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Revista Brasileira de Educação

Print version ISSN 1413-2478On-line version ISSN 1809-449X

Rev. Bras. Educ. vol.28  Rio de Janeiro  2023  Epub Jan 19, 2023

https://doi.org/10.1590/s1413-24782023280005 

Artigos

A identidade profissional de educadores de adultos: diversidade e complexidade

THE PROFESSIONAL IDENTITY OF ADULT EDUCATORS: DIVERSITY AND COMPLEXITY

LA IDENTIDAD PROFESIONAL DE LOS EDUCADORES DE ADULTOS: DIVERSIDAD Y COMPLEJIDAD

Catarina Isabel Fonseca Paulos I  
http://orcid.org/0000-0003-2985-4686

Cármen Cavaco I  
http://orcid.org/0000-0001-8261-7650

IUniversidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.


RESUMO

Este artigo aborda a identidade profissional de educadores de adultos responsáveis pela implementação do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais em Portugal. A investigação filia-se na metodologia qualitativa, e a análise tem como base as narrativas provenientes de entrevistas biográficas realizadas com 30 educadores de adultos. Os dados empíricos revelam que a identidade profissional desses educadores de adultos encontra-se fragmentada. Nesse sentido, chegou-se a quatro categorias de identidades profissionais: os “psicólogos”, os “professores”, os “educadores” e os “nómadas”. As identidades “psicólogos” e “professores” são construídas a partir da formação de base dos educadores de adultos; a “educadores” é estruturada tendo como base o contexto profissional da educação de adultos; e a “nómadas” é o resultado da forma como alguns educadores de adultos incorporam as incertezas do mercado de trabalho com que se habituaram a lidar.

PALAVRAS-CHAVE educadores de adultos; identidade profissional; reconhecimento e validação de adquiridos experienciais

ABSTRACT

This article focuses on the professional identity of adult educators who are responsible for the implementation of recognition and validation of prior learning in Portugal. The research uses qualitative methodology, and the analysis is based on narratives from biographical interviews conducted with 30 adult educators. The empirical data highlight that the professional identity of these adult educators is fragmented. In this sense, four categories of professional identities were reached: “psychologists”, “teachers”, “educators”, and “nomads”. The identities of “psychologists” and “teachers” are built from the initial training of adult educators; the one of “educators” is structured based on the professional context of adult education; the one of “nomads” is the result of the way some adult educators incorporate the uncertainties present in the labor market they have become accustomed to dealing with.

KEYWORDS adult educators; professional identity; recognition and validation of prior learning

RESUMEN

El texto aborda la identidad profesional de los educadores de adultos responsables de implementar el reconocimiento y la acreditación de la experiencia, en Portugal. La investigación es soportada en una metodología cualitativa y tiene como base de análisis entrevistas biográficas con 30 educadores de adultos. Los datos empíricos revelan que la identidad profesional de estos educadores de adultos es fragmentada. Se identificaron cuatro categorías de identidades profesionales: “psicólogos”, “profesores”, “educadores” y “nómadas”. Las identidades “psicólogos” y “profesores” se construyen a partir de la formación inicial de los educadores de adultos; la de los “educadores” se estructura a partir del contexto profesional de la educación de adultos; la “nómada” es el resultado de la forma como algunos educadores de adultos incorporan las incertidumbres del mercado laboral con las que se han acostumbrado a tratar.

PALABRAS CLAVE educadores de adultos; identidad profesional; reconocimiento y la acreditación de la experiencia

INTRODUÇÃO

Este artigo centra-se na análise da identidade profissional de educadores de adultos envolvidos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais em Portugal. Ao considerar-se que identidade é “a história de si mesmo, que cada um se conta” (Kaufmann, 2005, p. 131), parte-se da conceção de identidade profissional como resultando de processos de socialização, em diferentes contextos, ao longo da vida. Desse modo, a identidade profissional é construída a partir das transações que o indivíduo realiza consigo próprio, com os outros e com o contexto social envolvente.

Ancorando-nos na conceção de Dubar (1997), a identidade profissional é analisada como sendo, por um lado, o resultado de um processo biográfico, em que o indivíduo constrói a imagem de si a partir de um conjunto de atos de pertença, e, por outro, é o resultado de um processo relacional a partir de identificações que resultam das relações estabelecidas com as instituições e com os atores dos vários contextos sociais nos quais se movimenta. A construção da identidade profissional resulta da interdependência entre dois processos - o pessoal e o relacional -, é moldada pelas trajetórias de vida, nomeadamente pela formação de base e pelos percursos profissionais, numa temporalidade que coincide com a vida, na interseção do passado, do presente e do futuro. Nesse sentido, a educação escolar e os contextos de trabalho influenciam a construção das identidades profissionais (Tavares, 2007). Atendendo às caraterísticas da sociedade contemporânea, parte-se também da conceção de que a identidade profissional é construída e reconstruída a partir das socializações que vão ocorrendo num ambiente caraterizado pela incerteza (Dubar, 1997), instabilidade e mudança.

A análise apresentada visa compreender a influência da formação de base, da formação contínua e dos percursos profissionais na construção da identidade profissional, tendo como ponto de partida os sentidos apreendidos nos discursos biográficos de educadores de adultos. A análise da identidade profissional é centrada na forma como os educadores de adultos se veem e como analisam o trabalho que realizam, nos significados que atribuem ao trabalho e nas representações que construíram relativamente à sua trajetória biográfica nos contextos socioprofissionais que trilharam. Nesse sentido, o artigo analisa a forma como os educadores de adultos, que intervêm no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, se veem como profissionais que trabalham na área da educação de adultos.

Para além disso, a análise permite compreender o modo como esses educadores de adultos vivem o trabalho no campo da educação de adultos, em geral, e no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais, em especial. O processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais é uma medida integrada nas políticas públicas de educação de adultos, em Portugal, desde 2000. O campo da educação de adultos tem sido marcado por descontinuidades e desinvestimento político, o que provoca interrupções e precariedade nas práticas de trabalho (Lima, 2008). Tendo em conta a diversidade e especificidade das atividades profissionais no campo da educação de adultos, torna-se importante analisar a imagem e as representações que os educadores de adultos envolvidos no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais construíram sobre si e sobre o trabalho.

É com base num olhar alicerçado em contribuições teóricas provenientes de diferentes campos disciplinares, fenómeno que carateriza a investigação em Ciências da Educação, que nos propomos a analisar a identidade profissional de educadores de adultos envolvidos no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais. Na análise da identidade profissional de educadores de adultos, consideramos que esta é construída a partir de processos de socialização que têm lugar no percurso académico e no local de trabalho, de representações que formaram sobre si e sobre os outros, assim como da imagem e da definição que pensam ser-lhes atribuídas pelos outros.

O processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais tem o objetivo de aumentar a qualificação escolar de adultos pouco escolarizados, em Portugal, através do reconhecimento de saberes adquiridos, ao longo da vida, por meio da educação informal, não formal e formal. Esse processo desenrola-se ao longo de três etapas: reconhecimento, validação e certificação. O reconhecimento assenta na explicitação dos saberes decorrentes de aprendizagens realizadas ao longo da vida, realizando-se através da elaboração, pelo adulto, da sua história de vida/portefólio. A validação consiste na análise e comparação dos saberes evidenciados pelo adulto com os elementos que constam nos referenciais de competências-chave (Cavaco, 2020). O processo culmina na certificação, que consiste na atribuição de um certificado que atesta o nível de qualificação obtido. No âmbito do reconhecimento e da validação de adquiridos experienciais, os educadores de adultos desempenham um conjunto de funções relacionadas com a organização e gestão do processo, com o acompanhamento dos adultos na elaboração do portefólio, nomeadamente, no apoio à reflexão, à seleção de momentos e situações, à explicitação e à escrita sobre o percurso de vida e os seus adquiridos experienciais.

A análise apresentada no texto resulta da síntese de resultados obtidos numa investigação, no âmbito de um doutoramento em Educação, na especialidade de Formação de Adultos. Do ponto de vista epistemológico, a investigação alicerçou-se na fenomenologia (Creswell, 2007), pois interessava compreender a interpretação realizada por cada sujeito participante sobre a sua identidade profissional. A investigação filiou-se no paradigma qualitativo e baseou-se na realização de entrevistas biográficas (Delory-Momberger, 2012) com 30 educadores de adultos.

O artigo encontra-se organizado em três partes: a primeira aborda o trabalho e a identidade profissional; a segunda centra-se na metodologia da investigação; e a terceira problematiza a identidade profissional de educadores de adultos envolvidos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais em Portugal.

TRABALHO E IDENTIDADE PROFISSIONAL

Neste trabalho, a identidade é entendida numa perspetiva ampla, plural e mutante, porquanto resulta e influencia os vários domínios da vida - pessoal, familiar, social e profissional. Todavia, reconhece-se que a centralidade que o trabalho tem vindo a assumir na sociedade contemporânea conduziu, progressivamente, a uma sobrevalorização da identidade profissional como elemento estruturante do ser humano.

De entre as várias dimensões constitutivas da vida de uma pessoa, “[...] ofício e profissão continuam a ser indispensáveis para uma estruturação da identidade do adulto [...]” (Boutinet, 2001, p. 199). Quando sabemos a profissão de alguém, acreditamos que conhecemos essa pessoa, no sentido de que a atividade profissional desenvolvida funciona como um meio de identificação, através do qual valorizamos a sua presença, as necessidades pessoais e as capacidades que decorrem da posição económica e social a que a atividade profissional conduz (Beck, 2002). Desse modo, o que as pessoas são é determinado, em grande medida, pela atividade profissional que desenvolvem, porque o trabalho, na era da modernidade, é “[...] uma das fontes essenciais de produção identitária [...]” (Canário, 2005, p. 132).

A identidade profissional começou a ser estudada pela Sociologia do Trabalho, nos anos 1970 (Dubar, 2003). Na génese do estudo da identidade profissional, destacam-se os trabalhos de investigação realizados por Sainsaulieu (Dubar, 1994). Os locais de trabalho são contextos que potenciam o estabelecimento de trocas relacionais e, como tal, reúnem condições que conduzem à produção de identificações nas relações humanas (Sainsaulieu, 2001). Para Sainsaulieu (2001, p. 213), os locais de trabalho são lugares essenciais de socialização, “[...] da construção de definição de si e dos outros, de representação sobre o mundo.”. A identidade reporta-se ao campo das relações humanas, no qual o indivíduo tenta “[...] operar uma síntese entre as forças internas e as forças externas [...]” (Sainsaulieu, 1996, p. 319), entre a imagem que tem de si próprio e a que pensa ser-lhe atribuída pelos outros. O espaço de trabalho constitui um contexto privilegiado de acesso à imagem que cada indivíduo tem de si, através das tensões e dos investimentos psicológicos que aí ocorrem e das relações humanas que se estabelecem entre colegas e com os superiores hierárquicos. Desse modo, o trabalho surge como “[...] o verdadeiro lugar da socialização real e da formação da identidade individual e colectiva.” (Méda, 1999, p. 27).

A construção da identidade consiste num processo dinâmico e resulta do confronto entre as dimensões individual e coletivas da ação profissional. A produção da identidade profissional “[...] confunde-se e sobrepõe-se a um processo largo e multiforme de socialização [...]” (Canário, 2005, p. 132), que cobre toda a vida profissional.

A identidade no trabalho é designada por Dubar (1997, p. 114) como “[...] identidade profissional de base [...]”. A identidade profissional é construída a partir do confronto do indivíduo com o mercado de trabalho, etapa que constitui “[...] o desafio identitário mais importante [...]” (Dubar, 1997, p. 113) num tempo caraterizado pela incerteza e pela precariedade laboral. A identidade profissional constitui uma identidade social, sendo esta fruto de um processo dialético entre a identidade individual e a coletiva. As identidades profissionais são definições de si, assentes em representações do contexto profissional e do lugar que o indivíduo ocupa no mundo, e estão associadas a uma visão do mundo resultante da trajetória social efetuada (Dubar, 1998).

As identidades profissionais são formas socialmente reconhecidas para os indivíduos se identificarem uns com os outros no campo do trabalho. De acordo com Dubar (1994), a identidade consiste numa marca de pertença a um coletivo, a um grupo ou a uma categoria, que permite aos indivíduos serem identificados pelos outros, mas também se identificarem, eles próprios, face aos outros. A identidade é “[...] o resultado simultaneamente estável e provisório, individual e colectivo, subjectivo e objectivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e definem as instituições.” (Dubar, 1997, p. 105). A identidade é entendida por Dubar (1997) como um processo relacional e biográfico. No primeiro caso - a identidade como processo relacional -, procura-se definir o tipo de pessoa que o indivíduo é por meio da identidade atribuída pelos atores sociais com quem interage. Nesse sentido, o indivíduo é identificado e levado a aceitar ou recusar as identificações que recebe dos outros e das instituições, havendo uma modelagem a partir da imagem e da definição que os outros têm dele - a identidade para o outro. A identidade é atribuída pelas instituições e pelos atores que interagem com o indivíduo, constituindo, segundo Goffman (1988), a identidade social “virtual”. No processo de construção da identidade, ocorrem transações externas entre o indivíduo e os atores sociais significativo, que têm como objetivo adequar a identidade para si à identidade para o outro, num processo que Dubar (1997) designa de transação objetiva. No segundo caso - a identidade como processo biográfico -, exprime-se o tipo de pessoa que um indivíduo deseja ser, isto é, a identidade para si. Nesse caso, ocorre um processo de interiorização e de incorporação da identidade pelos próprios indivíduos, produzindo-se o que Goffman (1988) designa como identidade social “real”. O processo de construção da identidade depende de transações internas ao indivíduo entre a necessidade de manter uma parte da identidade herdada (identificações anteriores) e o desejo de construção de novas identidades no futuro (identidade visada), constituindo o que Dubar (1997) apelida de transação subjetiva.

