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Revista Brasileira de Educação

Print version ISSN 1413-2478On-line version ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.27  Rio de Janeiro  2022  Epub Dec 23, 2022

https://doi.org/10.1590/s1413-24782022270110 

Artigos

Escolas pública e particular: representações sociais de professores

ESCUELAS PÚBLICAS Y PARTICULAR: REPRESENTACIONES SOCIALES DE LOS PROFESORES

Érica Fernanda Ursulino Lemos I  
http://orcid.org/0000-0002-1336-3818

Janaína da Silva Gonçalves Fernandes II  
http://orcid.org/0000-0001-6621-9185

ISecretaria de Educação do Município de Osasco, Osasco, SP, Brasil.

IIUniversidade Ibirapuera, São Paulo, SP, Brasil.


RESUMO

O objetivo desta pesquisa é identificar as representações sociais de professores sobre a escola pública e a particular. Foram aplicados questionários com questões fechadas e abertas para 87 professores que atuam em instituições de ensino formal na região metropolitana de São Paulo. Os dados foram analisados com o apoio da Classificação Hierárquica Descendente. Os resultados apontaram elementos representacionais a respeito da escola pública sobre a falta de compromisso dos pais, a imposição e falta de apoio governamental, a falta de recursos e investimentos, o ensino gratuito e a desvalorização do professor. No que se refere à escola particular, esses professores indicaram a existência de suporte institucional e dos pais, de condições financeiras, de ensino-aprendizagem pago, de conteúdo apostilado e de conhecimentos para o mercado de trabalho. Espera-se que as discussões desses resultados contribuam para se pensar políticas educacionais eficazes para os dois segmentos.

PALAVRAS-CHAVE docente; educação; pesquisa qualitativa; representação social

RESUMEN

El objetivo de esta investigación es identificar representaciones sociales de profesores sobre la escuela pública y particular. Se aplicaron cuestionarios con cuestiones cerradas y abiertas para 87 profesores que actúan en instituciones de enseñanza formal en región metropolitana de São Paulo. Los datos fueron analizados con apoyo de clasificación jerárquica descendente. Los resultados apuntaron elementos representacionales respecto la escuela pública sobre la falta de compromiso de los padres, la imposición y falta de apoyo gubernamental, falta de recursos e inversiones, educación gratuita y desvalorización del profesor. En lo que se refiere a la escuela particular, estos profesores indicaron la existencia de soporte institucional y de los padres, de condiciones financieras, de enseñanza-aprendizaje pagado, de contenido apostillado y conocimientos para el mercado de trabajo. Se espera que discusiones de estos resultados contribuyan a pensar políticas educativas eficaces para los dos segmentos.

PALABRAS CLAVE docente; educación; investigación cualitativa; representación social

ABSTRACT

The objective of this research is to identify the social representations of teachers about public and private schools. Questionnaires with closed and open questions were applied to 87 teachers who work in formal education institutions in the metropolitan region of São Paulo. Data were analyzed with the support of the Descending Hierarchical Classification. The results pointed to representational elements regarding the public school about the lack of commitment of the parents, the imposition and lack of government support, lack of resources and investments, free education, and teacher devaluation. Regarding the private school, these teachers indicated the existence of institutional and parental support, of financial conditions, of paid teaching and learning, of apostilled content and knowledge for the labor market. It is hoped that discussions of these results will contribute to thinking about effective educational policies for both segments.

KEYWORDS teacher; education; qualitative research; social representation

INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 prevê dois gêneros de escola: a pública e a particular. Esses dois tipos se subdividem em lucrativas e não lucrativas. As escolas particulares não lucrativas classificam-se em filantrópicas, confessionais e comunitárias. A escola particular é toda aquela mantida por pessoa física ou jurídica de direito particular. E todas essas escolas possuem o direito à liberdade de ensino desde que cumpram as normas gerais do sistema brasileiro de educação, as normas constitucionais e legais. Quando lucrativas, as escolas particulares não podem depender de verbas públicas e devem se sustentar com recursos advindos da sua presença no mercado (Brasil, 2016).

O investimento público em educação nos ensinos fundamental e médio no Brasil, em relação a todos os países membros e parceiros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), são significativamente maiores que a parcela voltada ao ensino superior. As instituições públicas de anos iniciais do ensino fundamental apresentam, na média, mais do que cinco alunos por sala de aula em comparação com as particulares (Brasil, 2017).

Em relação ao salário dos professores, o Brasil também apresenta um valor inicial bem abaixo da média se comparado às médias dos países da OCDE, dados estes que poderiam ou não orientar a atratividade e/ou escolha da profissão. Ainda os professores que atuam no Brasil possuem menor oportunidade de alocar tempo para atividades fora da sala de aula, como a preparação de aulas e a colaboração com outros professores ou alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem (Brasil, 2017).

Conforme pesquisa realizada por Lima e Sales (2007), os professores de escolas públicas e particulares de ensino apresentam uma representação negativa do ensino da escola pública. Nesse contexto, os alunos são considerados desprivilegiados nos aspectos cognitivos e culturais, devido à falta de compromisso dos professores com o processo de ensino-aprendizagem deles.

