia da carga viral das crianças - se menor ou não, se transmitem mais ou não -, bem como detalhar o processo de fechamento das escolas no Brasil durante o ano de 2020. Em seguida, empreendemos a descrição da campanha “Lugar de criança é na escola”, que abrigou pediatras, mães e pais brasileiros, no sentido de explorar as reações sociais e com o objetivo de refletir sobre os seus argumentos em prol da reabertura das instituições educacionais. Para então, nas duas últimas sessões, analisar como um mesmo fato - “escolas fechadas e crianças em casa” - tem sido tomado por discursos totalmente diferentes, tanto no que tange aos seus enunciadores quanto ao destino de seu conteúdo. E, ao final, tematizar de que modos a pandemia desvelou ainda mais a invisibilidade política das crianças enquanto estudantes e do trabalho reprodutivo na contemporaneidade.

PANDEMIA DE COVID-19 E ESCOLAS FECHADAS: CARGA VIRAL NO MUNDO E NO BRASIL

Eliane Brum, na edição do El País de 4/2/2021, sob o título “O que significa cuidar de um filho numa pandemia?”,1 por meio de muitas matizes, debateu o assunto, jogando luz, entre tanto outros pontos, sobre a controvérsia que aqueceu os ânimos sociais nas primeiras semanas de 2021: a volta às aulas presenciais em muitas partes do território nacional, em que pese o país se encontrar no pico de sua segunda onda da pandemia de Covid-19, com vacinação lenta e surgimento de uma nova variante, ao que parece mais perigosa, do Sars-Cov-2 no país - a mutação de Manaus, ou Gamma. Depois dela assistimos, em agosto de 2021, a chegada da variante Delta, a indiana, essa sim mais transmissível. Em outubro de 2021,2 já são mais de 600 mil óbitos, e temos menos de 50% da população vacinada. Houve falta de vacinas e de insumos para sua produção, uma grande displicência, senão ausência de uma política nacional de vacinação consistente. E ainda não podemos afirmar que tais intercorrências e ausências tenham sido totalmente solucionadas.

Em uma nota divulgada pela Revista Crescer de 7/2/2022,3 a farmacêutica americana Pfizer anunciou pesquisa de vacinas para adolescentes entre 12 e 15 anos. Em alguns países, como Estados Unidos da América e Chile, não muito tempo depois, muitas delas foram inclusive vacinadas. No Brasil, a vacinação de adolescentes começou a acontecer em fins de setembro de 2021, mas ainda assim de maneira tímida e controversa, já que o próprio Ministério da Saúde voltou atrás na decisão de vacinar os adolescentes, e esta passou a ocorrer de modo estadual e conforme a decisão local. Mas, em seguida, retomou novamente a vacinação do referido grupo somente com o uso da vacina Pfizer.4

Houve também um pedido à Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) de liberação da vacina Coronavac para crianças e adolescentes, à luz de seu uso no Chile, mas este foi negado.5 Diante disso, ao que tudo sugere, a vacinação de crianças menores de 12 anos deve acontecer tão somente em 2022. Considerando esse cenário e um suposto descaso do governo brasileiro para com as crianças, vale refletir sobre como ficam elas diante das dificuldades não apenas socioeconômicas do ensino remoto ou a distância, mas também da ausente socialidade (Strathern, 2006), ou, ainda pior, da fome, da negligência e da desproteção aos seus direitos sociais.

Conforme a pesquisa Repercussões da pandemia de Covid-19 no Desenvolvimento Infantil, do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI - Comitê Científico do NCPI, 2020),6 o estresse derivado da pandemia e do isolamento social têm gerado: dependência dos pais; desatenção; problemas de sono; falta de apetite; desconforto; agitação; e pesadelos. Se 5,4 milhões de crianças entre 0-6 anos já viviam abaixo da linha da pobreza, com uma renda mensal familiar de R$ 250,00, com a pandemia, essa realidade só tende a se agravar.

Em meados de outubro de 2020, com uma queda no número de óbitos e de casos no Brasil, algumas escolas particulares reabriram as suas portas, com base em protocolos de cuidados com a higiene do local e regras de conduta para professores e alunos, como também uma série de equipamentos (como álcool em gel, borrifadores e sabão). Algumas delas precisaram recorrer a uma decisão judicial para a reabertura, como foi o caso da Maple Bear, em João Pessoa (PB). Outras voltaram em um sistema híbrido: alguns dias em casa e outros na escola presencialmente, em turmas pequenas e salas arejadas. Mas nem todas seguindo o protocolo anunciado. Ainda assim, a maioria das crianças seguiu em casa. Muitos pais continuaram receosos e outros tantos não tiveram essa opção, já que as escolas públicas - precárias em infraestrutura e insumos - não retornaram. O maior temor gira ao redor da controvérsia sobre a carga viral das crianças, sobre serem ou não grandes agentes de propagação de Covid-19. De um lado, encontramos pesquisas e médicos pediatras que sustentam que as crianças adoecem e “transmitem menos” do que os adultos; na contramão da ideia aventada no início da pandemia, e ainda não confirmada, de que seriam os pequenos os maiores transmissores assintomáticos de Covid-19. Tanto que muitas crianças foram e ainda estão isoladas de seus avós, em função do risco iminente, ainda que esses avós fossem também os seus cuidadores.

Segundo o mapa de escolas abertas produzido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), atualizado em 2/2/2021, o Brasil é um dos países que mais manteve as escolas fechadas durante a pandemia de Covid-19.7 Como dito anteriormente, estamos há mais de um ano com muitas crianças brasileiras em casa, sem contato com outras crianças, sem escolas, sem a sociabilidade que lhe é fundamental e de direito segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990). Muitas crianças estão provavelmente sem se alimentar da forma adequada, já que a escola também cumpria essa função (Silva, Amparo-Santos e Soares, 2018).

Um estudo realizado pela Insights for Education (2020) 8 observou 191 países e concluiu que a taxa de infecção em ambientes escolares é “muito baixa” e que a maioria dos países havia reaberto as escolas, mesmo nos picos da pandemia, salvo os países periféricos ainda presos à primeira onda, que foi o caso do Brasil. O estudo intitulado O Covid-19 e Escolas: o que podemos aprender com 6 meses de fechamento e reabertura coletou informações ofertadas pelo ministérios, planos e políticas advindos das respostas dos países consultados, além de dados da Unesco e do Banco Mundial, e, segundo as conclusões, países como Japão e França permaneceram com escolas abertas mesmo em picos de transmissão. Da análise que empreenderam sobre a alta dos casos, não se pode necessariamente relacionar o crescimento da pandemia à reabertura de escolas. Por isso, o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em dezembro de 2020, passou a expressamente recomendar a abertura das escolas, em nome da aprendizagem das crianças, mas também de seu bem-estar. Há, de fato, ainda uma grande controvérsia ao redor da carga viral das crianças, mas, ao que tudo indica, as crianças contraem pouco e adoecem menos de Covid-19.