Dubar (1998, p. 80) designa as formas de identidades profissionais “[...] centradas nas relações entre o mundo da formação e o mundo do trabalho ou do emprego [...].” de formas identitárias. O conceito de forma identitária vem dar conta dos tipos de lógicas de ação, de justificações de práticas de trabalho, de emprego ou de formação, e de racionalidades práticas levadas a cabo pelos indivíduos para justificarem as suas ações no campo profissional, incluindo a procura de emprego, de mobilidade e de formação (Dubar, 1994). As formas identitárias expressam lógicas sociais distintas, formas diferenciadas de falar do trabalho que se executa, de contar o percurso profissional e de perspetivar o futuro (Alves, 2009). De acordo com Alves (2009, p. 25), as formas identitárias são produções narrativas, que se dão a conhecer através do modo como os indivíduos “[...] falam do passado, se referem ao presente e projectam o futuro.”.

As formas identitárias situam-se na interseção de processos biográficos de construção de si e de processos relacionais e institucionais de reconhecimento pelo outro. O ponto comum a esses dois processos foi designado como transação e constitui uma forma de exprimir o caráter interativo e recíproco das relações de trabalho e o caráter cada vez mais interiorizado e incerto das trajetórias profissionais (Dubar, 1994).

As formas identitárias são fruto da relação entre as “[...] identificações atribuídas pelos outros [...]” (Dubar, 2006, p. 9) e as “[...] identificações reivindicadas por si próprio [...]” (Dubar, 2006, p. 9), por isso constituem “[...] formas sociais de identificação dos indivíduos na relação com os outros e ao longo de uma vida.” (p. 11), resultando da conjugação das dimensões relacionais e biográficas de identificação, isto é, da identificação para o outro e da identificação para si. As formas identitárias são “[...] cristalizações provisórias de formas socialmente legítimas do indivíduo se definir a si mesmo e de ser reconhecido pelos outros.” (Dubar, 1994, p. 377) que “[...] constituem formas de viver o trabalho (sentido do trabalho) e de conceber a vida profissional no tempo biográfico (trajectória subjectiva) [...]” (Dubar, 2003, p. 51). Exprimem visões do mundo sócio-profissional e traduzem a forma como os indivíduos se definem e são reconhecidos pelos outros (Alves, 2009).

Na análise da identidade profissional dos educadores de adultos a trabalharem em processos de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, consideramos as duas dimensões referidas por Dubar (1994; 1997), a identidade para si e a identidade para o outro. No estudo, pretendemos analisar a identidade profissional de educadores de adultos, procurando elementos comuns, mas também distintivos, ao nível das representações e das imagens que construíram sobre si, sobre os outros e sobre o trabalho.

METODOLOGIA

A análise apresentada é fruto de uma investigação no domínio das Ciências da Educação, mais particularmente no campo da Educação de Adultos. Em termos teóricos, para a construção desta problemática e para o seu enquadramento, recorreu-se a contributos de várias áreas das Ciências Sociais, com particular enfoque da Sociologia da Educação e da Sociologia das Profissões. Neste artigo, procura-se compreender a identidade profissional construída pelos educadores de adultos envolvidos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais em Portugal. Desse modo, procuramos responder à seguinte questão: que identidade profissional foi construída pelos educadores de adultos implicados no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais?

A investigação, do ponto de vista epistemológico, enquadra-se na perspetiva fenomenológica ao centrar-se na essência das experiências humanas relativamente a um fenómeno, de acordo com a descrição efetuada pelos indivíduos e com os sentidos por eles atribuídos (Creswell, 2007). A ideia central dessa perspetiva é a compreensão das intenções, das perceções que os indivíduos colocam nas suas próprias ações, na relação com os outros e com os contextos (Amado, 2013). Na investigação, procurámos compreender as interpretações dos educadores de adultos envolvidos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais relativamente à forma como se percecionam a si próprios e ao trabalho que executam.

Do ponto de vista metodológico, utilizámos a abordagem qualitativa, por se considerar ser esse o tipo de investigação que possibilita uma compreensão mais profunda da questão a investigar, incluindo “[...] as vozes dos participantes, a reflexividade do investigador, e uma descrição e interpretação complexa [...]” (Creswell, 2007, p. 37) do fenómeno em estudo. A entrevista biográfica foi o instrumento escolhido para se efetuar a recolha de dados, procurando, “[...] junto daqueles que sabem, o discurso de que são portadores [...]” (Berger, 2009, p. 178), relativamente à forma como se viam como analisavam o trabalho que executavam. A entrevista biográfica atribui um lugar importante aos pontos de vista dos indivíduos entrevistados na análise dos seus percursos de vida, permitindo estudar as formas que deram à experiência (Delory-Momberger, 2012). Foram realizadas entrevistas biográficas com 30 educadores de adultos que trabalhavam no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais.

Na organização e sistematização dos dados das entrevistas biográficas, utilizámos a análise de conteúdo categorial (Bardin, 1995). As categorias de codificação resultaram da questão de investigação formulada, mas também surgiram à medida que se ia imergindo na transcrição das entrevistas e se tentava sistematizar a informação. O tratamento dos dados das entrevistas biográficas permitiu o ensaio e a construção de um quadro descritivo, a partir do qual se foram extraindo elementos e significados que possibilitaram dar resposta à questão de investigação, utilizando-se o processo indutivo.

Na investigação, respeitámos as orientações éticas referidas na Carta Ética da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação - SPCE, 2014). Nesse sentido, os educadores de adultos foram informados previamente sobre a natureza e os objetivos da investigação, o tratamento confidencial e anónimo dos dados e o direito de desistência de participação em qualquer fase do processo, garantindo-se o consentimento informado. Para garantir o anonimato e a privacidade dos participantes, recorreu-se à atribuição de nomes fictícios.

FRAGMENTAÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DOS EDUCADORES DE ADULTOS

Tendo como base a análise dos discursos dos educadores de adultos, chegámos a quatro categorias de identidades profissionais: os “psicólogos”, os “professores”, os “educadores” e os “nómadas”. As identidades “psicólogos” e “professores” são construídas a partir da formação académica de base; a “educadores” é estruturada a partir da experiência profissional no contexto da educação de adultos; e a “nómadas” é o resultado da forma como alguns educadores de adultos incorporam as incertezas do mercado de trabalho com que se habituaram a lidar e em que a transição entre projetos de trabalho passou a constituir a melhor oportunidade para escapar do desemprego.

OS “PSICÓLOGOS”

A identidade profissional que designamos por “psicólogos” engloba os educadores de adultos que têm como formação de base uma licenciatura em Psicologia e que, quando se pensam em termos profissionais, definem-se como psicólogos. Esses educadores de adultos, apesar de estarem a desempenhar um conjunto de tarefas inerentes ao acompanhamento de adultos, ao longo do processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, quando refletem sobre si e sobre as práticas profissionais que executam, definem-se como psicólogos. Dos 30 educadores de adultos, sete posicionam-se nessa identidade profissional. Soraia é um desses casos. Ela é licenciada em Psicologia, com um percurso profissional de dez anos ligado à educação de adultos e à formação de agentes educativos e, nos últimos quatro anos, exerce funções no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais. Quando reflete sobre a sua atividade profissional, identifica-se como psicóloga: “Se eu estiver a falar com alguém da área, eu digo que sou psicóloga, mas também sou profissional de reconhecimento e validação de competências, mas sou psicóloga porque é a minha formação de base, pertenço à Ordem, se calhar é aquele orgulho na profissão.”.