Ao gerar e comunicar as interações nos grupos e entre eles, o saber se torna um fator da vida coletiva, que pode refletir representações concomitantemente construídas e adquiridas, assim o conhecimento se transforma em um fenômeno social. Para Moscovici (2012), as representações sociais remetem a uma preparação para a ação tanto por conduzir o comportamento como por modificar e reconstituir os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter lugar. O ser humano é um ser pensante que formula questões e busca respostas e, ao mesmo tempo, compartilha realidades por ele representadas.

Na abordagem dinâmica proposta por Moscovici (2012), dois processos dão origem às representações: a objetivação e a ancoragem. A análise desses processos permite compreender como o funcionamento do sistema cognitivo interfere no social e como este interfere na elaboração cognitiva. Objetivação é o processo através do qual se cristaliza uma representação: noções abstratas são transformadas em imagens cujo conteúdo interno, após descontextualizar-se, forma um núcleo figurativo para, por fim, transformar as imagens em elementos da realidade. Ancoragem é um processo que transforma algo estranho, que perturba e intriga dentro de categorias particulares, e compara com um paradigma de uma categoria que considera ser apropriada. O primeiro cria a realidade em si, o segundo lhe dá significação.

É a explicitação do elo existente entre a objetivação e a ancoragem que permite compreender determinados comportamentos, pois o núcleo figurativo da representação depende da relação que o sujeito mantém com o objeto e da finalidade da situação. O mundo se modifica mais depressa do que a ideia que se faz dele. A transformação do complexo em simples (objetivação) e do estranho em familiar (ancoragem) permite uma integração do novo e do desconhecido (Moscovici, 2012).

Entretanto, é preciso considerar que o fato de as representações sociais terem origens nas condições socioestruturais e dinâmicas de um grupo não impede que os indivíduos deem a essas representações um toque singular. Cada um está sujeito a experiências particulares embora faça parte de um mesmo grupo social, o que, por sua vez, possibilita percepções e apreensões diferenciadas de um objeto em relação a outros indivíduos de seu grupo.

Nesse sentido, conhecer o que pensam os professores nos segmentos da rede pública e particular de ensino, identificar e analisar o que os tornam diferentes como profissionais - dependendo do contexto em que estão inseridos, de quais valores e representações sociais estão embutidos nas suas concepções de escola - poderá ajudar a compreender certas escolhas.

A compreensão das representações sociais do professor sobre os espaços que ele realiza, as trocas simbólicas de ensino-aprendizagem contribuem sobremaneira para entender o lugar que ele ocupa na sociedade, o seu espaço de atuação, um lugar de vivência de valores e normas que o ajuda a solidificar e a criar características identitárias (Cardoso, Batista e Graça, 2016).

O universo escolar, em suas múltiplas formas e possibilidades, interfere na tomada de posição desse mesmo professor, seja ele atuante na escola pública, seja ele parte da rede particular de ensino (Lima e Sales, 2007). De tal modo, faz-se necessário compreender as experiências vivenciadas e ressignificadas por professores ou mesmo as possíveis influências das relações e representações sociais marcadas pelo status e pela desvalorização profissional.

Portanto, o objetivo desta pesquisa é identificar as representações sociais de professores sobre a escola pública e a escola particular. Espera-se que a compreensão dos resultados deste estudo poderá indicar as representações sociais preditivas que orientam os comportamentos desse grupo e possibilitar a discussão para os contextos pesquisados.

PERCURSO METODOLÓGICO

O método utilizado foi o da abordagem qualitativa, do tipo exploratório descritivo, pautado na Teoria das Representações Sociais. A pesquisa foi realizada em três instituições de ensino, sendo duas públicas e uma particular, localizadas na região oeste de São Paulo.

Os critérios de inclusão estabelecidos para a participação foram: professores que possuíam vínculo empregatício com a instituição de ensino (escolas públicas e particulares) e aceitar participar da pesquisa. De tal modo, a pesquisa foi desenvolvida com amostra não probabilística de 87 professores - 65 da rede pública e 22 do segmento particular de ensino.

Para coleta de dados, foi utilizado um questionário sociodemográfico e um composto de quatro questões que foram propostas a cada participante, na seguinte ordem: O que você pensa sobre escola pública? O que você pensa sobre escola particular? Quais as vantagens e desvantagens da escola pública? Quais as vantagens e desvantagens da escola particular? Esse roteiro de questões buscou contemplar as ideias, as crenças e os valores socialmente compartilhados pelos participantes sobre a escola pública e a escola particular.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição promotora, parecer nº 2.252.692/2017. A coleta de dados ocorreu em duas etapas: inicialmente foi realizado contato prévio com os participantes para apresentação dos objetivos da pesquisa, esclarecendo quanto aos procedimentos a serem seguidos; em seguida, os dados foram coletados por uma das pesquisadoras, de modo coletivo, nas salas de professores das instituições de ensino, em dias e horários previamente agendados com os gestores responsáveis. Logo, a pesquisa ocorreu em três encontros em cada instituição (total de nove encontros). Os questionários foram respondidos durante uma média de 30 minutos por grupo de participantes.