Segundo um estudo publicado na revista Nature (Nogrady, 2020),9 a resposta imunológica das crianças é mais rápida e efetiva, quando comparada a dos adultos, por conta da degeneração de nossa capacidade de reagir a invasores ao nosso organismo ao longo do tempo. Os corpos das crianças parecem reagir rapidamente ao SARs-Cov-2 e agir produzindo anticorpos à proteína Spike, que é a responsável por multiplicar o vírus nos corpos. Para além disso, as crianças tendem a apresentar sintomas, mas receber teste PCR negativo. Essa ao menos é uma das sugestões de outro artigo publicado na mesma revista (Tosif et al., 2020), que analisou o caso de uma família australiana, cujos pais positivaram para Covid-19 e apresentaram sintomas, enquanto os seus dois filhos mais velhos, de 9 e de 7 anos, tiveram sintomas e o mais novo, de 5 anos, permaneceu assintomático. Nenhum testou positivo para o vírus. Essas três crianças foram testadas 11 vezes ao longo de 28 dias, e nenhum teste deu positivo. Para o epidemiologista espanhol Rodriguez Baño, baseando-se em publicação da Science (Yan et al., 2020),10 as crianças também adoeceriam menos em função do número reduzido de espículas ou de receptores ACE2, uma proteína humana necessária para a replicação do vírus. Os baixos números de internação, de casos graves e até menor índice de infecção entre crianças se deveria também - ainda que o pesquisador duvide mais dessa hipótese - da “imunização cruzada” das crianças para outros tipos de coronavírus e(ou) vírus de gripes sazonais.

Segundo estudo realizado no Hospital Vall d’Hebron,11 em Barcelona, na Catalunha, sete semanas depois do retorno às aulas na Espanha, entre 1º de julho e 31 de outubro de 2020, em um universo de 1.081 pessoas positivadas para Covid-19, somente 8% teriam se infectado através das crianças que haviam retornado às aulas. Para tanto, a investigação que compõe um projeto de pesquisa mais amplo sobre o tema, intitulada Covid Pediátrica, fez rastreamento de casos, contatos e contágio, a fim de ponderar sobre a carga viral das crianças, contaminação no ambiente escolar e transmissibilidade. Essa é uma das iniciativas que se dispõe a pesquisar, refletir e publicar sobre infância e Covid-19. Mas, para além dela, encontramos, também na Espanha, a plataforma de pesquisa Kids Corona, que sedia os projetos, pesquisas e resultados produzidos no Hospital Sant Joan de Déu,12 também em Barcelona. Entre suas pesquisas, encontramos uma empreendida em 22 acampamentos de verão na região, durante o mês de julho de 2020, ao longo de cinco semanas. O objetivo era entender se e como as crianças transmitiam e se contaminavam enquanto estivessem juntas e brincando, para, assim, ponderar previamente sobre a abertura das escolas e o retorno às aulas. Como se pode depreender dos estudos publicados na referida plataforma, como também de seus vídeos institucionais e resultados publicamente divulgados, foram observadas 1.900 crianças da região de Barcelona, com coleta semanal de saliva destas, que brincavam livremente umas com as outras. Ao final, concluiu-se que a transmissão de Covid-19 entre as crianças observadas seria seis vezes menor do que entre os adultos.13

Na Inglaterra, realizou-se investigação sobre a velocidade e tamanho da transmissão do vírus em contextos escolares, entre os meses de junho e julho de 2020, considerando escolas primárias, berçários e ensino fundamental. De maneira semelhante ao observado pelas equipes do Hospital Vall d’Hebron e do Hospital de Déu, na Espanha, constatou-se baixa transmissibilidade entre as crianças e que o adoecimento de Covid-19 teria se dado mais entre professores e funcionários. Esse estudo14 foi publicado no The Lancet Infectious Diseases, em dezembro de 2020.

No Brasil, no entanto, vemo-nos diante da ausência de qualquer política pública que contemple as crianças durante a pandemia e(ou) investigue a possibilidade de retorno à escola, bem como estudos científicos realizados por equipes de investigação governamentais ou privadas. Um obstáculo óbvio é o fato de as escolas estarem fechadas no Brasil sem a possibilidade de realização de pesquisas sobre transmissão, surtos e o papel das instituições escolares na pandemia no Brasil. Mas escolas públicas e privadas estão reabrindo, quase que massivamente, desde o mês de fevereiro de 2020, com protocolos próprios desenhados por médicos sanitaristas e técnicos da segurança no trabalho. Mas, em países com tamanha desigualdade social - como é o nosso caso -, parece-nos impossível acreditar em uma escola pública brasileira que conte com álcool em gel suficiente, estrutura física para o distanciamento necessário e ventilação adequada, bem como rastreamento de contatos.

Nas semanas que antecederam essa primeira reabertura de 2021, viu-se a reação por parte dos sindicatos dos professores e dos educadores em geral, ameaçando greve, em caso de retorno, pais inseguros e o descaso das autoridades. No eixo Rio-São Paulo, para que tenhamos uma ideia, na primeira semana de fevereiro de 2021, deparamo-nos com a declaração do governador de São Paulo, João Dória, de que as escolas do estado retomariam as aulas presenciais em 8 de fevereiro de 2021, mesmo diante do aumento exponencial dos números de mortes e casos de Covid no Brasil nos primeiros meses de 2021.15 O debate chegou ao Poder Judiciário, que decidiu pelo fechamento das escolas, com base na saturação do sistema médico do estado.16 Na mesma época, viu-se em rede nacional, também a declaração do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, salientando que as escolas permaneceriam abertas e que “seriam as últimas a serem fechadas”. Segundo suas palavras, “essa geração de crianças já perdeu muito e não pode perder mais”. De acordo com Paes, o munícipio fecharia bares, shoppings e o que fosse necessário antes de fechar novamente as escolas na capital fluminense.17