Soraia concluiu um mestrado em Psicologia Educacional e uma pós-graduação em Reabilitação e Inserção Social. Em termos de futuro, gostaria de “trabalhar na área da deficiência”, “de ter experiência com esse público ou em associações, noutras instituições, e eventualmente trabalhar também ou com crianças ou com jovens”, indo ao encontro da formação pós-graduada que frequentou. Assim, projeta-se a trabalhar no campo profissional da Psicologia, explorando áreas e públicos com que trabalhou na formação pós-graduada.

A construção da identidade profissional da Soraia decorre dos processos de socialização que tiveram lugar durante a formação inicial e contínua em Psicologia, em que, para além da aquisição de um conjunto de conhecimentos e de saberes na área do comportamento humano, teve lugar a formação de um sentimento de pertença a um grupo profissional reconhecido em termos profissionais e sociais. No caso de Soraia, a pertença a uma ordem profissional, elemento estruturador e legitimador das profissões, é também um aspeto importante na construção da sua identidade profissional. Uma ordem profissional é responsável pelo controlo e regulação quer do mercado da formação, quer dos contextos de exercício da prática profissional, conferindo aos profissionais um estatuto social positivo e uma identificação forte com a atividade profissional. Os indivíduos conferem valor “[...] ao facto de serem capazes de se inserir numa categoria [...]” (Sennett, 2007, p. 55-56) profissional. Nesse sentido, os educadores de adultos licenciados em Psicologia identificam-se, maioritariamente, com a sua formação de base e, no caso de Soraia, com a pertença a uma ordem profissional, o que conduz a que a identidade profissional diga mais respeito àquilo a que se pertence do que àquilo que efetivamente se faz (Sennett, 2007).

Rebeca é licenciada em Psicologia, desempenha essa atividade há cinco anos, que concilia com a prática privada de Psicologia Clínica e com o trabalho ocasional em formação profissional. Antes de desempenhar essa atividade profissional, trabalhou em recrutamento e seleção de recursos humanos, na formação profissional e em Psicologia Clínica durante um período de cinco anos. Relativamente ao futuro, Rebeca é taxativa ao afirmar que “essa função que eu tenho neste momento, não gostava de a desenvolver por muito mais tempo porque estou um bocadinho cansada”. No nível profissional, tem “sempre vontade de voltar para a clínica”, “tentar fazer qualquer coisa mais direcionada para a vertente da psicologia clínica”, uma vez que “foi nisso que” se formou “e é por aí que […] gostava de prosseguir”. Rebeca identifica-se como psicóloga, salientando que a formação em Psicologia Clínica constitui uma mais-valia para o seu trabalho atual:

O facto de ser psicóloga clínica acho que também ajuda, a formação em clínica, porque trabalhamos com as histórias de vida das pessoas, de alguma forma temos de ajudar as pessoas a arrumar um bocadinho a casa e todo o seu historial, porque é muito difícil separarem as aprendizagens das vivências emocionais, e então eu penso que, enquanto clínica, eu tenho alguma sensibilidade nesse sentido.

A elaboração da história de vida envolve a produção, a reflexão e a reelaboração da experiência (Cavaco, 2009). Nesse processo, o educador de adultos desenvolve um trabalho fundamental ao criar as condições para que os adultos reconheçam e valorizem os saberes que adquiriram em contextos de educação não formal e informal. O reconhecimento de adquiridos experienciais não se reduz a um trabalho de descrição da experiência de vida, pois implica um rigoroso processo de reflexividade e de distanciamento face ao vivido (Cavaco, 2009), o que mobiliza o educador de adultos para uma postura de apoio e de acompanhamento permanentes. Essas exigências de cariz fundamentalmente relacional contribuem para que os educadores de adultos, com formação de base e experiência profissional em Psicologia, estabeleçam um paralelismo entre a prática profissional no campo de intervenção da Psicologia e o trabalho que desenvolvem no âmbito do reconhecimento e da validação de adquiridos experienciais. Nesse sentido, a intervenção no âmbito dessa prática educativa é encarada como consistindo em mais uma atividade que faz parte do âmbito de atuação dos psicólogos.

O processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais é também visto como um “processo de orientação”, uma vez que “tem a ver também com a minha formação de base”. Essa caraterização foi feita pela Diana, licenciada em Psicologia que, há quatro anos, trabalha como educadora de adultos, período durante o qual realizou um mestrado em educação e formação de adultos pouco escolarizados. A representação que Diana tem de si própria é de ser uma “psicóloga na área da educação e da orientação, a lidar com adultos. Mas principalmente como uma técnica de orientação de carreira”. Quando a Diana reflete sobre o futuro profissional, refere que gostava de “continuar a trabalhar aqui na escola”, mas também de alargar as suas funções, numa perspetiva de que “os recursos técnicos sejam aproveitados para outras funções aqui na escola”.

Essa atividade profissional é encarada pela Célia como fazendo parte do conjunto de práticas profissionais que os psicólogos podem desempenhar: “para quem sabe que sou psicóloga, faz um pouco de confusão que tipo de trabalho é este que faz uma psicóloga”, trabalho que descreve como “muito emocional”, “muito humano”, “como uma forma de ajudar”. Célia é licenciada em Psicologia, tem um mestrado em educação para a cidadania e, antes de ser educadora de adultos, atividade que desempenha há cinco anos e meio, trabalhou como psicóloga e como formadora em várias instituições. Em termos de projetos profissionais futuros, Célia refere que “depende muito da continuidade aqui do centro”, mas que o fato de que tem trabalhado “na área da Psicologia, mas diversificado” permite-lhe “ter facilidade, mesmo com o mercado como está”, estando otimista, pois “a ONG para a qual trabalhava já me disse que, se ficar desempregada, querem que eu regresse”.

Os projetos profissionais de Célia, à semelhança dos colegas que se posicionam na mesma identidade profissional, de uma forma geral, estão direcionados para o campo da Psicologia. Em alguns casos, o trabalho no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais é percecionado como um outro domínio do campo profissional da Psicologia e, portanto, desempenhar essa atividade profissional não é propriamente sentido como sair da área de formação de base. Para a construção desse sentimento de pertença, não é alheio o facto de os campos profissionais da Psicologia e da Educação de Adultos serem relacionais, uma vez que em ambos o foco da atuação é o ser humano e há a valorização de posturas de apoio, escuta, empatia e respeito pelo outro (Wittorski, 2014). A identidade profissional “psicólogo” é construída a partir de processos de socialização que tiveram lugar durante a formação de base, à semelhança dos formadores-animadores estudados por Gravé (2009a; 2009b), que construíram uma identidade profissional ligada à formação de base, não valorizando experiências de socialização secundária do campo da formação profissional contínua, no qual efetivamente se inseriam profissionalmente. O período em que decorre a formação de base constitui um momento de socialização fulcral, “[...] o que configura a escola de formação como uma instância extremamente importante no processo de produção da identidade profissional.” (Canário, 2005, p. 127). Nesse sentido, Dubar (2003) refere que a formação de base é essencial na construção das identidades profissionais, uma vez que promove a incorporação de saberes que estruturam, simultaneamente, a relação com o trabalho e o percurso profissional.