As respostas dos participantes foram processadas no software Interface de R pour analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ), que possibilitou a organização das respostas por meio da Classificação Hierárquica Descendente, que é apresentada no presente estudo no formato de figuras de dendrogramas. Esses dendrogramas apresentam os percentuais das classes e as palavras (paralelas aos seus contextos de enunciação) com suas frequências e atribuições de grau de significância com a classe por meio de teste do qui-quadrado (Camargo e Justo, 2018). Cada classe comporta um conjunto de segmentos de textos (ST) que se relacionam pelo vocabulário utilizado, remetendo a campos semânticos específicos. Os resultados dos dendrogramas são descritos obedecendo à ordem horizontal (da esquerda para a direita) de distribuição das classes.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A ESCOLA PÚBLICA

Os resultados do primeiro corpus monotemático são apresentados na Figura 1, no formato de um dendrograma com a repartição das classes, que foram categorizadas conforme inferências semânticas do seu conteúdo:

Legenda: f = frequência; x 2 : qui-quadrado; * nível de significância da palavra com a classe p<0,0005. Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos resultados do software IRaMuTeQ.

Figura 1 - Dendrograma referente ao corpus “escola pública”. 

EIXO 1: CULPABILIZAÇÃO: FAMÍLIA E PODER PÚBLICO

Falta de compromisso dos pais (classe 4): corresponde à segunda maior classe, uma vez que representa 21,3% dos ST retidos para análise (N=23). Essa classe apresenta principalmente as respostas concedidas pelos professores com idade de 30 anos e que informaram terem sua formação básica procedente de escola particular. Esse resultado pode estar relacionado com a possibilidade de esses professores terem vivido sua época escolar com a participação e/ou cobrança de seus pais e ainda poderem atribuir o compromisso desses pais ao contexto da escola particular.

Os conteúdos que compõem essa classe destacam a falta de comprometimento dos pais em acompanhar e preocupar-se com o desenvolvimento da educação formal de seus filhos no âmbito da escola pública. O ST a seguir exemplifica o teor dessa classe:

O órgão público é mal estruturado para receber crianças ou pais que têm que trabalhar e não têm onde deixar seus filhos. A maior parte deles não está nem aí se o filho está aprendendo ou não, o que importa é que ele tem um lugar para ficar. (Professora pós-graduada, 2018)

Imposição e falta de apoio governamental (classe 3): corresponde à segunda menor classe, uma vez que representa 18,6% dos ST retidos para análise (N=20). Essa classe apresenta principalmente as respostas concedidas pelos professores divorciados, com idade de 50 anos. Esse resultado pode estar relacionado com a possibilidade de esses professores possuírem um senso crítico político mais apurado, por terem sido testemunha ocular de uma escola pública diferenciada em outras épocas de regimes governamentais. Os conteúdos que compõem essa classe apontam a falta de apoio e a imposição de modelos com conteúdos curriculares pelo governo como fatores negativos na escola pública. O ST a seguir exemplifica o teor desta classe:

Na teoria, a escola pública é um órgão maravilhoso, porém se tornou, na prática, local de tristeza, por conta de um governo que almeja o ser não pensante, oprime seus profissionais, e o público majoritário dessa escola são pessoas que estão lá para não passarem fome. (Professora pós-graduada, 2018)

EIXO 2: FRAGILIDADES DA ESCOLA PÚBLICA

Falta de recursos e investimentos (classe 1): corresponde a 20,4% dos ST retidos para análise (N=22). Essa classe apresenta principalmente as respostas concedidas pelos professores do sexo masculino, com idade de 20 anos. Esses resultados podem estar relacionados com a possibilidade de esses jovens professores possuírem um ideal prático de educação pautado na utilização de materiais que otimizem os processos de ensino-aprendizagem.

Os conteúdos que compõem essa classe apresentam que as desvantagens da escola pública estão relacionadas à falta de recursos materiais e estruturais, dos quais demandam a necessidade de investimentos. O ST a seguir exemplifica o teor dessa classe:

A escola pública poderia ser muito melhor se tivesse a verdadeira valorização do governo em investimentos. Logo, as desvantagens são a falta de investimentos em recursos físicos, laboratórios, bibliotecas, sala de informática, entre outros. (Professora pós-graduada, 2018)

Ensino gratuito (classe 2): corresponde à maior classe, uma vez que representa 24,1% dos ST retidos para análise (N=26). Essa classe apresenta principalmente as respostas concedidas pelos professores casados, com idade de 20 anos. Esses resultados podem estar relacionados com a possibilidade de a gratuidade não ser uma realidade existente em suas responsabilidades familiares. Logo, o ensino gratuito é algo salientado por esse grupo de professores.

Os conteúdos que compõem essa classe apresentam elementos representacionais objetivados que lembram que a escola pública é um serviço público oferecido gratuitamente pelo governo para todos os indivíduos de modo universal. Jodelet (2001) afirma que a objetivação é o processo pelo qual o indivíduo reabsorve um excesso de significações, materializando-as, ou seja, é um processo de construção formal de um conhecimento pelo indivíduo. O ST a seguir exemplifica o teor desta classe: “Tem maior acessibilidade à população. Oferece merenda escolar, uniforme e material escolar em alguns casos.” (Professora pós-graduada, 2018).