Enquanto o debate se acirrava, por parte do Ministério da Educação nada se pôde escutar ou nenhuma manifestação ocorrera, tampouco normativas ou diretrizes de como deveria acontecer o retorno às aulas em todo o território nacional. Embora os estados e os municípios sejam os responsáveis diretos pela rede básica de ensino e tenham autonomia para legislar e criar protocolos próprios para resolver tal questão, a desarticulação entre essas esferas tem gerado uma polissemia de respostas e de perspectivas do lugar social da escola em nossa sociedade, tanto no que se refere às questões de retorno presencial como em relação à possibilidade ou não do ensino não presencial. Posicionamentos que têm ocorrido de maneira difusa no Brasil, com escolas que, até hoje, não reabriram e nem fizeram ensino remoto, outras escolas que ficaram 100% no ensino remoto e tantas outras que abriram 100% presencial e(ou) no modelo híbrido. Uma outra questão ainda pouco elencada nos debates e que complexifica ainda mais o discutido se refere aos limites da autonomia das escolas diante de suas especificidades e das decisões relacionadas à gestão democrática de cada instituição de ensino, conforme o art. 15 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), reforçado pelo Parecer nº 5/2020, do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Diante disso, veem-se mães e pais inseguros e preocupados tanto com o conteúdo escolar perdido quanto com o estado emocional das crianças; os profissionais da educação temerosos por suas vidas e condições de trabalho diante do contágio em salas de aula precarizadas; e autoridades governamentais, profissionais de saúde e sanitaristas com posicionamentos díspares. Muitas escolas reabriram no Brasil no mês de fevereiro de 2021, no que foi considerado o pico da segunda onda de Covid-19 e momento em que passam a circular no país as variantes Gamma e Delta, consideradas “variantes de preocupação” pela Organização Mundial da Saúde (OMS).18

LUGAR DE CRIANÇA É NA ESCOLA: UMA REAÇÃO SOCIAL

No início de 2021, um grupo de pediatras e de outros profissionais de saúde, somados a algumas mães e pais, deram início a uma campanha intitulada “Lugar de criança é na escola”, antes mesmo do debate sobre o retorno às aulas ter se acirrado. Em seu folder de divulgação, a campanha se diz suprapartidária e preocupada com o retorno seguro das escolas públicas às suas atividades escolares. Em fevereiro de 2020 já contava com 20 mil seguidores. Para sustentar os seus argumentos, baseia-se em um carrossel imagético de assertivas, tais como: “pais e educadores cobrem por normas de segurança”; “crianças pegam menos e adoecem menos de Covid-19”; “escolas seguras abertas não aumentam a transmissão”; “crianças serão as últimas a receber vacina”; “pela saúde mental e alimentar de nossas crianças”; “crianças pertencem ao grupo de menor risco”; “escola segura é direito das crianças e dos educadores”. Para fundamentar a sua existência, defendem que os surtos raramente se iniciam nas escolas e que é incomum a criança transmitir para outra criança. Mas, por outro lado, reforça a importância das escolas se prepararem para esse retorno, em termos de infraestrutura e equipamentos, para que os professores, os gestores e os funcionários das escolas - além das crianças, é claro - estejam protegidos. A campanha conta com uma pasta de arquivos de artigos científicos, disponível on-line e de livre acesso, de diferentes lugares do mundo sobre os efeitos do retorno às escolas durante a pandemia.19

Um de seus maiores entusiastas, ou, ao menos, figura pública, é o pediatra carioca Daniel Becker,20 conhecido por sua ideia de uma “pediatria integral”, consubstanciada no que se entende como Medicina Baseada em Evidências (MBE). Daniel compõe, desde janeiro de 2021, o grupo de sanitaristas responsáveis por combater a pandemia na cidade do Rio de Janeiro. Ele tem defendido publicamente a importância do brincar ao ar livre e do retorno às aulas nas escolas públicas. Há, em seu discurso, uma mistura de fundamentos científicos e apelo à saúde emocional das crianças. Em sua leitura, os efeitos da permanência em casa, em isolamento, sem interação, sem contato com a natureza e excesso de telas é muito mais prejudicial à saúde das crianças do que adoecer de Covid-19. Em uma de suas enquetes, divulgada na mesma rede, mas em seu perfil pessoal,21 questionava o que seria mais comum: uma criança deprimir por estar há 11 meses em casa ou uma criança chegar a um hospital com a síndrome sistêmica por conta do Covid-19? Em quase 80% das respostas, foi mais comum o primeiro caso.

“Lugar de criança é na escola” nos parece ser, por isso, uma reação social à ausência de ação prática dos governos federal e local diante do fechamento das escolas desde o dia 19 de março de 2020. Organizados em movimentos ou não, observamos também, em uma outra frente, uma reação das famílias com a criação de espaços de resistências que têm sido utilizados como alternativa: grupos de reforço escolar realizados na residência de pessoas que oferecem esse tipo de serviço e grupos de crianças acompanhadas por pedagogos nos salões de festas de condomínios com horários e dias da semana regulares, são dois fatos que encontramos na nossa rede de investigação. Outro dado relevante, extraído de uma entrevista realizada com uma diretora pedagógica de uma instituição de desenvolvimento infantil para crianças de 0 a 3 anos da cidade de Maceió (AL), indica aspectos desafiadores no retorno presencial. O espaço retornou em janeiro de 2021 e, segundo a diretora, até o presente momento, foi possível perceber que algumas crianças “regrediram” no desenvolvimento, sendo observado, por exemplo, regressão no desenvolvimento da fala e alterações nas formas de se expressar, crianças que voltaram a utilizar fralda, problemas relacionados à alimentação e à compreensão sobre o compartilhamento de sentidos e regras nas brincadeiras, no caso de crianças maiores que anteriormente compreendiam esses processos. Cabe ressaltar que, mais que pensar formas, momentos e protocolos de retorno, as instituições terão de se preparar para demandas relacionadas às crianças que vão além de conteúdos curriculares e aprendizagem. Embora seja um exemplo micro, ele mostra nuances sobre o impacto da ausência de relações sociais extrafamiliares e entre pares, como também questões relacionadas ao uso demasiado das telas entre crianças menores durante a pandemia.

Mas se o manifesto prevê um futuro imediato de benefícios para todos, do outro lado da margem, estão os professores. O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), na data de 22 de fevereiro de 2021, divulgou uma lista de 851 casos de contaminação por Covid-19 entre professores, funcionários e gestores da escola, depois de três semanas de sua reabertura no estado. Em suas notas e notícias de mídia, aventou-se a possibilidade de uma greve dos profissionais de educação caso as escolas não apresentassem as mínimas condições para o retorno e caso nada se fizesse no sentido de adiantar a vacinação dos profissionais de educação.22 No Ceará, por exemplo, as escolas públicas e privadas reabriram e tiveram de ser fechadas duas semanas depois em função da alta dos casos.23 Cabe destacar que o Ceará vem mantendo abertas creches para crianças de 0 a 3 anos. Essa abertura é justificada tanto pela impossibilidade do ensino remoto para essa faixa etária quanto por ser a principal rede de apoio para os pais e mães que trabalham nos serviços essenciais e para os profissionais da saúde da linha de frente.