OS “PROFESSORES”

A identidade profissional que denominamos “professores” engloba os educadores de adultos que se definem como professores. Esses profissionais possuem como formação de base uma licenciatura direcionada para o ensino e um percurso profissional anterior como professores ou como formadores, atividades para as quais é exigida uma licenciatura que habilite para a docência. Nessas circunstâncias, encontram-se cinco educadores de adultos. Tomé é licenciado em Filosofia, iniciou a atividade de professor em 1992, que decorreu sem interrupções até 2008, ano em que transitou para o reconhecimento e a validação de adquiridos experienciais. Antes de iniciar essa atividade, já possuía experiência de trabalho na área da educação de adultos, “curiosamente quase ano sim, ano não, tinha horário noturno”, tendo também desempenhado “funções de formador na área de CLC [Cultura, Língua e Comunicação]”. Tomé, quando reflete sobre si em termos profissionais, refere “sou professor”, adiantando que “eu nunca senti tanto apelo às minhas capacidades de professor num sentido mais pedagógico, o que eu acho que falta aqui é uma dimensão mais pedagógica ao percurso”. A identidade profissional de Tomé está alicerçada, por um lado, na sua formação de base, pois é detentor de uma licenciatura que o habilitou para a docência no nível secundário: “como sou de Filosofia, essencialmente dei aulas ao secundário […], também lecionei Psicologia, uma outra vez Sociologia”. Por outro lado, a identidade profissional alicerça-se no percurso profissional de, aproximadamente, 16 anos ligados ao ensino de jovens e, mais esporadicamente, de adultos. Tomé refere que “projetos para o futuro é continuar a ser professor”.

Conceição, licenciada em Biologia e Geologia, ramo educacional, lecionou durante 23 anos, integrou diversos projetos educativos, ocupou cargos em órgãos de gestão da escola e refere que veio “parar à noite por questões pessoais”. É educadora de adultos no âmbito do reconhecimento e da validação de adquiridos experienciais há três anos, tendo frequentado formação direcionada para o processo. Define-se, em termos profissionais, como professora e conta, por diversas vezes, “eu gosto muito de ser professora”, acrescentando: “eles [professores] veem-me como uma colega, na visão que os outros têm em relação a mim.” A representação que Conceição tem de si é como professora e considera que os outros, colegas professores, a veem também como uma colega, isto é, como professora. Relativamente ao futuro, Conceição “gostaria de continuar com os adultos”, no entanto, “o futuro está um bocadinho incerto porque, em relação às ofertas no ensino noturno, estão a desaparecer, os EFA [cursos de educação e formação de adultos] não deixaram abrir mais, as formações modulares também”. Contudo, ela está certa de uma coisa, de que gosta de ser professora, e, se as ofertas direcionadas para a população adulta deixarem de existir, voltará a ocupar a sua posição de professora na escola. Conceição, à semelhança de Tomé, reivindica uma identidade profissional construída com base na sua formação de base e no percurso profissional na área do ensino.

De forma análoga, Daniela, licenciada em Matemática, identifica-se como professora: “eu sou professora de matemática do quadro desta escola”. Daniela lecionou a disciplina de matemática durante 18 anos no ensino regular e trabalhou com adultos durante um ano no ensino recorrente por unidades capitalizáveis. É educadora de adultos no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais há cinco anos. Daniela é avaliada “como qualquer docente na escola”, com recurso a “aulas assistidas”, apesar de não estar a desempenhar a atividade profissional de professora. Daniela, quando reflete acerca do futuro, refere que “gostaria muito de continuar ligada à educação de adultos porque tem sido uma experiência muito interessante”, “embora também goste muito de dar aulas e também já tenha umas certas saudades”. Contudo, Daniela sabe que “se isto acabar”, isto é, o processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, vai continuar na escola e regressa ao ensino, “às aulas normais com os nossos miúdos”, portanto, o seu futuro profissional está assegurado.

A identidade profissional de “professor” é construída a partir dos processos de socialização que tiveram lugar durante a formação de base e dos processos de socialização que ocorreram durante o percurso profissional na área da docência. A fixação identitária externa à formação contínua, e ligada à formação inicial, foi encontrada por Gravé (2009a; 2009b) em relação aos formadores-animadores. Esses formadores rejeitam a identidade profissional ligada à função que estavam a desempenhar, evidenciando uma identidade ligada à sua formação de base, construída durante os processos de socialização que tiveram lugar aquando da sua frequência. De forma semelhante, na investigação desenvolvida por Hedjerassi e Bazin (2013), a identidade profissional dos professores é construída atendendo às disciplinas que lecionam. Frank (1989) refere que os educadores de adultos que também são professores identificam-se com o ensino da disciplina da área em que se especializaram e da qual são docentes, constituindo a educação de adultos uma atividade relegada para segundo plano e com a qual não sentem afinidade do ponto de vista identitário. A construção da identidade profissional encontra-se estreitamente relacionada com a formação de base, desempenhando as escolas de formação inicial “[...] um papel central na produção da profissionalidade.” (Canário, 2004, p. 122).

OS “EDUCADORES DE ADULTOS”

Oito profissionais com formação de base no nível da licenciatura em Ciências da Educação, Sociologia, Psicologia, Antropologia e licenciaturas via ensino definem-se como educadores, formadores, orientadores, facilitadores, mediadores, guias e acompanhantes de adultos. Joaquim é licenciado em Teologia, foi professor de religião e moral durante quatro anos, intervém no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais há três e refere que “dentro do meu campo de trabalho, gosto muito de usar a palavra educador, formador, vejo-me mais nesse papel”. A representação que o Joaquim tem de si próprio em termos profissionais é de educador e formador, identidade que resulta da atividade profissional que desenvolve com adultos no âmbito dessa prática educativa. Joaquim gostava de poder continuar a trabalhar nesse processo, uma vez que desenvolve uma atividade que considera estimulante porque cada história de vida é “diferente” e o adulto “também tem caraterísticas que nunca são comparáveis a outros”.

Carlota é licenciada em Sociologia, trabalhou como administrativa em duas instituições e é educadora de adultos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais há quatro anos e meio. Define-se como “uma mediadora, uma facilitadora”, cujo objetivo “não é só o guiar, mas ajudá-los [os adultos], ser um ombro amigo se for preciso […]”. Em termos de projetos profissionais, Carlota “gostava da área da educação, da área social, desta área”.

Ângela é licenciada em Antropologia e mestre em Ciências da Educação, na área de educação de adultos e jovens pouco escolarizados. Trabalhou em diversas áreas profissionais e, há cinco anos, é educadora de adultos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. Ângela refere que se vê como acompanhante dos adultos que orienta no processo: “mas o conceito que eu tenho de mim própria é que, acima de tudo, eu estou aqui mesmo como acompanhante, não é acompanhante, é na figura de acompanhante em educação de adultos, dos adultos”. O percurso inicial da Ângela é marcado pela diversidade de formações, que deixa perceber a instabilidade e a precariedade das condições de trabalho. A educação de adultos pode ter sido a possibilidade que trouxe maior estabilidade ao seu percurso profissional. Em termos profissionais, Ângela gostava de continuar no campo da educação porque, segundo ela, “no que depende de mim, o meu futuro passa pela educação”, apesar de considerar “que o futuro não é muito risonho em termos de educação”. A experiência profissional da Ângela no domínio da educação de adultos é considerável, e o mestrado em “educação de adultos e jovens pouco escolarizados” permitiu a socialização profissional nesse domínio de atuação, o que justifica o seu posicionamento nessa identidade profissional.