Desvalorização do professor (classe 5): corresponde à menor classe, uma vez que representa 15,7% dos ST retidos para análise (N=17). Essa classe apresenta principalmente as respostas concedidas pelos professores com idade de 50 anos e que declararam sua formação procedente de escola pública. Esses resultados podem estar relacionados com a possibilidade de esses professores terem vivenciado uma época em que o professor de escola pública era mais valorizado.

Os conteúdos que compõem essa classe apontam que, referente à desvalorização da profissão do professor na escola pública, destaca-se o elemento representacional baixa remuneração. O ST a seguir exemplifica o teor dessa classe: “O professor precisa tirar de seu salário para suprir necessidades, as salas são superlotadas e há desvalorização do corpo docente.” (Professora pós-graduada, 2018).

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A ESCOLA PARTICULAR

Os resultados do segundo corpus monotemático são apresentados na Figura 2, no formato de um dendrograma com a repartição das classes, que foram categorizadas conforme inferências semânticas do seu conteúdo.

Legenda: f = frequência; x 2 : qui-quadrado; * nível de significância da palavra com a classe p<0,0005. Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos resultados do software IRaMuTeQ.

Figura 2 - Dendrograma referente ao corpus “escola particular”. 

EIXO 1: SUPORTE INSTITUCIONAL, FAMILIAR E FINANCEIRO

Suporte institucional e dos pais (classe 5): corresponde a 17,4% dos ST retidos para análise (N=16). Essa classe apresenta principalmente as respostas concedidas pelos professores divorciados. Os conteúdos que compõem essa classe destacam que os apoios da escola e dos pais são essenciais no contexto da escola particular. Entretanto, as representações sociais sobre escola particular, assim como da escola pública, estão calcadas em verdades veiculadas pelo senso comum, destituído de crítica e cristalizadas na forma de representações sociais. Essa inferência pode ser observada no ST a seguir: “Tem menos alunos por classe, mais recursos tecnológicos, mais envolvimento dos pais, tornando o ensino mais fácil.” (Professora pós-graduada, 2018).

Condições financeiras (classe 4): corresponde a 20,6% dos ST retidos para análise (N=19). Essa classe apresenta principalmente as respostas concedidas pelos professores que declararam o estado civil “outros” e que são provenientes de formação em escola particular. Os conteúdos que compõem essa classe apontam que as escolas particulares possuem condições financeiras e recursos adequados e suficientes que lhes permitam oferecer um ensino de qualidade e melhores condições de trabalho para os professores. O ST a seguir exemplifica o teor dessa classe:

É aquela onde o ensino é oferecido de forma particular, ou seja, se paga mensalidade para ter acesso ao ensino, sendo esse ensino oferecido de acordo com as concepções da escola com suas normas e regras. As vantagens são o ensino de qualidade, instalações boas para os alunos, salas ambientadas, material para se trabalhar. As desvantagens são que o ensino não é gratuito e não é oferecida alimentação, merenda. O acesso a esse ensino é para poucos, só para quem pode pagar por ele. (Professora pós-graduada, 2018)

EIXO 2: CONTEÚDOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM PAGOS

Educação como mercadoria (classe 3): corresponde à menor classe, uma vez que representa 14,2% dos ST retidos para análise (N=13). Essa classe apresenta principalmente as respostas concedidas pelos professores que declararam cor branca. Os conteúdos que compõem essa classe apresentam o caráter não gratuito do ensino-aprendizagem na escola particular. Paralelamente a isso, vendem uma educação como qualquer outra mercadoria. O ST a seguir exemplifica o teor dessa classe:

Os incentivos às práticas docentes são reconhecidos como subsídios voltados à educação e à aprendizagem, onde, por sua vez, os alunos se sentem motivados ao conhecimento. Os responsáveis por estar custeando esses estudos são presentes na evolução de seus filhos. A desvantagem é quando os responsáveis veem a escola particular como obrigação dos docentes em ensinar por estarem pagando e isso ser visto pelos filhos também. (Professora pós-graduada, 2018)

Conteúdo apostilado (classe 2): corresponde a uma das maiores classes, uma vez que representa 23,9% dos ST retidos para análise (N=22). Essa classe apresenta principalmente as respostas concedidas pelos professores que declararam possuir título de mestre. Os conteúdos que compõem essa classe apresentam que o conteúdo apostilado é um instrumento muito utilizado no contexto da escola particular. O ST a seguir exemplifica o teor dessa classe:

Considerada uma empresa, pois trata seus alunos como clientes. Seu ensino costuma ser mais avançado, trabalhando normalmente por método apostilado. A vantagem é o ensino de qualidade. A desvantagem é muita pressão sobre o aluno. (Professora pós-graduada, 2018)

Conhecimentos para o mercado de trabalho (classe 1): também corresponde a uma das maiores classes, uma vez que representa 23,9% dos ST retidos para análise (N=22). Essa classe apresenta principalmente as respostas concedidas pelos professores de idades de 40 e 50 anos. Os conteúdos que compõem essa classe apresentam que a escola particular possui a preocupação em preparar os alunos para o mercado de trabalho. O ST a seguir exemplifica o teor dessa classe:

Proporciona um ensino mais rigoroso e sistemático, voltado para as exigências do mercado de trabalho. Apresenta propostas pedagógicas bem pautadas e com cobrança constante por parte de coordenadores e gestores, o que gera maior envolvimento dos profissionais. (Professora pós-graduada, 2018)

DISCUSSÕES

ESCOLA PÚBLICA

O processo de culpabilização do aluno sobre os problemas educacionais deriva de um movimento objetivado produzido ao longo da história (Sant’ana e Guzzo, 2016). Moscovici (2012) explica que a objetivação une a ideia de não familiaridade com a de realidade, assim torna-se a verdadeira essência da realidade. Percebida primeiramente como um universo puramente intelectual e remoto, a objetivação aparece e é percebida física e acessível (Moscovici, 2012).