Segundo o Plano Nacional de Operacionalização para a Vacinação de Covid-19 do Ministério da Saúde (Brasil, 2021),24 em sua quarta edição, publicada em janeiro de 2021, os profissionais da educação serão vacinados depois dos profissionais de saúde; das pessoas com mais de 60 anos; das pessoas institucionalizadas; das pessoas com comorbidades; das populações indígena, ribeirinha e quilombola; das pessoas em situação de rua; das pessoas com deficiência; das pessoas em regime de privação de liberdade; e dos trabalhadores do sistema prisional. Segundo suas estimativas, os trabalhadores da educação, desde que somados os ensinos básico e superior, resultam num total de mais de 3 milhões e 400 mil pessoas.

No Brasil, a iniciativa de monitoramento do retorno às escolas não acontece de maneira nacional, e quando acontece - se acontece, se dá de maneira contextual em cada estado. Saviani e Galvão (2021), no texto “Educação na Pandemia: a falácia do ‘ensino’ remoto”, mostram que, além da exclusão de estudantes e da precarização do trabalho docente, esse tipo de ensino apresenta uma diversidade de implicações pedagógicas e a inviabilidade do que chamam de “puxadinho pedagógico”.

Desta feita, vemo-nos, por um lado, diante do receio dos professores, que alegam estarem muito expostos em escolas precarizadas, e, por outro, em redes sociais, notícias e posts, o discurso do cansaço e da exaustão maternas, depois de mais de um ano de pandemia (O’Really, 2020). Das mães que tiveram de retomar suas atividades laborais presenciais e não têm com quem deixar as crianças; das mães que convivem com pessoas de grupos de risco e não podem enviar os filhos às escolas; das mães receosas e que decidiram não enviar às escolas, encarando mais um tempo de ensino remoto estressante. Ou, então, das mães que decidiram correr o risco de enviar as crianças à escola por medo de perderem o ano escolar e ficarem atrasadas ou por temor das consequências emocionais de tamanho isolamento social em suas vidas.

O interessante é mapear tal malha discursiva e emocional ao redor da volta às aulas em meio à pandemia, em um momento bastante crítico de média móvel semanal de mais de mil mortes, como foi os meses de abril e maio de 2021, visto antes somente no pico da primeira onda, entre julho e agosto de 2020. A data coincide com a nossa coleta de notícias, posts e documentos oficiais divulgados, e pudemos também encontrar, em mais de um momento, o julgamento social de pais e mães que haviam enviado às crianças de volta às escolas. Para algumas dessas pessoas, esse retorno se deveria à preguiça das mães diante dos encargos do cuidado com os filhos, o que revela o entendimento de que elas seriam uma responsabilidade única e exclusivamente das famílias, principalmente das mães (Pires, 2013, 2016, 2020). Nessa esteira, essas mulheres foram lidas como “más mães” ou “mães egoístas”, enquanto as crianças nas escolas foram vistas como as desencadeadoras de novos surtos de Covid-19 ou exploradoras das vidas dos professores. Nesse sentido, as mães e as crianças foram interpretadas como egoístas e irresponsáveis.

Vemo-nos, então, inseridas e diante de uma profusão de discursos e de argumentos em prol ou contrários ao retorno das atividades escolares. Esse debate tem se acirrado desde o mês de janeiro de 2021 e tem despertado interesse justamente por suas ambivalências e possibilidades interpretativas da realidade social brasileira. Quanto às crianças, pouco ou quase nada parece ter se escutado, visto ou procurado compreender, salvo algumas louváveis exceções (Hartmann, 2020; Saraiva e Santos, 2020; Carneiro e Saraiva, 2021).

QUANTOS DISCURSOS CABEM NUMA SÓ QUESTÃO? NEOLIBERALISMO, CUIDADO E EDUCAÇÃO

Em O nascimento da biopolítica, Michel Foucault (2010) escreve sobre o neoliberalismo estadunidense e particulariza o debate sobre a ideia de capital humano. Segundo as linhas do neoliberalismo, a ideia de capital humano representa um investimento pessoal e individual que seja capaz de gerar renda futura. Na medida em que o sujeito-empresa vende a si mesmo para o mercado, receberá contrapartida conforme o investimento depositado em seu processo de conformação. Por isso, segundo o filósofo, nesse estilo de sociedade, as mães devem cuidar com atenção das crianças, oferecer-lhes o necessário em termos de afeto e educação formal para que possam, futuramente, cobrar por salários condizentes que lhe gerem renda.

Vemos, nessa ideia foucaultiana, duas informações que nos interessam muito neste momento: o lugar da mãe e da escola nesse processo de conformação do capital humano. De algum modo, ambas são responsáveis pelo sucesso dessa criança que um dia se tornará um sujeito empresa. Quanto maior o investimento, maior será o retorno. Essa parece ser a premissa que norteia a racionalidade econômica neoliberal. Segundo Foucault, cabe à mãe dedicar-se ao filho para lhe gerar renda futura. Mas e as mães o que recebem em troca ou o que ganham? Conforme a ideologia neoliberal, ganham em “renda psíquica” ou em satisfação emocional por proporcionarem tal acréscimo aos seus filhos. Em última instância, mostra-nos exatamente como a ideia de cuidado tornou-se um investimento individual, atomizado, um investimento de um para um e não coletivo (Tronto, 2020).

[…] os neoliberais, procuravam explicar, por exemplo, como a relação mãe-filho, caracterizada concretamente pelo tempo que a mãe passa com o filho, pela qualidade dos cuidados que ela lhe dedica, pelo afeto de que ela dá prova, pela vigilância com que acompanha seu desenvolvimento, sua educação, seus progressos, não apenas escolares mas físicos, pela maneira como não só ela o alimenta, mas como ela estiliza a alimentação e a relação alimentar que tem com ele - tudo isso constitui, para os neoliberais, um investimento que vai constituir o quê? Capital humano, o capital humano da criança, capital esse que produzirá renda. Essa renda será o quê? O salário da criança quando se tornar adulta. E para a mãe, que investiu, qual renda? Bem, dizem os neoliberais, uma renda psíquica. (Foucault, 2010, p. 334-335)

Vê-se, então, que o atual modelo econômico legitima a referida centralização e individualização do cuidado, retirando-lhe sua relacionalidade, que, a nosso ver, é intrínseca, mas que tem sido apagada desde o advento da modernidade capitalista. Philippe Ariès (1981) pontua que, antes da modernidade, o cuidado não era concentrado em uma só pessoa, mas pulverizado. As crianças eram cuidadas por muitas pessoas ao mesmo tempo e tampouco eram vistas como frágeis e vulneráveis, já que muitas já trabalhavam arduamente. Como sustentam Badinter (1986) e Laqueur (2001), é com o advento da modernidade, em suas noções de dimorfismo sexual, família nuclear, mito do amor romântico e mito do amor materno, que o cuidado centraliza-se numa relação entre duas pessoas e que surge a ideia de um só cuidador responsável por uma criança. Nesse processo, o cuidado foi generificado com base em uma lógica hormonal (Rodhen, 2008).