Manuela é licenciada em História via ensino e frequentou uma pós-graduação em Tecnologias da Informação e Multimédia. Em termos profissionais, realizou o “estágio profissional no [seu] grupo de recrutamento” e, concluído o estágio, começou a trabalhar em consultoria informática “porque não tinha colocação na área do ensino”. É educadora de adultos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais há cinco meses, tendo optado por essa atividade uma vez que não ficou colocada no concurso de contratação de professores e considerou “que seria uma alternativa interessante”, atendendo que gosta “da formação de adultos”. Em termos profissionais, a Manuela “gostava de continuar na área de formação de adultos, seja lá o que ela vier a ser”. Quando pensa em si em termos profissionais e se projeta no futuro, define-se como educadora de adultos porque entende que, devido às dificuldades de colocação dos professores, o seu caminho terá mesmo de passar pela educação de adultos.

Daniel é “formado em Filosofia” via ensino e realizou o estágio profissional na escola onde desde há 3 anos desempenha a atividade de educador de adultos no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais. Ele refere que se vê como “um guia” ao orientar o percurso dos adultos em reconhecimento e validação de adquiridos experienciais: “a imagem que depois eu tenho é do estruturador, digamos assim, dos percursos dos adultos nos processos, um guia, vá lá, é essa a imagem que eu tenho”. Contudo, os seus projetos profissionais não estão ligados a essa prática educativa “porque o futuro não é propriamente risonho na área da educação”. Daniel, à semelhança da Manuela, não se define e não se projeta como professor em termos de futuro, percebendo-se que considera inviável uma colocação como docente. Apesar de se definir como educador de adultos, não pretende continuar a trabalhar no campo da educação de adultos, nem na área da docência, invocando a situação instável das atividades profissionais nesse campo profissional. A instabilidade das atividades profissionais no campo da educação de adultos em Portugal é subsidiária de políticas públicas de educação de adultos fragmentadas, nas quais predomina a ausência de um fio condutor (Lima, 2008). Nesse sentido, os educadores de adultos enfrentam condições de trabalho precárias, pautadas por contratos de trabalho a prazo, a tempo parcial e em regime de recibos verdes, assistindo-se a uma “[...] preocupante degradação e ‘proletarização’[...]” (Canário, 2007, p. 173) desses profissionais, que, face às condições do mercado de trabalho, se transformam em “[...] ‘empresários de si’ [...]” (Canário, 2007, p. 173).

A identidade percebida por esses profissionais, a partir da definição que produzem sobre si próprios, integra-se na conceção que adotamos de educador de adultos como agente educativo que assume uma postura de diálogo e de apoio, que promove a participação e o desenvolvimento das potencialidades dos adultos, valorizando as aprendizagens produzidas em todos os contextos de vida. Os profissionais que denominamos de “educadores”, apesar de possuírem formações de base diversas e percursos profissionais heterogéneos, utilizam denominações que se enquadram no conceito de educador de adultos por nós adotado, quando refletem sobre a atividade profissional que executam. No âmbito do desempenho dessa atividade profissional, veem-se como “alguém que incentiva, que motiva” (Joaquim), “um ombro amigo, mas que dá nas orelhas quando tenho que dar” (Carlota), “figura de acompanhante em educação de adultos” (Ângela), “quase uns guias, somos orientadores” (Luísa), uma “orientadora, de entre as competências que as pessoas têm, tenho de orientá-las” (Sílvia). O facto de esses educadores utilizarem diferentes designações para se definirem em termos profissionais, não obstante todas elas fazerem parte do conceito por nós adotado de educador de adultos, deve-se à geometria variável do campo da educação de adultos, referida por Canário (2008). Na categoria educador de adultos, cabe uma grande diversidade de pessoas, são “[...] agentes formais de educação de adultos [...]” (Canário, 2008, p. 17), que, nesse âmbito, desempenham uma multiplicidade de atividades. Nesse sentido, Canário (2008, p. 17) explicita que ao “[...] ofício [...]” do educador de adultos corresponde uma “[...] multiplicidade de designações [...]”.

Os profissionais que se definem como educadores de adultos, para além de terem formação de base heterogénea, possuem também percursos profissionais anteriores diversificados. Contudo, é o desempenho dessa atividade profissional e as experiências de socialização secundária que tiveram lugar no contexto profissional da educação de adultos, em geral, e do reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, em especial, que contribuíram para a construção da identidade profissional de “educadores”. O trabalho que se executa influi na construção da identidade profissional, na medida em que o ser humano se torna aquilo que faz (Tardif e Lessard, 2009).

Nesse sentido, Abreu (2001, p. 95) afirma que as identidades profissionais são construídas durante a prática profissional, em contexto de trabalho, não possuindo um caráter estático e definitivo, pelo contrário, encontram-se num processo evolutivo constante, pois “[...] evoluem ao longo da história e da vida e constroem-se através de escolhas mais ou menos conscientes, que lhes vão conferir novas orientações e significações.”. É caso para reafirmar que o trabalho ocupa o lugar central no processo de construção das identidades, “[...] uma vez que é no e pelo trabalho que os indivíduos, nas sociedades salariais, adquirem o reconhecimento financeiro e simbólico da sua atividade.” (Dubar, 2003, p. 51) e é através dele que conferem sentido às suas vidas e acedem à autonomia e à cidadania.

OS “NÓMADAS”

Alguns profissionais que trabalham no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais não reivindicam uma identidade ligada à formação de base e também não se definem como educadores de adultos. Aos profissionais que se incluem nessa categoria chamamos “nómadas”.1 A identidade “nómadas” remete para uma forma de trabalhar em que, ao contrário das três categorizações de identidade profissional que identificámos anteriormente, não há uma identificação com a formação de base, nem com o trabalho que se está a executar no campo da educação de adultos. Na identidade “nómadas”, a atividade profissional desempenhada é encarada como mais um emprego, que, enquanto durar, lhes proporciona sustento financeiro, constituindo mais um projeto num percurso profissional que vai sendo construído em função dos projetos ou das experiências que surgem. Contudo, esse emprego tem uma duração desconhecida, uma vez que depende da continuidade das políticas públicas de educação de adultos implementadas pela tutela. A atividade que desempenham não é necessariamente uma fonte de satisfação pessoal e profissional, e a continuidade da intervenção no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais não é um desejo comum. Dez educadores de adultos posicionam-se nessa identidade profissional.

Susana, licenciada em Ciências da Educação, com um percurso profissional anterior de quase quatro anos preenchido com experiências de trabalho primeiro num call-center e depois na área da educação e formação, é educadora de adultos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais numa instituição militar, ao mesmo tempo em que trabalha como instrutora de body vive, área em que tem investido em termos de formação profissional: “estou então a dar aulas de body vive e estou em formação de pilates”. Susana não reivindica uma identidade profissional associada à formação de base ou à área do exercício profissional atual, possuindo a intenção de, no futuro, desenvolver um projeto na área na qual tem investido em termos de formação profissional, o desporto, combinado com a prestação de cuidados à população idosa.