O aluno que não acompanhava os conteúdos ministrados em sala de aula, muitas vezes, era aquele desprivilegiado socioeconomicamente e que, por algum motivo, não incorporou as normas impostas ao cotidiano escolar (Boto, 2014). Essas práticas excludentes rotulavam e estigmatizavam os alunos, pois atribuíam exclusivamente ao aluno a causa das queixas escolares, ou seja, os problemas eram focalizados nas características individuais e no ambiente familiar e social dos alunos.

Esse cenário estranho, que pode perturbar e intrigar, assumiu como natural os alunos abandonarem a escola por ordem de seus pais. Segundo o caráter dinâmico que uma representação social possui (Moscovici, 2012), essa realidade foi ancorada conforme os paradigmas da escola pública atual. Para Jodelet (2001), a objetivação não garante a inserção orgânica do conhecimento. É o processo de ancoragem, em relação dialética com a objetivação, que vai garanti-lo. O processo de ancoragem diz respeito ao enraizamento social da representação. Sua função é de realizar a integração cognitiva do objeto representado num sistema de pensamento preexistente. Dessa maneira, os novos elementos de conhecimento são colocados numa rede de categorias mais familiares.

Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a educação é responsabilidade da família e do Estado (Brasil, 1996). Todavia, a culpa dos problemas na rede pública de ensino sobrevém também nos participantes do processo educacional, tais como os professores, os próprios alunos e seus familiares. A partir de uma visão integral e multidisciplinar do ser humano, a escola formal pode suscitar autonomia, participação crítica e criatividade dos indivíduos. Para isso, é necessário considerar o contexto familiar, comunitário e social dos alunos (Sant’ana e Guzzo, 2016).

Em pesquisa efetivada por Freitas (2014) com futuros professores em projeto interventivo realizado em escola pública, observou-se que a aproximação desses licenciandos possibilitou a vivência concreta com as condições de trabalho de professores, alunos, familiares e comunidade. Isso oportunizou a sensibilização com sentido de corresponsabilidade perante os problemas existentes. Logo, a experiência serviu para desmitificar ideias negativas daquilo que eles ouviram dizer sobre a escola pública para se familiarizarem com a realidade presenciada. A aproximação da família com a escola também poderia proporcionar melhor conscientização em relação aos problemas cotidianos vivenciados.

Segundo Lima e Machado (2018), os pais não participam da vida escolar dos filhos devido à falta de tempo, uma vez que trabalham a maior parte do dia e devido aos horários das reuniões serem inconciliáveis com a rotina de trabalho. De tal modo, pode-se apontar uma falha de comunicação entre os pais e a escola, pois é como se a escola não priorizasse a participação dos pais nas reuniões. Vale ressaltar que existem pais que não demonstram interesse em conhecer o contexto escolar dos filhos devido à sua baixa expectativa em relação à instituição escolar.

No que diz respeito aos discursos dos participantes que apontam imposição e falta de apoio governamental, é preciso compreender que, diante do atual cenário neoliberal, a educação é vista como mercadoria, e ao setor público é atribuída a responsabilidade pela crise e pela ineficiência do sistema educacional brasileiro. Alguns professores, por sua vez, sentem-se oprimidos perante as circunstâncias que negativizam sua atividade docente e culpabilizam o poder público pelos problemas existentes na escola pública (Oliveira, 2009; Sant’ana e Guzzo, 2016).

Essa falta de perspectiva crítica sobre a condução de políticas educacionais, dentro das relações de produção no capitalismo, se configura como um obstáculo para a conscientização de professores sobre a realidade vivenciada. Isso não significa que o poder público não tenha responsabilidades na formulação e implementação de políticas educacionais, uma vez que estas pertencem a um conjunto maior que tem o controle do sistema social, econômico e político do país e está conectado aos interesses capitalistas (Sant’ana e Guzzo, 2016).

Além da questão salarial, os professores alegam ser desvalorizados pelo desrespeito e pela desconsideração do governo diante das precárias condições de trabalho. Para qualificar uma representação como social, é preciso definir o agente que a produz e enfatizar que a representação tem como função contribuir exclusivamente para os processos de formação de condutas e de orientação das comunicações sociais (Moscovici, 2012). Nesse contexto, esses professores apontam que a educação não é uma prioridade para os governantes (Nascimento e Rodrigues, 2017).

Conforme Soares (2014), a eficácia e qualidade da educação dependem da atenção e responsabilidade compartilhada entre o poder público, a sociedade civil e os demais profissionais da educação. Nesse sentido, Nascimento e Rodrigues (2017) ressaltam que a educação tem servido para manutenção da estrutura social de base capitalista, e a transformação dessa educação depende do movimento da sociedade. Desse modo, são necessárias ações revolucionárias, que atravessem os muros da escola e alcancem a conscientização de todos sobre a promoção de uma educação com equidade.