Com o advento do capitalismo neoliberal enquanto racionalidade econômica, mas também social, viu-se, como bem pontua Han (2010), em Sociedade do Cansaço, a exacerbação de que é preciso fazer de si mesmo um projeto, um projeto no qual seja interessante investir. Para o filósofo coreano, deixamos um período em que temíamos os invasores externos e as doenças provocadas de fora para dentro, para um momento em que o adoecimento acontece muito mais no campo emocional e psíquico. Segundo ele, o adoecimento social adviria então do excesso de cobrança para consigo mesmo, do cansaço de ter de construir-se a si mesmo como um projeto vendável e interessante. Daí, mencioná-la como a fase histórica das neuroses e das depressões. Esse cansaço seria uma consequência desse constante exercício de empreender a si mesmo, fazer de si uma empresa.

Esse processo então demanda investimento pessoal e cuidado consigo mesmo. Essa é a nossa atual racionalidade econômica e que, como sugere Foucault, se inicia na infância, tanto afetiva quanto formalmente. Ocorre que, num contexto econômico como o contemporâneo, tal tarefa não parece caber ao Estado, já que o modelo de Estado de bem-estar social perdeu espaço e dá lugar ao Estado mínimo ou aquele que o mercado deixa existir, ou que o mercado não deixa existir. Para a conformação desse capital humano, Foucault sustenta a existência de uma dimensão inata e outra adquirida. Esse último adviria das mães, das famílias e das escolas. O indivíduo cuidaria de si para si, mas, conforme Melinda Cooper (2017), em Family Values, tendo a família como seu suporte. Nesse sentido, o neoliberalismo, como apologia das liberdades individuais, delega a função do fazer crescer para as famílias e, mais diretamente, para as cuidadoras do sexo feminino, raras algumas exceções. No caso das crianças, para a figura das mães. Famílias que, em seguida, delegam para as escolas o processo de formação intelectual e cognitiva das crianças.

O Brasil não parece ser exceção à regra. Mas, por conta de sua diversidade e desigualdade social, apresenta tal lógica de responsabilização com desenhos muito díspares mesmo internamente. Em nossa sociedade, “as crianças circulam”, como conceituado por Claudia Fonseca (2002). Mas circulam de modos diferentes e diversos. Filhos de camadas médias circulam entre escolas de período integral, contraturnos e cuidados com babás; enquanto suas mães e pais saem a trabalhar para fazerem de si mesmos um “sujeito-empresa”, empreendedor de si. Ao passo que os filhos das periferias e das camadas populares circulam entre as escolas, as vizinhas, as avós e a parentela local. No primeiro caso, vigora, no entanto, ainda assim, a perspectiva de que a maternidade e a paternidade derivam de um lugar central, individualizado; enquanto, nas camadas populares, o cuidado se difunde, figura pulverizado, de maneira horizontal, de maneira muito mais relacional. Entre as camadas médias, o cuidado é terceirizado, mas visto como um serviço adquirido e pago, lastreado pela noção do consumidor-cliente e de direitos envolvidos nessa relação. Embora não possamos deixar de mencionar o papel fundamental que os avós exercem em muitas famílias de classe média, funcionando como cuidadores principais das crianças enquanto seus pais estão ocupados demais com o labor cotidiano (Barros, 1987; Cavalcante, 2018).

Para os nossos interesses atuais, interessa-nos a conclusão de que as crianças circulam e precisam circular para dar vazão à racionalidade neoliberal, para torná-la prática, fazê-la real. Segundo o que sustenta Qvrotrup (1985; 2010), de modo muito pertinente, as crianças, ao irem para escola, também fazem o seu papel na economia. Elas, assim, trabalham. Elas, assim, contribuem para que toda a engrenagem econômica contemporânea funcione, em que pese vivamos nos últimos anos a intensidade do ideário dos direitos da criança e do adolescente (ECA, 1990).

Ocorre que, a partir de março de 2020, as crianças deixaram de circular ou passaram a circular muito menos e, assim, toda uma engrenagem se viu fora dos trilhos. Escolas foram fechadas, tidas tanto como espaço de circulação de crianças quanto de aquisição de capital humano no sentido foucaultiano (2010), ao mesmo tempo que funcionam como rede de apoio para as famílias. Vimo-nos nas casas, condensando a produção e a reprodução, o cuidado e o capital, esferas per si separadas e lidas de modo diferente para que o próprio sistema funcione.

Fraser e Sousa Filho (2020) nos colocam diante da quase incompatibilidade entre o neoliberalismo e o cuidado. Os Estados, regidos pelo mercado, são os que mais desmontaram as políticas e os equipamentos de cuidado com as populações. Em alguma medida, quanto menor o Estado, menor as políticas sociais, as políticas de cuidado, os sistemas de bem-estar e, em nosso ver, maior a concentração de responsabilidade desse cuidado nos corpos das mulheres, das mães e(ou) outro cuidador, ou seja, no neoliberalismo individualizamos o cuidado, alguém deve cuidar e de forma isolada, por si e per si, mas não coletivamente. Mas a pandemia de Covid-19 e o isolamento social faz exatamente isso: conjuga-os e descortina as relações desiguais entre essas duas esferas, cuidado e neoliberalismo. Para o sistema funcionar, alguém tem de cuidar, mas esse cuidar não conta para a ordem, é do campo da família, do íntimo, do privado e portanto pouco valorizado socialmente.

Com a pandemia, todo esse discurso parece, de um lado, ter se aguçado. Diante da ausência de um Estado cuidador, os cuidados consigo estão ainda mais individualizados, cada um deve cuidar de si e dos seus mais próximos; seja por meio de máscaras e(ou) isolamento social, cada qual tem feito sua “gestão de risco”. Cada qual deve cuidar de seus idosos e de suas crianças. Isolada e concentradamente. As famílias devem manter suas crianças em casa, sem escolas e sem apoio estatal e social. Esse foi o discurso do início da pandemia, quando temia-se a sua carga viral. Mães e pais deveriam fornecer não somente afeto, mas acompanhar as atividades escolares remotas. Pouco ou quase nada ouvimos das vozes das crianças, pois, nessa lógica econômica e social, elas não têm espaço e são responsabilidade da casa.