Tânia, licenciada em Psicologia, com duas pós-graduações, uma em Medicina Legal e outra em Psicoterapia, e a frequentar um mestrado em Psicologia Comunitária, encara a atividade profissional atual como “uma passagem para a maior parte das pessoas”. É educadora de adultos no reconhecimento e validação de adquiridos experienciais há um ano e dez meses. Anteriormente trabalhou como psicóloga em contextos de intervenção em crise, no apoio psicológico a jovens e a populações vulneráveis do ponto de vista social, referindo ainda que ingressou nesse processo porque estava desempregada. Quando começou a trabalhar no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais, frequentou uma ação de formação que ela própria pagou, para adquirir conhecimentos que lhe permitissem desempenhar uma atividade profissional num campo de trabalho novo. Contudo, desde então, não tem “investido mais na área da formação de adultos”, uma vez que possui “outras preferências” que a conduziram a optar por “tirar um mestrado […] na área de Psicologia Comunitária”, até porque a “formação de base é a área clínica” e pretende transitar em termos profissionais para “uma área mais social”.

O sentimento de transitoriedade é partilhado pela Mariana ao referir que esta “é uma atividade profissional que eu tenho agora e que sei que vou deixar de ter”, “não é para toda a vida”. Mariana é licenciada em Sociologia, tem um mestrado em Sociologia da Educação e trabalha há quatro anos como educadora de adultos no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. O seu percurso profissional anterior foi dedicado durante quatro anos à investigação em Sociologia em várias instituições. Apesar de Mariana gostar de trabalhar em educação de adultos, sabe que o mundo do trabalho é mutável e que os empregos vão-se sucedendo: “sei, pela conjuntura política que nós vivemos, as coisas estão em mudança, sempre soubemos que as coisas não são eternas e que estes profissionais não iriam existir para sempre, algum dia teriam de desaparecer e dar origem a outros”.

Álvaro é professor do primeiro ciclo do ensino básico, tendo frequentado “formação de inovação empresarial”, o que o levou, “então, a trabalhar numa associação empresarial, no âmbito da gestão e formação”. Entretanto, deixou a associação empresarial para ter o “primeiro contacto com as crianças no ensino durante sensivelmente dois anos”, período após o qual regressou à mesma instituição para trabalhar no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, um trabalho do qual gostou “bastante”, tanto que não voltou “a concorrer, digamos, para o ensino”. Álvaro trabalha como educador de adultos nessa prática educativa há cinco anos e considera que os projetos para o futuro em termos profissionais “são um pouco incertos”, acrescentando que está “um pouco à espera do que é que irá acontecer”. Contudo, refere que tem “sempre planos alternativos”, estando a ponderar criar o “próprio negócio”, situação que já experimentou “na área dos eventos”, mas obteve pouco sucesso. A postura empreendedora de Álvaro “se calhar, futuramente, poderá passar ainda por aí, mas numa outra área, num outro campo”, ligada “com o sushi, na área alimentar”, considerando que “é uma ideia ainda a trabalhar”, mas de qualquer forma com “pernas para andar”.

Esses profissionais possuem um elemento comum entre si, que é o desapego com que trabalham no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, não estabelecem vínculos com essa atividade, entendendo essa fase como transitória. Encaram o presente e o futuro com pragmatismo, e a atividade profissional tem um caráter instrumental, de satisfação de necessidades económicas e de criação de condições que potenciam a realização de projetos pessoais exteriores ao contexto profissional em que os indivíduos estão inseridos. São identidades profissionais construídas em contextos socioprofissionais nos quais o risco de desemprego está omnipresente, fruto de um mercado de trabalho caraterizado pela precariedade e pela ausência de vínculos laborais duradouros. Martins (2014, p. 164), numa investigação de natureza qualitativa que realizou com técnicos a trabalharem em cursos de educação e formação de adultos e no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais, verificou que, numa parte significativa desses profissionais, a “[...] percepção subjetiva à ocupação é vivida sob o modo de uma identidade sócio-profissional incerta, marcada por uma grande ambiguidade e ambivalência [...]”, exteriorizada pela dificuldade que esses profissionais apresentam em “[...] definirem aquilo que ‘são’ do ponto de vista ‘profissional’ [...]” (grifos do original). Nesse caso, a atividade de formador surgia diluída noutras “[...] identidades concorrentes associadas aos outros projectos [...]” (Martins, 2014, p. 164) profissionais em que esses técnicos estavam envolvidos.

Os profissionais que trabalham no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais que possuem uma identidade “nómada” não se definem como educadores de adultos, nem reivindicam uma identidade ligada à área de formação de base. A ausência de um sentimento de pertença relativamente ao mundo do trabalho pode ser explicada pela fluidez e precarização do mercado de trabalho, que conduz a percursos profissionais construídos com base em projetos que se sucedem em função das oportunidades que vão surgindo, na linha do referido por Bauman (2005a). No que diz respeito aos percursos profissionais, houve a apropriação da ideia de que o trabalho é efémero, assentado num registo de curto prazo (Robin, 2009). Os adultos em idade ativa são confrontados com a flexibilidade e a não seletividade na procura de emprego, adotam a postura de “não esperarem demais dos seus empregos, aceitá-los como são, sem fazer muitas perguntas, e rata-los como uma oportunidade a ser usufruída de imediato, enquanto dure” (Bauman, 2005b, p. 18). Devido à mudança permanente, esses adultos estão “[...] sempre em movimento [...]” (Robin, 2009, p. 137), transitando de uma atividade profissional para outra, não desenvolvendo um sentimento de pertença, tornando-se “[...] estranhos às culturas [...]” (Robin, 2009, p. 137) das organizações por onde passam. Para essas pessoas, os empregos que vão acumulando não chegam a constituir capítulos dos seus projetos de vida, oferecendo parcas contribuições para o desenvolvimento de uma autodefinição consolidada e não constituindo, de modo algum, uma garantia de segurança no longo prazo (Bauman, 2005b).

A IDENTIDADE PROFISSIONAL ATRIBUÍDA: CONTRIBUTOS DOS CONTEXTOS PROFISSIONAL E SOCIAL

A forma como os educadores de adultos pensam sobre si próprios e o que fazem resulta da articulação entre a identidade para si e a identidade para o outro e das transações que ocorrem entre essas duas dimensões (Dubar, 1997). Nesse sentido, a identidade profissional não é imutável, mas sim passível de sofrer reconfigurações e renegociações entre a identidade para si e a para o outro. A identidade para si é a representação que o educador de adultos tem de si próprio, como é que se pensa relativamente ao trabalho, à formação e ao futuro. A interiorização do tipo de pessoa que se deseja ser produz o que Goffman (1988) designa de identidade social “real”. A identidade para si resulta da forma como o educador de adultos valoriza a formação de base, a formação contínua, a relação entre a formação e as experiências profissionais e antecipa e se projeta no futuro. Sendo a identidade para o outro a imagem e a definição que as pessoas com quem o indivíduo se relaciona têm dele, no caso dos profissionais entrevistados, essa identidade é marcada pelo desconhecimento da função e pela falta de reconhecimento do trabalho que desempenham. A esse propósito, Carina refere que: “as pessoas não têm consciência do que é que nós fazemos, mesmo aqui na escola. Somos, inclusivamente, em algumas circunstâncias, equiparadas às assistentes técnicas, às administrativas”.