Segundo pesquisa sobre condições de trabalho e saúde de professores realizada em rede pública de ensino no Sul do Brasil, a falta de materiais didáticos pedagógicos em sala de aula foi referida por 50,4% das professoras entrevistadas (Silva e Silva, 2013). O enfrentamento de dificuldades e desafios nas instituições públicas de ensino podem trazer frustações para os professores, ao se perceberem parte de uma engrenagem inserida num sistema maior, muitas vezes inacessível (Nascimento e Rodrigues, 2017).

A utilização de recursos tecnológicos também apresenta escassez e/ou deficiências na escola pública, devido às dificuldades de aquisição, manutenção e apropriação, por parte dos professores, dessas tecnologias. Em contraponto, os professores se deparam, na escola, com os alunos que nasceram e cresceram em meio à efervescência tecnológica, podendo ser considerados nativos digitais (Piedade e Pedro, 2019).

As dificuldades encontradas por professores na escola pública também estão relacionadas à falta de recursos financeiros próprios, devido à baixa remuneração. Nesse contexto, muitos assumem empregos secundários e realizam dupla jornada entre responsabilidades familiares e o trabalho. Apesar desses desafios, esses profissionais precisam entrar em sala de aula e esquecer os problemas e ainda encontrar tempo de reinventar modos estimuladores de lecionar, para, assim, manterem a atenção dos alunos (Brasil, 2017).

Alves-Mazzotti e Wilson (2004) explicam que as competências do professor dependem de uma série de questões estruturais que excedem a esfera da sala de aula e implicam o apoio tanto da escola, como da família, da sociedade e do poder público, enfim. A falta de estrutura e materiais na escola e os cenários de violência decorrentes na família e na sociedade são obstáculos com os quais os professores se deparam na escola pública. Logo, esses profissionais precisam de recursos de organização entre seus pares dentro da instituição escolar, bem como organizar suas próprias competências criativas para a mobilização de recursos didático-pedagógicos adequados para cada situação de ensino-aprendizagem.

Apesar de o caráter gratuito e universal da escola pública ser um direito instituído pela LDBEN (Brasil, 1996), pode-se notar a imagem assistencialista transmitida nos discursos dos professores da presente pesquisa. Conforme Martínez e Pinho (2016), a merenda oferecida nas escolas públicas é um direito dos usuários garantido pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que promove a suplementação alimentar e comportamentos saudáveis nas escolas públicas. Nesse sentido, pode-se ressaltar que a exclusão não ocorre no acesso à escola, mas no processo educacional discriminatório que, por vezes, é encontrado nas instituições de ensino.

Por outro lado, alguns professores ancoram que a escola pública deveria ser voltada para o desenvolvimento de cidadãos com pensamentos críticos com ênfase na diversidade de valores e crenças individuais e/ou de determinados grupos. Jodelet (2001) explica que, mesmo que um objeto esteja inserido num mesmo contexto social, ele pode ser visto por diferentes perspectivas e apresentar diferentes sistemas de valores ou de contravalores.

Boto (2014) conta que, desde meados do século XIX, em Portugal, os salários dos professores eram baixos e somente se candidatavam às vagas designadas ao magistério aqueles que não apresentavam capacidade de atuar em outros cargos valorizados pela sociedade. O ensino na escola pública era enciclopédico e, para mudar esse cenário, era necessário simplificar o programa, ativar severidade as avaliações e aumentar os salários e as vantagens para os professores.

Apesar da desvalorização salarial, algumas mudanças marcaram o trabalho docente, ao longo do tempo, como um ofício artesanal dentro de uma sociedade capitalista. Além disso, a aprendizagem da docência passou a se construir na prática, houve valorização do trabalho docente, mulheres passaram a exercer e dominar, em maior número, o magistério e passou-se a acreditar na globalização do ensino (Figueiredo e Bonini, 2017).

Na atualidade, os modos de organização do modelo capitalista, sob a influência das políticas neoliberais, ocasionaram a fragmentação e a precarização do trabalho do professor (Sant’ana e Guzzo, 2016; Figueiredo e Bonini, 2017). Perante esse cenário, os professores possuem papel oposto aos pressupostos capitalistas, pois seu trabalho não está voltado diretamente para a transformação da natureza concreta, e sim para a mediação da tomada de consciência dos indivíduos sobre a realidade a sua volta (Abu-el-Haj e Fialho, 2019).

Portanto, identificaram-se elementos representacionais nas respostas dos professores participantes da pesquisa que negativizam a escola pública. Para tanto, esses professores culpabilizam a falta de compromisso dos pais e/ou responsáveis pelos alunos e as imposições e falta de apoio do poder público no que se refere às adversidades que ocorrem na escola pública. As fragilidades dessa escola apontadas por esses professores dizem respeito à desvalorização do professor e à falta de recursos materiais e de investimentos dentro de um cenário assistencialista.