Pouco a pouco, entretanto, o discurso do déficit e do prejuízo educacional passou a orientar o retorno às escolas. Políticos, à la Eduardo Paes no Brasil, e até mesmo a OMS recomendaram o retorno às aulas em função das inúmeras perdas. Estudos como os anteriormente enunciados chegaram, inclusive, a quantificar o percentual desse prejuízo para crianças de países diferentes. Para a reabertura das escolas, utilizou-se então o discurso do “capital humano”. Enquanto estiveram em casa, coube às mães garantir o seu rendimento, a assiduidade nas atividades remotas, ainda que isso significasse horas e horas de telas. Com o passar do tempo, decidir se as crianças voltariam ou não às escolas também tornou-se uma decisão individual e familiar. As famílias tornaram-se as gestoras dos próprios riscos quando as crianças retornavam às escolas, mas também quando assumiam o risco de proporcionar encontros com outras crianças depois de tantos meses isoladas.

Mas o interessante é que esses discursos se embaralham, quando, por exemplo, nos vemos diante dos chamados “negacionistas” fazendo uso dos argumentos da campanha “Lugar de criança é na escola”. São pessoas que negam a ciência e a existência da pandemia, mas querem escolas abertas por razões econômicas, por isso, têm feito uso do discurso de bem-estar emocional e psíquico das crianças. De outra parte, vemos pessoas isoladas e que reconhecem a pandemia recomendando que as crianças fiquem em casa e sejam cuidadas por suas famílias, sem reconhecerem suas necessidades emocionais de convívio. Nesses casos, as mães que procuram colocar as crianças nas escolas são vistas, por essas pessoas, como displicentes ou “más mães”.

Da parte das mães ou de quem olha para as mães em isolamento, esse travestimento discursivo também pode ser verificado rapidamente. Viu-se a mãe como a responsável pelas crianças, e as próprias mulheres, algumas, inclusive, adeptas da criação com apego, tomaram para si a responsabilidade. Mas também foram vistas mães que precisavam trabalhar, tomando outros caminhos, como, inclusive, retomar a escola contra a sua vontade. Segundo estudos recentes (O’Really, 2020), o impacto de um ano de pandemia na saúde mental das mulheres é enorme, em que pese também não ser considerado como um problema social e tampouco econômico. Vimos, assim, como, a todo tempo, cuidado e neoliberalismo foram postos em registros contrários, como opostos, contudo também extremamente dependentes um do outro, como veremos no tópico seguinte.

Quanto às escolas, vemo-nos diante de discursos que as defendem enquanto espaço de aquisição de capital humano e que, por isso, não podem parar; como também como ambientes de socialidade e cuidado infantil. Em razão disso, vimo-nos diante daqueles que defendem a escola como espaço de aquisição de conteúdo e dos outros que a concebem como ambiente de bem-estar físico e emocional, ainda que, para tanto, tenha-se que correr o risco do contágio. O retorno às aulas se constitui, por consequência, como o antagonismo entre capital e bem-estar emocional.

Nesse impasse entre as crianças e as escolas, vemos, portanto, uma miríade de argumentos críticos e conservadores, uma profusão e transmutação de suas palavras e ideias, que circulam por bocas completamente diferentes umas das outras e com intuitos totalmente diferentes. Por vezes, tudo parece estar muito confuso ou difícil de ser compreendido, mas tendemos a considerar ser essa a intenção do neoliberalismo, talvez operante como nunca em território brasileiro. No entanto o que mais pede a nossa atenção e sobre o que, neste artigo, queremos jogar luz é que as ideias de cuidado, de família, de maternidade e de escola apresentam uma polissemia digna de ser descrita e problematizada, haja vista a pandemia ter posto lentes de aumento em uma lógica perversa de sobrecarrega das famílias, das mulheres mães e de professores, considerados todos a “a mão esquerda do Estado” (Bourdieu, 1992), cada vez menos presente em nossa realidade.

Pierre Bourdieu (1992, p. 12) nos diz que “o desprezo por uma função se traduz primeiro na remuneração mais irrisória que lhe é atribuída”. Nada ao acaso, o trabalho com a vida, o das donas de casa, das empregadas domésticas e dos professores em geral são os mais mal pagos em nossas sociedades. Mas por que o são quando a pandemia escancara a sua importância e sobrecarga? São porque têm que sê-lo, caso contrário o sistema capitalista não funcionaria. Esse é o argumento de Fraser e Sousa Filho (2020) ao escrever sobre o paradoxo entre cuidado e neoliberalismo. O cuidado que envolve o outro, conforme Tronto (2020), é relacional e pautado na alteridade, não pode coexistir com a ideia do cuidado individual, do sujeito para si. Acontece que, desde março de 2020, o trabalho doméstico tem sido percebido e denunciado de modo intensivo, talvez como nunca tenha sido antes, assim como o trabalho de professores e educadores de escolas, ou seja, o que era considerado invisível e propositalmente mal remunerado ganhou destaque e importância. Saíram à luz e, dessa forma, o cuidado ocupou todas as nossas lentes, inclusive no que diz respeito ao trabalho intelectual das pesquisadoras (Soares, Cidade e Cardoso, 2020).

Para Silvia Federici (2017), em O calibã e a bruxa, nada disso geraria espanto, já que, conforme seu argumento, o sistema capitalista se ancora na destruição dos modos de vida comunais existentes nas sociedades medievais europeias e na acumulação primitiva. Era preciso disciplinar as mulheres, pois elas são as produtoras das forças de trabalho. A caça às bruxas era necessária, pois as mulheres detinham o controle sobre sua capacidade reprodutiva, saberes e fazeres sobre os seus corpos. Mas também porque, em última instância, o capitalismo pressupunha a cisão entre o trabalho produtivo e o reprodutivo. Os corpos femininos são transformados, segundo a filósofa italiana, em produtores de novos trabalhadores. Nas terras comunais, as mulheres participavam das trocas e conseguiam participar da vida social de um modo que não se observará mais no capitalismo. As atividades domésticas não eram desvalorizadas, não suponham um trabalho inferior ao dos homens e eram vistas como fonte de sustento. A maior parte das tarefas eram realizadas coletivamente, havia uma forte relação de poder e de cooperação.