Também no nível da sociedade, existe uma falta de conhecimento relativamente a essa atividade profissional, levando Álvaro a referir que “a informação veiculada não é de todo a correta”. A massificação do reconhecimento e da validação de adquiridos experienciais pode ter conduzido a que esse processo seja olhado com suspeita por parte da população, que tem conhecimento dessa prática educativa através dos meios de comunicação social. A aposta política centrada na promoção da visibilidade social dessa prática educativa é justificada pela associação entre o reconhecimento e a validação de adquiridos experienciais e a qualificação de recursos humanos. A perceção desse processo, que foi passando para a sociedade, está associada à desvalorização e descredibilização, quer dessa prática educativa, quer de algumas atividades profissionais nesse âmbito, aspeto que transparece no discurso da Adriana quando refere que “o que eu sinto como profissional é que o meu trabalho não é reconhecido pela sociedade, pelas pessoas de fora, devem pensar que nós andamos aqui a brincar com os adultos, fazemos uns textinhos e no fim têm uma certificação”. Nesse sentido, a identidade social “virtual” (Goffman, 1988) é marcada pela falta de apreço e de valorização, sentida pelos agentes educativos, por parte das instituições onde os educadores de adultos trabalham e da própria sociedade. O caráter recente e específico do reconhecimento e da validação de adquiridos experienciais contribui para a falta de reconhecimento e de visibilidade social dessa atividade profissional. Nesse sentido, existe desconhecimento em relação ao trabalho desenvolvido por esses educadores de adultos.

Na medida em que a identidade profissional é o resultado de transações entre a identidade para si e a para o outro, a imagem que os outros têm acerca do trabalho e da função que se desempenha influi na representação que se tem acerca de si próprio. Nesse sentido, o desconhecimento do trabalho desempenhado no âmbito do reconhecimento e da validação de adquiridos experienciais e a falta de reconhecimento em relação quer à atividade profissional, quer à prática educativa influenciam a representação que esses profissionais têm acerca de si próprios, levando-os a projetarem-se com frequência para fora da atividade profissional atual e a valorizarem a formação de base e a experiência profissional anterior. É o caso das identidades profissionais “psicólogos” e “professores”. Além disso, a precariedade do vínculo laboral e a tradição de descontinuidade de medidas políticas de educação de adultos, em Portugal, originam uma descrença face ao futuro, o que justifica a identidade profissional “nómadas”, traduzida na dificuldade em definir um projeto profissional na área de trabalho. Os profissionais que adotam a identidade “educadores de adultos” sentem-se realizados com o trabalho junto dos adultos, valorizam a sua longa experiência no domínio e projetam o futuro profissional na área, destacando o interesse e a importância educativa e social das suas funções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A identidade profissional é um “[...] dispositivo organizador de experiências [...]” (Rodrigues e Mogarro, 2020, p. 15), é construída, experimentada e reconstruída ao longo da vida, por meio da socialização, da negociação e da interação. A identidade profissional exprime a forma como se vivencia o trabalho e se encara o mundo do trabalho e do emprego, resultando da transação entre um processo biográfico e um processo relacional (Dubar, 1997). As narrativas dos educadores de adultos evidenciam identidades profissionais fragmentadas ou “várias identidades”, parafraseando Bron e Jarvis (2008). As identidades profissionais desses educadores de adultos são construídas a partir da área científica da formação de base, da prática profissional ligada à formação de base, desempenhada ao longo do tempo, e da prática profissional atual no campo da educação de adultos, nomeadamente, no processo de reconhecimento e validação de adquiridos experienciais. Milana e Skrypnyk (2010) referem que os educadores de adultos desenvolvem identidades profissionais múltiplas em ligação com a área disciplinar da formação de base, com a atividade profissional que desempenham e com a educação de adultos enquanto campo de prática profissional.

Para a ausência de uma identidade comum partilhada pelos educadores de adultos, concorrem várias circunstâncias que contribuem para a diversidade e complexidade das práticas profissionais no campo da educação de adultos. Uma das circunstâncias apontada por Galbraith e Zelenak (1989) como sendo responsável pela ausência de uma identidade profissional comum a todos os educadores de adultos é a diversidade de atividades profissionais subjacente a esse campo de práticas. Os educadores de adultos podem desempenhar um conjunto vasto de atividades educativas, com diferentes graus de formalização e em contextos de trabalho variados. Um outro fator apontado por Galbraith e Zelenak (1989) para a existência de uma identidade profissional fragmentada é o facto de os educadores de adultos não partilharem uma formação de base comum. No nível da qualificação inicial dos educadores de adultos entrevistados, o único aspeto comum é o grau de licenciatura. Contudo, esses educadores possuem licenciaturas em áreas diversas, tanto no nível das Ciências Sociais e Humanas, como no das Naturais. Além disso, a precariedade do vínculo laboral e a descontinuidade de medidas políticas de educação de adultos, em Portugal, justificam a multiplicidade de formas identitárias dos educadores de adultos a trabalhar no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais.

A forma como os educadores de adultos se definem resulta da articulação entre a identidade para si e a identidade para o outro. O reconhecimento e a validação de adquiridos experienciais, ao ser uma prática educativa recente, contribui para o desconhecimento e a falta de visibilidade social do trabalho executado por esses educadores de adultos. A identidade para o outro, ao resultar das representações que os outros têm sobre o que se faz e quem se é, no caso desses profissionais, é marcada, por um lado, pelo desconhecimento da atividade profissional e, por outro, pela falta de reconhecimento e de visibilidade social. A identidade profissional tem sido estudada em várias atividades profissionais e profissões (Abreu, 2001; Hedjerassi e Bazin, 2003; Tavares, 2007; Gravé, 2009a; 2009b). Contudo, o estudo da identidade profissional dos educadores de adultos, em Portugal, não tem sido objeto de interesse dos investigadores da mesma forma que outros domínios de investigação. A análise da identidade profissional constitui um aspeto importante para se pensar o desenvolvimento profissional dos educadores de adultos envolvidos no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais.

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1 Optámos pela designação “nómadas” porque capta melhor a ideia de pessoas que, na altura em que foram realizadas as entrevistas, estavam a trabalhar no reconhecimento e na validação de adquiridos experienciais, anteriormente tinham estado a trabalhar em outras atividades e têm consciência de que, a seguir, irão transitar para um outro projeto profissional, sem se identificarem com nenhuma das atividades profissionais desempenhadas.

Financiamento: Esta investigação foi financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Portugal (referência SFRH/BD/101541/2014).

Recebido: 14 de Agosto de 2021; Aceito: 27 de Abril de 2022

Catarina Isabel Fonseca Paulos é doutora em Educação pela Universidade de Lisboa (Portugal). Investigadora da mesma instituição. E-mail: catpaulos@gmail.com

Cármen Cavaco é doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Lisboa (Portugal). Professora da mesma instituição. E-mail: carmen@ie.ulisboa.pt

Conflitos de interesse: As autoras declaram que não possuem nenhum interesse comercial ou associative que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.

Contribuições das autoras: Conceituação, Análise Formal, Obtenção de Financimento, Investiação, Metodologia, Administração do Projeto, Escrita - Primeira Redação: Paulos, C. Supervisão: Cavaco, C. Escrita - Revisão e Edição: Cavaco, C., Paulos, C.

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