ESCOLA PARTICULAR

No Brasil, o processo de desenvolvimento de um setor empresarial na educação é antigo, remontando, pelo menos, ao período da ditadura militar. Entretanto, isso era dissimulado, pois a legislação proibia que as instituições de ensino, pela sua natureza, dessem lucro. Apenas com a promulgação da CRFB, de 1988, é que se explicitou a possibilidade de existência de escolas com fins lucrativos. A posterior regulamentação desse dispositivo na LDBEN e na legislação complementar acelerou o seu crescimento (Brasil, 1996; 2016).

Essas dimensões demonstram processo muito mais amplo de transformação do setor educacional em atividade mercantil. Da mesma forma, tal transformação é mundial, representando uma das dimensões da globalização. Em vista disso, coloca-se a questão da educação como mercadoria (Oliveira, 2009).

A educação não é mercadoria, visto que remete à expressão de um desejo ou de uma bandeira de luta por algo que se espelhe na realidade. Pode ser aceita apenas como um dever ser, como formulação programática (Oliveira, 2009). Nesse sentido, como mercadoria, a educação particular tem um preço, um valor monetário que oscila dentro da lógica de oferta e procura, não sendo acessível a todos.

Na terceirização do processo pedagógico, instituições particulares com fins lucrativos vendem às escolas o que se dissemina, ou seja, sistemas de ensino que oferecem serviços e produtos, tais como materiais didáticos para alunos e professores, que incluem apostilas e cd-roms, formação docente em serviço e monitoramento do uso dos materiais adquiridos. Essa compra representa mais do que a simples aquisição de materiais didáticos. Para Saviani (2010, p. 771), a implicação do termo sistema, quando de sua adoção ao campo educacional, pressupõe opção coordenada e integrada de partes em “[...] um todo que articula uma variedade de elementos que, ao se integrarem ao todo, nem por isso perdem a própria identidade.”.

Parece que tais instituições particulares, mais do que meras fornecedoras de materiais e equipamentos, passam a incidir sobre o desenho da política educacional local e sobre a organização do trabalho docente e administrativo desenvolvido em cada uma das unidades de ensino. As instituições particulares que oferecem os sistemas de ensino, com algumas exceções e variações, tendem não somente a determinar os conteúdos a serem desenvolvidos pelos professores, mas também os tempos de trabalho, as rotinas e a metodologia de ensino. A atuação da assessoria prestada também monitora a implementação do material comprado, com variações de regularidade e de práticas.

A representação de escola particular como empresa que forma indivíduos competitivos e conteudistas para o mercado de trabalho, pelos pesquisados, parece estar calcada em conceitos e visões sobre o mundo do trabalho ultrapassadas. Nesse sentido, mais do que conteúdos, a preparação para o mundo do trabalho exige aprimoramento de competências.

As variáveis relacionadas ao nível de escola, tais como número de computadores na instituição; processo de seleção do diretor e dos alunos; e escolaridade, idade e salário dos professores podem ter efeitos muito reduzidos sobre o desempenho dos alunos. Entretanto, ter um ou mais computadores e mais de 20 livros em casa melhora o aprendizado, assim como ter eletricidade e morar em famílias pequenas (Menezes-Filho, 2012).

Menezes-Filho (2012) explica que, no sistema público brasileiro, o tamanho da turma não parece ser importante para explicar o desempenho escolar. Por outro lado, o número de horas-aula tem um efeito positivo e estatisticamente significante, ou seja, os alunos que passam entre quatro e cinco horas ou mais na sala de aula têm um melhor desempenho do que aqueles que ficam menos de quatro horas. Isso fornece uma proposta de política pública: que os alunos permaneçam mais tempo na escola, mesmo que, para isso, seja necessário aumentar o tamanho das turmas.

A participação das famílias na vida escolar dos filhos também é apontada na representação da escola particular. Menezes-Filho (2012) mostra que as variáveis que mais explicam o desempenho escolar são as características familiares e do aluno, tais como educação da mãe, cor, atraso escolar e reprovação prévia, número de livros, presença de computador em casa e trabalho fora de casa.

Sant’ana e Guzzo (2016) afirmam que os fatores familiares e de grupos sociais interferem muito mais no desempenho dos alunos do que os recursos políticos e financeiros empreendidos na educação. Apesar do suporte oferecido pela instituição particular e pelos pais, as respostas dos professores participantes da pesquisa apresentaram que a escola particular também possui desvantagens relacionadas à falta de liberdade para o desenvolvimento da autonomia dos professores nos processos de ensino-aprendizagem.

Para Oliveira (2018), observa-se um progressivo deslocamento do conceito de qualificação profissional para a noção de competências profissionais. O antigo conceito de qualificação relacionava-se aos componentes organizados e explícitos da qualificação do trabalhador: educação escolar, formação técnica e experiência profissional. Relacionava-se, no plano educacional, à escolarização formal e aos seus diplomas correspondentes e, no mundo do trabalho, à grade de salários, aos cargos e à hierarquia das profissões.

No modelo de competências, não importa somente a posse dos saberes disciplinares escolares ou técnico-profissionais, mas também a capacidade de os mobilizar para resolver problemas e enfrentar os imprevistos na situação de trabalho. Os componentes não organizados da formação assumem extrema relevância. Assim, o modelo das competências remete às características individuais dos trabalhadores.