Com o cercamento das terras comunais, assiste-se à precarização da mão de obra feminina e gradativamente a sua desvalorização. Nessa transição do feudalismo para o capitalismo, estabeleceu-se o “patriarcado do salário” e as mulheres foram tratadas como de modo muito próximo aos escravos. A magia na Idade Média, em todo esse processo, era vista como um empecilho à nova ordem que insurgia, assim como a ideia de corpo, sobretudo, de corpo feminino. Controlar o corpo das mulheres tornou-se um modo de apagá-las socialmente e garantir a reprodução da vida. Desse modo, poderíamos pensar que o capitalismo se ancora também na destruição da ideia de cuidado partilhado e difuso e na invisibilidade desse trabalho. Em sua vertente neoliberal ainda mais, ao concentrar-se mais e mais na lógica do sujeito para si, de um para um. O trabalho feminino, o trabalho doméstico e com a vida segue existindo e, na pandemia, teve os seus contornos escancarados, pois todos os olhos do mundo foram voltados para o interior das casas, ainda que a casa possa ter muitas e diferentes conformações.

Em O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista, Federici (2019) escreve sobre as experiências femininas contemporâneas e sobre o trabalho reprodutivo em um contexto neoliberal, a partir de 1970. Por isso, ao nosso ver, tal escrito dialoga sobremaneira com o pensado por Fraser e Sousa Filho (2020), no que diz respeito à ideia de comum como um alternativa ao experimentado desigualmente por mulheres, negros e indígenas no interior do sistema econômico capitalista. Federici (2019) argumenta que, na racionalidade neoliberal, que está para muito além do econômico, ao experimentarmos o “empresariamento de si mesmo”, mais ainda oculta-se o trabalho reprodutivo feminino. Ela, então, atualiza a análise historiográfica feita em O calibã e a bruxa (2017), pontuando, no entanto, que o trabalho de cuidar é multiplicado, por conta da ausência do Estado, e ainda mais ignorado.

Feitas tais considerações teóricas, com base na perspectiva de que o neoliberalismo é uma visão de mundo, tornam-se compreensíveis as percepções sobre a responsabilidade das mães e das famílias em tempos de pandemia e sobre a ausência de valorização da escola e do território dos cuidados, como o espaços do comum ou do comunal. Em terras de “empresariamento de si” e de Estado mínimo, o mercado não deixa o bem-estar acontecer e, assim, propostas lastreadas em qualquer lembrança do que seria o comunal, a saber: redes de cuidados, partilha de responsabilidades e propostas coletivas de existência.

RASTROS DE UMA PANDEMIA: O LUGAR DA ESCOLA E DO TRABALHO DOMÉSTICO

Fraser e Sousa Filho (2020) acreditam que vivemos uma grande “crise do cuidado” e que esta decorre de algo de podre nas(das) sociedades capitalistas. Dizem que a sociedade capitalista neoliberal não existiria se não contássemos com o trabalho doméstico, a escolarização e o trabalho afetivo. Ocorre que a sociedade neoliberal, na mesma medida em que depende do trabalho da reprodução social, o nega e o desmerece, haja vista a acumulação ilimitada por ela apregoada. Eis então aqui a contradição intrínseca entre essas duas esferas que sustentam o sistema capitalista e também a razão da crise dos cuidados.

Em suas linhas, tornamo-nos “lares com dois salários”, pois, na lógica neoliberal, também as mulheres foram empurradas para o mercado de trabalho e para um projeto de si para si. Mas, se as mulheres saíram de casa, quem então passou a cuidar? Estabeleceram-se, segundo Fraser e Sousa Filho (2020), pouco a pouco “cadeias globais de cuidados”, que exploram a mão de obra de mulheres imigrantes de país do Sul e tidos como subdesenvolvidos. Mas, ainda assim, não se resolve a falta daqueles(as) que cuidem. Por isso, vivemos tal crise. Em nome da inserção no trabalho produtivo, não há, nos países do Norte, quem realize o trabalho da reprodução social. Daí, a queda de natalidade, as mulheres não amamentarem mais e postergarem o nascimento dos filhos para depois dos 40 anos. Outro desenho é o dos países periféricos, em que encontramos a prática do cuidado no registro da exploração da mão de obra negra, indígena e pobre.

Com base nesse cenário, a pandemia de Covid-19 no Brasil desvelou uma grande crise dos cuidados em nosso território. Algumas das razões para essa crise poderiam ser elencadas com fundamento nos seguintes pontos, entre tantos outros: o governo de Jair Bolsonaro, que acentua sobremaneira uma leitura de Estado neoliberal; a exaustão das mães que têm trabalho em casa e com os filhos; mulheres periféricas que não puderam deixar de trabalhar, mesmo com risco de vida, para cuidarem dos filhos e das casas de outras mulheres; as consequências das escolas fechadas há tanto tempo; e a ausência de qualquer política que procurasse nacionalmente refletir sobre a vida das crianças e das mães e o lugar da escola em nossa sociedade.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Demos início à escrita destas reflexões em fevereiro de 2021. Nesse período, as escolas reabriram suas portas, debaixo de duras críticas. Entretanto, com a alta do contágio no Brasil nos meses de janeiro e perigo de colapso da rede hospitalar em muitos estados, nem mesmo duas semanas depois, as escolas foram novamente fechadas. Para onde retornam as crianças? Como suas mães e pais conjugarão, por mais uma vez, por tempo indeterminado escola, alimentação e trabalho profissional a um só tempo?

Silvia Federici (2019), nos últimos capítulos de O ponto zero da revolução, nos dá pistas do que acredita ser uma alternativa a esse modelo econômico e dos cuidados completamente falaciosos e falidos. Ela escreve sobre o “trabalho afetivo”, o trabalho realizado por mulheres às voltas com a vida, em seu manejo cotidiano e histórico com os comuns, com o coletivo e o compartilhado. Para ela, precisamos investir na noção de bem comum no sentido de partilhar os cuidados e as necessidades, de modo a romper com a separação entre o mundo produtivo e o mundo reprodutivo, pois seria essa justamente a potencialidade do “trabalho afetivo”: fazer afetar, comunicar e desestabilizar relações sociais. Para a filósofa feminista, são as mulheres as que mais podem contribuir, pois carregariam uma bagagem histórica e prática do cuidado com o comum e com o campo.