Nesse sentido, percebe-se que muito mais do que uma visão crítica, a capacidade da escola particular para preparar o aluno para o mercado de trabalho é representada por verdades do senso comum, cristalizadas numa representação social descolada do atual mundo do trabalho. A discrepância entre o ensino da escola pública e da escola particular inutiliza a ideia de que basta o esforço individual para o merecimento de oportunidades igualitárias entre os membros de uma sociedade. Essa ideia incita maiores competições entre os alunos e, por consequência, a frustração daqueles que não atingem as exigências colocadas pelo poder público (Lima e Machado, 2018). Essas práticas de culpabilização dos desfavorecidos atreladas ao desinteresse do poder público com a escola pública e a educação no geral podem ser configuradas como um tipo de violência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As representações sociais são filtros que auxiliam o entendimento do mundo e orientam comportamentos e relações interpessoais. Os resultados da presente pesquisa confirmam verdades do senso comum cristalizadas, com representações sociais da escola pública como sem qualidade, com professores mal pagos e desinteressados da formação dos alunos; e a escola particular sendo socialmente valorizada como aquela que oferece ensino diferenciado, que prepara o aluno para o mercado de trabalho, cujos professores são bem remunerados e os pais são presentes na vida escolar dos filhos.

Para os pesquisados, são os problemas institucionais, econômicos e culturais que prejudicam a qualidade da escola pública. Entre esses entraves, destacam turmas superlotadas, escolas carentes de recursos materiais, baixos salários e a desvalorização da profissão. As representações sociais dos professores sobre ensino público veem seu público como desfavorecido na aprendizagem, principalmente pelo seu contexto social.

Em relação aos alunos das escolas particulares, o professor se sente intimidado com o poder que eles têm e se ressente de ter de se desdobrar para satisfazê-los. Os ensinos público e particular no Brasil apresentam características muito díspares e provocam, consequentemente, representações diferenciadas sobre a escola.

Identificar representações sociais acerca de fenômenos relacionados à prática profissional do docente oferece um privilegiado olhar sobre as questões que norteiam o funcionamento da escola e as relações existentes nesse espaço social. O caráter ideológico sempre permeou as discussões sobre as esferas públicas e particulares no que tange ao oferecimento de serviços de educação. O centro dessa discussão está nas diferenças do propósito socializador dessas instituições. No passado, isso se limitava entre a Igreja e o Estado. Atualmente, com a efetiva participação das instituições particulares laicas, além de questões ideológicas, questões financeiras também atingem essa discussão.

Ocorre que essas visões distorcidas da realidade acabam por promover uma permanência do status quo, dificultando o reconhecimento de outra realidade e o apoio a processos de mudança complexos nas escolas: existem escolas públicas de muita qualidade e escolas particulares que não atendem ao mínimo necessário para o desenvolvimento de seus alunos. O discurso maniqueísta dos pesquisados remete ao binômio particular, bom versus público, ruim.

Moscovici (2012, p. 35) coloca que “[...] organizamos nossos pensamentos de acordo com um sistema que está condicionado, tanto por nossas representações como por nossa cultura. Nós vemos apenas o que as convenções subjacentes nos permitem ver e permanecemos inconscientes dessas convenções.”. Todavia, acrescenta ainda que: “[...] podemos através do esforço tornar-nos conscientes do aspecto convencional da realidade e então escapar de algumas exigências que elas impõem em nossas percepções e pensamentos.” (idem).

Considerando-se que existe uma relação intrínseca entre representações sociais e práticas, conclui-se que um dos primeiros passos para mudar as representações dos professores sobre escola pública e particular seria fazê-los tomar consciência de suas representações e do tratamento diferenciado que elas orientam, bem como das consequências negativas dessa prática para os alunos.

Isso, porém, não seria o bastante. Torna-se necessário um amplo programa de transformações no sistema escolar que inclua todos os envolvidos, de modo que valorize suas experiências e ressalte seus papéis centrais em prol da construção de uma nova escola, que seja atenta às mudanças do mundo contemporâneo e atenda às necessidades dos alunos, principalmente às daqueles menos afortunados.

A escola pública é um direito assegurado e a particular é um serviço contratado. Ambas deveriam caminhar para o mesmo fim, qual seja: oferecer educação de qualidade capaz de potencializar o aluno em sua formação.

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Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Recebido: 02 de Dezembro de 2020; Aceito: 09 de Fevereiro de 2022

Érica Fernanda Ursulino Lemos é mestre em Psicologia Educacional pelo Centro Universitário FIEO (UNIFIEO). Bolsista de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Professora da Secretaria de Educação do Município de Osasco (SME-Osasco). E-mail: ericaf.ursulino@gmail.com

Janaína da Silva Gonçalves Fernandes é doutora em Psicologia Educacional pelo Centro Universitário FIEO (UNIFIEO). Professora da Universidade Ibirapuera (UNIB). E-mail: janaina.fernandes@ibirapuera.edu.br

Conflitos de interesse: As autoras declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito

Contribuições das autoras: Obtenção de Financiamento, Recursos, Escrita - Primeira Redação, Investigação: Lemos, E. F. U. Conceituação, Curadoria de Dados, Análise Formal, Visualização: Lemos, E. F. U.; Fernandes, J. S. G. Metodologia, Software, Administração do Projeto, Supervisão, Validação, Escrita - Revisão e Edição: Fernandes, J. S. G.

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