Os “afetos” em Spinoza são modificações do corpo que aumentam ou diminuem sua capacidade de agir. Spinoza especifica que elas podem ser forças ativas e positivas se vierem de dentro de nós, ou forças passivas e negativas (“paixões”) se o que as provoca estiver fora de nós. Assim, a sua ética é uma exortação para cultivar afetos ativos e fortalecedores, como a alegria, e para nos libertar dos passivos e negativos, que podem impedir-nos de agir e nos deixar escravos das paixões. É essa noção de “afetividade”, como a capacidade de agir e ser alvo da ação dos outros sobre nós, que é incorporada na visão política de Hardt e Negri. “Afeto” não significa um sentimento de ternura ou amor. Significa, antes, nossa capacidade de interação, nossa capacidade de movimento e de sermos movidos em um fluxo interminável de trocas e encontros, que supostamente expandem nossos poderes e demonstram não apenas a infinita produtividade de nosso ser, mas também o caráter transformador - e, portanto, já político - da vida cotidiana. (Federici, 2019, p. 338).

Diante do contexto pandêmico vivido e de suas mazelas também tão ordinárias, Carneiro e Muller (2020) perguntam-se: então o que, afinal, a pandemia de Covid-19 teria trazido de extraordinário na vida das mulheres? A pandemia, por certo, torna pública a importância das redes de cuidado, acentuando o que as mulheres têm sustentado há décadas: é preciso reconhecer o trabalho reprodutivo como trabalho efetivamente, bem como reconhecer a sua “capacidade de afetação” (Federici, 2019). De outra parte, destaca que é preciso reconhecer também que as escolas e as crianças também têm seus trabalhos não reconhecidos e pouco valorizados enquanto parte do sistema econômico e da divisão social do trabalho. Se não fosse assim, não teriam sido deixadas de lado nesse momento da pandemia e políticas de retorno à escola teriam sido planejadas e executadas. Para Qvortrup (1985), é indo à escola que as crianças participam da divisão social do trabalho, liberando os seus cuidadores para o trabalho fora de casa. Por isso, Haddad (1997; 2006) escreve que a família não deve e não pode ser a única responsável pelo cuidado com as crianças, mas que a escola e a sociedade, devem compartilhar desse cuidado. Vê-se assim a importância da articulação entre maternidades, escolas e crianças para a desconstrução de um modelo de cuidados que não quer funcionar e para a gestação de uma outra lógica de mundo. Sem reconhecer a cotidianidade dessa articulação no presente, pouco avançaremos na “crise dos cuidados”.

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1 https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-02-04/o-que-significa-cuidar-de-um-filho-numa-pandemia.html.

2 Este artigo foi submetido à apreciação da revista em abril de 2021 e, depois de aprovado, revisto em outubro de 2021. Por conta disso, algumas de suas informações foram atualizadas para a publicação.

3 https://revistacrescer.globo.com.

4 https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2021-1/setembro/ministerio-da-saude-recomenda-vacinacao-de-adolescentes-seguindo-ordem-de-prioridades-1.

5 https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-08/anvisa-rejeita-uso-de-coronavac-para-criancas-e-adolescentes.

6 O NCPI é composto por pesquisadores brasileiros de diferentes áreas da saúde e educação e pelas seguintes organizações: Fundação Bernard van Leer, Center on the Developing Child e David Rockefeller Center for Latin American Studies, ambos da Universidade de Harvard, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Insper e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Para mais informações, sugerimos acessar o link https://ncpi.org.br/wp-content/uploads/2020/05/Working-Paper-Repercussoes-da-pandemia-no-desenvolvimento-infantil-3.pdf.

7 https://en.unesco.org/covid19/educationresponse.

8 https://insightsfor.education.

9 https://media.nature.com/original/magazine-assets/d41586-020-03496-7/d41586-020-03496-7.pdf.

10 https://science.sciencemag.org/content/367/6485/1444.

11

https://elpais.com/espana/catalunya/2020-11-27/solo-el-8-de-ninos-con-covid-transmitieron-la-infeccion-a-su-nucleo-familiar-segun-un-estudio-de-vall-dhebron.html.

https://www.vallhebron.com/es/noticias/un-estudio-prospectivo-de-vall-dhebron-confirma-que-los-menores-de-edad-son-poco.

12 https://www.sjdhospitalbarcelona.org/en/kidscorona/do-children-catch-covid-19.

13 https://www.youtube.com/watch?v=khJVgb7aagU.

14 https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S1473-3099%2820%2930882-3.

15 https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2021/01/doria-adia-inicio-das-aulas-para-8-de-fevereiro-apos-piora-da-pandemia-em-sp.shtml.

16 https://www.conjur.com.br/2021-jan-29/tj-sp-suspende-liminar-vetava-retorno-aulas-presenciais-estado.

17 https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/01/29/se-tiver-que-fechar-a-ultima-coisa-que-vai-fechar-e-a-escola-diz-paes.ghtml.

18 Segundo a OMS, uma variante do SARS-CoV-2 é considerada “Variants of Concern (VOC)” quando está associada a uma ou mais das seguintes alterações: “Aumento da transmissibilidade ou alteração prejudicial na epidemiologia da Covid-19; ou Aumento da virulência ou mudança na apresentação clínica da doença; ou Diminuição da eficácia das medidas sociais e de saúde pública ou diagnósticos, vacinas e terapias disponíveis”. Disponível em: https://www.who.int/en/activities/tracking-SARS-CoV-2-variants. Acesso em: 5 out. 2021.

19 https://drive.google.com/drive/folders/1-1Djhnj4t2OYpitn7zp1ela1al6Zd4WR.

20 Fundador do Centro de Promoção da Saúde (Cedaps-RJ) e criador do Programa de Saúde da Família (ref.: https://cedaps.org.br/conselho/daniel-becker).

21 https://www.instagram.com/p/CKccfEnpz53.

2222 http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/educacao/casos-de-contaminacao-pelo-covid-19-na-rede-estadual-de-ensino.

23 https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/educalab/aulas-presenciais-de-escolas-publicas-e-privadas-serao-suspensas-no-ceara-a-partir-desta-sexta-19-1.3048662.

24 http://www.mpgo.mp.br/portal/arquivos/2021/02/17/12_58_40_898_PlanoVacinaoCovid_ed4_15fev21_cgpni_18h05_1_.pdf.

Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Recebido: 16 de Maio de 2021; Aceito: 07 de Março de 2022

Flávia Ferreira Pires é doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: ffp23279@gmail.com

Rosamaria Giatti Carneiro é doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: rosacarneiro@unb.br

Marina Rebeca de Oliveira Saraiva é doutora em Antropologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). E-mail: marina.saraiva@cedu.ufal.br

Conflitos de interesse: As autoras declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Contribuições das autoras: Conceituação, Curadoria de Dados, Análise Formal, Investigação, Metodologia, Escrita - Primeira Redação, Escrita - Revisão e Edição: PIRES, F. F.; CARNEIRO, R. G.; SARAIVA, M. R. O.

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